• Nenhum resultado encontrado

AZADPUR, M. Reason unbound: on spiritual practice in Islamic peripatetic philosophy, Nova Iorque: Suny Press, 2011, 180 p.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "AZADPUR, M. Reason unbound: on spiritual practice in Islamic peripatetic philosophy, Nova Iorque: Suny Press, 2011, 180 p."

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

AZADPUR, M. Reason unbound: on spiritual practice in Islamic

peripatetic philosophy, Nova Iorque: Suny Press, 2011, 180 p.

Antônio Madalena

*

___________________________________________

Esta obra de Azadpur desperta a atenção já pelo título, que define o escopo da mesma e revela, além da capacidade teórica do autor, sua coragem em propor um tema em si mesmo potencialmente polêmico, as relações entre filosofia e espiritualidade. Não bastasse o próprio título em si colocar em discussão, no mínimo, uma já solida tradição na filosofia ocidental, os cânones de uma epistemologia estabelecida por Kant sobre a razão e seus limites, a introdução aos seis capítulos da obra dá bem o enquadramento a partir do qual o autor vai desenvolver sua argumentação. Com o título de “Islamic philosophy and the crisis

of modern rationalism” Azadpur demonstra não querer fazer apenas um estudo

histórico e sim mostrar a validade e, digamos, atualidade da filosofia islâmica peripatética para tratar do que denomina de crise da razão moderna.

Na introdução, o autor faz referência a um ensaio do filósofo político Muhsin Mahdi que endossa e estende ao mundo acadêmico, no que diz respeito à abordagem da filosofia islâmica, aquilo que Edward Said denominou de Orientalismo. Assim como, sistematicamente, o Oriente foi e tem sido distorcido na representação que dele faz o Ocidente, do mesmo modo a recepção da filosofia islâmica no mundo acadêmico ocidental estaria sujeita a esse problema. Em Orientalismo, Said perguntava se de fato pode haver representação verdadeira de algo e respondia que não, que o melhor que podemos fazer é estar atentos para tudo que está envolvido na questão da ‘verdade’ na representação de qualquer coisa.

Os principais filósofos estudados são Alfarabi e Avicena e a tese que o autor procura explicitar é a de que para estes a filosofia não é apenas a

                                                                                                                         

(2)

elaboração de um discurso racional, mas, na esteira do que Pierre Hadot defende, a prática de exercícios espirituais. Aquilo que este último tem em vista pensando na tradição grega, Azadpur endossa tendo como foco os islâmicos. O autor acredita também que a filosofia islâmica peripatética tenha a eficácia de contribuir para enfraquecer ou dirimir a força de falsos dualismos que caracterizam a contemporaneidade, particularmente a filosofia, dualismos tais como razão x natureza, razão x espiritualidade e razão x imaginação (p. 2). E, como afirma na página seguinte, seu objetivo é mostrar a importância do Peripatetismo Islâmico como antídoto a esses dualismos.

Sendo esse o propósito, o capítulo 1, “Beyond orientalism and academic

rationalism” aborda a recepção padrão da filosofia islâmica, em busca de uma

visão que melhor represente essa tradição e possa, como diz o autor, responder à intenção central do livro, a elaboração de uma filosofia genuína e autônoma (p. 7). O argumento do autor é de que a interpretação padrão do que os muçulmanos herdaram dos gregos envolve uma básica incompreensão. Essa visão padrão diz que o que foi herdado dos gregos foram sistemas de conhecimento racional, a partir de diferentes escolas de pensamento. O autor adota a tese de Pierre Hadot de que subjacente a esses sistemas racionais estaria enraizada uma visão da filosofia como uma prática de exercícios espirituais voltados para a transformação do self como condição para obtenção da sabedoria. Como podemos ver, para além da consistência interna de sistemas racionais de pensamentos, que se traduzem em argumentos, sua consistência e validade, o autor propõe uma outra leitura, que engloba o conjunto da filosofia peripapética islâmica. Estamos no âmbito justamente daquilo que Said observou, a questão da representação. E uma vez que o próprio Said disse da impossibilidade da representação verdadeira de qualquer coisa, o que cabe é avaliar em que pontos Azadpur pode estar chamando a atenção para questões importantes na recepção e estudo da filosofia peripatética islâmica. Pois, justamente, depois de ter invocado o pertinente estudo de Said, parece no mínimo estranho propor algo como a elaboração de uma filosofia autônoma e genuína.

(3)

antes e acima de tudo, o modo como os filósofos peripatéticos islâmicos receberam sua herança do mundo grego. Não fosse isso já bastante, o autor avança e destaca que o que faz a singularidade da filosofia peripatética islâmica é o enxerto dessa tradição grega, entendida como prática de exercícios espirituais, no legado da profetologia islâmica. A visão de Hadot da filosofia como um modo de vida é então encaixada no contexto da revelação muçulmana. Uma tese que envolve um enorme compromisso, pois propõe um outro modo de interpretar essa filosofia e sua relação com sua fonte grega. A ética, o cultivo da virtude e a realização plena do caráter são vistos como condição para o desenvolvimento teórico da filosofia. Os exercícios espirituais, portanto, dizem respeito a essa performance do caráter em sua plenitude, o intelecto prático permitindo, então, que o intelecto teórico realize a sabedoria, alcançando a visão de como o universo é, uma prerrogativa da alma humana.

O capítulo 2, “To the things themselves: Corbin and Heidegger on

Phenomenological Access”, traz uma das fontes do trabalho, a obra de Corbin e,

sobretudo, toma a analítica existencial de Heidegger como o parâmetro com o qual estabelecer uma comparação entre a filosofia contemporânea e a filosofia islâmica peripatética para mostrar que esta última tinha uma eficácia maior no desvelamento da realidade do mundo. Se em si mesma a fenomenologia heideggeriana constitui-se como uma crítica ao pensamento moderno, o ponto aqui é que essas duas filosofias falam de uma preparação ética para se ter acesso às coisas mesmas, um cultivo que prepara para o desvelamento do mundo como uma prerrogativa do ser humano. Enquanto em Heidegger essa proposta se encerra em um ser-para-a-morte, na filosofia peripatética islâmica esse desvelamento é mais completo, uma vez que o horizonte se abre para uma transcendência não presente em Heidegger. O horizonte se estende aqui, para usar uma expressão que o autor empresta de Corbin, para um ser-para-além-da-morte. Além de uma preparação ética, o cultivo do intelecto teórico abriria novas regiões para a própria compreensão da experiência humana, propriamente o que o autor denomina de espiritualidade filosófica. Modos de ser diriam respeito ao caráter do conhecedor, de modo que ter acesso às coisas mesmas

(4)

pressupõe uma educação, um refinamento, o que os exercícios espirituais filosóficos constituintes da filosofia peripatética islâmica permitiriam realizar.

Com o livro abordando a dimensão profética presente na filosofia peripatética islâmica, o capítulo 3, “From the things themselves to prophecy” é central ao argumento. Como o autor afirma, ele se volta aos peripatéticos islâmicos no intuito de mostrar que não apenas eles pressupõem o cultivo prático da alma como condição para o exercício da filosofia, mas também a maneira como o cultivo dos exercícios espirituais é condição para o desenvolvimento do intelecto teórico. Para fundar seu argumento, do primado da prática de exercícios espirituais, o autor se baseia em Alfarabi e cita um trecho de The Attainment of Happiness, em que é feita a distinção entre o filósofo verdadeiro, aquele que tem a posse da virtude ética como condição para a investigação teórica, do filósofo vão e falso. Também nesse capítulo o autor endossa a posição de Alfarabi de que filosofia e religião teriam uma relação em que as mesmas verdades buscadas pelo filósofo são apresentadas pela religião, de forma mais superficial, colorida pela imaginação, para o público geral. A religião tornaria acessíveis para a multidão as verdades da filosofia que não estariam disponíveis a todos, uma vez que a filosofia exige condições tanto na dimensão prática quanto teórica do intelecto que as massas, a multidão, não estão em condições de realizar com sucesso. Não chega a ser problemático aceitar que a investigação filosófica esteja fundada em um pressuposto de preparação ética, nem chega a ser estranha a posição de Alfarabi na distinção entre filósofo verdadeiro e falso. E que, no contexto islâmico, Alfarabi tenha desenhado essa relação entre filosofia e religião, é aceitável. Mas fica difícil de assimilar que o autor pretenda sua validade atual. O filósofo é assim o protótipo do homem perfeito e a maior felicidade buscada pelo filósofo consiste na sua união com o Intelecto Agente. Se essa união se dá com uma imaginação desenvolvida à perfeição, então o filósofo é também profeta. Por mais que o livro de Azadpur mostre um grande domínio da literatura e traga uma série de questões interessantes, fica difícil aceitar (e deixando de fora os filósofos) que o público em geral do planeta aceite coisas como Intelecto Agente e profecia.

(5)

O capítulo 4, “Disciplining the imagination” aborda a visão da imaginação na filosofia peripatética islâmica e suas possibilidades espirituais. Segundo o autor, os peripatéticos islâmicos teriam dado uma dimensão única à imaginação quanto a sua função criativa que requer um treino supervisionado pelo intelecto e que, no seu grau máximo, conduz à experiência da profecia. O capítulo desenvolve uma tese difícil e estranha para a filosofia ocidental, qual seja, as relações entre intelecto agente e profecia. O autor defende a ideia de que o ponto mais importante da profecia em Alfarabi e Avicena diz respeito à faculdade da imaginação e assim o capítulo se volta para o cuidado com essa faculdade entre os peripatéticos islâmicos e os exercícios espirituais para o seu desenvolvimento. O autor entende que para Alfarabi a profecia poética é um reflexo e uma preparação para a vida intelectual da pessoa.

O capítulo 5, “The theologian’s dream” é focado na reação de Al Ghazali ao peripatetismo islâmico, ao separar a revelação da filosofia, entendendo que essa combinação enfraquecia a religião e resultava em heresia. De acordo com o autor, Al Ghazali viu a filosofia apenas como produção de um conhecimento racional, de um discurso que não dava conta da revelação e a diminuía. O problema com Al Ghazali, assim como com todos os teólogos tanto cristãos quanto muçulmanos que criticaram o peripatetismo islâmico, é o de não terem visto o verdadeiro alcance espiritual da filosofia. O autor mostra que, de modo perene, a filosofia peripatética islâmica tem essa abertura de uma razão que tem acesso ao mundo e, além disso, como filosofia, é portadora de uma espiritualidade, que, como foi dito antes, desvela esse mundo através da perfeita conjunção com o Intelecto Agente. Um dos problemas com essa interpretação, no mínimo, é o de colocar tanto a religião, como particularmente a revelação, em um plano de subordinação à filosofia. Algo que, além de questões no âmbito teórico, traz consequências político institucionais.

O último capítulo, “On human finitute, conscience and exemplarity” faz uma comparação entre o peripatetismo islâmico e a fenomenologia heideggeriana, retomando e ampliando as criticas a analítica existencial do capítulo 2. A crítica toda se centra na noção de Dasein como um ser-para-a-morte, em Ser e tempo,

(6)

ignorando a dimensão espiritual do homem, que é descortinada justamente através da prática de exercícios espirituais que constituem a filosofia. De acordo com Corbin, o autor defende a ideia de que a filosofia islâmica apresenta uma noção do ser do humano como um ser-para-além-da-morte. Essa dimensão da filosofia islâmica estaria explicitada na psicologia de Avicena, particularmente no argumento do Homem Voador, com a noção de uma alma com existência separada do corpo e a sua imortalidade. Para o autor, o processo de atenção presente na alegoria do Homem Voador envolveria uma complexidade maior do que a habitualmente compreendida (por exemplo, por Michael Marmura no seu artigo “Avicenna’s ‘Flying Man’ in Context”), dizendo justamente respeito à filosofia como prática de exercícios espirituais.

O autor, então, procura mostrar a apropriação e desenvolvimento do legado islâmico peripatético pelo filósofo e mestre sufi Suhrawardi. A filosofia Iluminacionista deste teria preservado e expandido o núcleo central daquele legado, entendido este como exercícios espirituais, preparando as bases para seu renascimento na escola de Isfahan.

Há questões interessantes que surgem da leitura da obra de Azadpur, a começar pela questão sempre aberta da recepção e leituras possíveis do legado da filosofia islâmica peripatética. A referência a Said é sem dúvida fundamental. Sua recomendação de atenção em tudo que diz respeito ao âmbito da representação de qualquer esfera da realidade é de extrema pertinência. A especificidade da relação entre filosofia e religião no mundo islâmico, principalmente no período estudado pelo autor, é algo que demanda constante cuidado e maiores investigações. Principalmente quando retornamos o foco para nós, pesquisadores ocidentais, inseridos em um quadro cultural que desde o Iluminismo e, no plano político, a Revolução Francesa, vive um ambiente secular em que filosofia e religião foram colocadas em diametral oposição. Mas, é justamente com Said que se pode estabelecer a primeira crítica geral, na medida em que o autor, ao fazer uma crítica ao padrão geral de leitura desse legado, acaba colocando em seu lugar uma leitura que se propõe como a correta e, mais que isso, estabelecendo a genuína filosofia.

(7)

Não fica claro tampouco qual o sentido exato dado pelo autor ao que denomina de exercícios espirituais. Para além do sentido geral de que o cultivo ético do indivíduo é em si um exercício espiritual, precisaria ser especificado e definido o que são, quais são e como são esses exercícios. E, por último, se podem ser reavaliadas as relações entre filosofia e religião, de qualquer forma fica muito difícil aceitar que uma noção como a de Intelecto Agente possa ter efetividade nos dias de hoje. Sem dúvida, se comparada à analítica existencial em Heidegger e o desvelamento, os peripatéticos islâmicos abrem um horizonte mais amplo, em que tem lugar a transcendência. Por último, não me parece que necessariamente precisa haver uma separação radical entre os dois modos de ver a filosofia apontados pelo autor. Supondo-se um filósofo plenamente abraçado à noção da filosofia como prática de exercícios espirituais, isto não implicaria no abandono por este do uso da razão como ela se constitui quando a filosofia se apresenta como um sistema racional de conhecimentos.

Referências

Documentos relacionados

São poderosos monstros femininos, cujos cabelos são formados por serpentes e cujo olhar é petrificador. Ao contrário do que se possa imaginar, mesmo nos nossos dias, os mitos

Se não fosse assim porque será que algumas são ultra elegantes e outras não funcionam e vestem mal até mesmo que é linda? O.. segredo está em saber apurar o olho para alguns

Neste artigo discutimos alguns aspectos característicos da sociedade a que Bauman denominou de “líquida”, a partir de As cidades invisíveis, de Italo Calvino –uma obra 6 por

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise

 Para os agentes físicos: ruído, calor, radiações ionizantes, condições hiperbáricas, não ionizantes, vibração, frio, e umidade, sendo os mesmos avaliados

Sem desconsiderar as dificuldades próprias do nosso alunado – muitas vezes geradas sim por um sistema de ensino ainda deficitário – e a necessidade de trabalho com aspectos textuais

Visando a este cenário, o Ministério da Saúde criou o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), regulamentado pela Portaria Interministerial

 Seguro de acidentes de trabalho a comparticipar pela Entidade Financiadora: correspondente a percentagem a definir em aviso de abertura e/ou programa de