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O impacto da pandemia da Covid-19 nas mulheres em situação de extrema pobreza

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GT 4 - Gênero, raça e classe como sistemas interligados de dominação e exploração

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O impacto da pandemia da Covid-19 nas mulheres em situação de extrema pobreza

Cássia Maria Carloto* Nayara Cristina Bueno**

Resumo

Este trabalho tem por objetivo debater os impactos da pandemia no trabalho de cuidados e uso do tempo das mulheres em situação de extrema pobreza. A partir da pesquisa - Impacto da pandemia COVID 19 no cotidiano de mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família: trabalho de cuidados e uso do tempo – buscamos, nesse texto, trazer a análise de dados coletados a partir de entrevistas, via telefone, com mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família em Guarapuava, Itambé e Londrina (PR). Nossa análise, pautada pelo campo da teoria critica feminista, privilegiará o módulo voltado a cuidados e uso do tempo no trabalho doméstico-familiar durante a pandemia.

Palavras-chave: Trabalho de cuidados doméstico-familiares. Uso do Tempo.

Introdução

A pandemia de COVID-19 atingiu, até maio de 2021, mais de 14 milhões de brasileiros (as), gerando mais de 411 mil mortes1. Os impactos da pandemia têm afetado de forma negativa o cotidiano de muitas famílias brasileiras em vários níveis: a perda de emprego e renda, a diminuição dos salários; as dificuldades de diferentes ordens com o ensino remoto, as condições de trabalho que potencializam o contágio (locomoção, ambiente, acesso aos insumos de proteção entre outros); o aumento e sobrecarga do trabalho de cuidados doméstico-familiares. Esses impactos se manifestam de forma diferenciada conforme a posição de classe, de gênero e da raça/etnia. As diversas desigualdades que nos cercam – classe, raça, gênero – estruturam a sociedade em que vivemos. Essas desigualdades

*Docente da Universidade Estadual de Londrina. Contato: cmcarloto@gmail.com.

** Docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste e doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual de Ponta-Grossa. Contato: nbueno@unicentro.br.

1 Dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2021).

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acentuam-se nas instituições, oportunidades de ensino, mercado de trabalho, e nas próprias relações sociais cotidianas. Nesse sentido, é preciso compreender como essas instâncias articulam-se de forma consubstancial conforme destaca Daniele Kergoat (2010).

Em nossa pesquisa procuramos investigar, considerando os efeitos consubstanciais dessas posições, o impacto da pandemia na vida das mulheres. Nesse texto daremos destaque ao módulo que tratou dos cuidados e uso do tempo no trabalho doméstico familiar.

A pesquisa envolveu trinta e sete mulheres de municípios do Paraná: Guarapuava, Itambé e Londrina, beneficiárias do Programa Bolsa Família. Aplicamos questionários de forma remota, via telefone. Essa foi a estratégia possível no contexto pandêmico e de isolamento social, no qual as atividades presenciais das universidades estavam suspensas, bem como o atendimento de serviços socioassistenciais aconteciam preferencialmente de forma remota.

Por se tratar de pesquisa realizada por meio de contato telefônico, consideramos essencial, para estabelecer uma relação de confiança entre as participantes da pesquisa e as pesquisadoras, que a amostragem fosse por conveniência (GIL, 2008), partimos dos contatos previamente estabelecidos com beneficiárias do PBF indicadas por trabalhadoras da política de assistência social nos municípios pesquisados.

1. Cuidados e uso do tempo entre as mulheres pobres e negras no trabalho doméstico familiar

As mulheres em situação de extrema pobreza são as mais prejudicadas com a sobrecarga que a família assumiu no novo ordenamento das políticas sociais, a partir de sucessivas crises econômicas e fiscais desde pelo menos a década de 1990, por ocuparem uma posição subalterna na hierarquia dos gêneros e terem um papel fundamental na reprodução social.

Sem o Estado como principal agente da proteção social, por meio de serviços de acolhimento, de saúde, de educação ou de benefícios monetários para crianças, idosos e/ou doentes, as mulheres se veem desprotegidas e presas a funções e papéis tradicionais, no contexto de um país que ainda não se libertou de seu passado escravocrata, que só esboçou a construção de um Estado de Bem Estar Social com a Constituição de 1988, que foi sendo

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desmontada e, nesse momento, no atual governo, há uma aceleração da privatização e mercadorização dos direitos sociais.

Em nossa pesquisa mais uma vez constatamos a predominância de mulheres negras entre as respondentes. Se autodeclararam como pretas e pardas 70,3% das entrevistadas, confirmando as pesquisas já realizadas pelo Censo 2010 (IBGE), que aponta que são as mulheres negras que predominam entre os mais pobres. Conforme mostra um estudo realizado pelo IPEA (2013, p.115) “a participação dos negros nos estratos inferiores da distribuição (pobre e extremamente pobres) é sempre maior que o dobro da participação da população branca, o que não sofreu alterações significativas na última década analisada”.

Em tempos de pandemia as mulheres pobres e negras, que já viviam sem acesso a direitos fundamentais para uma existência digna, são um dos principais grupos a sentirem o impacto negativo da pandemia em seu cotidiano de trabalho de cuidados doméstico familiar.

O debate sobre cuidado surgiu com força como uma área específica de estudos e demandas feministas na América Latina. Estes estudos são originados de debates europeus em torno do trabalho doméstico não remunerado e o trabalho produtivo e seus vínculos com o sistema econômico e, fornecem um importante aporte para as reflexões sobre as desigualdades de gênero, tendo como uma das categorias centrais a divisão sexual do trabalho (NAVARRO e RICO, 2013).

No Brasil, o debate e a produção em torno do tema ganham importância e protagonismo nas pesquisas em função das medidas neoliberais que vão marcar a conjuntura econômica e política a partir dos anos 1980. No contexto de forte familismo e maternalismo nas políticas protetivas, tem se delegado às mulheres a responsabilidade do cuidado dos membros da família que apresentam algum grau de dependência: crianças, adultos maiores, enfermos crônicos e pessoas com incapacidades.

Tem-se também atribuído às mulheres o cuidado dos homens adultos ocupados no mercado de trabalho que se beneficiam do trabalho doméstico não remunerado realizado pelas mulheres. Isto implica que parte importante da produção da proteção social na região é de resolução individual e privada, está fortemente estratificada e segmentada, dependendo da renda com que contam os lares – e é uma expressão da divisão sexual do trabalho, um dos principais fatores de desigualdade social.

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Em relação a concepção de trabalho remunerado e não remunerado, apoiamo-nos em Lourdes Beneria (2006), que em sua argumentação afirma que a centralidade da diferenciação entre trabalho remunerado e não remunerado se deve a razões conceituais e práticas. Uma parte crescente do trabalho reprodutivo se transforma em trabalho remunerado quando as sociedades se mercantilizam e por outro lado o trabalho doméstico tem componentes que não podem ser considerados como estritamente reprodutivos, ainda que sejam atividades que contribuem para a reprodução da força de trabalho, como o caso dos lares sem crianças. Destaca também que o conceito de trabalho não remunerado permite incluir atividades que em sentido estrito não são reprodutivas, como o trabalho de reparações da casa e o trabalho comunitário.

Para Beneria (2006), em primeiro lugar, à medida que uma economia se mercantiliza e a renda das famílias aumenta, uma parte crescente do trabalho reprodutivo se converte em trabalho remunerado:

Há uma transferência da esfera doméstica para o mercado, de uma parte das tarefas reprodutivas como é o caso dos serviços infantis, as lavanderias, ou a venda de comida na rua ou em restaurantes. Mesmo que sejam as mulheres que continuem concentrando-se como trabalhadoras em muitos desses serviços, seu trabalho neste caso é remunerado e estatisticamente visível, ao menos enquanto parte do trabalho formal. Sem dúvida não deixa de ser trabalho “reprodutivo” posto que contribuem para a manutenção da força de trabalho e da reprodução social (BENERIA, 2006, p.109).

O segundo fato a considerar para Beneria (idem), é que o trabalho reprodutivo não remunerado contém um elemento de cuidado e relação emocional entre as pessoas que não tem paralelo na esfera do mercado. “Sem dúvida, é difícil estabelecer uma diferenciação entre estas tarefas e, em última análise, a distinção entre trabalho remunerado e não remunerado facilita a análise por ser menos ambígua” (2006, p.109). Há uma ênfase no fato de que há o produtivo e trabalho na economia doméstica, para se contrapor a versão ortodoxa que define esses termos a partir da relação com o mercado.

A diferença do feminismo com outras correntes de pensamento, segundo Cristina Bengoa (2018), que trabalharam com o processo de reprodução social, é a consideração dos trabalhos de cuidados realizados nos lares como parte relevante desse processo. O entendimento do processo de reprodução social não incluía o cuidado como aspecto constituinte e fundamental até ser visibilizado e nomeado pelo feminismo. Assim, segundo a

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autora, a ideia de reprodução social se amplia ao considerar os cuidados, mas também, o conceito de cuidados se amplia ao considerar todos os trabalhos voltados para o cuidado da vida, realizados dentro ou fora dos lares.

Cristina Bengoa (2018), ao comentar como os cuidados são inerentes a vida humana, parte fundamental da reprodução social, de pessoas e da vida humana, destaca que todos os processos e relações que participam da reprodução social não são neutros, são atravessados pelas diversas relações de poder: heteropatriarcais, capitalistas, de raça/etnia.

Nesse trabalho partimos da concepção de cuidados de Amaia P. Orozco (2014) que põem ênfase em como se dá o bem estar na cotidianidade, a vida cuidada. Essa vida fala de sujeitos concretos, com corpos sexuados, com subjetividades que trazem identidades parciais, contraditórias, sempre em reconstrução, em tensão entre as normatividades impostas e a capacidade e resistência a estas, com afetos e desafetos.

A autora indaga o que seriam então os cuidados. Para a autora, não se trata tanto de definir atividades específicas, senão de perguntar-se em que medida o conjunto do sistema socioeconômico garantiria o bem estar concreto, cotidiano, “se há ou não estruturas coletivas que se encarreguem deste cuidado, ou se, pelo contrário, esta responsabilidade é delegada aos lares, obrigando que grande parte destes bens e serviços serem geridos em esferas econômicas invisibilizadas” (OROZCO, 2014, p. 91). A noção de cuidados, dessa maneira, se sobrepõe ao trabalho não remunerado e com o trabalho dito reprodutivo, que diz respeito as atividades que se realizam foram da esfera do consumo mercantil e que são necessárias para reproduzir e manter a vida.

Ressaltamos as críticas feitas por Orozco (2014) ao uso que se tem feito da noção de cuidados dentro do próprio campo feminista. Uma primeira observação é que cuidados pode ser qualquer coisa e ser tudo, assim como não ser nada. Isto pode impedir a observação de sutilezas ou distinções, ou estabelecer políticas públicas e reinvidicações concretas. A segunda crítica refere-se a idealização que impede de desconectar os cuidados das mulheres e que acabam sendo essencializados como “algo naturalmente ligado a feminidade”. Para escapar dessas armadilhas conceituais, a autora elege a noção de sustentabilidade da vida combinada a modos distintos de se referir aos trabalhos invisibilizados: cuidados, trabalhos não remunerados, reprodução, trabalhos residuais, etc.

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O trabalho doméstico, conforme Bruschini (2009, p.97), pode ser agrupado em

“blocos”, mas sem que haja uma hierarquia ou classificação, e definido como:

1. tarefas relativas aos cuidados com a moradia, espaço no qual se passa a vida familiar cotidiana; 2. tarefas de alimentação e higiene pessoal, como cozinhar, lavar pratos e outros utensílios, costurar, lavar e passar roupas; 3. prestação de serviços físicos e psicológicos aos membros das famílias, assim como o cuidado com as crianças, os idosos e os incapacitados da família; 4. administração da unidade doméstica, com atividades que vão desde o pagamento de contas até a administração do patrimônio, bem como a aquisição dos bens de consumo necessários para a casa e a família; 5. manutenção da rede de parentesco e de amizade, que reforçam laços de solidariedade e de convivência.

Se uma boa parte dessas atividades são manuais, como fazer camas ou limpar legumes, outra, tem um caráter afetivo, como acompanhar as crianças nas tarefas escolares ou assistir os doentes, ou ainda um caráter intelectual, como é o caso da administração financeira do domicílio. (BRUSCHINI, 2009)

Há também os afazeres que são necessários à organização interna da casa, mas são realizados fora dela, como ir às compras, ao banco, ou levar os/as filhos/filhas à escola. É um trabalho que requer tempo e é exaustivo. Um problema complexo para o número crescente de mulheres que realizam também um trabalho remunerado, aumentando a carga horária que dedicam ao trabalho.

No período anterior à pandemia, as mulheres brasileiras trabalhavam, em média, quase cinco horas a mais que os homens por semana. São 56,4 horas, somando o tempo gasto no emprego com o de afazeres domésticos (IBGE, 2014). Com as crianças e adolescentes em casa, e também adultos desempregados ou em home office, o trabalho tende a ser aumentado, principalmente entre mulheres da classe trabalhadora que não podem mais contar com o tempo que as crianças e adolescentes ficam na escola ou em creches.

O uso do tempo das mulheres no trabalho doméstico é difícil de quantificar, devido as suas dimensões subjetivas que incluem os momentos em que não estão em casa, mas organizam rotinas e acompanham o que os filhos ou dependentes estão fazendo. Envolvem questões afetivas, emocionais e conflitos gerados pela responsabilização pela vida de outrem.

As pesquisas sobre o uso do tempo mostram a persistência de padrões tradicionais da divisão sexual do trabalho. As mulheres trabalham mais em atividades não remuneradas e os homens mais em atividades remuneradas, mas quando somam-se ambas as atividades de trabalho, identificamos que o tempo de trabalho das mulheres é superior e elas dispõem de menos horas de descanso e lazer. (ABRAMO, VALENSUELA, 2016, p. 117-119)

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No contexto da pandemia de covid-19, com todos convivendo no mesmo espaço durante todo o tempo, principalmente, devido a suspensão dos serviços de educação, o domicilio ganhou destaque. No Brasil mais 13% das pessoas vivem em domicílios com pelo menos um tipo de inadequação, ou seja, ausência de banheiro, paredes frágeis e/ou improvisadas, áreas de risco, entre outros. Nas metrópoles e nos grandes centros urbanos há ainda um adensamento das pessoas devido ao alto valor dos alugueis. (SALATA, RIBEIRO, 2020)

Com isso, há um aumento do trabalho doméstico familiar, principalmente, para as mulheres negras, uma vez que deixam de contar com os serviços públicos e não possuem a alternativa de acessar esses serviços pela via do mercado. Entre as entrevistadas de nossa pesquisa 70,2% relata que o trabalho doméstico aumentou, sendo que para 40,5% aumentou muito e 29,7% aumentou pouco. Apenas para 29,7% se manteve igual.

O aumento do trabalho doméstico se manifesta objetivamente na administração do tempo e nas responsabilidades de acompanhamento escolar, de entreter as crianças e no aumento de atividades de cozinhar e limpar, em um contexto onde as mulheres já dedicavam mais que triplo do tempo que os homens para ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerados.

2 Aumento e sobrecarga do trabalho doméstico familiar durante a pandemia

Quando perguntamos se a respondente se sentiu mais sobrecarregada com o trabalho doméstico e cuidado durante a pandemia, 72,9% responderam que sim. Em relação aos cuidados com dependentes, os cuidados com crianças (72,2%) aparecem em primeiro lugar, seguida dos adolescentes (30,6%) e outras pessoas (16,7%). Nesta questão, chama atenção a situação de mulheres que cuidam de ex-companheiros, o que reafirma o aspecto moral dos cuidados, mesmo não convivendo na mesma casa. Uma das entrevistadas relatou que conflitos e violências causaram a separação, mas no momento em que esses homens adoeceram, foram suas ex-companheiras que assumiram os cuidados, juntamente com as filhas do casal.

Na tabela 1 apresentamos as respostas relativas as atividades as quais passaram a gastar mais tempo.

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Tabela 1: Atividades domésticas que passou a gastar mais tempo no período de pandemia

Frequência %

Cuidado com as crianças 26 15,1%

Preparo de alimentos 25 14,5%

Limpeza da casa 24 14,0%

Auxiliar as crianças e adolescentes nas atividades escolares remotas 22 12,8%

Lavagem das roupas 21 12,2%

Brincar ou distrair as crianças 16 9,3%

Mercado e outras compras 14 8,1%

Cuidado com adolescentes 11 6,4%

Precisei cuidar de outras pessoas que não moram comigo 6 3,5%

Cuidado com idosos e pessoas doentes 5 2,9%

Sem resposta 1 0,6%

Cuida da neta de 5 anos durante o dia 1 0,6%

Total Geral 172 100%

Fonte – Pesquisa das autoras

Em relação as atividades domésticas que tem exigido maior atenção das mulheres entrevistadas durante a pandemia, destacam-se: o cuidado com as crianças que, junto com auxiliar crianças e adolescentes nas atividades escolares remotas e brincar e distrair crianças e cuidar de adolescentes, correspondem a 43,6% da sobrecarga de trabalho doméstico. Neste aspecto, podemos considerar que o fornecimento de lanches na escola é primordial para completar a alimentação das crianças e diminuir o tempo gasto no preparo, uma vez que esse aparece em segundo lugar (14,5%) na lista de atividades que ocupam mais o tempo.

A limpeza da casa aparece, com 14,0%, como a atividade na qual passaram a gastar mais tempo. Aqui não é a mesma situação das famílias de classe média que antes da pandemia contavam com trabalhadoras domésticas ou diaristas e tiveram que assumir essas tarefas.

Essas mulheres pobres e na maioria negras já faziam o trabalho doméstico que possivelmente aumentou pela presença das crianças na casa, que em situação de isolamento, em habitações precárias, aumenta a desorganização.

A lavagem de roupas também aumentou, situação relatada por 12,2% das entrevistadas. Novamente a questão da escola pode ser um fator, pois a maioria usa uniformes o que facilita para as mulheres os cuidados com as roupas. Também são crianças que não tem muitas roupas para trocar, exigindo assim um constante asseio, para que haja

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roupas limpas para serem usadas. Devemos considerar também que nem sempre essas famílias tem máquina de lavar roupa, o que aumenta o tempo das mulheres nessa tarefa.

Também foi relatado a tarefa de idas ao mercado e outras compras. Nessa tarefa, 75,7%

das entrevistas são responsáveis pelas compras, seguida por companheiro ou marido com 16,2%. Neste aspecto, identificamos que, além das mulheres predominarem nas idas ao mercado e outras compras, precisam organizar a renda, em um contexto de desemprego e racionamento, e atender as orientações de prevenção ao contágio pelo coronavírus, como a higienização do ambiente, dos alimentos, das roupas, calçados e adaptar-se ao uso de máscaras.

Perguntamos se alguém divide as tarefas domésticas e de cuidado com a respondente e 37,8% respondeu que não, 16,2% respondeu que são as filhas mulheres, o que corresponde a 54%. Observamos que os meninos e companheiros também estão mais presentes nas atividades domésticas, contudo, cabe ainda as mulheres a responsabilidade exclusiva por esse trabalho ou de direcionar a sua execução como, por exemplo, informando a necessidade de compras e fazendo a lista de produtos e, depois, guardando os produtos no armário.

Nesse mesmo tópico também foi questionado se a pessoa que tem dividido as tarefas domésticas durante a pandemia já fazia isso antes da pandemia. As respostas apontam que pouco coisa mudou, uma vez que 54,1% respondeu que sim e 45,9% respondeu que não.

Considerações finais

O capitalismo heteropatriarcal naturalizou o trabalho de cuidados, que não é uma tarefa individual, mas uma responsabilidade coletiva e também do Estado. A redução dos gastos públicos com saúde, educação, moradia, transporte, enfim políticas e serviços sociais, associada ao processo de privatização penaliza, sobretudo, as mulheres negras e pobres.

Essas condições são agravadas neste momento, recaindo sobre as famílias e as mulheres a gestão dos agravos provocados pela pandemia.

Como vimos em nossa pesquisa, há um aumento e sobrecarga do trabalho de cuidados familiares e domésticos. Esse aumento do trabalho doméstico se manifesta objetivamente na administração do tempo e nas responsabilidades de acompanhamento escolar, de entreter as crianças e no aumento de atividades de cozinhar e limpar, em um contexto onde as mulheres

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já dedicavam mais que triplo do tempo que os homens para ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerados.

Passado um ano do início da pandemia nada mudou em termos de suporte do Estado em termos políticas de proteção social que alivie o impacto negativo no cotidiano das mulheres pobres e negras. Sem renda, em condições precárias de habitação, sem suporte de serviços públicos a vida segue difícil e sem perspectivas de mudança a longo prazo. Isso somado ao não enfrentamento efetivo da pandemia no país, tem acirrado as desigualdades de classe, raça, gênero.

Na mesma proporção em que poucos bilionários aumentam os seus patrimônios, a classe trabalhadora enfrenta a fome, a violência, a informalidade, os riscos de contágio e a morte. Até mesmo à proteção à saúde por meio de uma campanha massiva de vacinação não está sendo ofertada, uma vez que isso implica na necessária quebra de patente das vacinas, considerando que sua distribuição tem se dado de forma desigual no mundo e, ainda, a necessidade do Governo Federal viabilizar a vacinação em massa.

Referências

ABRAMO, Laís; VALENSUELA, María Elena. Tempo de trabalho remunerado e não

remunerado na América Latina: uma repartição desigual. In: ABREU, Alice Rangel de Paiva;

HIRATA, Helena; LOMBARDI, Maria Rosa. Gênero e Trabalho no Brasil e na França:

perspectivas interseccionais. Tradução: Carol de Paula. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016.

pp.113-124

BENERIA, Lourdes. Trabajo productivo/ reproductivo, pobreza, y políticas de conciliación en América Latina: consideraciones teóricas y prácticas. Cohesión social, políticas conciliatorias y presupuesto público: una mirada de género. UNFAPA/GTZ. México, DF, 2006. pp. 74-86.

BENGOA, Cristina. BENGOA, C. C. A Economia Feminista: Um Panorama Sobre o Conceito de Reprodução. Temáticas 26, no. 52, agosto/dezembro 2018, pp. 31-68.

BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/ - acesso em 05/05/2021

BRUSCHINI, Cristina. Família e trabalho: difícil conciliação para mães trabalhadoras de baixa renda. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 136, p. 93-123, jan./abr. 2009.

GIL, Antonio Carlos. Modos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

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IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br - acesso em 14/06/14.

KERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos Estudos, n.

86, p. 93-103, São Paulo, 2010.

NAVARRO, F. M., RICO, M.N. “Cuidado y políticas públicas: debates y estado de situación a nivel regional”. Las fronteras del cuidado: agenda, derechos e infraestructura, Pautassi L, Zibecchi C. Buenos Ayres, Editora Biblos, 2013, 27-58.

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SALATA, Andre Ricardo; RIBEIRO, Marcelo Gomes. Boletim Desigualdade nas Metrópoles.

Porto Alegre/RS, n. 01, 2020. Disponível em https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/

- acesso em 20/11/20.

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