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ortraits que mostram muito mais que a face dapessoa retratada, por meio do uso de cores, formas, luzes e sombras. E com uma pitada de Photoshop. Produzir imagens que vão além da realidade clicada e que reúnam na fotografia os sentimentos imaginados pelo fotógrafo é campo produtivo para o que é chamado hoje de arte digital.
É nessa trilha que caminha a portuguesa Graça Loureiro. Com licenciatura em Educação Social, ela busca na fotografia um lugar para sua expressão artística. “A fotografia surgiu na minha vida em 2004 como forma de escape e nunca imaginei que fosse desempenhar um papel tão importante. Parafraseando uma música cantada por Caetano Veloso, tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo, crescendo e me absorvendo”, diz ela, uma é autodidata na arte de clicar.
Graça vive na cidade do Porto, conhecida mundialmente pelo vinho, e diz que encara a fotografia com paixão, muito além do realismo que advém com o cotidiano do profissional. “Ainda mantenho o romantismo de quem lida com algo novo. Conservo a minha liberdade criativa no gênero que escolhi como preferido: o retrato.”
Destaque na categoria de arte digital em sites de compartilhamento de imagens, a fotógrafa regularmente tem seu trabalho solicitado para uso em publicidade. Por seu foco em retratos, Graça recebe também pedidos para fotografar modelos com sua linha autoral diferenciada. “Quero continuar a explorar o retrato e, também, enveredar nas áreas de publicidade e moda, uma vez que são essas as áreas que mais me atraem e inspiram”, afirma.
A relação entre inspiração e transpiração é célebre na fotografia. Contudo, em meio à era digital,
A fotógrafa portuguesa que se
revela em autorretratos tem seu
olhar também voltado para a
criatividade em programas de
edição de imagem no computador
Por Diego Meneghetti
Arte
digital
de Graça Loureiro
No autorretrato Made in
Heaven, Graça usa texturas
e imagens mescladas à original para criar um clima angelical e surrealista
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RAÇA
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OTOGRAFIA CRIATIVAum terceiro fator desafia a dualidade: a manipulação, que traz consigo uma discussão entre os profissionais que preferem a fotografia pura, sem tratamento digital, e os entusiastas dos softwares de edição.
De qualquer forma, já se foi o tempo do slogan de George Eastman, criador do filme em rolo e um dos fundadores da Kodak, em que “você aperta o botão e nós fazemos o resto”. Hoje, depois do clique, diversos processos de tratamento da imagem podem ser adicionados, ampliando os limites da imaginação dos fotógrafos.
“A imagem começa como um processo intuitivo em meu olhar. Considero a fotografia como uma ação criativa e, portanto, não gosto e procuro não racionalizar esse método. Conheço quem faça uma espécie de ‘guia’ durante a sessão fotográfica e sabe perfeitamente o que pretende atingir. Isso é uma boa forma de trabalho, desde que os objetivos não se tornem limites à
nossa própria criatividade”, diz ela. Para Graça, a sessão fotográfica deve sempre possuir um fio condutor. Todavia, deve haver espaço para o improviso, para a experimentação e para a criatividade. A fotógrafa afirma que durante o trabalho se fixa principalmente na pessoa retratada e no que possa ser potencializado a partir daquele modelo.
PROCESSO CRIATIVO
“Do ponto de vista formal, preparo o cenário, o fundo, escolho alguns acessórios e roupas. Vejo elementos como a luz, exposição e sombras. Simultaneamente, ensaio a composição e discuto com o modelo algumas opções para as fotos. É importante mostrar à pessoa a evolução que você pretende com as imagens e envolvê-la nesse processo criativo”, descreve a fotógrafa.
No quesito transpiração, Graça elegeu a Canon como a marca predileta. No início, utilizava a compacta digital A80, mas revela que
deixou passar boas oportunidades por que as fotos não tinham
tamanho suficiente para imprimir com qualidade em grandes formatos. Hoje trabalha com uma Canon EOS 350D, equipada com lente Sigma 18-50 mm f/2.8 EX DC Macro.
“Às vezes, as pessoas caem no erro de pensar que o equipamento é responsável por melhores resultados, e se sentem frustradas por acharem que não conseguem obter boas fotos com câmeras de capacidade inferior. Um bom equipamento faz diferença, claro. Porém, é mais importante saber explorar bem o que você tem, ou, senão, a frustração vai impedir que boas fotos vejam a luz”, diz.
Para dar mais espaço à ação e à direção, sempre que necessário (e quando faz autorretratos) ela usa tripé e controle remoto. Conta também que opta em fotografar durante o dia, para aproveitar a luz natural. “Depois da sessão de fotos, trato as imagens no computador e estico ao máximo os limites da
Nos dois autorretratos (acima e na página ao lado), enquadramentos arrojados e cores bem saturadas: tudo começa num processo intuitivo
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OTOGRAFIA CRIATIVAfotografia. Não me lembro de ter divulgado uma única foto que não tivesse qualquer tipo de edição de imagem. Uso os programas de edição com o intuito de corrigir algumas imperfeições e ressaltar o que de melhor tem a foto e a pessoa retratada. Mas, por vezes, gosto de brincar mais e ir um pouco além.”
Antes de fotografar com regularidade, Graça trabalhou com programas de edição de imagem. Depois de várias tentativas e erros, já que também aprendeu sozinha essa técnica, domina vários programas. Atualmente, utiliza os softwares PaintShop Pro e Photoshop CS2, com os plugins Neat Image e Power Retouch.
Quanto às técnicas, ela diz que não há como explicar todos os processos, pois segue a inspiração e autoria características das artes plásticas: não existe um guia de como fazer. Cada imagem segue uma abordagem própria. De forma geral, edição de cores, contraste, exposição, brilho, saturação, utilização de camadas, texturas e etapas de blur são alguns dos
efeitos utilizados.
Ela diz que gosta quase tanto de fazer fotos quanto de editá-las. Às vezes, passa mais tempo na edição de uma foto do que o total da sessão em que ela foi feita Apesar de já ter se dedicado mais à edição, hoje este é um processo quase intuitivo: logo quando abre a foto ela sabe o que quer editar, o que vai fazer, que caminhos percorrerá e qual a forma mais eficaz para fazer aquilo.
INSPIRAÇÕES
Ela se identifica e se inspira com a sem dúvida, a publicidade, já que nela se recriam mundos imaginários. “Nesse sentido, posso dizer que a minha inspiração vem do fantástico, do lúdico, do surreal, da magia, dos mundos que só habitam o nosso imaginário e das histórias de quando era criança”, comenta Graça.
A citação que ela fez da música “Sonhos”, escrita por Peninha e famosa na voz de Caetano, não é por acaso. Uma das bases teóricas da semiótica (a ciência que estuda a formação dos signos, como os símbolos, as imagens e seus
significados), em sua vertente russa, diz que existe no mundo uma tal “segunda realidade”, residente na imaginação das pessoas e que é palco de toda a cultura humana. Lá estão sedimentados os significados que o homem cria, as artes, a linguagem, as paixões, os medos... Segundo a semiótica russa, toda a cultura criada nessa segunda realidade, tão real quanto a realidade ‘natural’, tem como fonte principal os sonhos – além dos jogos, dos estados alterados da consciência e de transtornos psicóticos.
Nesse sentido, Graça Loureiro ressalta que seu trabalho é, sobretudo, intuitivo, fruto do próprio momento da ação fotográfica e da imaginação durante a produção e também na edição. Essa
característica pode ser sentida nas séries de imagens, que além dos sentidos, trabalha a questão
cromática, em 100cores, 1000cores e
1000e100cores num mundo lá fora.
Para Graça, as cores são um ponto de atração: prefere as matizes mais quentes, com alto contraste, nas quais se revelam conceitos como
A inserção de primeiro plano com foco seletivo e desfoques ou de elementos e tratamentos de cor carregados são usados nos autorretratos
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paixão, vida, sentimentos fortes. Mas também trabalha com cores pastéis, translúcidas, que, segundo ela, trazem referências de serenidade, paz e intimidade. “Adoro os extremos e, na fotografia, gosto de experimentá-los. Trabalho mais de forma intuitiva mas, em alguns momentos, de forma refletida e ponderada. Às vezes, na mesma foto, dou abordagens tão díspares que tenho dificuldade de reconhecer a imagem original. Também as modelos retratadas têm dificuldade em se reconhecer. Mas nunca foi minha intenção fazer uma fotocópia da realidade, mas uma recriação do que vejo e como vejo o mundo. Vivemos numa era digital em que nada é o que parece. Não vejo a fotografia digital como uma forma de distorcer a realidade, mas sim uma possibilidade de mostrarmos algo que vemos não com os olhos abertos, mas com eles fechados, com olhos da imaginação”, destaca.
Ao se observar o trabalho de Graça se percebe que algumas
modelos são frequentemente retratadas. Uma em especial: ela mesma. Em seu portfólio, todas as imagens que não possuam crédito da modelo são autorretratos de Graça, ainda que não se assemelhem entre si. Por que a predileção? Ela diz que compartilha com a ideia da pintora mexicana Frida Kahlo, de que “eu pinto autorretratos porque estou muitas vezes sozinha e eu sou a pessoa
que conheço melhor”.
Graça conta que começou a fotografar a si mesma pelo fato de ser a modelo mais acessível. A partir daí teve maior facilidade em ganhar a confiança das pessoas,
principalmente porque ela própria confiava no seu trabalho. “Uma das maiores vantagens no autorretrato talvez seja o fato de que o modelo sabe o que está na cabeça do fotógrafo e vice-versa. Não gosto de
No no no no n o no no no n on o no no no n on on o no no n on on on on o no no no n on o no no no n on o no no no no n o no no no no no n
O autorretrato Ephemeral antes do tratamento (ao lado) e depois (acima), já com as penas realçadas para ganhar mais destaque na foto F OTOS : G RAÇA L OUREIRO
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OTOGRAFIA CRIATIVAme resumir aos autorretratos, pois me sinto impelida a explorar outros mundos que não o meu próprio. No meu entendimento, todas as minhas fotoas são, de certa forma, um autorretrato, independente se sou ou não a modelo, pois considero que ao fotografarmos mostramos algo de nós, por meio de nossa perspectiva. Por mais objetivos que tentemos e queiramos ser, dificilmente
conseguimos deixar de lado a nossa subjetividade”, afirma Graça.
Além da técnica fotográfica e das etapas de edição da imagem, Graça ressalta que, na arte digital, os profissionais devem ser perfeccionistas, no sentido de reverem sempre o produto final e só o considerarem finalizado quando não houver mais nada para alterar. “A técnica é importante, o equipamento é relevante, mas o essencial é a interpretação pessoal do fotógrafo e o impacto que a imagem produz. Portanto, procuro sempre que o meu trabalho agrade visualmente ao observador, que cause estranheza. Seja o observador um profissional ou um leigo que admira uma foto minha
na parede”, finaliza. f
Acima, a imagem Exodus, que não é autorretrato e tem um certo apelo publicitário, setor em que Graça Loureiro também tem atuado; abaixo, o autorretrato Underwater Flower
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