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A ORGANIZAÇÃO DA MULHER NEGRA ATRAVÉS DAS IRMANDADES: ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO DE UMA MEMORIA RECONSTRUIDA

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A ORGANIZAÇÃO DA MULHER NEGRA ATRAVÉS DAS IRMANDADES: ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO DE UMA MEMORIA RECONSTRUIDA

Terezinha do Socorro da Silva Lima1

RESUMO

O presente texto parte de compreender as Irmandades Católicas como forma de organização e estratégia que a comunidade negra se utilizou para poder está inserido socialmente na sociedade. Especificamente abordaremos a irmandade Nossa Senhora da Boa Morte, pois foi a maneira encontrada pelas mulheres para tornarem-se autônomas, levando em consideração que a mesma era exclusivamente formada por mulheres negras. Assim, as mulheres desempenhavam um papel importante na Irmandade e eram elas quem prestavam assistência aos negros, práticas assistencialistas. Portanto, com a formação da confraria elas passaram a ter mais altivez, no sentido que puderam dar visibilidade a sua cultura bem como sua religiosidade, levando em consideração que para pertencer a Irmandade as mesmas tinham que está sendo pertencente a Religião de Matriz Afro-brasileira, o Candomblé. A discussão abordada será em torno da cidade de Salvador, por ser o local onde a organização foi mais fortalecida e posteriormente se estenderam para outros estados. Valemos-nos também de autores como forma de garantir a veracidade do texto: Larissa Viana (2007), Marilda Santanna (2016), Lessa (2005) e para fundamentar teoricamente o sociólogo Bourdieu (2002), pois o mesmo contribuiu para a interpretação dos campos que podem se constituir em espaços de força e o que vai se levar em consideração os autores para que as ações objetivas sejam positivas e a articulação será uma variável a ser considerada em relação à questão da religião.

Palavras-chaves: Irmandades; Religião Afro-brasileira; Mulher; Candomblé.

1Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará - UEPA; Especialista em Educação para as Relações Étnicorraciais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará IFPA; Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará -UFPA; Servidora da Reitoria do IFPA no cargo de Assistente Social.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é parte do capítulo Intitulado As ações afirmativas: Um movimento

dialético constante em busca de uma identidade. O mesmo foi construído em bibliografias e

também a partir de uma visita a cidade de Salvador (Bahia), onde procurei as igrejas católicas de filosofias Carmelitas, Franciscanas e Dominicanas para entender a relação com as Irmandades que foram construídas a partir do século XVII. Através de algumas informações disponibilizadas pelo monitor de turismo a respeito da Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cujo mesmo desempenha a função de guia para os turistas que buscam informações da história de uma cultura ancestral, assim como eu, compreender uma parte da história dos negros que ali chegaram ainda no século XVI era uma forma de interagir com a minha pesquisa, a mesma faz parte de uma análise do canto sagrado da cantora Clementina de Jesus, e que busquei dialogar com os grupos religiosos que a artista percorreu.

A igreja fica localizada no Largo do Pelourinho no centro da cidade de Salvador. O espaço é constituído por várias igrejas que se encontram assentadas nas diferentes interpretações culturais. Fui em busca de conhecimento que propiciasse suporte para traçar minha discussão sobre a formação das Irmandades. O mesmo é considerado um presente para a comunidade Baiana por acompanhar as transformações econômicas, sociais, culturais e religiosas, de modo que a comunidade encontra-se contemplada por esse acervo histórico.

Assim, a partir do século XVII os negros precisaram estabelecer uma articulação com as Irmandades Católicas através das congregações já citadas, foram articulações que posteriormente possibilitaram autonomia de algumas categorias negras. Nesse primeiro momento a Irmandade católica que os negros puderam estar inseridos foram a Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ou Irmandade dos homens pretos, sendo Católica apostólica Romana de cunho africano, o primeiro compromisso da Irmandade que se tem noticia é de 1685, até por volta do século XVIII era regida por uma minuta discrição do antigo Estatuto (Vinculada a Congregação de São Domingos).

Posteriormente em 1899 a Irmandade foi levada a categoria de Ordem Terceira, era estendida não somente aos homens negros, mas também as mulheres, onde elas tinham como função destacada a prestarem assistência aos negros escravos que eram acometidos por doenças e quase sempre vinham a óbito e não tinham um enterro digno, sendo jogados a beira da maré para serem levados pelas águas.Portanto, essas ações filantrópicas resultaram das

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negociações formadas pelos africanos e seus descendentes no seu processo de enfrentamento á escravidão e a tentativa de dispersão dos homens e mulheres de seu continente. Foi assim que esse segmento ao longo dos séculos vem se utilizando dessa dupla pertença, unindo ritos e práticas católicas a uma experiência sagrada africana.

Para essa abordagem nos utilizamos da obra de Larissa Viana (2007), na obra O Idioma

da Mestiçagem, cuja autora parte de uma discussão em compreender as irmandades dos Pardos

como estratégias, aonde os mesmos se utilizaram para encontrarem inseridos em um contexto sócio econômico e cultural-religioso. Meios também de significação em função de possibilidades que as mulheres negras a partir dessas irmandades já citadas, contribuíssem para que as mesmas se organizassem em uma confraria “Irmandade Nossa da Boa Morte”. Também buscamos outras bibliografias de autores tão importantes quanto a autora citada que contribuíram para a construção desse artigo.

Utilizamos-nos também do pensamento do sociólogo Bourdieu (2002) na obra Intitulada “Os Usos sociais da Ciências por uma sociologia Clínica no campo cientifico”, pois o mesmo em sua discussão vem contribuir para o meu entendimento cujo interpretação parte de que os homens sempre estarão se utilizando de meios para mudar um contexto, mesmo que seja Identitário. Assim, podemos sintetizar a ideia do autor:

(....) Todo campo é um campo de forças e um campo de luta para conservar ou transformar esse campo de força. Pode-se num primeiro momento, descrever um espaço cientifico ou um espaço religioso como um mundo físico, comportando as relações de força, as relações de dominação. (BOURDIEU, 2002, p. 33).

Partindo do entendimento da citação, apesar do autor fazer uma analogia das relações sociais de maneira dialética, especificamente no campo mediado por processo econômicos, cabe à interpretação dos objetos de estudos uma aferição que passe pelo universo de outros campos científicos, no qual, encontramos os elementos e as instituições que produzem e reproduzem ou difundem uma arte seja qual for o universo e campo a ser investigado. Assim, correlacionando com a discussão vejo que todo campo pode ser considerado um fenômeno que comporta lutas seja de conservação ou de modificação com o propósito de transformar determinado campo de força.. (BOURDIEU, 2002)

É nesse sentido que as Irmandades, através da organização pode percorre espaços, tempos como afirmação de um significado religioso. É interessante que o espaço e o tempo encontram-se inseridos os agentes sociais numa estrutura em posições que dependem do seu

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capital e desenvolvem estratégias que dependem, elas próprias em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições. (BOURDIEU, 2002 p. 23).

No Brasil colônia, assim como em outras regiões das Américas, o momento inicial utilizado pelos negros para saírem ás ruas com seus cânticos e danças foram através das celebrações católicas, inclusive as procissões que eram ações que os mesmos se utilizavam para reivindicarem sua inserção na sociedade, cuja participação nas festas populares caracterizava um ato simbólico. Falar da formação das Irmandades é nos reportamos para o início da chegada de muitos negros ao Brasil e aos poucos os mesmos foram construindo um cotidiano que atendesse minimamente a história de um povo.

O objetivo desse artigo é fazer uma discussão no que se refere a formação das Irmandades Religiosas, especificamente, a irmandade da Boa Morte e o papel da mulher enquanto gênero representativo, responsáveis através de seu cotidiano por conquistar espaços em determinados contextos, conquistas essas que somente mais tarde as mesmas se destacaram em suas ações que ao longo de sua existência tiveram que enfrentar; uma sociedade construída de forma patriarcal e os adereços que essa mesma sociedade foi capaz de estabelecer padrões de comportamentos sociais como forma de limitar poder.

Mas, mesmo assim, elas tiveram visibilidade em suas práticas ao desenvolverem a organização da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. Todavia, as dificuldades que esse segmento social enfrentou na sociedade por estarem inseridas em um ambiente considerado somente de ações masculinas, uma vez que as mesmas tinham muita importância em suas ações, no entanto, eram invisíveis, e com a formação dessas Confrarias as mulheres passam a ter visibilidade a partir da sua importância na organização.

A Irmandade da Boa Morte a priori surge na Bahia e posteriormente toma dimensões para outras regiões, levando em consideração que essas Confrarias tenham sido instrumentos de lutas ou resistências em busca da reinvenção de um passado culturalmente negado ao povo negro, através de uma prática assistencialista e filantrópica, os membros da Irmandade se fortalecem mediante a religiosidade.

Assim, nada melhor de referenciarmos a cidade de Salvador- BA, pois, foi o berço de chagada dos negros e também de diferentes formas de organização. Por exemplo, ao fundo da igreja da Barroquinha, quando é formada a Irmandade Nossa Senhora da Boa Morte foi necessário a participação de um homem adepto da Confraria do Senhor dos Mártires, bem como também o primeiro terreiro de Candomblé, nesse momento cuja formação da Irmandade era está estabelecendo parceria, sendo um instrumento de articulação, uma vez que as reuniões políticas e manifestações eram frequentes. Outro município também na Bahia que podemos citar é o

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município de Cachoeira localizado a 110 Km de Salvador, capital do Estado. A cidade foi fundada em 1674 com o nome de Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, após intensas batalhas entre a comunidade nativa, indígenas e os portugueses a área ficou conhecida como o vale do Peruassu. Ao final do século XVII passou a condição de vila, sendo chamada de vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Em 1837 a vila foi elevada á categoria de cidade da Cachoeira. (LESSA, 2005).

No que se refere a economia local, os séculos XVIII ao XIX atingiu seu apogeu, consequentemente houve um expressivo número populacional. Dentre as áreas regionais mais prosperas nesse contexto são: o Recôncavo e o Sertão – Chapada Diamantina. Na zona rural tivemos como destaque a cana e o fumo (FERREIRA, FREITAS, 2010 p. 38, 39).

Ressaltando que a região foi o berço de recebimento de um grande número de negros escravizados, todavia também como espaço de contestação. Por volta da segunda metade do século XIX a economia entra em crise por vários fatores dentre eles as epidemias surgidas nesse momento. Ainda no século XIX há um retorno da economia com ascensão do fumo e com as construções da Estrada de Ferro Central da Bahia, da ponte D. Pedro II e da Hidroelétrica de Bananeira. Na atualidade a cidade de Cachoeira foi tombada como cidade Monumento Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional- IPHAN, considerado acervo arquitetônico dos séculos XVIII e XIX, inscreve-se na perspectiva de valorização dos bens de pedra e cal.

Contudo, podemos refletir um pouco sobre a história do movimento feminista, de maneira que podemos compreender a partir de três grandes etapas. A primeira se situa no final do século XIX, cuja luta se volta para o direito ao voto feminino e por direito democráticos, referentes ao direito ao divórcio, efetivação de uma maneira completa da educação, trabalho dentre outras políticas. A segunda, no final dos anos 60, a luta por liberação sexual e a terceira, no final dos anos 70, uma luta de caráter mais sindicalista, protagonizada pela mulher em seus diferentes aspectos enquanto mulher trabalhadora. (COUTO, 2008).

Dessa forma, podemos fazer uma observação, que as lutas dos movimentos antecedem as programações acima, especificamente as estratégias que as mulheres e as formas como se apropriaram para marcarem espaços e delimitar as diferenças entre os gêneros. Outra interpretação foi a constituição das primeiras Irmandades a serem formadas que agregavam maiores números de pessoas conhecidas, consequentemente maior a rede de solidariedade. Deste modo, a Irmandade da Boa Morte, instituição criada no início do século XIX por um grupo de mulheres negras, período que já existiram outras Irmandades, mas nenhuma sendo chefiada exclusivamente por mulheres, sobretudo, a sua importância para a organização, elas tinham

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competência para tomada de decisão, organização e quem estavam à frente das festividades eram elas. (CONCEIÇÃO, 2011).

A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, formada unicamente por mulheres negras, surgiu em meio uma sociedade escravista instável, na cidade de Salvador- Bahia, momento de constantes explosões de revoltas (revoltas populares contra a monarquia portuguesa, temos como exemplo também a Revolta dos Malês). Assim, o objetivo se estendia também a devoção e o culto a Nossa Senhora, bem como a prática de empréstimo e auxílios financeiros, doações e principalmente a compra de alforria para os escravizados. Em caso de falecimento das associadas a Irmandade se responsabilizava pelos sepultamentos e missas. Ao final do século XIX demonstra sua participação ativa na vida política e social.

Portanto, as mulheres lutavam e negociavam para se firmarem enquanto membro do grupo, conseguiam mostrar seu trabalho através das festividades a Nossa Senhora e nas conquistas de seus objetivos, através da força e coragem elas conseguiam se fazer presente e se tornarem necessária nas particularidades específicas do ritual, esses atributos que lhes foram atribuídos possibilitou posteriormente serem conhecidas como negras do Partido Alto. Ressaltando que a formação e os objetivos das irmandades da Boa Morte se aproximavam de outras irmandades de cor, no entanto, esta é a única na qual as mulheres reinam por completo. No que se refere ao entendimento de gênero, não há um determinismo biológico e sim construções sociais dos papeis dos homens e das mulheres. (LESSA, 2005, p.22).

Podemos evidenciar que a invocação mariana no império Português era a de Nossa Senhora da Conceição como Patrona das Irmandades dos Pardos, assim por volta de 1700 em diversas áreas coloniais como no Rio de Janeiro e nas primeiras décadas do século XVIII e nas diferentes cidades mineiras as Irmandades tinham a função de agregar os negros. Dessa forma, as Irmandades negras formadas procedem do catolicismo popular, por isso, o chamado catolicismo popular não é uma religião mista, mas manifestações temporais de um povo que anseia o término de uma evangelização.

É a manifestação de uma consciência não inteiramente cristã, grande parte das Irmandades tiveram suas origens nos ofícios, considerado um dos meios para estimular práticas e vivências da religião, colaborando para evolução de seus objetivos. Com a colonização portuguesa no Brasil surgiram irmandades separadas para “homens brancos”; “homens pretos e no processo de miscigenação”; as dos “homens pardos” (mulatos). Elas eram organizadas por grupos sociais e assim reproduziam a estratificação da sociedade colonial. Desde que mantivessem a distinção de cor, os escravos podiam criar suas próprias Confrarias. (VIANA, 2007)

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As irmandades dos pretos congregavam pretos livres e escravos, ali, para muitos, era a única forma de convívio fora do trabalho e reservavam parte do recurso para compra de alforria para alguns membros. Tinha etnia africana de origem banta, que permitia vivência dentro das igrejas, veneravam os santos católicos e fora dela, os seus orixás. Muito escravos bantos já participavam do culto a santos católicos antes de cruzarem o Atlântico. Assim, a história das irmandades na América portuguesa começa no reino, se mistura com a história das corporações de ofício e remonta o período da Idade Média, logo as irmandades se organizavam a partir das estruturas administrativas da monarquia, e respondiam aos interesses de diversos grupos sociais. No que se refere ao ritual promovido por elas através das festas religiosas, as mesmas serviam a uma necessidade que proporcionavam divertimento e formas de expressão. Nas Irmandades Negras, além da necessária citação aos santos católicos, recriavam suas províncias natais, carregado de ostentação e musicalidade, realizavam procissões com características africanas, evocando seus usos e costumes, monopolizando os membros da Irmandade e se destacavam em público com danças de sua cultura.

Foram experiências máximas de liberdade. Contudo, vinculando crenças e costumes ao culto das santidades da igreja Católica, originou-se assim o sincretismo, combatido pelas elites para controle social e ideológico. No Rio de Janeiro, desde sua fundação, as Irmandades eram chamadas de “Igrejas de Passagem”, pois contribuíram para inserir na paisagem urbana, uma forte presença religiosa católica. Suas práticas pastorais, as liturgias eram muitas das vezes encenadas com a vida de santos, havia procissão dos Passos e nos dias da quaresma a imagem comparecia a todas as Irmandades e a população. A procissão mais impressionante era a dos Ossos, porque seus cadáveres ficavam expostos junto á forca até o dia primeiro de novembro quando, excepcionalmente, a Santa Casa os recolhia e enterrava. (VIANA, 2007).

Essa prática ritualística de início foi negada aos negros, sendo garantido o direito de instituir Irmandades. Mas, após a tentativa de integrá-los á sociedade e para garantir a devoção aos santos católicos por parte da população escrava, tiveram o direito de ocupar altares já existentes nos templos das Irmandades dos brancos. Nas cerimônias em que se exigiam a presença de todos os fieis na igreja, os componentes das Irmandades eram separados por cor e condição social, havia rodízio de horários. Mesmo existindo altares destinados a determinada cor, os negros e pardos ocupavam altares. Por causa dessa convivência forçada, os negros foram construindo suas próprias capelas em terrenos distantes doados pela Câmara. (Magalhães, s/d, p. 3 a 7).

De acordo com Conceição que cita Geertz, o autor define ritual religioso como um comportamento consagrado, no qual, o complexo simbólico se reveste de autoridade persuasiva

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fundindo ethos e visão de mundo, os símbolos religiosos podem ser representados pelos relatos míticos ou dramatizados, isto é, eles podem ser performatizados, quando encenados publicamente, os rituais religiosos são considerados como performances culturais ou cerimoniais culturais ou conjunto de ações organizadas e representadas ou realizadas em um determinado lugar.(CONCEIÇÂO, 2011).

Dessa forma, o conjunto de ações denomina-se performance. As performances culturais, especificamente as religiosas envolvem linguagem verbal e não verbal, canto, dança, encenação ou dramatização. Enquanto a estrutura do ritual é formada pela juíza Perpetua e suas irmãs auxiliares, que juntas formam um conselho responsável pelas decisões tomadas pelas irmandades. Os cargos são vitalícios, ocupados, respectivamente pela pessoa com mais tempo de organização. Assim, o individuo religioso vive corriqueiramente entre o senso comum e o religioso, ele mergulha em formas convergentes e divergentes. Mas há certas interações entre elas de acordo com o tecido sócio cultural, o individuo religioso vê o mundo, cria seus impactos e conteúdos.

Portanto, a mulher que apresentar maior idade cronológica são aquelas mais respeitadas enquanto que as demais somente compõem o corpo da instituição. Anualmente, cerca de cinco integrantes formam a comissão da festa, isso ocorre após uma eleição entre elas, embora atualmente este fato tenha sofrido significativas modificações, visto que a influência de pessoas estranhas á irmandade conduzem o processo de forma diferente do que ocorria inicialmente (CONCEIÇÃO, 2011, p. 27 a 46).

O interessante nessa discussão é que podemos relacionar a Irmandade da Boa Morte com características do catolicismo ao universo afro-religioso brasileiro, pois já havia nesse momento a necessidade de formação de uma identidade afro-religiosa em construção ou reinvenção, uma vez que os laços de solidariedade se faziam presentes e os valores comuns que remetiam aos ritos de morte e a vida. Assim, podemos exemplificar: as yabas que se remetiam ao Candomblé estavam ligadas a morte e a vida; Naná e Iansã, Yemanjá e Oxum, que tem um ponto semelhante a morte e a Assunção de Nossa Senhora.

Outra irmandade existente no município é a de São Gonçalo dos Campos, também no Recôncavo baiano, especificamente conduzido por mulheres negras, sendo a Irmandade que ainda representa a expressão de sobrevivência, de forma de organização da cultura de origem afrobrasileira e do catolicismo Barroco, onde havia a mistura do sagrado com o profano. O interessante que por volta de 1900 a 1950, momento de grande crescimento das forças populares, pois o estado nesse contexto aproximava-se da igreja Católica para que esta mantivesse sobre controle o movimento operário.

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A igreja queria restaurar a influência Católica na sociedade brasileira, a fim de enquadrar o catolicismo popular nos padrões de Roma, nos parâmetros estabelecidos pela hierarquia eclesiástica, a formação da criação da Irmandade da Boa Morte foi a maior expressão de religiosidade popular no município. Na segunda metade do século XIX, até meados do século XX, período que se caracteriza como o auge da religiosidade popular, nesse momento foram criadas várias Irmandades com apoio dos padres, os quais realizavam as missas no período das festas, tendo como expressão maior dessa religiosidade popular a festividade em homenagem ao Santo Padroeiro da cidade, São Gonçalo do Amarante, realizada em 10 de janeiro. (LESSA, 2005, p. 9).

As irmãs da irmandade da Boa Morte lavavam o templo com água da fonte gambeira, tida como milagrosa em virtude de uma possível aparição do Santo, cujo nome balizava o município. Por volta da década de 90 do século XX, o padre da paróquia, Hermenegildo de Castorano, separa o ritual, considerado uma festa profana e assim separa a festa sagrada da festa do profano e proibiu a lavagem do templo. Atualmente, as irmãs com trajes típicos de baianas, só lavam a escadaria. No entanto, o padre continua celebrando as músicas das festas das irmandades e da religiosidade popular, no sentido de uma religião vivida, internalizada e expressa em diferentes dimensões do grupo social.

Em meados do século XX, São Gonçalo dos Campos, cidade que se destaca pela sua dinamicidade, formada por uma elite letrada, cujo desenvolvimento político e econômico era a preocupação das elites, também apresenta uma diversidade cultural assim como as demais cidades do nordeste com sua expressão na coexistência de várias práticas religiosas. Organizada com espaços demarcados e conflitos étnicos, é um espaço que foi construído com base na escravidão e com o fim do sistema escravista nascem as Irmandades da Nossa Senhora da Boa Morte. Origem dessas Irmandades estavam originalmente associadas a devoção da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios dos Criolos naturais da cidade da Bahia.

Segundo Lessa, em sua pesquisa através de fontes orais informa que a Irmandade da Boa Morte foi organizada em São Gonçalo já com uma experiência que já vinha desde a Irmandade de Cachoeira. Organizada por Felismina Araújo e Cecília Araújo, respectivamente mãe e filha, ambas, negociantes e já participavam das Irmandades em Cachoeira, é provável que a filha tenha seguido o caminho da mãe. Foram muitas referências a essas irmãs da Boa Morte, negras, mães solteiras, pequenas comerciantes, provavelmente, elas tinham poder de mando e de liderança dentro da Irmandade.

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A Irmandade da Boa Morte de São Gonçalo foi criada ao modelo da Cachoeira e muitas das vezes frequentavam os mesmos Terreiros de Candomblé e muitas provenientes da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. As irmãs da Boa Morte eram mulheres negras que pertenciam aos segmentos mais baixos da sociedade, 50% delas trabalhavam em torno da cultura fumageira, como lavradora ou charuteiras ou pequenas negociantes, vendiam doces, bolos, cocadas. Quanto ao estado civil eram chamadas de raparigas, significando mulheres solteiras com filhos, muitas eram amasiadas e algumas com pessoas ilustres da cidade, o termo era usado para as mulheres que tinham filhos, mas não eram casadas. Por isso a festa das Irmandades era conhecida como as festas das raparigas. (LESSA, 2005, p. 90).

Como podemos observar a Irmandade da Boa Morte terminou sendo uma alternativa de sobrevivência dessas mulheres, pois sua própria condição dita como “raparigas” deixavam-nas estigmatizadas perante a sociedade, o que é bem pensado o ingresso delas nas Irmandades que de certa forma proporcionava, assim uma sociabilidade, conforto e identidade, pois quem nasce nesse ambiente eram iguais, não estava a margem e representavam uma categoria de mulheres negras e em sua grande maioria mães solteiras. Mulheres que andavam na rua, brigavam, falavam alto, dividiam o espaço de trabalho (a rua) com os homens, e na prática assumiam os papeis tradicionais de mulheres e homens, enquanto tinham que sustentar a casa, criar os filhos, impondo as suas regras de respeito. Então, essas mulheres também se privavam de sua sexualidade, com a abstinência sexual as irmãs podiam se dedicar com mais afinco a devoção de Nossa Senhora da Boa Morte, ou seja, por outro lado podiam significar uma espécie de penitencia por serem perdoadas dos pecados cometidos, pois a maioria não seguia os padrões da época.

Outra prática que estava na origem da Irmandade era que as irmãs deveriam ser pessoas de santo e consagrada a um Orixá relacionada à morte ou nascimento. Como membro do grupo, sendo necessário então que ela esteja apta, ou seja, tenha um relacionamento antigo como pessoa do santo, para lidar com os aspectos mais fundamentais do Candomblé. Contudo, as Irmãs da Boa Morte fundaram o primeiro Candomblé da Bahia, o da Barroquinha de nação Jejé, com a expansão dessa Irmandade para o Recôncavo esse terreiro também se expandiu para Cachoeira. (LESSA, 2005).

Assim, com a formação da Irmandade da Boa Morte, registra-se também a criação de um dos primeiros Terreiros de Candomblé do Brasil, ligado a Irmandade, por ter sido criado pelas mulheres adeptas da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte e por um homem adepto da Confraria de Senhor dos Mártires. O Iyá Omi Axé Ayá Intilá em homenagem a Xangô, o culto acontecia numa casa ao fundo da igreja da Barroquinha que abrigava reuniões políticas e

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manifestações de toda ordem. A partir de 1920, estes terreiros deram origem a mais outros dois: Ilê Axê Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro e o Ilê Iyá Omi Iyá Massé, na federação, conhecida como terreiro de Gontois. As lideranças desses terreiros faziam parte da Irmandade da Boa Morte (VIANA, 2007, p. 98 a 131).

Assim, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte era a mais disputada da igreja católica, muitas igrejas realizavam missas e procissões, celebrando-se festas no dia seguinte, mas somente a capela da Barroquinha se destacava na festividade, apresentava extenso o traslado da missa, sendo organizada durante anos pela Irmandade do Senhor dos Martírios da Barroquinha que depois passou a dividir a organização da festividade com a Irmandade da Boa Morte, formada por mulheres negras devotas a Nossa Senhora da Boa Morte. A mesma ligava-se aos espíritos mortuários através da comida, cânticos, danças, procissões e missas, estes comportamentos colocavam suas integrantes em contato com o universo mortuário.

A valoração do ritual para a comunidade afroreligiosa

No que se refere ao ritual no universo religioso, os objetos são carregados de significação simbólica do contexto do Candomblé. A Boa Morte tem o ritual fúnebre, a morte representa a impureza que põe em perigo a ordem, contudo, os rituais permitem reorganizar a vida coletiva, já que a impureza ou a poluição é um tipo de perigo que se manifesta, onde a estrutura social ou força cósmica está definida. A morte é o elemento marginal facilmente identificável que pode ser combatido adequadamente. De acordo com Conceição, a morte nas sociedades africanas encontrou variadas formas de representação: Boa Morte, a morte como vida, como punição, como algo desejável e como reparação, assim, a morte não pode ser vista como algo que polui, mas pode ser algo que repara, tal como é uma das funções dos ancestrais na terra. (CONCEIÇÃO, 2011, p. 14).

Como podemos observar na discussão, a mulher negra sempre precisou estar inserida na luta para ter visibilidade e buscar por melhores condições de existência e isso se deu a diversas formas de organização, desde o período escravagista, no pós-abolição e até os dias atuais, sempre foi uma constante luta contra o racismo e suas manifestações através do preconceito e da discriminação racial e contra as contradições presentes na relação entre os gêneros. Contudo, demarcar historicamente a inserção dessas mulheres negras nas irmandades, demanda que os movimentos sociais contemporâneos são contemplados e se relacionam com esse espaço de organização dos séculos passados. Para uma interpretação da importância

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dessas mulheres torna-se necessário entendermos elas enquanto categoria de gênero feminino, assim:

Gênero pode e deve ser entendido como uma construção histórica das relações de poder entre homens e mulheres sem antes refutar as definições de masculino e feminino, colaborando-as numa base dicotômica, passa a variar conforme o tempo e a cultura, assumindo um caráter dialético sobre as relações sociais, nas quais se consideram aspectos individuais e coletivos nos locais onde atuam. (CONCEIÇÃO, 2011, p 82).

O gênero é também uma estrutura complexa, muito mais complexa do que as dicotomias dos papeis de sexos ou a biologia reprodutiva de gênero sugerida. (CONCEIÇÃO, 2011, p. 82). Diante das informações citadas o interessante é que a Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte, talvez tenha sido uma relação de transpor a cultura dos negros e a possibilidade da criação do primeiro terreiro de Candomblé. Outra situação que podemos aqui ressaltar é o samba que é uma categoria que não está dissociado da cultura negra, pois já citado em outra discussão a prática da dança do Jongo enquanto pertencente a um ritual de culto da Religião Afro-brasileira.

Podemos também aferir nessa abordagem, a contribuição das Irmandades estando associadas ao Catolicismo Popular, para afirmação dos segmentos das Religiões africanas, através do Candomblé. No Brasil colônia, algumas Irmandades tiveram origem nos abrigos e estimulo de ordem religiosa, as fundadas nos conventos de religiosidade franciscana, carmelitas ou dominicanos, fazer parte de uma irmandade não excluía a possibilidade de está nos Calundus, de pontar uma bolsa de mandinga junto ao corpo, nem tão pouco manter a relação de veneração afetiva com os santos de devoção. Fazer parte de um grupo religioso através da Irmandade era pertencer a uma, de uma forma ou de outra era estar significativamente representando a sua cultura. (VIANA, 2007, p.102).

De acordo com Lessa (2005), A Irmandade da Boa Morte provém do Catolicismo Tradicional, aquele catolicismo tradicional que é luso-brasileiro, leigo medieval, social e familiar, predominou nos três primeiros séculos de vida cristã no Brasil e tem como práticas as procissões, as promessas, as romarias, o culto aos santos de devoção, a mistura do sagrado com o profano, bastante próximo dos cultos africanos e ameríndios. Contudo, quando os mesmos vieram para o Brasil trouxeram uma multiplicidade de práticas culturais, porém desprovidos das instituições que lhes davam significação. A religião afro-brasileira é o resultado desse processo de reconstrução de novas instituições como os Batuques, os cantos, as Irmandades, Calundus e o Candomblé. Esse processo se deu de forma alinear e muitas dessas práticas se desenvolveram

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simultaneamente como o Calundu, os Batuques e as Irmandades. É bem provável que no século XIX o samba de roda, provém do Calundu ou Lundu e posteriormente foi chamado de Batuque (p.45).

Todavia, as festas religiosas populares, organizadas pelas irmandades de leigos bem como repletas de manifestações profanas, não poderiam deixar de serem atingidas. Lessa cita João José Reis, onde o autor ressalta que as confrarias de africanos foram meios de afirmação cultural na diáspora, construindo uma nova família africana com base no parentesco de Nação, “os irmãos de confraria formaram outra alternativa de parentesco ritual. Portanto, os negros criaram, dessa forma, um espaço para suas práticas culturais que inevitalvemente devido as circunstâncias sociais do período, proporcionou um sincretismo com a religião dos brancos dando origem a um catolicismo brasileiro muito diferente do catolicismo romano. Assim, podemos entender que a religião popular é:

(...) é um sistema religioso que goza de uma certa autonomia em relação a instituição eclesiástica, ainda que ambas tenham traços comuns e estejam por vezes ligadas. A religião popular não está exclusivamente associada a uma classe popular, econômica sim, a um tipo de cultura que se transmite nas relações de vizinhança e na memória coletiva (...) a religião popular é espontaneamente, de criação coletiva e pertence ao fundo cultural da comunidade ou de uma classe popular homogênea. (LESSA, 2005. p.12).

O interessante, que a referida autora traz em sua discussão as várias interpretações de sincretismos, para ela o sincretismo numa perspectiva historiográfica, vê como fruto dos contatos culturais, e é um campo de divergência entre muitos autores, para alguns o sincretismo é uma simbiose que gera uma fisionomia cultural nova em que se fudem em maior ou menor proporção as características culturais em contato. Outros negam essa simbiose, e ainda outros autores acham que o sincretismo é um fato mais aparente que real e vivido, ou que de fato se constitui como equivoco. Mas, percebe-se que a religião popular carregada de uma catolicidade incorporou diversos elementos culturais bem como os diversos ritos religiosos. Dessa forma, a construção de vários símbolos e consequentemente os ritos contemplava a junção formada de pessoas, uma forma de compreender e apreender um fenômeno religiosos que satisfizesse uma prática religiosa da comunidade (LESSA, 2005).

Contudo, apesar do que foi mencionado sobre as diferentes interpretações e denominações do sincretismo, ainda particularmente vejo que tanto a cultura quanto resistência se encaixa para a minha interpretação, pois a cultura sempre vai ser dinâmica no sentido que a cada instante são agregados novos elementos ao cotidiano de uma comunidade e mais quando

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se entende por resistência também a cultura está presente, claro que numa relação de poder, pois é passivo de entendimento que nas relações sociais esses elementos encontram-se imbricados, ou seja, sempre se apoiando em categorias que possibilitaram um desejo passado ou futuro, há uma questão de como direcionar o objetivo. Podemos ressaltar que os negros desde o século XV vêm sofrendo influências cristãs e também de outros povos, mas nem por isso deixaram de reviver o que lhes era inerente.

É nesse sentido que falar de cultura e entender a religião como o carro chefe que conduz e direcionam as posições valorativas de um contexto, assim, todas as religiões são sincréticas, pois apresentam o resultado de grandes sínteses, integrando elementos de várias procedências que formam o novo todo. O sincretismo está presente em todas as religiões e pode ser visto como característica do fenômeno religioso. (FERRETTI, 1999).

Sobretudo, pertencer a uma Irmandade, especificamente a Irmandade da Boa Morte era estabelecer uma relação direta entre o Catolicismo e o Candomblé, tornando a festa atraente aos olhos do público, os dias oficiais eram 13, 14 e 15 de agosto, nesses dias as irmãs reverenciavam a Maria Nossa Senhora da Glória ou simplesmente Nossa Senhora da Boa Morte, as irmãs celebram nossa senhora da Glória com procissões noturnas e diurnas, cuja semelhança nessa relação são as vestimentas com as mesmas características dos ritos do Candomblé. Atualmente de acordo com Lessa (2005), o cortejo da procissão é feito pela Nossa Senhora da Glória.

Portanto, a formação das Irmandades não se restringiu somente no Recôncavo Baiano, mas se estendeu a outras regiões. Ao final do século XIX, mais precisamente no dia 13/01/1854, nascia Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, na cidade de São Amaro da Purificação, aos 16 anos participou da fundação da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira. Tia Ciata como ficou conhecida, nascida liberta, dezessete anos antes da promulgação da lei do ventre livre (em 1871) e trinta e quatro anos antes da abolição da escravatura, quando foi para o Rio de Janeiro, onde se celebrizaria como figura emblemática para o surgimento e a afirmação da música popular brasileira. Foi líder espiritual: Mãe de Santo no Candomblé, Filha de Oxum, batizada como Ciata de Oxum e benzedeira, sendo iniciada no santo na casa Bambiche na nação Ketu. Aos 22 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. A importância de Tia Ciata, enquanto multiplicadora de uma cultura especifica, foi responsável pela sedimentação do Samba, residindo á Rua Minervina, próxima a praça onze, na Av- Visconde de Itauma- hoje, na Av- Presidente Vargas ( RJ).

Referenciar Ciata nessa discussão torna-se interessante porque ela foi empreendedora num período em que as mulheres nascidas do seio do povo eram socialmente sulbaternizada.

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Detentora de habilidades culinárias tornou-se rapidamente popular na região do Rio de Janeiro, onde comercializava suas iguarias de tradição africana. Apresentava-se liturgicamente paramentada com indumentária baiana. A vinda da Tia Ciata para o Rio de Janeiro muito se deu por conta de perseguição religiosa e também com o fim da escravidão a população negra de Salvador vislumbrava a cidade do Rio de Janeiro como o eldorado possível para os seus sonhos de prosperidade, uma vez que nesse momento o Rio de Janeiro vivência a primeira República, assim a migração foi um fenômeno que muitas famílias almejavam e consequentemente ficou conhecida como “diáspora baiana”. Assim, a casa de Tia Ciata converteu-se espontaneamente em embaixada voluntária para acolhida de conterrâneos, espaços de convergência e convivência, os vínculos de origem social, étnica e cultural mantiveram-se vivos convertendo-se em alicerce para a construção de uma cultura social e musical que ainda hoje acompanha nossa identidade coletiva, de modo que os baianos fizeram da região central do Rio de Janeiro o “berço do Samba” que resplandeceria nas primeiras décadas do século XX. De acordo com Projeto de Lei Nº 6859-A, DE 2013, Tia Ciata representa tantas outras “Ciatas” mulheres igualmente determinadas e singularmente marcantes pelos espaços que as conquistou. É nesse sentido que o referido Projeto referencia o seu nome como o panteão dos imortais da história brasileira. (LEI Nº 6859-A, p. 03, 2013).

No Rio de Janeiro ao final do século XVIII a mobilidade e movimento faziam parte do cotidiano da maioria negra, momento de recebimento de um considerável número populacional, cujo mercado carioca se ampliava para atender a novos polos de demanda de mão de obra escrava, no sudeste em especial no norte fluminense, de maneira que a maior parte dos cativos aqui chegados foram transferidos para as religiões rurais somando os africanos que chegaram ao núcleo urbano, sobretudo, juntamente com os presentes já no Brasil, somava de acordo com Viana um percentual aproximado 35% da população da cidade. Pelo deslocamento causado pelo tráfico e do cativo, os africanos buscavam de certo modo oportunidade de ressocialização que lhes permitissem uma reconstrução de sua identidade. Assim, as Confrarias Religiosas, responderiam a necessidade de garantir uma boa morte e de fazer face á imprevisibilidade dos acontecimentos cotidianos, diante dos quais era desejável assegurar a solidariedade de uma família alargada. (VIANA, 2011. p. 182).

Nas festas tia Ciata com suas habilidades de Partideira na roda de Partido-alto, também era mestra em dançar o “miudinho”, dança na roda onde os pés que faziam os movimentos do samba. A figura feminina de Ciata nos referenda a maioria do gênero, pois como já citado, foi iniciada no Candomblé em Salvador por Bagboshê Obitiro e era filha de Oxum, mas até chegar a ser iniciada no Candomblé passou dezesseis anos como membro da Irmandade Nossa Senhora

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da Boa Morte, quando Ciata vai para o Rio de Janeiro e leva muitas baianas e junto também leva o Samba de Roda. Assim, o século XIX e no século seguinte já estabelecia no Rio de Janeiro os encontros com os amigos: Pixinguinha, Noel Rosa, Candeia, Paulo da Portela, Clementina de Jesus, dentre outros.

Logo, a cada encontro do grupo, o samba de roda estava presente, também podemos entender que os encontros caracterizavam uma cerimônia religiosa, assim a cada cerimônia antecedia uma missa cristã, músicas e com os amigos da casa um pagode com muito samba, violão, pandeiro, cuíca e outros instrumentos musicais. Podemos evidenciar que quando Clementina de Jesus em depoimento afirmava que era adepta de Nossa Senhora da Glória, na verdade ela se remetia a nossa Senhora da Boa Morte. Outra situação que podemos aferir nessa discussão é que o berço baiano foi certamente a chegada do grande grupo etnolinguístico banto que com eles chegaram à música brasileira e as bases do Samba, bem como a grande variedade de manifestação que lhes são afins.

Portanto, o destaque das mulheres na roda se dava porque eram elas que davam um toque e um charme todo especial ao Samba de roda, eram elas que batem as palmas ou as tabuinhas que geralmente saem da roda para sambar e responder ás cantigas do Samba de roda. Assim, podemos correlacionar que a Irmandade Nossa Senhora com a presença das mulheres em conduzir o grupo e paralelamente as festividades onde o Samba de roda estava presente, podemos afirmar que elas apresentavam uma visão de estratégias ao longo prazo, uma vez que as festividades quando acabavam era comum a continuidade do festejo através das famílias reunidas e o Samba de roda fazia parte do momento de lazer entre eles, e não se caracterizava somente por uma festa profana mas um elemento simbólico, fundamental de celebração, pois possibilitava visibilidade as estruturas sociais e culturais. A dança apresentava um sentido de comemoração, comunicação e manifestação de sentimentos e conhecimento, reforçando laços de solidariedade sociais, morais e étnicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho foi resultado de um levantamento sobre a importância dos movimentos sociais enquanto uma ação religiosa e política que os negros ao longo de suas histórias tiveram que buscar estratégias de sobrevivência de suas práticas culturais. Mecanismos esses que identificamos o ingresso dos mesmos nas confrarias das Irmandades Religiosas Católicas, o que foi possível posteriormente que os mesmos adquirirem certa autonomia em busca de uma

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identidade, sendo um dos elementos norteadores da existência da cultura religiosa através das Irmandades.

Outro tópico abordado que foi de grande relevância para a compreensão e justificar o presente objeto de pesquisa a partir da associação das Irmandades católicas e a infiltração dos negros nas mesmas, desenvolvendo trabalho assistencial, principalmente voltado para aqueles descendentes de negro acometidos de doenças e que se encontravam sem amparo.

Neste artigo também discutimos sobre as Irmandades Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde os mesmos passaram a ter uma importância na associação, sendo a mesma responsável por contribuir para que as mulheres negras criassem uma irmandade, onde elas pudessem ser as protagonistas de suas ações. Assim, foi criada a Irmandade da Boa Morte, sendo específica das mulheres negras. Em seguida abordamos as mulheres inseridas nas irmandades e a relação da religião através do Candomblé.

Dentro desse entendimento as mesmas materializam através do Samba de Roda a Cultura Afro-brasileira, contribuição que mais tarde viemos conhecer como a dança do Jongo que será abordado em outro momento. Contudo, a discussão acima são achados que só vieram enriquecer o meu objeto de pesquisa, pois a partir dessas reflexões foi de grande relevância para correlacionar com o objeto da minha pesquisa na área da Ciência da Religião

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