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Interação social em diferentes contextos escolares: estudo de caso de uma criança com autismo

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Academic year: 2017

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Universidade

Católica de

Brasília

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E

PESQUISA

STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

Mestrado

INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES

CONTEXTOS ESCOLARES: ESTUDO DE CASO DE UMA

CRIANÇA COM AUTISMO

Lúcia de Carvalho Brandão

Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

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LÚCIA DE CARVALHO BRANDÃO

INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES CONTEXTOS ESCOLARES: ESTUDO DE CASO DE UMA CRIANÇA COM AUTISMO

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Psicologia

Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

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Dissertação de autoria de Lúcia de Carvalho Brandão, intitulada “INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES CONTEXTOS ESCOLARES: ESTUDO DE CASO DE UMA CRIANÇA COM AUTISMO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 29 de setembro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi Orientadora

Psicologia-UCB

Profª Drª Nara Liana Pereira Silva Psicologia-IESB

Prof. Dr. João Bosco Pavão Educação – UNEB

Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida Psicologia-UCB

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À minha mainha e meu painho (in

memorian), que lutaram contra todas as adversidades da vida para que eu chegasse até aqui, me incentivando sempre com carinho e compreensão.

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À professora Tânia Rossi, pela dedicação e paciência na orientação desse trabalho.

Às professoras Sandra Francesca e Nara Liana, pelas contribuições na qualificação do projeto.

Ao professor João Bosco, por ter iniciado o meu processo acadêmico na graduação e participar até hoje da minha história.

À Izabel, minha amiga, que me incentivou, me acolheu e esteve sempre ao meu lado nos momentos de dificuldades e angústia.

À Anelice, minha amiga, pelo apoio e cumplicidade.

À Karina, Márcia e Hellen, minhas companheiras de caminhada.

Aos integrantes do Projeto de Pesquisa Perturbações do Espectro de Autismo, pela oportunidade da rica convivência.

Aos colegas da Secretaria de Estado de Educação, por me receberem com confiança e afeto no ato da pesquisa, em especial, Sandra Estela, pela dedicação na busca do sujeito participante deste estudo.

À Secretaria de Estado de Educação, pela oportunidade de me fazer conviver com o universo de pessoas com autismo durante alguns anos da minha vida, o que me fez escolher esse tema para pesquisa.

À professora Erenice, pelo incentivo inicial na busca por esse sonho, e pelas contribuições durante o tempo que esteve conosco no Projeto de Pesquisa.

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"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".

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Referência: BRANDÃO, Lúcia de Carvalho Brandão. “Interação social em diferentes contextos escolares: estudo de caso de uma criança com autismo”, fl.124. Dissertação de Mestrado (Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009.

O objetivo deste estudo de caso foi analisar as interações sociais de um aluno com autismo nos contextos da Escola Classe e da Escola Parque. Participaram da pesquisa um aluno com o diagnóstico de autismo, matriculado no 2º ano do ensino fundamental de uma Escola Classe e, também, na Escola Parque da rede pública de ensino do Distrito Federal, seus professores e colegas. Foram realizadas observações de atividades pedagógicas estruturadas e momentos livres nos dois contextos. Os resultados foram analisados a partir das contribuições da teoria da Atividade de Leontiev e da tipologia de interações de Hinde, e evidenciam que a qualidade das interações do aluno autista com seus colegas mantém o mesmo padrão em ambas as escolas. Entretanto, quanto à estrutura da participação da criança com autismo nas interações na Escola Parque, predominam as interações paralela individual e paralela complementar, enquanto na Escola Classe predominam as interações do tipo individual e em grupo. Ordenar e obedecer são as categorias comportamentais mais frequentes nas interações que envolvem a criança na Escola Classe; na Escola Parque, destacam-se as categorias ordenar e solicitar. A rejeição e a imitação são mais presentes na Escola Parque; enquanto o elogio sobressai na Escola Classe. A investigação aponta para a importância do contexto sobre a qualidade, estrutura e estilo comportamental de interação da criança com autismo. Na Escola Parque, o contexto favorece o desenvolvimento social da criança focalizada, uma vez que a impulsiona para a autonomia.

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Reference: BRANDÃO, Lúcia de Carvalho.“Social interaction in different school contexts: case study of a child with autism”, 124. fl. Master’s Essay (Psychology) – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009.

The objective of this case study was to analyze the social interactions of a child with autism in the contexts of two different schools: Escola Classe and Escola Parque. Involved in the survey were a child with autism diagnosis - registered in the second year of elementary school in public institutions of Distrito Federal -, his teachers and colleagues. Several structured pedagogical activities and free moments were observed in both contexts. The results analyses were based on the Activity Theory by Leontiev as well as on Hinde’s interactions typology and unveiled the autistic student’s interactions quality and the fact that there is a pattern in both schools. However, while at Escola Parque parallel individual and parallel supplementary interactions predominate; at Escola Classe individual and group interactions prevailed. Ordering and obeying are the most common behavioral categories that involve the child at Escola Classe and, at Escola Parque, the categories Ordering and Soliciting are the most common. The rejection and imitation are more present at Escola Parque whilst the complement is more noticeable at Escola Classe. The investigation points to the importance of the context over quality; structure; and the autistic’s child interaction behavioral style. Furthermore, it is visible that the context of Escola Parque favors the focalized child’s social development once it stimulates autonomy.

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INTRODUÇÃO... 11

1 REFERENCIAL TEÓRICO... 21

1.1 Revisão de literatura... 21

1.2 Interação social... 32

1.3 “Pessoas são pessoas através de outras pessoas”:A emergência do sujeito nas interações sociais 35 1.4 A defectologia e os problemas gerais no desenvolvimento da pessoa com autismo... 39 1.5 A teoria psicológica da atividade... 45

2 METODOLOGIA... 53

2.1 Contexto... 54

2.1.1 A Escola Classe... 54

2.1.2 A Escola Parque... 55

2.2 Participante... 56

2.3 Procedimentos... 58

3 ANALISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS RESULTADOS... 58 3.1 Interações na Escola Classe: Um olhar panorâmico ... 62

3.2 O ambiente da observação... 65

3.3 Atividades Pedagógicas Estruturadas... 66

3.3.1 Construindo uma pirâmide alimentar... 66

3.3.2 Copiando o texto do saci... 74

3.3.3 Encontrando a página de um livro... 78

3.3.4 Momentos livres... 80

3.3.4.1 Proteção em série... 80

3.3.4.2 Quem pegou minha revista?... 82

3.3.4.3 A busca frustrada... 85

3.4 Interações na Escola Parque: novo panorama ... 86

3.5 Observação na escola parque... 89

3.5.1 Artes Visuais – o ambiente da observação... 90

(10)

3.5.2 Música- o ambiente da observação... 96

3.5.2.1 No ritmo do violão... 96

3.5.2.2 A banda de percussão... 100

3.5.3 Momentos livres... 104

3.5.3.1 No bebedouro... 104

3.5.3.2 Lendo um livro... 105

3.6 Síntese das interações sociais... 107

CONSIDERAÇÔES FINAIS... 110

REFERENCIAS... 115

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INTRODUÇÃO

O autismo apresenta, desde sua definição, inúmeras divergências acerca de suas possíveis causas e explicações. Atualmente, quando se fala em autismo, admite-se este como um Transtorno do Espectro Autista, nomenclatura que abriga perturbações de diferentes intensidades de manifestações, a ponto de serem enquadradas nas condições de um Espectro. É Lorna Wing (1997), psiquiatra americana, que introduz o conceito de espectro do autismo para referir-se às diferentes formas de expressão das perturbações, negando, assim, a abordagem que considera o autismo como uma entidade única. As perturbações apresentam-se com um leque de intensidades distintas, cujas múltiplas manifestações variam ao longo do ciclo vital. Para esta autora, as perturbações, no autismo, manifestam-se nos domínios: social (linguagem e comunicação), pensamento e comportamento. Nomenclatura que ficou conhecida como a tríade de Lorna Wing, na qual, de acordo com Marques (2000, p.18), observa-se um conjunto de características que se agrupam nos seguintes sintomas:

Uma limitação extrema na capacidade da criança de participar de situações que exigem um certo convívio social ou “interação social” mútua;

Uma forte diminuição da capacidade da criança de participar de convívios sociais que incentivem a utilização da expressão livre da comunicação, tanto receptiva quanto expressiva;

Uma redução do poder de utilização da capacidade imaginativa e da fantasia da criança, fazendo com que ela adquira um limitado repertório comportamental, repetitivo e estereotipado (MARQUES, 2000, p. 18).

A dificuldade de socialização da criança com espectro do autismo é uma das características mais fortes e enfatizadas em todos os estudos sobre este. A criança com autismo pode isolar-se, como pode também interagir de forma percebida como estranha. Seu comportamento e sua linguagem as diferenciam de outros sujeitos da mesma faixa etária. A interação social, muitas vezes, é representada por padrões repetitivos de condutas, a ponto de gerar códigos generalizados e pautar a comunicação com o outro através desse comportamento.

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interação ativa porém estranha; e interação hiperformal.

O isolamento social é caracterizado pela existência de indiferença na maioria das situações de troca. Nesse caso, a pessoa com autismo tende a se isolar e evita ativamente o contato físico ou social com outras pessoas. Algumas vezes, procura aproximar-se com um interesse específico, que, quando satisfeito, resulta no retorno ao isolamento e, também, ao estado de indiferença. Algumas pessoas aceitam o contato físico e certas brincadeiras. Contudo, não demonstram interesse pelo aspecto social da interação como, por exemplo, algumas crianças que gostam de ser tocadas em determinadas áreas do corpo ou deitam-se no colo de alguém. Esse grupo é considerado o mais grave, pois o isolamento e a indiferença são muito acentuados.

A interação passiva caracteriza-se pela existência de abordagens sociais limitadas, marcadas pela passividade da criança com espectro de autismo. Nesse grupo, a criança não procura de forma espontânea interagir socialmente com seus pares, mas, quando convidada, aceita passivamente, demonstrando bom grado e não apresentando maiores resistências. Segundo a autora, neste caso, as crianças tendem a participar das brincadeiras com os colegas assumindo o papel que lhe foi dado, mas, ao final da brincadeira, se distanciam, e só retornam se lhes for oferecido um novo papel. Pode-se dizer, em outras palavras, que sua ação depende da mediação do outro. Essas crianças podem apresentar, ainda, fala ecolálica imediata - repetição imediata da fala do outro, mantendo geralmente a mesma estrutura e entonação.

Na interação ativa porém estranha, as crianças iniciam interações sociais espontaneamente, mas totalmente inadequadas e unilaterais, pois são orientadas para suas fixações. As interações servem para satisfazer interesses específicos de suas ideias repetitivas. Não demonstram interesse pelo outro, não modificam suas idéias, fala ou comportamento numa troca. Persistem única e duramente nas atividades e assuntos prediletos, ainda que questionadas e estimuladas a mudar de abordagem. A linguagem pode apresentar ecolalia imediata ou mediata, repetição tardia da fala de outros, inclusive de personagens de filmes, novelas, propagandas de rádio e televisão, se distanciando totalmente do contexto em que se apresenta.

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social e podem manter diálogos corretos. Em contatos rápidos, dificilmente se consegue perceber dificuldades na interação social. Entrementes, quando esta se estende, é perceptível, principalmente pela dificuldade que essas pessoas apresentam em aprender as regras sutis da convivência social, bem assim pela falta de percepção em relação ao outro.

As diferenças nas interações sociais, próprias de pessoas do espectro do autismo, coexistem com outras situadas no domínio da linguagem, seja da comunicação verbal ou da não-verbal, que se apresentam deficientes e desviadas dos padrões habituais. A linguagem pode ter desvios semânticos e pragmáticos, estimando-se que 50% (cinquenta por cento) das pessoas com autismo não desenvolvem linguagem oral durante toda a vida. Neste sentido, a interação social é diretamente afetada, pois é através da linguagem, seja ela verbal ou não-verbal, que se estabelecem as interações.

Para Valmaseda (2004), a linguagem não se restringe à fala ou compreensão do que os outros dizem, podendo ser considerada como representação interna da realidade construída que utiliza um meio de comunicação compartilhado socialmente. E define a linguagem como: a) um sistema de signos (organizados em diferentes códigos) arbitrário e

compartilhado por um grupo; b) com o objetivo de se comunicar com os outros;

c) que permite manipular mentalmente a realidade na ausência dela.

De acordo com Golse e Bursztejn (1993), a linguagem movimenta tanto o sistema intelectual como o sistema neuromotor e o sistema afetivo, solicitando, assim, uma maturação de diferentes sistemas. O desenvolvimento da linguagem se dá em períodos diferentes, que se subdividem em período pré-verbal e a aquisição da linguagem, períodos que, por sua vez, subdividem-se em etapas e, muitas vezes, não subdividem-se destacam tão claramente no desenvolvimento da linguagem de crianças com autismo.

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funções e estrutura.

O autor relaciona a linguagem em dois planos, o plano dos aspectos semânticos, interiores e o plano dos aspectos físicos, externos e sonoros da linguagem. Vygotski (2001) considera que o aspecto externo da linguagem se desenvolve das partes para o todo, da palavra para a oração. Já o aspecto interno se desenvolve inversamente, do todo para as partes, logo da oração para as palavras.

Golse e Bursztejn (1993) pontuam alguns exemplos como marcas do desenvolvimento da linguagem, sinalizando peculiaridades presentes no desenvolvimento da linguagem da criança com autismo:

1) O grito, que, com o passar de algumas semanas, passa a ser reconhecido pelos pais pela diferenciação de sensações da criança, a exemplo da dor, fome, prazer. Na criança com autismo, no entanto, de acordo com o autor, este grito se apresenta de forma monótona e não diferencia as sensações.

2) Iniciam-se as vocalizações, que se assemelham em crianças do mundo todo, em que estão presentes a emissão de tritongos e quadritongos. No caso das crianças com autismo, há a presença de ruídos guturais e uma fixação por estes, o que, na avaliação dos autores, é um bom sinal, pois trata-se de um momento em que a vocalização deixa de trata-ser solitária, sinalizando que poderão abandonar a condição de autistas.

3) Dois a seis meses: o gorgeio, o balbucio e o tagarelar, emissão de sons mais articulados e repetição de sílabas. Nas crianças com autismo, observa-se a ausência dessa fase.

4) Seis a nove meses: nesta fase, a criança inicia a interiorização da linguagem como um ato entre pessoas e começa a frasear, a replicar o diálogo entre pessoas. Salientam os autores que, no tocante às crianças com retardo ou psicóticas, essa fase é mais visível. Em crianças com autismo não é possível identificar essa fase, pois elas parecem não perceber os diálogos entre pessoas e não os replicam.

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considerar que seu aparelho psíquico é capaz de fazer junções. Nesta fase aparecem as primeiras palavras soltas.

Observa-se, também, nesse momento, o ato de apontar, que geralmente acontece quando um objeto se encontra distante da criança, que o aponta e o adulto nomina ou o alcança. Entretanto, há ausência do ato de apontar em crianças com autismo.

6) Por volta dos dois anos, ocorre a junção de duas palavras. Iniciam-se as frases, é também frequente a ecolalia no final dos dois anos, a criança repete a frase do adulto, indicando uma percepção da fala do outro. No autismo, apesar de aparecer ecolalia, ela não se instala nesta idade como forma de percepção da fala do outro, é uma repetição que não emite uma reciprocidade.

7) O aparecimento do “sim” e do “não” é comum na idade de dois anos e meio aos três anos. Quando estimulados a negar ou afirmar, o “não” é bem mais frequente, tendo em vista que é mais fácil negar do que afirmar. Destaca-se, também, o uso do pronome “eu”, momento em que a criança se identifica como sujeito de determinada situação. Observamos que crianças com autismo não costumam usar o pronome “eu”, demonstrando que não se reconhecem.

8) Por volta dos três anos/três anos e meio, entra em cena o “eu narrativo”, fase na qual a criança começa a narrar fatos externos, fazendo um misto de emoções anteriores, apelando a risos, etc. A criança com autismo não se coloca como “eu”, como vimos anteriormente, e não narra fatos.

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Os desvios no desenvolvimento da linguagem de pessoas com autismo implicam diversas alterações na comunicação social e podem abranger a emissão e a recepção da linguagem. No que diz respeito à emissão, a linguagem pode apresentar ecolalias imediatas ou tardias, nas quais a criança reproduz oralmente sons ouvidos anteriormente ou imediatamente, conservando a entonação, podendo, algumas vezes, repetir incansavelmente o mesmo som.

A ecolalia pode aparecer aleatoriamente ou em situações de diálogo. Contudo, na hipótese de apresentar-se fora de contexto, é comum que palavras proferidas por pessoas do espectro do autismo estejam diretamente ligadas às suas fixações e/ou seus próprios interesses que, de um modo geral, podem ser bizarros.

Algumas crianças desenvolvem um repertório básico de palavras que sinalizam suas necessidades imediatas, como idas ao banheiro e solicitação de alimentos. Outras, também, podem falar palavras soltas, que, fora do contexto, possivelmente não apresentarão significações reais, mas certamente carregam uma estrutura comunicativa, que, pela dificuldade de expressão, não possibilitam a transmissão da mensagem.

Pode-se citar, como exemplo, uma situação vivida numa Classe Especial de escola pública para alunos do espectro do autismo. Na ocasião, um aluno, demonstrando muita tristeza e impaciência, passou a tarde chorando, falando: “quero avião, avião”. Então, os professores lhe deram aviõezinhos de papel para brincar, pensando que era um brinquedo que havia deixado em casa. Acontece que a família do aluno teria deixado o pai no aeroporto para uma viagem e, desde que o avião partiu, o choro se estabeleceu. Assim, não era um avião de brinquedo que a criança desejava naquele momento, como pensavam as professoras. Como o aluno foi deixado na escola sem nenhuma explicação, o mistério só pôde ser desvendado na hora da saída, quando a mãe explicou a viagem do pai, esclarecendo, então, o desejo de comunicação do aluno e a estratégia utilizada para fazê-lo: a ecolalia.

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mão ou empurrá-la, conduzindo-a.

Em crianças com autismo, podemos observar, em especial naquelas em que a linguagem encontra-se em grau mais lento de desenvolvimento, uma ligação quanto ao seu comportamento. Crianças com autismo que não falam, tendem a ter comportamentos mais bizarros: agressão e auto-agressão, ingestão de alimentos não-comestíveis, choro e sorriso sem motivo aparente, variação de humor, dentre outros. Neste sentido, esses comportamentos revelam que essas crianças encontram-se em um nível de desenvolvimento como se estivessem, ainda, no plano filogenético.

Cabe ressaltar que, nas crianças com autismo, ainda que mais desenvolvidas, é comum encontrarmos rigidez do pensamento e do comportamento, fraca imaginação social, comportamentos ritualistas e obsessivos, dependência de rotinas, atraso intelectual, ausência de jogo imaginativo e uma dificuldade nas relações sociais.

Para Wing (1996), o problema no autismo não é a ausência do desejo de interagir e comunicar-se, e, sim, a ausência de habilidade para fazê-lo.

Se o que possibilita a socialização é a interação, e a dificuldade de pessoas desse espectro está, justamente, na capacidade em estabelecer relações de interação recíprocas, pode-se dizer, de acordo com a tríade de Lorna Wing, que as áreas da linguagem, comportamento e interação social entrecruzam-se, acontecendo, assim, uma junção dessas alterações.

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Na perspectiva histórico-cultural, a interação social é a responsável pelo desenvolvimento humano, pois esta considera o homem como um ser social, fruto de sua história e de sua cultura. O desenvolvimento, resultado da interação com o meio físico e cultural, é responsável por transformações que ocorrem através de sínteses dialéticas.

Para tanto, a transformação só é possível porque o sujeito se apropria dos conteúdos e modos de funcionamento que circulam nas interações sociais, resultado do processo de internalização, que não se restringe às pessoas com autismo, alcançando os sujeitos de um modo geral.

Nesse sentido, vale para todos a lei geral de desenvolvimento (VYGOTSKI, 2000, p.75):

a. Uma operação que, inicialmente, representa uma atividade externa, é reconstruída e começa a ocorrer internamente.

b. Um processo interpessoal é transformado em intrapessoal.

c. A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento.

A apropriação intrapsicológica dos conteúdos e modos de funcionamento que circulam na esfera interpsicológica se dá por meio da internalização. Para Rossi (2006), internalização é a reconstrução interna de uma operação externa com objetos e bens culturais com os quais o sujeito interage. A atividade externa ao sujeito, realizada no contexto cultural, torna-se atividade interna. De acordo com Leontiev (2004), é a atividade que diferencia os seres humanos dos outros animais, pois é dela que se origina o desenvolvimento histórico-cultural, representado pela forma particularmente humana, que, segundo ele, é a forma dos fenômenos externos da cultura material e intelectual.

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Rossi (2006) nos insere em uma discussão acerca do desenvolvimento humano e da importância dos processos interativos na constituição da consciência do sujeito. Sobre o tema, é interessante observar que a escola ocupa um papel importante, pois se cuida de um ambiente onde as interações sociais acontecem constantemente. Na escola, como sabido, as interações sociais se fazem presentes diariamente através da convivência entre as crianças com seus pares, professores e demais funcionários.

A escola, no entanto, pode ser agente da promoção de diferentes atividades geradoras de diferentes oportunidades de desenvolvimento, pois é certo que motivos distintos podem gerar operações e ações igualmente distintas. A escola serve de veículo de rompimento com o estabelecimento de meras rotinas e, ao mesmo tempo, possibilita o aumento do leque de atividades para que se desenvolvam as interações sociais, principalmente para as crianças com espectro do autismo, devido à dificuldade de interação.

Uma atividade, inicialmente, é gerada por uma necessidade que se dirige a um objeto, que pode não ser explícito. Contudo, na medida em que a necessidade é satisfeita por esse objeto, ele passa a ser reconhecido e revelado, tornando-se um motivo. A atividade está ligada a um motivo, e este, ao objeto da atividade.

Podemos exemplificar com uma atividade escolar: escrever seu próprio nome. Esta atividade é de inicio, um motivo criado pelo professor e, logo, a criança começa a fazê-lo mecanicamente, sem sentido. Passado um tempo, a criança começa a ver que necessita escrever seu nome para ser identificada na tarefa. Esta necessidade cria um motivo novo: sua identificação pelo nome.

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que estruturará, portanto, a atividade, gerando uma hierarquia da atividade, em que atividade transforma-se em ação, e esta, em atividade.

Tendo em vista as contribuições da perspectiva histórico-cultural e da teoria psicológica da atividade - que afirmam que as interações sociais são implicadas nos contextos construídos historicamente por meio da atividade social, sabendo que as interações sociais no sujeito do espectro autista apresentam-se deficitárias, se comparado a seus pares, por ser um fator que o caracteriza como tal, perguntamos: a educação do aluno com autismo, acontecendo em ambientes educativos diferenciados, como a Escola Parque e Escola Classe, deflagram e determinam formas distintas nas interações sociais desse aluno?

Existe um modo peculiar de interação do aluno autista em cada um destes ambientes escolares1?

Neste sentido, para esclarecer essas indagações, o objetivo principal desse projeto foi analisar as interações sociais de um aluno com autismo nos ambientes distintos de aprendizagem da escola classe e da escola parque. A busca de possíveis respostas a esses problemas de pesquisa foi pautada em aportes teóricos do interacionismo simbólico, notadamente sob o enfoque da perspectiva histórico cultural.

Este trabalho constitui um subprojeto do Projeto de Pesquisa intitulado: Perturbações do Espectro do Autismo – Perfil do Alunado e Intervenção na

Rede Pública do Distrito Federal, desenvolvida pelo Laboratório de Saúde Mental e Aprendizagem Humana da Universidade Católica de Brasília, no programa de Pós – Graduação: Mestrado em Psicologia, com apoio da CAPES, CNPq e FAPDF. Teve como objetivos:

Objetivo geral

• Analisar as interações sociais de um aluno com autismo, seus pares e professores, no contexto de situações cotidianas de aprendizagem, em uma Escola Classe e no contexto das aulas de Artes Visuais e Música de uma Escola Parque.

1

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Objetivos específicos

• Caracterizar os ambientes de aprendizagem do aluno na Escola Parque e na Escola Classe onde estuda.

• Identificar a qualidade das interações sociais do aluno com autismo com seus colegas de turma e professores.

• Analisar as interações sociais efetivadas em ambos os contextos.

1 REFERENCIAL TEÓRICO 1.1 Revisão de literatura

Apresentamos uma revisão de literatura que consta da seleção de algumas pesquisas que versam sobre o tema relacionado à interação social. Dentre vários estudos, selecionamos alguns que destacaram as contribuições teóricas de Robert Hinde ao estudo da interação social, bem como a interação social entre pessoas com e sem deficiência, em especial os estudos que envolveram pessoas com autismo. Há escassez de pesquisas que envolvam crianças com autismo e interação social, e, na revisão, constatamos a ausência de estudos que abranjam a interação social dessa clientela em um âmbito de uma atividade, sob o enfoque da teoria da atividade proposta por Leontiev e das contribuições da perspectiva histórico-cultural.

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As autoras, ao aplicarem uma escala baseada na teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) para analisar o padrão de mediação de aprendizagem e para investigar a concepção das professoras acerca da educação inclusiva, optaram por fazer uma entrevista semi-estruturada. Para que se considere uma situação de EAM, é necessário que a interação siga alguns critérios básicos: a intencionalidade, a significação e a transcendência.

Com base na escala, Farias, Maranhão e Cunha (2008) constataram diferenças no padrão de mediação entre as professoras investigadas. A professora da turma “A” seguiu os três critérios da escala necessários para considerar a interação como uma experiência mediada. A professora da turma “B”, porém, não alcançou esses critérios, por apresentar um nível baixo de mediação com o aluno com autismo.

Já os relatos verbais das professoras indicaram a aceitação da inclusão escolar em duas versões. A professora da turma “A” demonstrou encantamento com a questão da inclusão, enquanto a professora da turma “B” demonstrou indiferença, remetendo sua posição à obrigatoriedade legal da inclusão. Neste sentido, as autoras concluem que a professora da turma “B” não possui suporte necessário para promover o desenvolvimento cognitivo da criança com autismo.

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As autoras realizaram entrevistas com as mães. Observaram, em sessão de brinquedo livre, atividades conjuntas partilhadas entre mães e crianças. Codificaram como episódio interativo as atividades em que ambas estavam envolvidas com os mesmos objetos ou ações. Esses procedimentos permitiram apreender a fluência e a qualidade das interações da díade e não apenas os comportamentos maternos e infantis isolados. Di Napoli e Bosa (2005) também aplicaram a técnica do espelho, que consiste em pintar a ponta do nariz da criança e conduzi-la para a frente de um espelho, com a pretensão de auferir o reconhecimento de si.

Os resultados mostraram que todas as crianças com desenvolvimento típico reconheceram-se diante do espelho com o nariz pintado, enquanto que, no grupo das crianças com autismo, apenas 50% evidenciaram o reconhecimento da própria imagem. As maneiras de expressar esse reconhecimento também variaram consideravelmente entre os grupos. Apesar de ser proporcional o comportamento de tocar o nariz com a mão e o dedo, as outras formas de manifestação se diferenciaram muito nas crianças com autismo. Estas se comportaram de forma bizarra e primitiva, e apresentaram reações negativas ao se verem refletidas daquela forma. Di Napoli e Bosa (2005) chamam atenção para o fato de algumas crianças com autismo reconhecerem objetos da sala refletidos no espelho, mas não reconhecerem a si próprias.

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Passerino e Santarosa (2005), com o objetivo de verificar as dificuldades de interação social de pessoas com autismo em ambientes informatizados, analisaram a interação social de três jovens com autismo, alfabetizados, com idade entre 21 e 28 anos, e com níveis diferentes da síndrome. A pesquisa aconteceu num ambiente computacional de aprendizagem, no qual os participantes usaram software de chat: MsChat, um programa de bate-papo

on-line que permite aos sujeitos estabelecer uma conversa dentro de uma história em quadrinhos, apresentando o conteúdo das conversas em balões de diálogos. Os sujeitos deviam escolher um personagem, dentre vários oferecidos pelo software para representá-los, e balões para expressar suas emoções.

As autoras identificaram a intenção de comunicação dos participantes, mas as ferramentas que simbolizam emoções foram pouco utilizadas, limitando-se seu uso apenas à troca de desenho e não para representar, de fato, uma emoção. Passerino e Santarosa (2005) também observaram a presença de fixações como determinantes nas conversas, ecolalias como fonte de intencionalidade de comunicação, e a dificuldade dos participantes em manter um diálogo profundo.

Em outra pesquisa, Passerino e Santarosa (2007) objetivaram discutir o desenvolvimento da interação social em ambientes digitais de aprendizagem de 4 autistas jovens, com idade entre 15 e 28 anos, divididos em díades de sujeitos alfabetizados e díades de sujeitos que já tinham iniciado um processo de alfabetização. Valeram-se de entrevistas e observações como instrumentos de coleta de dados. As entrevistas com pais, professores e outros profissionais serviram para seleção dos sujeitos, que foram classificados em dois grupos: G1 autismo leve e G2 autismo moderado.

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Passerino e Santarosa (2007) apontam para a relevância do uso de ambientes digitais de aprendizagem para o desenvolvimento e promoção da interação social de sujeitos com autismo, desde que adaptados aos interesses dos mesmos, visto que esta pesquisa revelou um avanço nas qualidades das interações dos participantes. Contudo, enfatizam que, para que haja mudanças nessas interações, é preciso criar estratégias para serem aplicadas nestes ambientes, com o claro objetivo de promover a interação social.

Caldeira e Oliver (2007) investigaram a interação social em um grupo de aproximadamente quinze crianças, duas delas com deficiência intelectual e treze sem deficiência, em uma biblioteca comunitária, objetivando discutir as relações interpessoais frente à deficiência e descrever como estas se manifestam e se transformam nesse ambiente. Nessa pesquisa, de cunho qualitativo, as autoras fizeram o uso da técnica de observação participante, descrevendo as situações lúdicas, os comportamentos e as ações das crianças, distribuídas em três categorias, a saber: tipo de brincadeira, estilo de interação e caráter social. Estas, por sua vez, foram desmembradas em subcategorias.

A categoria “Tipo de brincadeira” foi subdividida em: a) faz - de - conta: brincadeira onde existe a substituição/transformação de um objeto por outro ou de uma pessoa por um personagem. b) jogos: conjunto de brincadeiras que envolvem regras pré-estabelecidas.

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passageira dos participantes, revelada em brincadeiras em que um dos participantes não dava continuidade.

Já a categoria “Caráter social” abrangeu uma regulação mútua entre os participantes, ou seja, estes possuem a propriedade de regular e de serem regulados. Divide-se em duas subcategorias: a) agonístico: tipo de relação em que duas ou mais crianças, independentemente do contexto do brincar, desempenham ações de agressividade, lutas, disputas, etc.; e b) pró-social: tipo de relação em que duas ou mais crianças, independentemente do contexto do brincar, desempenham ações que envolvem amizade, cumplicidade, confiança, afinidade ou sentimentos similares.

Os resultados encontrados revelaram que o brincar das crianças com deficiência e sem deficiência favoreceu o processo de desenvolvimento nas relações interpessoais. A mediação de adultos contribuiu para que as crianças sem deficiência envolvessem os colegas com deficiência nas brincadeiras. A interação muitas vezes iniciava-se com o brincar paralelo, logo, este foi considerado como um contexto potencializador das interações sociais. Nas interações de passagem, as pesquisadoras observaram um predomínio de interações agonísticas, diferente das brincadeiras paralelas, que deflagraram a prevalência das interações pró-sociais.

Para as autoras, a brinquedoteca comunitária se revelou, nesse estudo, como um contexto que oferece, para crianças com e sem deficiência, a possibilidade de desenvolverem comportamentos sociais transformadores. Concluíram que os recursos existentes nesse ambiente, assim como os profissionais que ali trabalhavam, os familiares das crianças e a comunidade, agiram como facilitadores no processo de transformação.

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com o objetivo de promover a colaboração entre os alunos. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, na qual as autoras fizeram análise microgenética das interações.

Os indicadores motivacionais para a promoção ou inibição das interações foram divididos em dois níveis: (1) estrutural: estrutura e organização das atividades desenvolvidas pelas crianças segundo as regras de participação social propostas pela professora; e (2) dinâmico: episódios de interação professora-crianças e criança-criança, no contexto de uma atividade estruturada e planejada pela professora.

Os resultados mostraram que houve um aumento de padrões de interação individualista e competitivo. As autoras observaram que o incentivo à experiência coletiva da cooperação foi diminuído, tanto nas atividades diárias, como durante a sessão estruturada pela professora.

O individualismo apareceu com mais frequência na PEB e se relacionou com a dependência dos alunos à professora, revelado quando a mesma guiava as interações e mantinha uma postura de reprovar as buscas das crianças de interagir com os outros. A competição foi evidente na PEA, uma vez que a professora planejou atividades em que as crianças deveriam alcançar metas excludentes (ganhadores versus perdedores), prevalecendo a competição entre os participantes.

Para Palmieri e Branco (2007), a ação das professoras em canalizar as interações para o individualismo e para a competição comprova que elas não sabiam o significado do termo cooperação. Neste sentido, as autoras evidenciaram que as crenças e valores (individuais) das professoras é que orientam seus trabalhos, impedindo que a educação infantil ofereça às crianças, que estão em pleno desenvolvimento, outras oportunidades de

interações sociais mais significativas. Lopes, Magalhães e Mauro (2004), com o objetivo de construir uma rede

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comportamentos com o uso da Árvore Geradora Mínima (um método baseado na teoria dos grafos) para a análise das interações simétricas, que considera a ocorrência das interações ao invés de considerar sua direção. A pesquisa foi feita em sala de aula da educação infantil durante um ano letivo. A primeira etapa aconteceu no primeiro mês de aula; a segunda, após o recesso; a terceira, no último mês do ano. Nas observações do comportamento, valeram-se de cinco categorias comportamentais: interação positiva, interação negativa, observação, atividade individual, sozinho/apático, interação fracassada, interação recusada e interação com o professor. Para a construção das árvores, Lopes, Magalhães e Mauro (2004) escolheram as categorias interação

negativa e positiva, uma vez que as qualidades das interações podem indicar o tipo de relacionamento entre os pares (HINDE, 1997).

Compararam os resultados encontrados nas três etapas de observações e verificaram que as categorias que apareceram com uma frequência maior foram: a atividade individual, a observação e a interação positiva. As autoras chamam a atenção para um fato mencionado por Bussab e Maluf (1998), que é a frequência das categorias opostas à interação positiva aparecerem de forma mais marcante nas crianças que apresentam um nível baixo desta, fenômeno este que foi constatado nessa pesquisa. Observaram que as crianças que se destacaram nas interações positivas destacaram-se também nas interações negativas. Esse fato foi justificado como sendo a busca de estratégias para solucionar as dificuldades nos relacionamentos. Na indicação da preferência verbal do melhor amigo dos participantes, constatou-se “segregação sexual” e oscilação das respostas das crianças em relação às etapas anteriores, pois o amigo indicado na primeira etapa não coincidiu com o indicado nas demais. A indicação da preferência verbal não revelou a existência de relacionamentos entre eles. Neste sentido, a indicação verbal do melhor amigo não apresentou, de forma significativa, a preferência interativa entre os sujeitos pesquisados.

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Lordelo (2002) estudou 146 crianças de nível socioeconômico baixo e médio, em situação de brinquedo livre, sendo 58 delas em creche e 98 em ambientes domésticos, com o objetivo de descrever e comparar os níveis de interação adulto – criança nesses ambientes, incluindo diferentes indicadores de interação. Em ambientes domésticos, observou díades mãe-criança. Na creche, fez observações individuais, filmando uma criança por vez, e realizou entrevistas com as mães dos participantes. As interações foram caracterizadas como: interação verbal, interação não-verbal, interação e sozinho.

O estudo evidenciou diferenças entre as interações em ambientes domésticos se considerada a classe social das crianças. Constatou que os sujeitos da “classe baixa” apresentavam mais interação do que os da “classe média”, sendo que as interações não-verbais (corporais) prevalecem com um forte peso na primeira. Já as crianças de classe média passam mais tempo sozinhas e apresentam menos episódios de interação do que as de classe baixa. Nesse caso, ficam mais soltas, exploram o ambiente por conta própria e as interações nas díades acontecem mais verbalmente.

Com relação às interações no ambiente de creche, Lordelo (2002) observou que as crianças em creches públicas apresentavam um número de interação não-verbal significativamente maior do que as de creche particular e, nas interações verbais, não ocorreram diferenças significativas entre os dois tipos de creche. O estudo também verificou que as interações em ambientes domésticos de baixa renda e creches públicas se assemelham quanto ao contato corporal, sendo superior às creches privadas e ao ambiente doméstico da classe média; este, por sua vez, superior nas interações verbais.

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Oliveira, Chaves e Alves (2006) fizeram uma pesquisa com o objetivo de compreender como as interações sociais em sala de aula promovem a elaboração de conceitos. O estudo teve como participantes uma professora da 1ª série e seus 25 alunos, que foram observados durante as interações sociais nas formações de conceitos. Os dados foram analisados através da abordagem microgenética que, para os autores, pelo fato de ser ancorada na perspectiva histórico-cultural, entrelaça as dimensões cultural, histórica e semiótica, assim como focaliza as mudanças na elaboração conceitual e sua transição do plano social para o plano individual.

As aulas foram divididas em momentos, cada um indicado pela mudança do tema da conversa, e os diálogos foram separados por turnos. Em cada turno, porém, foi caracterizada a ação mediada do sujeito dirigida ao outro ou ao objeto do conhecimento, salientando a maneira pela qual o sujeito se dirigiu aos interlocutores e o conteúdo do enunciado. Os autores identificaram ações como perguntar e solicitar quando os sujeitos se dirigiam um ao outro. Essas ações envolviam pistas para a resposta e reelaboração da pergunta ou da solicitação, assim como correção e auto-correção, confirmação, concordância, afirmação, negação e silenciação. Com relação ao objeto do conhecimento, Oliveira, Chaves e Alves (2006) identificaram as ações de definição do conceito, de nomeação, exemplificação e contra-exemplificação. As categorias de análise abrangeram mais de uma ação em um mesmo turno de fala.

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Pereira-Silva e Dessen (2006), com o objetivo de descrever as dimensões das relações parentais em famílias com e sem filho com Síndrome de Down, realizaram um estudo comparativo em que buscaram identificar aspectos similares e diferenciadores do funcionamento das famílias de crianças com Sídrome de Down em relação às famílias de crianças com desenvolvimento típico. Participaram da pesquisa dez famílias, das quais cinco tinham um filho com Síndrome de Down e cinco não. A metodologia utilizada foi de observação direta das interações entre criança-mãe, criança-pai, em seus lares. As observações foram feitas durante dois anos, divididas em etapas com intervalo de seis meses entre elas. Houve quatro etapas nas famílias com crianças com a Síndrome de Down e três etapas nas famílias com crianças com desenvolvimento típico. A pesquisa foi fundamentada na teoria ecológica de Bronfenbrenner.

As autoras observaram que, nos conteúdos das interações que os genitores e crianças faziam juntos, predominaram as atividades lúdicas. Na forma como os genitores e crianças participaram das atividades, destacou-se a participação conjunta. A sincronia caracterizou a qualidade das interações parentais. Os resultados encontrados mostraram similaridades e diferenças na frequência das atividades e na qualidade e participação com o passar do tempo. Verificaram que as alterações nos padrões de interação mais acentuadas apareceram com mais ênfase na 2ª etapa da coleta. As autoras atribuíram esses resultados ao fato de as famílias estarem mais relaxadas com a presença da pesquisadora em suas casas nesse segundo momento, o que também determinou um equilíbrio nas interações das fases posteriores.

Os resultados do estudo revelaram a necessidade de direcionar programas de intervenção e prevenção às famílias e não somente às crianças com deficiência. Pereira-Silva e Dessen (2006) apontaram igualmente a importância de serem realizados estudos posteriores, abordando outros contextos ecológicos como o da escola, por ser um ambiente de extrema importância para a socialização da criança com deficiência.

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ensino fundamental, ambientes digitais de aprendizagem, existe uma semelhança entre elas, quando analisaram e buscaram categorizar, em sua maioria, as qualidades das interações reveladas em cada um desses contextos.

1.2 Interação social

A interação social pode ser definida como o contato entre sujeitos ou entre grupos através da comunicação, capaz de modificar comportamentos. Passerino e Santarosa (2007) consideram a interação social como uma relação complexa, por envolver os sujeitos e os instrumentos de mediação do contexto histórico-cultural aos quais pertencem, sendo evidenciada tanto pela linguagem como pelas ações dos sujeitos. Oliveira (2006) conceitua interação como “Eventos em que um indivíduo apresenta determinado comportamento a outro e este outro também participante responde ao primeiro, apresentando alguma forma de comportamento.” (p.17).

Hinde (1997) situa a interação social numa perspectiva interdisciplinar, que organiza as relações em níveis de complexidade social. A interação caracteriza-se pela troca entre pelo menos dois sujeitos, em um período curto de tempo.

Já a relação social é composta por uma série de interações entre sujeitos que se conhecem. As relações sociais compõem o grupo social, e este, a sociedade. Para tanto, sociedade, grupo, relação, comportamentos e fatores fisiológicos se relacionam dialeticamente com a estrutura histórico-cultural e com o meio físico.

Para Hinde (1997), o curso de uma interação depende de cada parceiro de uma díade, pois envolve elementos subjetivos, como as percepções, expectativas de comportamentos, emoções e atitudes que cada um apresenta. Nessa vertente, para esclarecer a compreensão dos comportamentos (1) e aspectos afetivos e cognitivos (2) dos relacionamentos gerados no nível da interação, o autor apresenta oito categorias.

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O conteúdo das interações diz respeito ao que os participantes estão fazendo juntos. A qualidade das interações refere-seao modo como o fazem. A diversidade, no entanto, é composta pelas qualidades das interações e consubstancia-se na riqueza das diferenças dos comportamentos de seus participantes. A frequência relativa das interações, por seu turno, considera as variações das interações, incluindo frequências qualitativas, sempre levando em conta as associações que antecedem e sucedem as interações, no sentido de evitar julgamentos equivocados sobre elas mesmas.

As categorias que dizem respeito aos aspectos afetivos e cognitivos dos relacionamentos são: a reciprocidade e complementaridade, o compromisso e a percepção interpessoal. A reciprocidade e complementaridade buscam analisar as interações recíprocas ou simétricas em que os participantes apresentam o mesmo comportamento, assim como as complementares, onde os parceiros apresentam comportamentos distintos que se completam. O

compromisso vincula-se à cooperação e confiança, no contexto que implica a aceitação dos parceiros na continuidade da relação. A percepção interpessoal dizrespeito à maneira como os sujeitos se percebem através das interações.

Ventorine e Garcia (2004), em um estudo sobre relacionamento interpessoal, listaram alguns conceitos básicos formadores das relações sociais desenvolvidos por Hinde, que são esclarecedores e complementares às categorias por ele elaboradas. Dentre eles estão presentes a semelhança e a diferença entre os participantes, atribuindo aos relacionamentos efeitos positivos e negativos. As diferenças, por exemplo, podem ser positivas no sentido de complementar necessidades entre os parceiros; e negativas, por gerarem dificuldade nas comunicações entre sujeitos. A semelhança tem o aspecto positivo de facilitar a comunicação. Esses conceitos estão diretamente ligados à categoria da reciprocidade e complementaridade, onde a semelhança é recíproca e a diferença, complementar. As interações complementares exigem ações diferentes dos seus participantes.

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nas relações de poder como trunfo para imposições de líderes, chefes e similares.

Para Hinde (1997), o poderfaz parte do relacionamento e não do próprio indivíduo. Envolve seus participantes, as ações de um sobre o outro e varia de acordo com o contexto. Na escola, por exemplo, o poder pode variar inclusive de acordo com as habilidades dos alunos relacionadas às disciplinas escolares. Na aula de matemática, detém o poder aquele aluno que tem mais habilidade nesta disciplina. Nesse sentido, todo poder é relativo, e se escora na visão que o sujeito que é controlado tem do sujeito controlador da situação.

A auto-revelação e a privacidade também fazem parte desse quadro conceitual e revelam que, quanto maior a exposição do sujeito (auto-exposição) ao parceiro, menor é o grau de privacidade. Geralmente, a auto-exposição aparece nas relações quando um parceiro pretende se aproximar do outro. A privacidade é um movimento inverso, que preza o respeito à autonomia. Para tanto, os fatores culturais estão presentes nessas tentativas de aproximação e podem gerar conflitos nas relações, e, assim, afetar a qualidade das

interações.

Os parceiros procuram dar continuidade a uma relação por meio do

compromisso, que se vincula ao conteúdo da relação na medida em que envolve estratégias para garantir sua duração. As características individuais influenciam as relações através da forma como o sujeito se comunica. A auto-estima, as expectativas e as influências sociais estão ligadas aos contextos histórico-culturais que englobam a posição do sujeito, os ambientes físicos e sua organização.

Em face disso, Hinde (1997) aponta para a importância das análises das interações sociais ao se estudar esse fenômeno. Embora as interações façam parte das relações, é necessário diferenciar a abordagem do estudo de cada um desses fenômenos, pois as interações atingem umas às outras durante uma relação. Com efeito, observar o maior número de interações entre os mesmos indivíduos pode revelar dados mais significativos para análise do que se feito ao contrário.

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da obra de Hinde (1997), afirmam que o contexto é um conjunto de forças externas que afetam os relacionamentos, podendo também influenciar as características individuais dos participantes.

Para tanto, o relato detalhado desse contexto pode interferir sobremaneira na descrição das interações e, até mesmo, na forma como estas podem ser categorizadas. Hinde (1997), ao criar categorias de interação, contribuiu significativamente para os estudos que as envolvem, abrindo caminho para diversas pesquisas nessa direção.

A obra de Hinde oferece importante contribuição nas observações e descrições de interações sociais, e tem grande relevância para nossa pesquisa, uma vez que oferece um sistema de categorias que revela a estrutura da participação, a qualidade e as categorias comportamentais presentes nos episódios que envolvem interações.

1.3 2 “Pessoas são pessoas através de outras pessoas”: a emergência do sujeito nas interações sociais

No início do séc. XX, os teóricos idealistas consideravam a consciência como pré-existente, os mecanicistas negavam o idealismo e seccionavam os comportamentos do homem para efeitos de estudo, comparando-os aos animais (VYGOTSKI, 1996). Foi no materialismo dialético que Vygostky ( 1996) encontrou uma saída para este conflito. Postulou que era importante estudar a passagem do externo (sensorial) para o interno (racional), chegando ao estudo da gênese do desenvolvimento humano, em um movimento que engloba as esferas filogenéticas, ontogenéticas e sociogenéticas. É a sociogênese que diferencia, qualitativamente, o desenvolvimento do ser humano em relação aos outros animais, pois é responsável pelo desenvolvimento das funções psíquicas superiores, originárias da interação do homem com seu meio histórico-cultural.

Vygotski (1996) incorpora o método do materialismo dialético e elabora um novo método de investigação que considera a necessidade do estudo dos

2 Tradução do ditado Xhosa – língua materna de Nelson Mandela: “

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fenômenos em seu processo dinâmico, processo este passível de mudança no decorrer da sua história. Ao analisar o método experimental que, até então, era utilizado pela psicologia e, concomitantemente, criar novas bases para a pesquisa, Vygotski iniciou uma nova caminhada na psicologia.

De acordo com Sirgado (1990), esse novo método tem como ponto central a tese de que os fenômenos psíquicos não podem ser analisados e considerados como meros objetos, mas, sim, como processos em mudança. O método anterior, com ênfase na conexão entre estímulo e resposta, embora servisse para o estudo de processos elementares, mostrou-se totalmente inadequado para o estudo de processos complexos como as formas de comportamento especificamente humanas, qualitativamente diferentes do desenvolvimento dos animais.

Ao tentar sair do círculo das psicologias objetivistas do comportamento, Vygotski (apud MORLON, 1999) afirma que os métodos de investigação dos reflexólogos reconheciam a consciência como um entrelaçamento de sistemas reflexos, mas não perceberam que esta não se confunde com o reflexo, sendo, sim, um sistema de transmissão de reflexos (MORLON, 1999).

Vygotski (1996) procurou, então, levar a unidade explicativa do reflexo condicionado às últimas consequências e sintetizou algumas de suas primeiras ideias sobre a consciência, linguagem e inconsciente. De início, questionou o uso em demasia da palavra “reflexo” na psicologia e o considerou como um conceito abstrato, sinalizando que este não deveria se converter no conceito principal da psicologia (VYGOTSKI, 1996).

Para Morlon (1999), no entanto, foi nos estudos da linguagem que Vygotski superou o dualismo reflexológico e percebeu que a consciência humana tem origem nas interações sociais. Neste sentido, o sistema de reflexo se subdivide em duas categorias: reflexos internos e externos. Quando o reflexo interno se transforma em palavra falada, a consciência aparece como um sistema de transmissores, que é regido por leis com uma estrutura complexa e que abarca subsistemas de uma totalidade. Desta maneira, considera a palavra como a unidade básica do sistema de reflexos da consciência.

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recíproca entre pessoas) e de ser instrumento de ação recíproca, íntima, consigo mesmo. Para tanto, a palavra organiza o pensamento, e este, consequentemente, o comportamento, de maneira interna e externa. Assim, o pensamento tem um caráter social.

A criança aprende a compreender primeiro os outros, para depois aprender a compreender a si mesma. Podemos, então, dizer que nos “conhecemos“ quando internalizamos o que o outro afirma sobre o que somos ou que estamos conscientes de nós mesmos quando passamos a ser outro para nós mesmos, ou seja, um estranho (VYGOTSKI apud VEER e VALSINER, 2001).

Vygotski (2001), ao considerar a importância do outro na formação da consciência, estabelece que o sujeito deixa de ser produto de um reflexo e passa a ser a conformação de um sistema de reflexos (MORLON, 1999). Assim, o eu se constrói na relação com o outro e o sujeito passa a ter consciência de si porque se reconhece por intermédio do olhar do outro. Essa relação acontece através da ação mediada.

De acordo com Morlon (1999), a mediação é tida como um pressuposto norteador do arcabouço teórico metodológico de Vygotski e não pode ser encontrada entre dois termos de uma relação, mas é a própria relação

Já Toassa (2006) considera que a mediação da experiência acumulada e sintetizada na linguagem é que desenvolve o processo pelo qual a realidade reflete no homem o caráter criativo e voluntário da atividade cerebral. É na apropriação dos sistemas de significações historicamente desenvolvidos que as pessoas são capazes de ir além das sensações e podem generalizar a experiência nas palavras. Os signos são estímulos criados artificialmente para representar os estímulos-objeto (coisas, pessoas) e também para acumular as experiências.

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constituição de sua consciência. Logo, a linguagem é constitutiva e constituidora do sujeito, pois é nela e por ela que o sujeito se constitui nas relações sociais, no campo das intersubjetividades (MORLON, 1999).

O sujeito, então, se constitui da relação dialética entre o eu e o outro, ou melhor, pela mediação; e é na esfera intersubjetiva que se reconhece e toma consciência de si. O contexto determina essa constituição, por meio de significação, que se diferencia polissemicamente, ao sabor de variações e intenção das situações (PINO, 1991).

Este preceito é válido para o desenvolvimento humano de um modo geral, mas as peculiaridades do desenvolvimento da pessoa com autismo podem ocasionar um entrave no desenvolvimento e na constituição da consciência dessas pessoas. Lorna Wing (1997), conforme já antecipamos, verificou que nelas existe um padrão de comprometimento no desenvolvimento da interação social, linguagem, pensamento e comportamento, que estão entrelaçados entre si, o que gera prejuízos na constituição da consciência.

Para Scheuer (2002), é o desenvolvimento da linguagem que faz com que a pessoa se sinta como pertencente a uma cultura e se identifique como tal. Deve servir não somente para revelar os desejos, necessidades de si, como também ser deflagradora dos desejos e necessidades dos outros, instaurando sentido à linguagem e a possibilidade de uma comunicação.

A dificuldade de crianças com autismo em interagir com outras pessoas, de reconhecê-las e se reconhecerem, está relacionada com o atraso do desenvolvimento da linguagem ou sua ausência. Segundo os relatos de pais de crianças com autismo, é possível perceber o atraso quando estas ainda são bebês, pois costumam não responder a estímulos do ambiente, tendem a ficar quietas e a reagir como se fossem surdas, não respondendo até mesmo quando chamadas por seus próprios nomes (SHEUER, 2002).

Algumas crianças iniciam o processo de desenvolvimento da linguagem e em seguida, apresentam regressão, permanecendo, muitas vezes, com um repertório de poucas palavras, e, ao usá-las, não conseguem, em certas situações, demonstrar a existência de intenção de se comunicar (SHEUER, 2002). Neste sentido, utilizam palavras soltas, descontextualizadas.

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acompanhadas de comportamentos agressivos, auto-agressivos e de isolamento social. A dificuldade de simbolização igualmente está presente no brinquedo, que, de modo geral, é utilizado com o objetivo de ser manipulado, sem lhe ser atribuída uma função, o que indica a inexistência de brincadeira.

Para a pessoa com autismo, a dificuldade de simbolização para representar um objeto ausente ou para simbolizar objetos presentes acarreta problemas no desenvolvimento da linguagem, principalmente no que se refere à criação de novos significados, e isso afeta, com efeito, não só a linguagem oral, mas também o pensamento abstrato, a compreensão do discurso do outro e a tomada de consciência de si mesma.

De acordo com Vygotski (2001), a palavra somente tem sentido quando adquire um significado, isto é, quando é iluminada pelo pensamento. Neste caso, podemos chamá-la de palavra consciente; do contrário, palavra morta. A palavra só tem um significado porque é um signo social. Relembrando a expressão de Feurbach (apud VYGOTSKI, 2001), a palavra, na consciência, é absolutamente impossível para um homem e possível para dois, sendo a expressão mais direta da natureza da consciência humana.

A importância das relações sociais para o desenvolvimento individual da consciência humana está no fato de que esta não se constitui por si só. A criança com autismo necessita ser inserida em contextos de interação social constantes. Essa interação promoverá o desenvolvimento social, ao que se seguirá, consequentemente, o desenvolvimento da consciência da criança e das demais funções psicológicas superiores.

1.4 A defectologia e os problemas gerais no desenvolvimento da criança com autismo

A concepção de deficiência nos estudos de Vygotski (1997) difere das concepções dos demais teóricos da sua época, pois a abordagem histórico-cultural elevou o estudo das pessoas com algum tipo de deficiência a um patamar totalmente divergente da psicologia que predominava até então.

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que confirmava suas inabilidades, deficiências e limitações, cumpria um papel de instrumento de segregação, separando as pessoas da convivência social.

Com efeito, a deficiência deixou o foco organicista para inserir-se no campo social, rompendo com os testes e métodos de investigação que se baseavam na abordagem quantitativa do estudo da criança com alguma deficiência. Essa nova perspectiva passou a investigar as capacidades, pontuando a importância da adoção de uma base metodológica que pudesse se pautar pela qualidade dos fenômenos e dos processos de desenvolvimento.

De acordo com Vygotski (1997), a criança com defeito não deve ser vista como menos desenvolvida, mas sim como uma criança que apresenta um desenvolvimento diferente. Ao afirmar que a cultura é o elemento essencial para o desenvolvimento, este autor focaliza a natureza social de deficiência e indica que a compensação de um defeito ocorre igualmente pela via social.

Para ele, a insuficiência orgânica desempenha um duplo papel no processo de desenvolvimento e na formação da personalidade da criança. Por um lado, a deficiência representa a limitação, a debilidade, o negativo, o desenvolvimento diminuído; por outro, justamente por criar dificuldades, a própria deficiência estimula um avanço no desenvolvimento. Todo defeito cria estímulos para elaborar uma compensação, mas Vygotski (1997) reconhece que nem todo defeito é passível de compensação, uma vez que a compensação deve ser voltada para as consequências sociais dos defeitos.

Como as deficiências afetam, antes de tudo, as relações sociais das crianças, é importante que haja educação social, no sentido de compensar as luxações sociais e os impactos que esses defeitos trazem para desenvolvimento do sujeito:

[...] o que decide o destino da personalidade não é o defeito em si, mas as conseqüências sociais, sua realização sócio-psicológica.

Assim como a vida de todo organismo está orientada pela exigência biológica de adaptação, a vida da personalidade está orientada pelas exigências de seu ser social (VYGOTSKI, 1997, p. 44 e 45) (Tradução nossa).

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criar mecanismos favoráveis ao convívio social, sobretudo com investimentos em processos interativos e comunicativos.

Se o processo de compensação pode ser efetivado nas situações de deficiência física ou sensorial, o curso do desenvolvimento complicado por outras modalidades de deficiência não se vê beneficiado. É o caso do autismo que apresenta, como particularidade obstaculizadora, a consciência social de si mesmo pouco desenvolvida, o que dificulta a geração de sentimentos de valoração social e a participação na coletividade, aspectos que nutrem o processo de compensação.

Nas crianças com autismo, conforme já mencionado, a dificuldade na interação social, na linguagem e na comunicação obliteram, em grande parte, o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Vygotski (1997), ao investigar o desenvolvimento de pessoas com defeitos, pouco acrescenta no entendimento dos problemas do desenvolvimento de uma pessoa com autismo. De fato, o termo “autismo” não aparece em suas obras, por ter sido nomeado por Léo Kanner, em 1943, posteriormente às publicações de Vygotski no Ocidente.

As pessoas com autismo, além de apresentarem um padrão característico de perturbações em diferentes áreas do desenvolvimento, dentre elas, a interação social, a comunicação e o comportamento, como se sabe, também se estima que 70% delas apresentam deficiência intelectual (GAUDERER 1997).

Wing (1997) em consonância com Kanner, afirma que, no autismo, a capacidade de interação social recíproca é afetada, e considera esta como uma função complexa, por envolver o reconhecimento do outro, a compreensão e o uso da comunicação, e a habilidade de imaginação. Para a perspectiva histórico-cultural, a relação com o outro é a chave do desenvolvimento humano, e a linguagem, o instrumento principal para que essa relação aconteça. A imaginação também representa um aspecto importante para esse processo.

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Tabela 3.  Frequência absoluta e percentual dos comportamentos nas  interações sociais na Escola Classe
Tabela 5.  Frequência absoluta e percentual do tipo de participação nas  interações sociais na Escola Parque
Tabela 6.  Frequência absoluta e percentual dos comportamentos nas  interações sociais na Escola Parque
Tabela 7. Síntese das categorias de qualidade das interações
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