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Significado e dor no esporte de alto rendimento

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física

SIGNIFICADO E DOR NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO

Brasília - DF

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SIGNIFICADO E DOR NO ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Católica de Brasília, para obtenção do título de Doutora em Educação Física.

Orientador: Prof. Dr. Luis Otávio Teles Assumpção

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB06/08/2012

  C128s Caetano, Juliana Naves Neves.

Significado e dor no esporte de alto rendimento. / Juliana Naves Neves Caetano – 2012.

89f. ; 30 cm

Tese (doutorado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Orientação: Prof. Dr. Luis Otávio Teles Assumpção

1. Dor. 2. Esportes (Aspectos fisiológicos). 3. Aptidão física do atleta. 4. Ferimentos e lesões. I. Assumpção, Luis Otávio Teles, orient. II. Título.

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Aos meus eternos amores Cassius e Ana Júlia.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, sempre, pela companhia em todos os momentos.

Aos meus pais. Diante das dificuldades deste período, foi impossível não me recordar dos seus exemplos de trabalho árduo, de persistência, abnegação, determinação e altruísmo. Se hoje construí e finalizei esta jornada, foi porque deixaram pronta a base sólida para que eu pudesse me apoiar.

Ao meu orientador Prof. Dr. Luis Otávio, que foi além dos ensinamentos acadêmicos que marcaram o meu caminho profissional. Apresentou-me uma nova visão metodológica, mas, sobretudo, impulsionou-me na maravilhosa e árdua descoberta da pesquisa qualitativa, até então, obscura para mim.

Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da renomada Universidade Católica de Brasília por ter me possibilitado, ao longo do mestrado e doutorado, conviver com competentes profissionais, professores e pesquisadores, além de desfrutar de sua estrutura marcada pela excelência.

Aos estimados professores e doutores da banca, que compartilharam valiosos ensinamentos desde a qualificação deste trabalho até seus momentos finais.

À querida amiga Cibele, por ter suportado sozinha todas as pressões e dificuldades da clínica no momento em que fora necessário me ausentar para dedicar-me a esta tese.

Ao Cel. Samuel, sempre cordial e solícito, por tornar possíveis as entrevistas com os atletas do time de Basquete de Brasília.

Aos atletas que me concederam as entrevistas, acreditando na seriedade e importância desta pesquisa, dividindo comigo suas experiências e lembranças.

Agradeço aos pacientes que a mim confiaram sua recuperação ao longo destes anos de trabalho. Por vocês, sempre busquei melhor compreender a existência humana. Vocês foram os propulsores desta conquista.

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“A dor é temporária. Ela pode durar um minuto, uma hora, um dia ou um ano, mas finalmente ela acabará e alguma outra coisa tomará o seu lugar. Se eu paro,

no entanto, ela dura para sempre”.

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RESUMO

Este trabalho descreve a percepção e os significados da dor para o atleta de alto rendimento à luz da perspectiva Interacionismo Simbólico. Foram entrevistados 10 atletas que desenvolveram sua carreira na elite do esporte brasileiro. A pesquisa foi do tipo exploratório-descritiva e os dados foram coletados através de entrevista semiestruturada e analisados qualitativamente. Foram agrupados em categorias os temas que mais se destacaram. O principal resultado deste trabalho foi a percepção e o significado da dor como um produto social e cultural, representada e interpretada de acordo com o grupo e as teias de interação estabelecidas pelos atletas no ambiente esportivo. A maneira de lidar com ela dependerá da “definição de situação” do próprio atleta. As respostas frente a este fenômeno serão particulares a cada indivíduo e uma visão puramente biológica não compreenderá toda a sua complexidade.

Palavras-chave: Dor. Significado. Esporte. Alto rendimento. Interacionismo Simbólico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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ABSTRACT

This paper describes the perceptions and meanings of pain for the athlete high performance in light of Symbolic Interactionism perspective. We interviewed 10 athletes who developed his career in elite sport in Brazil. The research was an exploratory, descriptive and data were collected through semi-structured interviews and analyzed qualitatively. Were grouped into categories of themes that stood out. The main result was the perception and the meaning of pain as a social and cultural product, represented and interpreted in accordance with the group and the webs of interaction set by athletes in the sport environment. The way to deal with it will depend on the "definition of situation" of the athlete. The responses to this phenomenon will be particular to each individual and not a purely biological understand all its complexity.

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SUMÁRIO  

1INTRODUÇÃO ………. 10

2 OBJETIVOS ...12

2.1 Objetivo geral ...12

2.2 Objetivos específicos ... 12

  3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ... ... 13

4 REVISÃO DA LITERATURA ... 14

4.1 Um panorama das lesões no esporte... .15

4.2 Abordagem biológica do corpo e da dor ... .. 22

4.2.1 A abordagem biológica do corpo... 22

4.2.2 A visão física e biológia da dor ... 23

4.3 Dor e lesão no contexto social ... 24

4.3.1 A “cultura de risco” ... 26

4.4 O corpo, a dor e a sociedade ... 27

4.4.1 O corpo ... 27

4.4.2 A dor ... 30

5 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO ... 34

5.1 A construção da realidade ... 34

5.1.1 Interação social e realidade ... 37

5.2 A perspectiva da interação simbólica ... 39

5.2.1 As origens do interacionismo ... 40

5.2.2 A perspectiva da interação ... 43

5.2.3 A representação dramática do Eu ... 45

5.2.3.1 Fachada ...46

5.2.3.2 Cenário ...47

5.2.3.3 Realização dramática ... 48

5.2.3.4 Idealização ...49

5.2.3.5 Manutenção do controle expressivo ... 50

6 ESPORTE DE ALTO RENDIMENTO E SAÚDE ... 52

6.1 Conceituando saúde... 52

6.2 Relação esporte de alto rendimento e saúde ... 54

7 METODOLOGIA ...56

7.1 Universo empírico ... 56

7.2 Caracterização dos sujeitos da pesquisa ... 56

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7.4 Instrumento da pesquisa ... 60

7.5 Análise dos dados ... 61

8 ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 62

8.1 Categoria 1: treinamento, competitividade e lesões ... 62

8.1.2 A competitividade ... 65

8.1.3 O ambiente esportivo e o interacionismo ... 66

8.2 Categoria 2: relação do atleta com o corpo, dor e lesão ... 68

8.2.1 O corpo e o atleta ... 68

8.2.2 A dor e o atleta ... 70

8.3 Categoria 3: “dor jogável” e “dor não-jogável” ... 73

8.4 Categoria 4: dor privada e dor pública no esporte ... 76

8.4.1 Dor privada ... 76

8.4.2 A dor pública ...78

8.4.3 O conflito de papéis ... 79

9 CONCLUSÃO...81

REFERÊNCIAS ... 83

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1 INTRODUÇÃO

No ambiente esportivo, a dor e a lesão são situações rotineiras. Inúmeros episódios de atletas lesionados ou afastados para resolução de seu quadro álgico são relatados. Um significativo aparato médico, de reabilitação, de prevenção, de treinamento dos atletas de alto rendimento, faz-se presente.

A cada dia, um crescente número de competidores é encaminhado ao tratamento e às cirurgias, fortalecendo estatísticas daqueles já comprometidos fisicamente. O “fantasma dor/lesão” está sempre prestes a sobrepujá-los e frustrá-los em suas expectativas.

Quantas vezes inúmeros desportistas não se superam e competem com dor, mesmo com prejuízo em sua recuperação? Quantos não são persuadidos a competir lesionados ou parcialmente recuperados? Quantos não são obrigados a, precocemente, rescindir contratos e interromperem suas carreiras?

Estas questões, carregadas de significados e interpretações no esporte de alto rendimento, necessitam de especial atenção, estudos e análises. A dor e a lesão são um tema essencial para melhor se compreender a lógica do esporte de alto rendimento.

Historicamente, os estudos sobre elas tendem a se restringir as perspectivas biológicas, tanto no seu diagnóstico quanto no seu tratamento. Ela é reduzida a um sistema de transmissão de sinais, de diagnósticos, de intervenções, de prescrições etc. O atleta, o corpo e a dor têm sido, há longo tempo, considerados apenas em sua dimensão biofisiológica.

Com efeito, as pesquisas que proporcionaram uma medicina avançada também deixaram uma herança limitada em relação ao modo de olhar o corpo, e isto parece se estender também para a dor, bem como para a maneira com que são entendidos no esporte de alto nível.

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atletas profissionais mencionou continuar competindo estoicamente apesar de lesionados e com um presente quadro álgico (HOWE, 2001).

Atualmente, a sociologia da dor e da lesão é parte integrante da experiência esportiva. As investigações nestas áreas apontam para a ocorrência ocasional das lesões e dor, porém com seus significados mediados pelas relações sociais que os atletas estabelecem. Muitos deles aprendem a ignorar o risco de danos físicos e a normalizar a ocorrência de dor e lesão, apontando para um contexto denominado “cultura de risco” (HOWE, 2004). Têm sido discutidas estratégias para se lidar com as experiências dolorosas.

Para melhor explicarmos o quão importante é a rede de interação e suas relações com a subjetividade deste fenômeno, o Interacionismo Simbólico foi a abordagem que melhor iluminou as análises dos papéis sociais desempenhados pelos atletas, conduzindo-os a um particular entendimento da dor e de seus corpos. Sem entendermos como estes atores edificam suas realidades e suas vidas cotidianas, jamais poderíamos nos aproximar dos muitos sinais e significados que a dor é capaz de revelar.

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2 OBJETIVOS

2. 1 Objetivo geral

Analisar e interpretar representações de dor e lesões experimentadas, sofridas e vivenciadas por esportistas de alto rendimento.

2.2 Objetivos específicos

– Explanar sobre as abordagens socioculturais do corpo, da lesão e dor. – Conceituar saúde.

– Analisar a relação esporte e saúde, bem como seus contornos particulares no universo do esporte de alto rendimento.

– Analisar as diferentes formas de interação dos atletas de alto rendimento com dores e lesões.

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3 JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA

A dor é um fenômeno subjetivo e tem sido considerada, com maior frequência, apenas em seus aspectos biológicos.

Não é apenas o resultado de lesão física, mas também delineada por fatores psicológicos, emocionais, sociais, culturais. Existe uma forma diferenciada para cada pessoa comunicar e interpretar sua dor. Ela está intimamente ligada à valorização ou não de sua exposição. O nível de tolerância está relacionado a fatores emocionais, culturais e sociais.

A maneira como o indivíduo aprende e vivencia suas experiências dolorosas dão origem a um complexo sistema cultural e simbólico e a uma variedade considerável de significados, pouco explorados pelas pesquisas de natureza biológica. Diante da diversidade de símbolos e interações envolvidos na expressão da dor, os indivíduos atribuirão a ela interpretações e significados próprios.

De uma condição social e cultural para outra e de acordo com sua história pessoal e social, as pessoas não reagirão sempre de maneira igual à dor. A anatomia e a fisiologia não podem explicar estas variações sociais, culturais, pessoais que a cercam. A íntima relação entre a dor e o homem depende dos significados e uma análise puramente biológica não revelará a complexidade que acompanha tal fenômeno.

O esporte de alto rendimento é um particular ambiente social e uma das mais instigantes redes de interações existentes. As suas particularidades, consideradas por alguns cientistas sociais como uma subcultura do esporte, despertam a curiosidade e nos remetem a uma rede de interações em que os atores convivem rotineiramente com a dor.

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4 REVISÃO DA LITERATURA

Desde o início dos anos 90, um número crescente de estudos qualitativos observou as formas pelas quais os atletas são acometidos por dor e lesão no curso de suas carreiras. Antes desta data, poucos sociólogos tinham escrito sobre este assunto. O estudo das lesões esportivas foi considerado domínio de médicos, fisioterapeutas, fisiologistas e especialistas em medicina esportiva. No entanto, durante as décadas de 70 e 80, houve numerosos relatos bibliográficos e jornalísticos de atletas profissionais e de alto rendimento, que continuaram a competir estoicamente quando feridos e com dor.

Davies Hunter (1996) relatou o prejuízo sofrido pelo ex-jogador da Inglaterra Alan Mullery, que havia jogado uma temporada inteira com dores de estômago. Ele esperava que as dores fossem desaparecer, o que não aconteceu. Assim, usou um espartilho por algum tempo, que o ajudou no início, mas depois as dores se intensificaram, segundo o relato. Finalmente, o atleta admitiu que pudesse ser um problema grave e, portanto, ficou indisponível para a seleção.

Seria incorreto sugerir que incidente como o de Mullery aconteça isoladamente. Há algum tempo tem havido provas substanciais que, particularmente, em níveis elevados do esporte, há pressões consideráveis sobre os atletas para competirem quando lesionados e com dor (WADDINGTON, 2000). No entanto, apesar da disponibilidade de evidências, não faz muito tempo que estudos sociológicos das relações associadas à dor/lesões no desporto começaram.

Até muito recentemente, o estudo da dor tem recebido pouca atenção sociológica, apesar do seu significativo posicionamento entre biologia e cultura (BENDELOW, 2000). Abordagem teórica sobre a dor tende a ser dominada, pela medicina, uma perspectiva que considera que a dor seja uma questão relacionada apenas a nervos e neurotransmissores, tanto no diagnóstico quanto no tratamento.

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A conceituação (biomédica) dominante entende a dor centrada na sensação, como se ela pudesse ser mensurada objetivamente. No entanto, além de ser uma questão “médica”, a dor também é uma experiência cotidiana, muitas vezes perdida no que Morris (1991) definiu como “o encontro negligenciado entre dor e significado”. Devemos observar a contribuição sociológica do esporte na compreensão da dor. As narrativas têm o seu lugar ao lado da medicina baseada em evidências. A maioria dos sociólogos que analisou o conceito de lesão tem se preocupado principalmente com os ambientes de trabalho industrial (HYLAND, 1990).

Estar “apto para o trabalho” é de suma importância, em especial, para atletas profissionais que desejam ou precisam permanecer “ativos” em competições. A participação no desporto e, especialmente, a participação no desporto de elite, expõe os participantes ao risco de dores e lesões. Algumas lesões sofridas durante o treinamento e na competição podem levar à rescisão de contrato e invalidez permanente.

O foco dos sociólogos sobre os riscos físicos que acometem os atletas tem que ser influenciado por uma tendência mais geral de centralizar “o corpo” como foco de sua análise (HOWE, 2004). Leder (1990) sugere que teorias a esse respeito tendem a ser distantes e desprovidas de qualquer conexão direta com as experiências vividas das pessoas. Em suma, Leder (1990) lembrou que a existência do “corpo vivido” manteve-se relativamente marginalizada na literatura sociológica e psicológica contemporânea. No entanto, grande parte da literatura passada deixa evidente que muitos atletas aprendem a ignorar o risco de danos físicos e banalizar a dor.

4.1 Um panorama das lesões no esporte

A tendência crescente da competitividade no esporte não ocorre sem “custos” para a saúde dos atletas, mais particularmente na forma de lesões, estresse ou lesões por “overuse”, aumentando a frequência de participação em competições com dor ou ainda não recuperados totalmente.

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parte da preocupação com as lesões recorrentes por sobrecarga, um problema frequente, claramente associado ao modelo de tratamento a que são submetidos os desportistas na competição, muitas vezes, associado ao escasso interesse para o potencial de riscos à saúde, a longo prazo. Para obterem sucesso no esporte moderno, os atletas são obrigados a treinar cada dia mais jovens e em maior intensidade (DONOHOE; JOHNSON, 1986).

O desportista pode ser recompensado mais rapidamente na carreira com um melhor desempenho e uma maior aptidão. Porém, por vezes, pode haver um alto custo a pagar. Parte do preço do treinamento intenso, assim como da disponibilidade incondicional, muitas vezes incentivados por técnicos e consultores médicos, é, sem dúvida, pago sob a forma do abuso físico e recorrentes lesões, o que passou a constituir um problema sério no desporto não apenas com os atletas adultos e da elite do esporte, mas também nas categorias de base.

Como Donohoe e Johnson (1986) notaram, os efeitos a longo prazo ocasionados por lesões e “overuse” não são totalmente conhecidos, mas alguns médicos têm perguntado se medalhistas de hoje poderão estar comprometidos pela artrite/artrose aos 30 anos de idade.

Exemplos de atletas que continuaram a competir com lesões dolorosas e potencialmente graves são incontáveis. Em sua autobiografia, Olga Korbut, ginasta olímpica de ouro, descreveu que, após os jogos de Munique, em 1972, devido ao sucesso da equipe de ginástica soviética, foram levadas em uma excursão à então Alemanha Ocidental. Ela fez a seguinte anotação:

Durante a viagem à Alemanha, a minha coluna começou a doer muito. A injeção de Novocaína levou embora a dor por um tempo, mas eu precisava de tempo para descansar e me curar. Ao final da excursão, andei como se tivesse uma estaca na minha espinha... (KORBUT, 1992 apud COAKLEY, 1994, p. 415).

Acrescentou que:

Minhas fortes lembranças de todo esse período são fadiga, dor e sensação de vazio; de ser uma mosca, cujo sangue foi sugado por uma aranha predatória. (KORBUT, 1992 apud COAKLEY, 1994, p. 415).

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por exemplo, o seguinte trecho de uma conversa, antes da partida, da equipe Wigan da Liga de Rugby e seu treinador, John Monie:

Há só mais uma coisa que eu quero conquistar. Não importa o que há de errado com você, se está machucado, eu quero você em seus pés na linha defensiva... Eu não me importo se o médico está lá fora e quer examiná-lo. Isso não é importante. Você tem doze companheiros de equipe, lute com as suas entranhas para fora, defendendo com qualquer coisa. Se a oposição tem a bola, eu quero você em seus pés na linha defensiva. Não há exceções a essa regra. A partir de agora, a única razão para você ficar no chão ferido e chamar a atenção na linha lateral é se houver uma pausa no jogo ou se você estiver inconsciente – não haverá outras razões aceitas. (HANSON, 1991, p. 77).

A discussão de Monie com a equipe talvez possa ser considerada equivalente à visão americana, que diz: “Você joga mesmo que o osso atravesse a carne”, que, como Young (1993) observou, tem sido utilizado para racionalizar a lesão.

Hanson (1991) relatou, ainda, que os jogadores de rugby foram visitados antes da Final da Taça da Liga de Rugby no estádio de Wembley, em 1990, e muitos deles tinham sido submetidos a injeções analgésicas. O médico do clube, Dr. Zaman, entrou no vestiário segurando uma coleção de seringas e agulhas usadas e pediu a um funcionário de Wembley: “Você tem uma caixa para perfurocortantes?” (HANSON, 1991, p. 193).

Entretanto, o ex-capitão de futebol inglês Gary Lineker, que se aposentou após uma longa luta contra uma lesão crônica do pé, relatou que se preocupava continuamente com o uso indiscriminado de drogas analgésicas. Ele disse no momento de sua aposentadoria:

É como se um peso enorme fosse tirado de mim e eu já não precisasse mais me preocupar se vou estar apto para estar no jogo. Já não terei de sofrer as tonturas e queixas do estômago, nem a dependência por medicamentos anti-inflamatórios" (Daily Mirror, 21 nov. 1994 apud COAKLEY, 1994, p. 416).

Experiências deste tipo são comuns entre os jogadores de elite. Na Inglaterra, uma pesquisa com 725 jogadores profissionais de futebol, realizada pela revista

Four Two (out. 1995), revelou que 70% dos jogadores tinham sido escalados para jogar ainda não totalmente recuperados. Como Yong et al. (1994) observaram:

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Um exemplo deste tipo de pressão é o do ex-dirigente da equipe de futebol de Liverpoll, Bill Shankly, considerado por muitos como um dos maiores dirigentes de clubes. Shankly se recusou a falar com qualquer jogador que não estivesse disponível para jogar devido a alguma lesão (On Line, da BBC Radio Five Live, 12 mar. 1996 apud COAKLEY, 1994, p. 416).

Yong et al. (1994) argumentaram que:

A pressão exercida sobre o jogador para voltar à ação antes da recuperação completa é, em certo sentido, destinada a reforçar a capacidade da equipe para vencer, mas, no processo, é dada pouca consideração a saúde do atleta a longo prazo. (YONG, 1994, p. 190).

Apesar de tais pressões sobre os jogadores serem associadas à masculinidade, as mulheres atletas também competem com dor e prejuízo físico, respondendo de maneira muito semelhante aos seus pares masculinos. Por exemplo, ao comparar sua pesquisa no Canadá com atletas do sexo feminino, White et al. (1995) escreveram que homens e mulheres adotam técnicas similares para ajudar a dissipar a dor em suas vidas esportivas.

Donnelly (1993) observou que as crianças encontram oportunidades cada vez mais lucrativas como atletas profissionais. Assim, os pais são tentados a incentivar os filhos a envolverem-se pesadamente no esporte profissional, em idades precoces.

As lesões oriundas de overtraining em atletas jovens foram amplamente relatadas na literatura (ROWLEY, 1986) e também mencionadas pela maioria dos 45 atletas de elite recém-aposentados, entrevistados por Donnelly (1993) e que descreveram suas próprias experiências como atletas jovens. Dada a característica altamente competitiva do esporte moderno, não deve haver nenhuma surpresa no que diz respeito ao uso excessivo do corpo e às lesões recorrentes.

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Não há dúvida que, em todos os níveis esportivos, a competição tem sido cada vez mais acirrada, dando origem a um grande número de lesões. Pesquisa realizada, na Inglaterra e País de Gales, para o Conselho do Desporto revelou que um terço dos ferimentos resultantes da participação no esporte foi de lesões recorrentes. Com base neste estudo, o Conselho de Esportes estima que, nesses países, existam 10,4 milhões de incidentes em um ano, resultando em lesões recorrentes (Conselho do Desporto, 1991 apud HOWE, 2004, p. 205).

As lesões esportivas são extremamente comuns e, muito claramente, o risco de lesão tem de ser considerado para se avaliar os “custos” à saúde e os “benefícios” do desporto e exercício físico. Neste contexto, um estudo em grande escala realizado para o Conselho do Desporto na Inglaterra e País de Gales (1991) fornece uma grande quantidade de informação relevante e vale a pena examinar os detalhes.

Um questionário postal foi enviado, perguntando sobre a participação em esportes e as experiências com exercício físico e ferimentos nas quatro últimas semanas. Uma amostra de 28.857 pessoas foi selecionada aleatoriamente, a partir das listas de família (cuidados médicos básicos). A taxa de resposta foi de 68%. Das 17.564 respostas utilizáveis, 7.829 respostas (45%) fizeram parte de programas de exercício vigoroso ou desporto; 1.429 referiram o acontecimento de lesões e relataram um total de 1.803 acidentes (YONG, 1993). O número de incidentes de lesão foi ponderado e multiplicado para fornecer estimativas da incidência anual de lesões esportivas na Inglaterra e País de Gales. Assim, estima-se que havia 19,3 milhões de incidentes, resultando em novas lesões, e 10,4 mil novos incidentes, resultando em lesões recorrentes, o que perfaz um total de nada menos que 29.700 mil casos por ano (YONG, 1994).

Os custos diretos de tratamento de lesões novas e recorrentes foram estimados em £ 422 milhões. Os custos de perda de produção (devidos aos dias fora do trabalho) foram estimados em £ 575 milhões, resultando num custo total anual com lesões esportivas de £ 997milhões (YONG, 1993).

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mais perigoso no que se refere ao risco de lesão, com uma taxa de lesão de 59,3 por 100 participantes em quatro semanas.

O segundo esporte mais perigoso era o futebol (39,3 por 100 participantes), seguido das artes marciais (36,3/100), hockey (24,8/100) e cricket (20,2/100). Um

estudo na Nova Zelândia (HUME E MARSHALL, 1994) também confirmou o rugby

com a mais alta incidência de lesões, seguido de outros esportes a cavalo, futebol, cricket, basquetebol e skiing neve. Portanto, existe uma estreita associação entre o contato físico e o risco de lesão. Lynch e Carcasona (1994) citam um estudo de futebol juvenil dos Estados Unidos, que concluiu que 66% das lesões no campeonato ao ar livre e 70% das lesões no campeonato indoor resultaram do contato físico.

Não surpreendentemente, o Conselho de Esportes da Inglaterra e País de Gales concluiu que as atividades com o menor risco de lesão foram as de não contato, as rítmicas e atividades não competitivas (6,5 incidentes por 100 participantes em 4 semanas). A natação e o mergulho registraram 2,9 incidentes por 100 participantes. No entanto, mesmo as atividades relativamente rítmicas e de não contato podem ser associadas com substanciais riscos de lesão (COAKLEY, 1994).

Heil (1993) observa que tem sido estimado que nos Estados Unidos um terço da nação (15 milhões de corredores) sofre uma lesão músculo-esquelética a cada ano e quase metade dos corredores habituais experimenta uma lesão menor. Ainda há também mil lesões na coluna vertebral a cada ano em nadadores.

As lesões esportivas são relativamente comuns e um número considerável delas é grave. O estudo do Conselho de Esportes revelou que 25% das novas lesões e 31% das lesões recorrentes necessitaram de tratamento por um médico de família, hospital ou outro profissional de saúde, enquanto 37% de novas lesões e 43% das lesões recorrentes envolvia alguma restrição nas atividades. Essa restrição foi geralmente da parte lesada no esporte ou exercício, e 7% resultaram em ferimentos que retiraram os participantes do trabalho. Um total de 11,5 milhões de dias úteis/ano é perdido na Inglaterra e País de Gales como resultado de lesões esportivas (COAKLEY, 1994).

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violentos. Assim, Young (1993) argumentou que, entre as lesões do futebol, podemos incluir a artrite, fraturas e, ainda mais catastroficamente, a paralisia, cegueira e até mesmo a morte. O estudo também salienta o esgotamento, as cãibras e o acidente vascular cerebral relacionados com o futebol amador e profissional, assim como 29 mortes de jogadores entre 1968 e 1978.

Nenhuma generalização pode adequadamente explicar a complexidade dessas relações. É claramente necessária uma diferenciação entre os diferentes níveis e modalidades do esporte para estabelecermos os seus padrões distintos de relacionamento e, associado a isso, estabelecer as consequências que são bem particulares a cada um deles e a saúde. As distinções entre a presença ou não do contato físico, a diferenciação entre o esporte de elite e o de massa são particularmente importantes.

Se fizermos essas distinções, pode ser possível conciliar o que, à primeira vista, parecem conclusões radicalmente incompatíveis por parte dos pesquisadores da relação entre o esporte e a saúde. Por um lado, há uma evidência esmagadora indicando que o exercício regular, rítmico e moderado tem um impacto significativo e traz benéficos para a saúde. Por outro lado, Young (1993) também pode estar correto em sua afirmação: “O desporto profissional é um local violento e perigoso, repleto de suas próprias e únicas formas de ‘doença profissional’" (YONG, 1993, p. 373).

Segundo ele, nenhum outro ambiente, incluindo o trabalho arriscado de mineiros, perfuradores de petróleo ou o ambiente dos trabalhadores de canteiro de obras, pode ser maior causador de lesões que o ambiente dos esportes coletivos, como o futebol, hóquei no gelo, rugby, basquete, entre outros.

É razoável sugerir que, no caso de exercício rítmico, não competitivo, onde os movimentos corporais são favoráveis ao controle individual, haja benefícios à saúde. No entanto, ao passar de exercício físico não competitivo para a competição desportiva, e do não contato para o contato físico, então, os custos à saúde, sob a forma de lesões, começam a se acumular.

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ser esmagadores, mas são muito menos convincentes em relação à competição de elite e ao esporte profissional.

4.2 A abordagem biológica do corpo e da dor

4.2.1 A abordagem biológica do corpo

Perceber como a visão e o entendimento do corpo foram construídos ao longo da história nos permite compreender o modo como ele é visto não somente pelas ciências médicas e biológicas, mas também permite amplificar o horizonte do conhecimento e nos fazer entender como cada indivíduo reconhece o seu próprio corpo. Na abordagem estritamente biológica, o corpo é entendido como um objeto físico, existente dentro de um mundo determinístico natural, e muitos de seus princípios ainda estão sombreando as concepções da medicina contemporânea.

Nesta abordagem, em princípio, todos os fenômenos físicos podem ser descritos com precisão e explicados causalmente. Além disso, dado o conhecimento das condições iniciais, processos corporais podem ser previstos e controlados em contextos terapêuticos. As disciplinas dessa abordagem são a anatomia, a fisiologia, a biomecânica, entre outras. A medicina tradicional e suas premissas são construídas, aparentemente, sobre o que é referido como uma visão de mundo cartesiano dualista. No século XVII, para o filósofo francês René Descartes, o mundo poderia ser dividido em duas substâncias, res extensa ou a substância extensa e res cogitans, a substância pensante (COSTA, 2004).

A substância estendida refere-se aos objetos físicos e aos fenômenos naturais que seguem as leis deterministas da natureza. Na substância pensante, deparamo-nos com a consciência, espírito, mente, racionalidade e liberdade. As duas substâncias são consideradas qualitativamente diferentes e totalmente independentes uma da outra. Considerando que a mente pertence à substância pensante, o corpo como substância extensa é entendido sob a ótica da natureza

determinista. Assim, um ser humano é considerado um ser radicalmente

dividido (COSTA, 2004).

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adequadamente. Uma dessas questões é a experiência comum de interação do corpo e da mente, sendo que a antropologia dualista cartesiana não pode explicar esta complexa e intrigante realidade.

A metafísica reducionista da abordagem biológica, e em particular a visão do corpo como objeto e parte da natureza, tem consequências eticamente problemáticas. Exemplificando, no desporto para a melhoria do desempenho, o corpo é rotineiramente tratado como um objeto e, em particular, como um meio livre a técnicas manipulativas (HOBERMAN,1992). Uma expressão desta atitude é o uso indiscriminado de substâncias que melhoram a performance.

Isso não significa que a abordagem biológica deva ser rejeitada. Como observado anteriormente, esta abordagem tem proporcionado um terreno fértil para importantes avanços com grande impacto na qualidade de vida humana, bem como na qualidade do desporto e da medicina do esporte, em particular. No entanto, surgem lacunas, se a visão dualista iluminar a ação humana em todos os seus aspectos. O fenômeno da dor é particularmente adequado para demonstrar a inadequação desta abordagem.

4.2.2. A visão física e biológica da dor

A dor, não raramente, é considerada apenas parte da realidade física. Especificamente, ela é entendida funcionalmente como um processo que, através de experiências sensoriais, informa os centros superiores do organismo (cérebro) de perigos e ameaças oriundos de causas físicas (lesões e doenças). Na explicação puramente fisiológica, são incluídas descrições de como os receptores de dor, partes distais do sistema nervoso, enviam sinais para a medula espinhal e para os centros superiores. Estes, por sua vez, respondem em um complexo trajeto nervoso, cuja via principal é a medula espinhal. Quando chegam à medula, onde está sendo retransmitida a mensagem álgica, os processos são ativados para combater e reduzir esta dor, por exemplo, com uma maior produção de endorfinas.

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A crítica padrão à visão biológica da dor e seus fundamentos dualistas é o reducionismo. Ele torna apenas biológico e físico este complexo fenômeno. Se a causa da dor for encontrada, será iniciado o tratamento em conformidade. Se nenhuma causa for encontrada, o problema será redefinido.

De qualquer maneira, se aceitarmos apenas estas visões da dor e transportarmos estes entendimentos simplórios para o ambiente esportivo, os atletas sem base física clara para a sua dor esbarram na relutância dos outros em aceitar que eles têm dor “real”.

Críticos argumentam que exemplos como este ilustram o caráter reducionista da abordagem clássica e da necessidade de desafiar seus pressupostos. Uma quantidade crescente de evidências indica que a dor e as doenças são melhores compreendidas como produtos complexos de interação entre os processos corporais e mentais (MELZACK E WALL, 1982).

4.3 Dor e lesão no contexto social

Discussões sobre a dor entre sociólogos, psicólogos, filósofos, teólogos, escritores (dentre outros) estão repletas de considerações sobre a natureza e a finalidade deste fenômeno (WILLIAMS e BENDELOW, 1998). Com tamanha diversidade de significados, a dicotomia prazer e dor está constantemente sendo inferida e enfatizada. No entanto, em contraste com o modelo biomédico dominante, as ciências sociais têm vindo analisar a dor como uma experiência vivida, encarnada, física e emocional (LEDER, 1990).

Pesquisas envolvendo a dor indicam que embora a dor física seja frequentemente mencionada, tanto por homens quanto por mulheres, todos os entrevistados reconheceram ou fizeram referência ao conceito de “dor emocional” (BENDELOW, 2000).

O antropólogo David P. Howe (2004) observou mais de perto os conceitos de dor e lesão e sugeriu que, em relação à sua própria investigação, a dor é o marcador de lesão, enquanto a lesão pode ser entendida como uma avaria à funcionalidade do corpo, afetando o seu funcionamento.

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examinando, em parte, os dilemas enfrentados por muitos atletas profissionais na decisão de revelar suas experiências dolorosas. Kotarba sugere que, para os atletas de alto rendimento, a distinção da dor crônica não é clara e argumenta que as realidades da vida do atleta profissional dirigem sua atenção para os aspectos inerentemente irracionais de fazer parte desta subcultura.

Kotarba (1983) emprega exemplos do esporte norte-americano, a fim de examinar o atleta envolvido no processo de decidir quando e como falar sobre a existência da dor. Pessoas em ocupações burocráticas e profissionais, segundo ele, procuram eliminar a dor da sua existência como um aspecto da sua visão de mundo racional, mas, pelo contrário, os atletas profissionais devem ativamente confrontar a dor em sua rotina.

Allen Guttmann (1988), em seu ensaio crítico sobre o desporto nos Estados Unidos, descreveu a destruição do corpo humano por atividades que deveriam contribuir para a sua suposta “perfeição”. Hughes e Coakley (1991) examinaram o que chamam de “desvio positivo” entre os atletas e sugerem que o risco para a saúde na busca do sucesso esportivo passou a acontecer quando os atletas aceitaram plenamente e acriticamente as metas impostas, em especial, o objetivo de vencer. A ênfase, nesses casos, é colocada sobre a relação entre o risco, a dor e o prejuízo e a construção da identidade esportista.

No esporte, o quadro é muito complexo. Howe (2004) refere-se à “dor positiva” em relação às dificuldades enfrentadas por atletas durante sua formação. Monaghan (2001) também discute a forma como os “bodybuilders” aprendem a gostar da dor não prejudicial durante o treinamento. Monaghan (2001) argumenta que o aprendizado para converter a dor não prejudicial em prazer contribui para a sustentabilidade da musculação, sendo totalmente construtiva.

Em seu trabalho sobre jogadores profissionais de rugby, Malcolm e Sheard (2002) referem-se à importante distinção conceitual entre dor e lesão, bem como aos atributos e à aceitação de cada uma pelos jogadores. Uma pesquisa epidemiológica de lesões na União de Rugby Inglês indica que os jogadores com dor podem continuar a jogar, mesmo convivendo com o risco de agravar sua lesão. Atletas de alto rendimento, quase universalmente, estão dispostos a este feito, dependendo do contexto e da competição a ser disputada (MALCOLM; SHEARD, 2002).

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representado dentro de uma comunidade de atletas, treinadores e especialistas em medicina desportiva.

4.3.1 A “cultura de risco”

O trabalho de Howard Nixon (apud HOWE, 2004, p. 83) considera a noção de “uma cultura de risco” como uma característica do ambiente desportivo e Young et al. (1994) discutem as formas pelas quais os atletas falam sobre lesões, analisando as estratégias de enfrentamento desenvolvida por eles para lidar com suas experiências dolorosas. A investigação nesta área acentuou o ponto de que as lesões ocorrem rotineiramente, e são mediadas por relações sociais.

Howe (2004) publicou regularmente na área da sociologia de risco, dor e lesões no esporte. Empregou a teoria de redes sociais para organizar e interpretar os resultados da sua investigação. Esta abordagem, como Stephen Walk (1997) indica, oferece uma estrutura formal para uma análise organizacional da dor. Nixon enfatiza as inter-relações dentro de grupos esportivos e as tentativas de identificar e explicar os padrões de relações pessoais que os atletas têm com outras pessoas, por exemplo, outros atletas, treinadores, médicos e fisioterapeutas.

Grande parte de sua investigação incidiu sobre o que ele descreveu como um paradoxo do “risco-dor-lesão”. Este paradoxo é indicativo de uma cultura esportiva, “a cultura de risco”, que racionaliza os riscos da participação do atleta e normaliza as lesões, culminando em sua opção por jogar mesmo estando lesionado. Especificamente, o que muitas vezes sustenta este paradoxo é o fato de o atleta continuar a obter sucesso em uma situação em que suas chances para um bom desempenho seriam reduzidas.

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Para Howe (2004), as características estruturais do sportsnets envolvem a promoção e a aceitação da dor e da lesão, bem como o isolamento e inibição dos atletas que buscam cuidados médicos regulares. Ele sugere que os sportsnets são mais suscetíveis às “armadilhas” da cultura de risco.

Nixon não é, contudo, o único estudioso a chamar a atenção para as dimensões sociais de lesões esportivas. Kevin Young (1993) também fez uma contribuição significativa para a análise de risco e lesões no esporte de elite. Young (1993) chama a atenção para vários aspectos fundamentais da gestão de risco e lesões no esporte, focalizando as interseções entre o risco de violência e questões de responsabilidade civil em culturas esportivas, especificamente sobre a violenta rotina dos atletas profissionais.

Sugere que os atletas profissionais recebem o reconhecimento de pessoas importantes, na sua concepção, quando jogam com dor ou lesionados. Este reconhecimento não serve apenas para reforçar a identidade do atleta, mas também para legitimar a cultura de jogar lesionado, racionalizando os riscos à saúde.

Yong (1993) identificou quatro padrões de formas em que os atletas em sua amostra falaram sobre suas experiências de lesão. Seus dados indicam que há tendências dos atletas negarem a existência de dor, esconder a dor dos outros e para despersonalizar a dor; a adoção de uma postura geral e irrefletida, relativamente inquestionável na possibilidade de dano futuro, um recurso significativo dentro do esporte de alto rendimento.

4.4 O corpo, a dor e a sociedade

O olhar do esporte de alto rendimento evidencia grandes limitações em relação às verdades do corpo e da dor. Compreendê-las exige interpretações capazes de contemplar aspectos que vão além da dimensão biológica, voltando o olhar para suas complexidades e singularidades.

4.4.1 O corpo

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Esta visão limitada e reducionista contraria uma ideia fortemente difundida na educação física de se tratar o homem como “ser integral”, sendo, portanto, difícil de identificar suas marcas ou a subjetividade de suas complexas relações com o mundo.

O corpo possui as duas dimensões: a biológica e a social.

O corpo biológico é a substância física ou estrutura de cada ser humano ou animal, uma entidade orgânica que os caracterizam. É igual para todos os homens, ou seja, o seu funcionamento e a sua estrutura não se diferem em diferentes países, culturas ou sociedades. Constitui uma “máquina biológica” complexa.

A dimensão social do corpo não está no que ele é do ponto de vista orgânico, mas no que representa. O corpo social é parte da cultura e da sociedade. Nesse sentido, pode ser definido por seu complexo conjunto de significados e sentidos (GOLDENBERG, 2002). Sua percepção ou interpretação é subjetiva, podendo ser individual ou coletiva e com respostas localizadas culturalmente. A atuação da sociedade sobre o corpo, a forma de vê-lo e conceituá-lo é a marca da cultura sobre a materialidade humana. O corpo social é caracterizado pelas inúmeras possibilidades e experiências da existência do indivíduo, sendo um dos depositários de nossa identidade, e expressa a relação conosco mesmo, com os outros e com o mundo (DUARTE JÚNIOR, 2006).

Podemos identificar a cultura de um povo, ou pelo menos, um segmento dela estampados nos corpos dos seus componentes, os quais, carregados de signos, posicionam os indivíduos na sociedade e tornam visíveis as diferenças entre os grupos sociais.

Os cuidados com a estética corporal revelam diferenças de classe. Podemos perceber a posição social ocupada por um indivíduo de acordo com suas vestimentas, com os cuidados dedicados à pele ou pelo acesso a uma cirurgia plástica. Até mesmo as características de identidade de uma cidade ou região podem ser expressas pelos corpos de seus habitantes; por exemplo, os corpos “bronzeados e sarados” dos moradores do Rio de Janeiro (GOLDENBERG, 2002) ou, ainda, a pele tingida pelo urucum dos indígenas do Mato Grosso. Atitudes corporais que podem passar despercebidas, na verdade são culturalmente construídas ou modeladas.

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cotidiana e que só retém em suas malhas os que lhe parecem mais significativos. A cada instante, o indivíduo interpreta seu meio por intermédio de seu corpo e age sobre ele de acordo com as orientações provenientes de sua educação ou de seus hábitos. A condição humana é corporal. Qualquer dualismo é eliminado diante dessa constatação fundamentada na experiência cotidiana da vida. (LE BRETON, 2003, p. 190).

A educação do corpo deve pois ser pensada para além de sua dimensão biológica. Na verdade, o que devemos compreender é que um corpo é também resultante de uma construção social, consciente ou inconsciente. A visão corporal, sob esta ótica, remete-nos à antropologia de Marcel Mauss (1973), um dos principais estudiosos deste assunto, o qual o observou como uma educação de técnicas, construídas como resultado da relação entre o homem e a sociedade.

A antropologia dos séculos XIX e XX procurou identificar e classificar os seres humanos espalhados pelo mundo por meio da observação e explicação de seus hábitos corporais. Segundo Marcel Mauss (1973), a existência de diversas culturas não apenas explica, mas justifica a diversidade existente de técnicas corporais. O que define o caráter social e histórico destas técnicas é a ideia de cada uma delas ser aprendida e transmitida, algo que se fundamenta em certas sinergias nervosas e musculares, constituindo verdadeiros sistemas, solidários com todo um contexto sociológico (RODRIGUES, 2000). A sociedade a qual pertencemos condiciona o uso técnico do corpo, o modo pelo qual o homem serve-se de seu corpo na trajetória de sua existência (RODRIGUES, 1999).

Para Mauss (1973), cada sociedade seria caracterizada pela maneira de dispor dos corpos de seus membros. Afirma que as técnicas corporais são construídas pelos seres humanos, atendendo a tradições do grupo. Todos os movimentos corporais são considerados técnicos, transmitidos entre as gerações e possuem significado no contexto do grupo. Assim, o corpo não seria explicado apenas biologicamente, mas também dentro de um contexto social.

Para Rodrigues (1997), o corpo é o ponto de convergência entre fenômenos de natureza orgânica e social, solicitando um diálogo entre natureza e cultura.

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Costa (2004), psicanalista que vem discutindo as profundas mudanças da sociedade contemporânea e suas influências na formação das identidades individuais, afirma que o ser humano mudou a relação com seu corpo. Relação transformada cada vez mais em um verdadeiro culto ao corpo, obsessão pela forma e pela saúde, chegando ao que ele chama de “hipocondria cultural”.

É com base nestas afirmações que podemos nos referir também ao que ele chamou de “moral do espetáculo”. O corpo, que antes manifestava socialmente seus sentimentos morais e afetivos, hoje busca o prazer físico, mesmo que o indivíduo necessite de intervenções cirúrgicas ou do consumo de determinados produtos ou ainda seja adepto de hábitos corporais nem sempre saudáveis (COSTA, 2004).

Na atual sociedade de consumo, a aparência tornou-se uma busca individual e muitas vezes obsessiva. As consequências desta exacerbação da aparência podem ser muitas vezes vistas em noticiários ou em fatos cotidianos: cirurgias plásticas sem necessidade, mortes por anorexia e bulimia, mortes por lipoaspiração, a “vigorexia”, entre outros.

Observando as mensagens da mídia atualmente, podemos perceber a grande quantidade de produtos voltados para determinados padrões de beleza. Além da propaganda direcionada, o que vem chamando a atenção é o fato de o corpo estar sendo utilizado para vender qualquer produto. Podemos observá-lo em propagandas de carro, bebida alcoólica, relógio, celular, universidades, veiculando e difundindo mensagens que combinam felicidade individual e sucesso.

O processo de globalização teria enfraquecido as tradicionais instâncias formadoras de identidade, como a família e religião, fazendo com que o indivíduo, liberado da pressão normativa, fosse levado a considerar sua identidade em dois pilares: o narcisismo e o hedonismo. O sentido da vida para estes indivíduos deixou de ser pensado como um processo com objetivos em longo prazo e objetivos extrapessoais (COSTA, 2004).

Observamos, portanto, como o corpo ganhou uma dimensão importante na sociedade moderna. Suas experiências fazem parte de nossa identidade. A sociedade em que vivemos colocou em pauta suas questões. Constataram que ocorrem transformações em razão da sua posição social e que ele carrega marcas dos processos e etapas vivenciados pelo indivíduo.

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No domínio do corpo, privilegiamos uma manifestação muito particular à dor. Com efeito, ela constitui uma de suas manifestações mais complexas e nunca poderia despir-se de seu caráter subjetivo e de seus muitos significados. Como o corpo, a dor não se reduz às explicações estritamente biológicas. As explicações da anatomia e fisiologia não são suficientes para iluminar sua complexidade e seu caráter multifacetado. O corpo é o seu guardião, um continente de sentidos e signos.

A dor é simultaneamente um fenômeno social, psíquico e somático. Está ligada à cultura, à arte, à religião e a todas as outras formas de simbolização. Transforma as vivências humanas geradoras de sofrimento, ou até mesmo prazer, de modo a lhes dar sentido.

A dor não se deixa aprisionar ao corpo puramente biológico e implica o homem em sua totalidade, sendo um fato existencial, além do fisiológico. O limiar de sensibilidade não é o mesmo para todos. A atitude frente à dor e os comportamentos individuais variam conforme a condição social, cultural, a história de vida, as interações sociais, as construções identitárias. Requer organizações internas e modalidades subjetivas e individuais para lidar com ela.

É uma experiência ao mesmo tempo universal e singular. Associa-se à maior ou menor capacidade de simbolizar, de inserir as experiências afetivas e corporais no código linguístico, de discriminar, nomear partes do corpo, estados psicossomáticos, sinais.

Ao tentar defini-la e rotulá-la, esbarra-se em uma diversidade de conceitos, entendimentos e interpretações. Ela pode ser vivenciada de diferentes formas, muitas vezes como um efeito devastador, provocando defesas, de outras, prazerosa, vital, necessária. O fato claro é seu caráter paradoxal, efusivo, elusivo.

A dor possui o privilégio de estar presente em todos os estratos humanos: produz tristeza e reações de defesa, apatia e resignação. A dor se apresenta como um carnaval: aparece por meio de infinitos disfarces. Diante de tais estímulos o homem reaciona, se defende, se deixa possuir, se compadece, admira, ajuda, sucumbe, se interroga, cresce... (VILAR e FARNÈS, 1998, p. 201).

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Segundo Bendelow (2000), Freud e Breuer, desde 1895, desencadearam uma revolução, mostrando que a explicação para a dor poderia ser independente de um estímulo lesivo. Não necessitava apenas de palavras para se manifestar, mas também de sons, gestos, expressões, na busca de ser ouvida e, sobretudo, interpretada.

Monaghan (2001) pergunta sobre a continuidade e a descontinuidade deste fenômeno, se seria coerente afirmar que a dor possui sempre uma dimensão corporal. Embora tendo acesso à sua representação, o sujeito pode confundir o conteúdo afetivo com a sensação corporal ou substituir um ao outro.

Portanto, para este autor, não há uma fronteira clara e definida das dimensões deste fenômeno. Postula a existência de diferenças entre as dimensões da dor: corporal, mental, social, sobretudo a partir do momento em que o ser humano adquire a capacidade de representar simbolicamente suas vivências.

A dor sempre implicará numa interação social entre o indivíduo com dor e os outros. A natureza destas relações, o ambiente que os cerca e a causa da dor serão decisivos na decisão de ser ou não revelada às outras pessoas.

O indivíduo constrói um mundo de significados e expectativas em relação à dor, principalmente na maneira como as pessoas reagirão a ela. As chances de ser compreendido, de se sentir protegido, de produzir solidariedade e compadecimento irão favorecer a sua divulgação, ao contrário de outros sentimentos, como a insensibilidade, a indiferença ou a satisfação por parte de outras pessoas.

Os indivíduos irão se moldar, conscientemente ou não, às maneiras de divulgação da dor por parte do grupo social e sociedade em que estão. O extravasamento de suas emoções, seus gestos, expressões faciais e corporais estarão em sintonia com o ambiente que os cercam. É a adequação de determinados sinais com os valores da sociedade que poderá determinar o grau de atenção recebida (HELMAN, 1994, p. 172).

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Para Helman (1994), os métodos de educação infantil auxiliam nas condutas e expectativas futuras em relação à dor, principalmente as atitudes dos pais, responsáveis, irmãos, colegas. Condutas de superproteção em relação à saúde, participação em esportes, evitar o frio, brigas, ferimentos se fazem presentes. Os pais podem estimular nas crianças uma supervalorização da dor, além de uma ansiedade e expectativa sobre o seu possível aparecimento.

Quando o indivíduo reage à dor de maneira diferente da sociedade em que se encontra, poderão surgir problemas de origem social e cultural. Neste caso, as expectativas em relação à sua dor e à maneira como será tratado pelo grupo serão distintas. A sua experiência dolorosa não assumirá o significado que espera e possivelmente terá significados diferentes para o grupo.

Não podemos considerar a dor apenas como um episódio biológico. Ela transcende a esfera corporal e afeta a vida das pessoas, suas personalidades, seus destinos. Cada pessoa reage de uma maneira particular, seja uma postura estoica, masoquista ou a postura das que necessitam de alívio imediato. Existem dores de causas conhecidas e de causas idiopáticas. Ela sempre estará presente, é inerente à existência humana, porém os significados a ela destinados serão particulares aos grupos e suas interações.

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5 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO

5.1 A construção da realidade

O fundamento ontológico do Interacionismo Simbólico consiste na ideia de que a realidade social e cultural não é um dado certo, mas uma construção.

Portanto, para adentrarmos nas ideias defendidas por esta escola e melhor entendermos como o homem ou, especificamente, o atleta de alto rendimento constrói suas interações sociais ao longo de sua existência, precisaremos melhor explicar a maneira como a realidade humana é moldada socialmente, tornando-se particular a cada indivíduo.

A ideia de realidade é usada rotineiramente em nossas vidas. Esse uso corrente embute o risco da banalização, esvaziando-a de seu complexo significado e parecendo-nos óbvio a cada vez que fazemos uso desta noção. “Realidade”, na verdade, sombreia uma enorme área de entendimentos, podendo variar de acordo com a maneira como as coisas são olhadas ou aprendidas pelo indivíduo.

Um exemplo oportuno de Duarte Jr. (2006) sintetiza esta colocação. As plantas pintadas em um quadro existem, assim como aquelas que estão no jardim, porém de maneira diferente. A realidade do jardim é captada de maneira física e a do quadro com a emoção, com a sensibilidade do apreciador, mas ambas são realidades captadas por quem as vê. Devemos sempre nos referir a “realidades” no plural, devido às suas inúmeras facetas. Uma nova realidade é descortinada cada vez que mudamos o nosso jeito de olhar para uma determinada situação.

Quando falamos de fatos humanos, culturais e sociais, a complexidade é ainda maior. Realidade, portanto, não é um conceito simples e imutável. Afinal, toda ação humana tem uma realidade como pano de fundo ou ponto de partida. Segundo Duarte Jr. (2006), a realidade não é algo dado ao homem. Este é o edificador do mundo e o construtor da realidade, produzida no encontro do homem com o mundo onde vive. Entretanto, o homem, muitas vezes, não a percebe assim, e acaba achando que é conduzido por forças naturais ou sociais sobre as quais não tem controle algum, ocupando um status de mero espectador.

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para as outras formas de vida é a linguagem, a palavra. O homem pode pensar em si próprio e em todas as outras situações existentes. Isto somente acontece devido ao sistema simbólico pelo qual se representa e atribui sentido às coisas do mundo – a linguagem.

O animal possui o seu habitat, o homem vive e vivencia o mundo. Por meio da palavra, o homem criou o tempo e tomou consciência dele. Assim, podemos nos lembrar do passado, viver o presente e planejarmos o futuro. Esta é a principal diferença entre o homem e os animais: a capacidade humana de planejar e refletir sobre sua existência utilizando a linguagem. Segundo Duarte Jr. (2006), não estamos preso ao nosso corpo como o animal está ao dele.

A existência humana não está ligada apenas ao universo físico, mas também ao universo simbólico. Um exemplo disso é o fato do homem ser o único capaz de pôr fim à própria vida, através do suicídio. Mesmo o corpo gozando de plena saúde, o homem se mata por talvez entender que a vida não tem mais sentido para ele, perdeu a coerência simbólica, não havendo mais valores ou significados que justifiquem sua existência (DUARTE JR., 2006).

A palavra dá sentido a tudo que há no mundo. Tudo o que existe no universo humano tem um nome. Aquilo que não tem nome não faz parte deste universo. Quanto mais palavras compuserem nosso vocabulário, mais conceitos serão articulados, maior será o mundo do indivíduo e sua consciência reflexiva.

A construção da realidade passa pelo sistema linguístico empregado pelo grupo social. As pessoas interpretam a realidade e coordenam as suas ações de modo coerente através da linguagem. O ser humano coexiste com um mundo essencialmente simbólico.

O mundo apresenta incontáveis realidades e diversos estratos de significação. A realidade que é palpável diz respeito ao mundo que se encontra mais próximos de nós, em nossa rotina. À medida que se afastam de nós e não mais conseguimos influenciar ou manipular, tornam-se mais obscuras e pouco conhecidas.

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membros da sociedade e é de fundamental importância sabermos onde procurá-lo para penetrarmos em esferas que até então eram alheias a nós.

A realidade é, pois, socialmente construída. O que fornece estrutura à realidade é a maneira como é distribuído o conhecimento e o trabalho na sociedade. A realidade de cada indivíduo depende das redes de interação estabelecidas por ele, que estabelecem a formação de seus hábitos e rotinas. À medida que certas ações se repetem, seguindo tipificações, elas podem ser novamente executadas por outros indivíduos. A instituição significa o estabelecimento de comportamentos que se repetem e vão sendo transmitidos a outras pessoas e gerações.

A corrente interacionista defende a importância centrada nos diferentes papéis desempenhados pelos indivíduos na sociedade em constante processo de interação.

O indivíduo tem dificuldades em desenvolver uma concepção discordante do universo simbólico em que está. Um determinado universo simbólico apenas se modifica quando as mesmas posições e concepções são sustentadas por um grupo de indivíduos, que mantêm e compartilham a mesma visão da realidade. O universo simbólico possui seus mecanismos únicos de proteção, para destruir concepções contrárias que possam afetá-lo.

Compreender a realidade como produto da ação humana exige um permanente esforço da consciência: seu processo de aprendizagem é denominado socialização. Através dele, adquirimos nossa humanização, aprendemos a ver o mundo como o veem nossos semelhantes, a manipulá-lo e interagir com ele através de nossa cultura. O processo de socialização humano pode ser dividido em duas fases: primária e secundária.

Durante a socialização primária, na primeira infância, a realidade vai sendo apresentada às crianças através das pessoas mais próximas dela. O mundo vai adquirindo significações e sentido, sendo montado através das palavras que o organizam. A linguagem ocupa lugar primordial nesta etapa. A sociedade e a identidade do indivíduo vão sendo cristalizados em sua consciência. Não raramente, esta fase na vida da criança acontece com os membros da família (TURNER, 1999).

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por exemplo. O conhecimento assimilado na socialização secundária é menos marcado afetivamente e, segundo Duarte Jr. (2006), ele pode mais facilmente ser colocado de lado e esquecido pelo indivíduo.

5.1.1 Interação social e realidade

Vimos como a realidade é moldada pelas percepções, interpretações, significados para cada indivíduo ou grupo social. Segundo H. Blumer (1969), o que diferencia a interação social entre as pessoas é a interpretação de cada uma e a reação singular das diferentes situações. Os muitos caminhos percorridos pelo indivíduo na malha de interação baseia-se no significado associado a eles.

A maneira como um atleta de alto rendimento encara uma situação de lesão, causada por um atleta adversário, muitas vezes decisiva em sua carreira, não apenas se relaciona ao ato isolado, mas ao contexto no qual este ato está inserido.

Já tomei vários trancos e pancadas. Já aconteceu comigo. Aí pergunto: foi sem querer? Se foi, faz parte, tranquilo. Mas já aconteceu de eu ver que não foi sem querer. Aí a gente quer descontar, a gente quer dá o troco. Não tem jeito! (ATLETA 1).

Se você sabe que foi sem querer, tudo bem. Se não foi terá volta. ((ATLETA 2).

No esporte, podemos ver a tamanha complexidade que envolve as interações, o importante componente de intencionalidade e os muitos significados que permeiam as relações humanas, individuais ou grupais.

Os significados em geral irão refletir os valores culturais do grupo em questão e as experiências individuais. A realidade social é, sem dúvida, construída a partir das interações sociais (BERGER e LUCKMANN, 1966).

Os seus companheiros esperam uma reação sua. Aquela coisa bem de macho mesmo, vai tomar uma pancada e ficar calado? Mesmo silenciosamente todo mundo sabe que terá volta. (ATLETA 2).

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O sociólogo William I. Thomas (1923) observou que a “definição da situação”, bem descrita por Goffman, pode orientar a maneira de pensar e a personalidade individual. As pessoas reagem não apenas as características objetivas de outra pessoa ou situação, mas também o significado que ela ou a situação assume.

Exemplificando, dentro de uma equipe esportiva, os atletas, comissão técnica, dirigentes de clubes aceitarão e definirão a situação, incluirão os papéis e comportamentos associados ao fato de serem atletas, membros da comissão técnica e dirigentes e, assim, agem de acordo com esta realidade.

Quando estou com uma dor eu passo para a equipe médica e se eles falarem que dá, eu vou. (ATLETA 1).

A realidade deste grupo será compartilhada e cada membro veste-se de ator para desempenhar seu papel socialmente definido. Nas relações de interação, frequentemente há a existência de uma permanente tensão, em que alguns membros são subordinados a outros membros ou a grupos.

No ano passado eu voltei de férias com a panturrilha doendo ainda, e eu não queria parar, mas o Zé mandou parar. Mandou-me para a fisioterapia. (ATLETA 1).

Um aspecto importante do processo de mudança social envolve a redefinição da realidade. Isto acontece quando determinados membros de um grupo subordinado questionam as definições tradicionais e, a partir daí, vivenciam a realidade sob a sua ótica e de uma maneira nova.

As pessoas podem reconstruir a realidade social mediante um processo de mudança interna, transformando o comportamento cotidiano. Também podem remodelar a realidade, negociando mudanças nos diferentes caminhos e contextos que permeiam a interação social. Negociar refere-se à tentativa de chegar a um acordo para um determinado objetivo. Esta negociação não envolve coerção e recebe vários nomes, dentre eles: barganha, troca, compromisso, mediação, colusão. Mediante a negociação como forma de interação social (STRAUSS, 1977 apud NUNES, 2005, p. 141).

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passo que outras requerem negociação, como nas assinaturas de contrato entre clubes, ou nos horários definidos para o treinamento físico e o treinamento tático.

As negociações norteiam grande parte do comportamento e redefinem a realidade humana. Ocorrerão mudanças na situação social por meio dessas negociações (THOMAS, 1984). A maioria dos elementos da interação social não é estática, mas sujeita a mudanças por meio da troca. A ordem negociada para ressaltar o fato de a realidade estar sendo permanentemente construída e alterada (STRAUSS, 1977 apud NUNES, 2005, p.186). Todas as sociedades estabelecem processos de interação social, dentro dos quais as negociações acontecem.

No esporte de alto rendimento, cada membro do grupo moldará e interpretará sua realidade particular, na maioria das vezes de maneira pouco semelhante ao resto da sociedade, como acontece com os significados que destinam à dor e à lesão. A maneira como as irão interpretar e vivenciar será bem particular a este grupo, e o modo e tempo em que solicitarão tratamento serão definidos pela sua realidade particular, significados e entendimento dos fatos.

5.2 A perspectiva da interação simbólica

O interacionismo simbólico é uma abordagem teórica surgida em contraposição aos estudos macrossociológicos, hoje amplamente utilizados nas ciências sociais. Explica o comportamento humano, considerando escolhas e ações, as quais são baseadas em significados e interpretações, e fazendo uso de uma noção amplamente difundida entre os interacionistas – “definições de situação”. Acreditam que o indivíduo estabelece suas interações com o mundo e com as pessoas, ao contrário de apenas obedecer e assistir passivamente os imperativos sociais. Segundo esta corrente, o indivíduo não responde de forma automática aos acontecimentos, mas interage com as diferentes situações vividas.

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como intérprete do mundo, e seus métodos de pesquisa dão prioridade aos pontos de vista do indivíduo.

Para esta abordagem, um conhecimento sociológico adequado não poderia ser elaborado pela observação de princípios metodológicos dos quais são retiradas as informações de seu contexto, tornando-as apenas objetivas. Defende o estudo da ação em harmonia com a realidade social do indivíduo. Inclui temas como a sociologia das emoções, comportamento desviante/criminologia, comportamento coletivo/movimentos sociais, pequenos grupos.

Noções e instrumentos interacionistas que ganharam ampla difusão incluem definição de situação, fachada, cenário, controle expressivo, administração de impressão (manipulação da identidade), idealização, espelhamento do self (formação da identidade), representação dramática (GOFFMAN, 2009).

Os interacionistas rejeitam a ideia de que o conhecimento deve ter uma base fixa, independentemente da experiência individual ou do pensamento. Rejeitam a visão do indivíduo como “espectador” de sua existência e a dualidade cartesiana entre corpo e mente. Defendem que o comportamento humano envolve escolhas e que estas são baseadas em significados ou definições de situação que as pessoas aprendem em suas interações sociais.

5.2.1 As origens do interacionismo  

Esta corrente de pensamento tem um especial interesse pela ação social que conduz às transformações e também foi chamada de “filosofia da intervenção social”. Segundo o Interacionismo Simbólico, a conduta humana é direcionada por objetivos, sentimentos e emoções (GOFFMAN, 2009).

Ela trouxe explicitamente a interação humana para o centro da reflexão sociológica. Originada na Escola de Chicago (EUA), é uma abordagem consideravelmente importante na microssociologia e na psicologia social. Alguns pesquisadores importantes do Interacionismo Simbólico obtiveram reconhecimento internacional, como Erving Goffman, Anselm Strauss, Herbert Blumer (COULON, 1995).

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desdobramentos. Os estudos nesta abordagem estão direcionados ao âmbito microssociológico, contrários, pois, ao fluxo da macrossociologia, como as ideias de organização, estrutura social, função, sistema social (NUNES, 2005).

O Interacionismo Simbólico, por vezes, faz uso de metáforas ou modelos para explicar ou interpretar as ações e interações. A metáfora utilizada pode dizer algo sobre a realidade – a vida social (drama), as representações/papéis, indivíduos (atores), ambientes (palco ou bastidores), entre outras. Analisando autores interacionistas como Mead, Dewey, Goffman, Cooley, há uma observação no uso constante destas metáforas e analogias (NUNES, 2005).

Um dos principais precursores desta abordagem foi George Herbert Mead, estudioso da Escola de Chicago. Mead introduziu a noção de self como “realização da comunicação”, a ideia do EU como fonte da identidade. Em suas investigações sobre os processos de construção social do eu, reservou um lugar para a pluralidade. Segundo ele, os tipos de relações entre as pessoas variam de acordo com os diferentes indivíduos com que estas pessoas se relacionam. O indivíduo age de uma maneira com uma pessoa e de outra maneira com outra. Há ainda partes do EU que existem apenas em relação ao próprio indivíduo. Existe uma grande variedade e uma multiplicidade de EUS, de acordo com diferentes situações sociais (MEAD, 1976).

Mead também descreveu outros componentes envolvidos na interação humana, como a mente. A mente não é uma única entidade, mas um processo através do qual somos capazes de imaginar alternativas, ensaiar possíveis papéis, antecipar as consequências de uma escolha e imaginar como os outros reagirão a nós, tentando, assim, escolher uma ação, comportamento ou caminho a seguir.

Para ele, o self não é um autossentimento que se deve presumir como resultado de imagens refletidas de como o indivíduo é reconhecido pelos outros: ele emerge da comunicação significante com as outras pessoas. O self surge na conduta, quando um indivíduo se torna um objeto social para si mesmo. O desenvolvimento do self é gradual, a partir da infância, e se desenvolve ao longo da existência de cada um. É inegável a forte influência de Mead no quadro conceitual do Interacionismo Simbólico (MEAD, 1976).

Referências

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