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Para alguns dicionários de língua portuguesa, a definição de racismo é:

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2.3.3. Racismo

Para alguns dicionários de língua portuguesa, a definição de racismo é:

Dicionário Aurélio: “Doutrina que sustenta a superioridade de certas raças”.

Dicionário Houaiss: “1. Conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças,

entre as etnias (...).4. Atitude de hostilidade em relação a determinada categoria de pessoas”.

Dicionário Mor: “Tese que admite o predomínio de certas raças humanas”.

Dicionário Lello (Novo Dicionário Enciclopédico Luso-brasileiro): “Teoria que tende a preservar a

unidade da raça numa nação”.

Para Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, “com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e, principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar à crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores”.47

Maria Luiza Tucci Carneiro define racismo da seguinte maneira:

“Muito mais que apenas discriminação ou preconceito racial, é uma doutrina que afirma haver relação entre características raciais e culturais e que algumas raças são, por natureza, superiores a outras. As principais noções teóricas do racismo moderno derivam das ideias desenvolvidas por Arthur de Gobineau. O racismo deforma o sentido científico do conceito de raça, utilizando-o para caracterizar diferenças religiosas, linguísticas e culturais”.48

Para a Unesco, “o racismo é a expressão de um sistema de pensamento fundamentalmente antirracional e constitui um desafio à tradição de humanismo que nossa civilização reclama para si”49.

Como se verifica, à exceção da definição do Dicionário Lello, classificável como racista, aliás, há uma convergência na concepção de racismo bastante significativa, mas que invariavelmente faz uso de outro termo: raça.

47 Dicionário de política, 11. ed., Brasília: UnB, 1983. 48 O racismo na história do Brasil: mito e realidade, p. 6. 49 Prefácio de Raça e ciência I, p. 8.

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A Constituição da República Federativa do Brasil afirmou ser o “racismo crime inafiançável e

imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei” (art. 5º, XLII).

Entendeu o Supremo Tribunal Federal50, por maioria de seus membros, que o racismo, como

crime previsto no art. 5º, XLII, da Constituição Federal é expressão de alcance amplo e abrange também o preconceito e a discriminação por religião.

Assim constou na ementa do Habeas Corpus n. 82.424-2/RS:

“Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina--se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido da norma. (...) Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilítico de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham”.

Trecho do voto do Ministro Celso de Mello bem representa o ponto de vista, à época, vencedor:

50 Siegfried Ellwanger, sócio editor da Editora Revisão Ltda., foi denunciado como incurso no art. 20 da Lei n. 7.716/89. Foi absolvido

em primeira instância, tendo a juíza fundamentado sua decisão no fato do caso em tela não ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão. O processo foi em grau de recurso para o Tribunal de Justiça, que entendeu que os livros publicados por Siegfried Ellwanger, O

judeu internacional, de Henry Ford, Holocausto judeu ou alemão?”, de S. E. Castan; A história secreta do Brasil, de Gustavo Barroso, Os conquistadores do mundo, de Louis Marschalko, Hitler, culpado ou inocente?, de Sérgio Oliveira, e Os protocolos dos sábios de Sião, texto

completo e apostilado por Gustavo Barroso, faziam apologia discriminatória e que o réu tinha praticado o racismo, condenando-o à pena de dois anos de reclusão. A questão foi, ainda, levada ao Superior Tribunal de Justiça em ordem de habeas corpus, que, por maioria dos votos, denegou a ordem, entendendo que o crime praticado contra a comunidade judaica foi o de racismo, para os fins do art. 5º, XLII, da CF. Por fim, o processo seguiu para a última instância, o Supremo Tribunal Federal, onde, após exausta discussão, por maioria dos votos, Siegfried Ellwanger foi condenado pela prática de racismo contra o povo judeu.

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“A noção de racismo — ao contrário do que equivocadamente sustentado na presente impetração — não se resume a um conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica, projetando-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, além de caracterizar, em sua abrangência conceitual, um indisfarçável instrumento de controle ideológico, de dominação política e de subjugação social (...)”.

Aqui se propõe, diante do relevante julgamento, que, a partir de então, os conceitos de raça e racismo dividam-se em raça ou racismo em sentido amplo (o posicionamento vencedor do Supremo Tribunal Federal) e, em raça ou racismo em sentido estrito (posicionamento vencido na ocasião do “Caso Siegfried Ellwanger” e aquele por nós defendido desde 2001).

Guilherme de Souza Nucci, a partir da decisão da Suprema Corte pátria, tirou a questão da neblina sem contornos ali criada (na medida em que o Pretório Excelso decidiu que o preconceito contra os judeus era racismo, independentemente da vinculação com os tradicionais classificações de raças, mas não se definiu o racismo) para dar uma amplitude maior às expressões raça e racismo, balizando, consequentemente, um novo conceito de racismo (a que chamamos de “racismo em sentido amplo”), ao afirmar: “Portanto, raça é termo infeliz e ambíguo, pois quer dizer tanto um conjunto de pessoas com os mesmos caracteres somáticos como também um grupo de indivíduos de mesma origem étnica, linguística ou social. Raça, enfim, um grupo de pessoas que comunga de ideais ou comportamentos comuns, ajuntando-se para defendê-los, sem que, necessariamente, constituam um homogêneo conjunto de pessoas fisicamente parecidas. Aliás, assim pensando, homossexuais discriminados podem ser, para os fins de aplicação desta Lei, considerados como grupo racial”51.

Respeitosamente, discorda-se de tal entendimento. Em Direito Penal, no que se refere às normas penais de cunho incriminador, as expressões devem, via de regra, ser interpretadas de modo restritivo, sob pena de lesão à segurança jurídica de todos.

Assim, a própria semântica já indica que o racismo refere-se à raça, principalmente (Vide comentários no item 3.6.1.2).

Em se entendendo que a expressão racismo do art. 5º, XLII, da Constituição Federal também diz respeito aos crimes de preconceito e de discriminação por religião da Lei n. 7.716/89, por um critério de lógica também permite que se trate por racismo crimes contra portadores de deficiência

51 Leis penais e processuais penais comentadas, p. 302.

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previstos na Lei n. 7.853/89, ou qualquer categoria de pessoa, na esfera da intolerância, já que não houve no acórdão limitação ao alcance da expressão. Por via de consequência, ficariam sem a mínima razão de existir as expressões “cor, etnia, religião ou procedência nacional”, previstas na Lei n. 7.716/89, o que contraria o critério interpretativo de que a lei não pode conter palavras inúteis. Também não se duvida que possa ser tido tal entendimento como contrário ao princípio constitucional da legalidade ou da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF e art. 1º do CP), pois não há na Lei penal n. 7.716/89, principal objeto deste livro, expressa alusão a homossexuais (lamentavelmente, grupo altamente discriminado e vítima de preconceitos diversos) ou a grupos nacionais estrangeiros (argentinos, por exemplo), tampouco a pessoas obesas ou a mulheres loiras (todas categorias de pessoas — de algum modo — discriminadas ou vítimas de preconceito no Brasil atual). Enfim, o que seria propriamente uma raça, dentro deste conceito ampliado? Quais seus limites? Conquanto possa parecer jocosa a observação que ora se faz (mas que é feita seriamente), no conceito ampliado de racismo (racismo em sentido amplo), poder-se-ia abarcar — para efeito de considerar como crime imprescritível — uma manifestação preconceituosa contra a categoria profissional dos motoboys? Identicamente, poder-se-ia fazer tal raciocínio com relação à preferência futebolística de alguém (preconceito contra corinthianos, palmeirenses etc.)? Não nos parece o entendimento mais correto, razão pela qual continuamos a entender o racismo como preconceito ou discriminação em virtude da raça (e, em alguns raríssimos casos de intolerância em virtude da cor e da etnia, nas hipóteses em que os conceitos misturam-se com a questão racial, em sentido estrito). Na mesma esteira, poder-se-ia dizer (com base no conceito do brilhante colega de magistério da PUC/SP, Guilherme Nucci) que passaria a ser crime a discriminação contra a “categoria dos egressos do sistema penitenciário”. Ora, pese a consciência de que é dever de todos tentar colaborar com a reinserção (ou mesmo a inserção) social dos condenados que cumpriram sua pena, não há como se obrigar alguém a contratar pessoa com passado criminoso grave. Caso fosse entendido o racismo de modo amplíssimo, como pretende o respeitável autor, a conduta de um diretor de creche ou escola infantil que recusasse emprego a um indivíduo pedófilo condenado em definitivo, por duas vezes, por estupro de crianças, cometeria crime imprescritível da Lei n. 7.716/89, com o que não se pode concordar. Também cometeria crime do art. 4º da Lei Caó o diretor de uma empresa de segurança que recusasse emprego a condenado por roubo a banco que já cumprira sua pena. De igual modo, haveria crime se o Poder Público não aceitasse condenado por corrupção para compor o Poder Judiciário, o Ministério Público ou as polícias? Tais hipóteses, em nosso entender, não caracterizariam crime algum, posto

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que justificável o discrímen e porque a “categoria” vítima de “fobia”, não está prevista no rol daqueles protegidos pela legislação antidiscriminatória (numerus clausus).

Trilhou caminho semelhante, embora não vislumbrando (ou não explicitando) tal vasto horizonte, o Ministro Moreira Alves, na complementação de seu voto no “Caso Ellwanger”, como se vê: “Sr. Presidente, quando examinei este habeas corpus para proferir meu voto como relator, chamou-me a atenção a circunstância de que nossa legislação ordinária, que poderia ter declarado imprescritíveis os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, não o fez, razão por que a imprescritibilidade, em se tratando de racismo, se baseou exclusivamente na interpretação do texto constitucional a ele referente. E aqui faço uma observação: quando a denúncia foi recebida, em 1991, ainda não havia a noção científica de genoma, que é do ano 2000, não podendo ter sido levada em consideração pela Carta Magna de 1988 ao aludir ao preconceito de raça, para se sustentar que só existe uma raça, que é a humana, e que por ser única não daria margem a preconceito racial a que é ínsita a diversidade de raças. Mas, Sr. Presidente, sendo a legislação ordinária referida tipificadora de várias condutas que dão margem a crimes relativos de discriminação, se se der ao termo constitucional ‘racismo’ a amplitude que agora se pretende dar no sentido de que ele alcança quaisquer grupos humanos com características culturais próprias, vamos ter o crime de racismo com um tipo de conteúdo aberto, uma vez que os grupos humanos com características culturais próprias são inúmeros, e não apenas, além do judaico, o dos curdos, o dos bascos, o dos galegos, o dos ciganos, grupos esses últimos com reação aos quais não há que se falar em holocausto para justificar a imprescritibilidade. Há que se ter presente, para a interpretação da Constituição, que ela distingue nitidamente qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, determinando sua punição, inclusive penal, e a prática do crime de racismo, dizendo respeito à primeira hipótose o disposto no inciso XLI do art. 5º (‘A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais’) e à segunda o estabelecido no inciso XLII desse mesmo artigo (‘A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível’)...”.

No mesmo sentido votou o Ministro Marco Aurélio, o qual deu contornos ainda mais restritos ao termo “racismo”, ao afirmar: “A interpretação das normas constitucionais não pode ser feita a partir de normas ordinárias. As normas constitucionais, por originarem todo o sistema jurídico, definem o caminho que a legislação ordinária deve seguir. O racismo contra os negros, este sim previsto na Constituição, é tão somente uma das formas de discriminação e, por ser a mais grave delas — tida como enraizada na vida dos brasileiros —, surge imprescritível”.

Crimes de preconceito e Discriminação - 001-233.indd 51 1/3/2010 10:54:07

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Como se vê, não está sedimentada a questão, havendo argumentos válidos para justificar qualquer dos dois posicionamentos expostos, muito embora discorde-se do ponto de vista do Ministro Marco Aurélio de que o racismo diga respeito apenas à discriminação contra os negros, pois qualquer forma de preconceito ou discriminação em razão da raça será racismo, em nosso entender, como exposto nesta obra.

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