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UMA ANÁLISE SOBRE O PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA BRASILEIRA

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NA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA BRASILEIRA

AN ANALYSIS ON THE PROTAGONISM OF THE JUDICIARY IN THE

BRAZILIAN REPRESENTATIVE DEMOCRACY

Carla Sendon Ameijeiras Veloso1

Universidade Estácio de Sá

Hector Luiz Martins Figueira2

Universidade Estácio de Sá

Sumário: 1. Introdução; 2. O sistema democrático/representativo brasileiro e algumas reflexões; 3. O agigantamento do poder judiciário; Conclusão; Referências

1. Introdução

Durante todos os dias somos tomados por uma enxurrada de informações jornalísticas repleta de notícias onde nos informam a atuação da justiça e dos atores do poder judiciário. A mídia não se furta em demonstrar como as investigações criminosas ocorrem em minúcias, como as delações premiadas são feitas (recentemente), bem como se dá atuação magistral e quase artística dos ministros da Suprema Corte brasileira, de procuradores e advogados. Basta ligarmos a televisão e assistir.

Todas estas figuras, em maior ou menor escala, estão engendradas na lógica judiciária, e atuam sob o manto deste poder. O fato é que com a democratização do acesso à informação o poder judiciário começou a ser visualizado com outros olhos pela sociedade brasileira. A empatia pelo poder nasce em detrimento à ojeriza que se tem pelos demais – comumente marcados por escândalos de corrupção. É imperioso ressaltar, como os representantes do poder judiciário, que não são eleitos democraticamente, são bem mais quistos socialmente do que os membros do congresso nacional, por exemplo.

Não poderia ser diferente, vemos circulando pela internet e televisão, propostas para que ministros do STF se candidatem a cargos eletivos, vemos também ministros comparecendo a programas de entrevista e auditório de televisão. Vemos ainda, juízes sendo tema de bloco de carnaval para salvarem o Brasil da corrupção desmedida em que está mergulhado. Vejam as seguintes informações jornalísticas:

1. Doutoranda na Universidade Veiga de Almeida. Mestre em Direito na Universidade Católica de Petrópolis. Professora da Universidade Estácio de Sá.

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Carla Sendon Ameijeiras Veloso y Hector Luiz Martins Figueira

Revista Exame: “O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa deixou no ar a possibilidade de se candidatar à Presidência da República em 2018”.

Gshow.globo.com: “Pedro Bial recebe a Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na estreia do 'Conversa com Bial' Cármen Lúcia deixa recado para povo brasileiro: 'Eu continuo acreditando no Brasil'”.

O Globo.com: “Fantasia do juiz Sérgio Moro é a novidade do carnaval. O juiz federal Sérgio Moro ganhou notoriedade por sua atuação na Operação Lava Jato. Após estampar camisetas e perfis do Facebook, ele agora ganha o carnaval”.

Por óbvio, nos surge um questionamento: porque houve este protagonismo nos últimos anos de um dos poder da república brasileira? Este é, portanto, o ponto nevrálgico deste artigo, entre tantos temas correlatos, pretende-se aqui abordar as questões da democracia representativa usando como esteio a obra do professor Luís Roberto Barroso “A razão sem voto: a função representativa e majoritária das cortes

constitucionais”. Em seu texto, o referido autor, traz a seguinte colocação que nos

convida à reflexão:

Nos últimos anos, porém, e com especial expressão no Brasil, tem-se verificado uma expansão do Poder Judiciário e, notadamente, do Supremo Tribunal Federal. Em curioso paradoxo, o fato é que em muitas situações juízes e tribunais se tornaram mais representativos dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políticas tradicionais. É estranho, mas vivemos uma quadra em que a sociedade se identifica mais com seus juízes do que com seus parlamentares. (BARROSO, 2016, p.527). Grifos Meus

Assim, com base nestas constatações empíricas, criamos a problemática do trabalho por ora abordado, onde urge discutir tais temáticas em prol de se verificar por que os atores do poder judiciário se tornaram mais representativos dos anseios sociais do que as instâncias políticas tradicionais.

Na primeira parte, demonstraremos a crise do sistema democrático representativo no Brasil, e como a questão da democracia é tratada e visualizada no nosso país. Já na segunda parte, demonstraremos o traço hiperbólico do poder judiciário, e sua crescente ascensão na contemporaneidade. Levando as questões do ativismo judicial e suas possíveis consequências. Sem dúvida alguma, é importante destacar o papel do judiciário e, em especial, da jurisdição constitucional na proteção de valores e direitos fundamentais que se buscam resguardar do processo político majoritário.

2. O sistema democrático/representativo brasileiro e algumas reflexões A democracia já não mais flui exclusivamente pelas instâncias políticas tradicionais. Pensar em democracia olhando apenas para dentro das instituições é praticamente negar sua existência. A democracia entendida como regime de governo e regime político, precisa enfocar mais precisamente nos contornos que se dão nas relações

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entre aqueles que exercem o poder e os demais membros do grupo social. Por isso ela não pode se tornar um mecanismo de atuação de patrocínio de interesses particularistas apartados do bem comum. Colaboram com isso, veículos de comunicação, que muitas vezes, explicitam informações inverídicas e criam no imaginário popular “verdades” inexistente, sobre isto, preciosa lição de Sarmento:

Não obstante, os meios de comunicação de massa, cujo poder nas sociedades contemporâneas nem precisa ser enfatizado, permanecem fortemente oligopolizados, em que pese a expressa vedação constitucional (art. 220, § 5º, CF), o que gera evidentes distorções no funcionamento da nossa democracia. Ademais, os pobres e excluídos em geral continuam sem voz na esfera pública. (SARMENTO, 2007, p.03)

É fundamental, portanto, revisitarmos a expressão “democracia” neste momento, bem como sua origem – advém das palavras gregas demos (povo) e kratos (poder), significando em sua acepção mais genérica, “governo do povo”. Este conceito principiológico, parece estar perdido em algum lugar de nossa história na construção política e constitucional do estado brasileiro.

O processo histórico de construção da democracia ao redor do mundo, não ocorreu de forma contínua, muito pelo contrário, se deu em rupturas. A efetiva ascensão das ideias e práticas políticas relacionadas à participação popular nas decisões políticas dos Estados somente se reergueu no decorrer do século XVIII, conformando aquilo que denominamos a democracia representativa. Neste sentido, Bobbio conceitua democracia:

[...] por democracia entende-se uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e a oligarquia. (BOBBIO, 2005, p.7)

Por mais que o voto majoritário seja uma das premissas da democracia representativa, sabemos que tal ideia não tem o poder de sozinha conquistar igualdade política para todos. É importante, então, nos estados modernos, se fazer a proteção dos direitos das minorias, já que o voto majoritário simboliza os vencedores e não necessariamente o triunfo do bem comum. A democracia tem diversas formas de se apresentar, para Bobbio, a democracia representativa, chama-se democracia moderna, que contrasta com a democracia dos antigos.

Sobre esta temática, vale ressaltar que o filósofo suíço Benjamin Constant; apontou dois padrões básicos de organização do modelo político democrático. A denominada “democracia dos antigos” refere-se a um modelo que busca sua inspiração na Grécia Antiga, mais precisamente na democracia ateniense. Com participação direta dos cidadãos em escala reduzida. E do outro lado, temos a denominada “democracia dos modernos”, que se fundamenta em sistema de controle e limitação, com base na transmissão representativa do poder do povo a seus representantes, que passam a exercer mandatos políticos. A lição do autor:

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Carla Sendon Ameijeiras Veloso y Hector Luiz Martins Figueira

Devemos ser bem mais apegados que os antigos à nossa independência individual. Pois os antigos, quando sacrificavam essa independência aos direitos políticos, sacrificavam menos, para obter mais; enquanto fazendo o mesmo sacrifício, nos daríamos mais para obter menos. O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles denominavam liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios privados. E eles chamam liberdades às garantias concedidas pelas instituições a esses privilégios privados. (CONSTANT, 1964, p.3)

Enquanto na democracia dos antigos há uma clara subdivisão entre vencedores e vencidos. Na democracia dos modernos, as deliberações exprimem o quadro de luta e negociação política entre os diversos grupos. Em que pese toda a consideração descrita acima, hoje, o que se prestigia são modelos de democracias indiretas e semi-indiretas, ou seja, onde o povo confere mandatos aos seus representantes, para a defesa de seus interesses.

Embora haja a predominância do sistema de representação, quase todos os países ao redor do globo, adota um sistema misto em que, por vezes, o cidadão é convocado a expressar, pessoalmente, sua opinião sobre determinados temas. No Brasil, são exemplos de manifestações deste tipo: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular para elaboração de leis.

De qualquer forma, há uma crescente demanda por um tipo de democracia mais participativa, com a descentralização das instâncias tradicionais de deliberação (parlamentos) com os cidadãos pleiteando, cada vez mais, serem consultados fora das datas de eleição. Algumas formas de consulta já vêm sendo institucionalizadas, tais como, a título de exemplo, as audiências públicas ou mesmo os amici curiae3.

Porém, a doutrina atual privilegia uma ideia de democracia em sentido material, substancial. Nesse sentido, a democracia não se esgota na garantia do princípio majoritário e um governo das maiorias, mas visa a garantir um governo para todos, em que as vontades das maiorias ocasionais encontrem limites nos direitos fundamentais das minorias de menor expressão política, étnica, cultural ou social. Tal ideia de democracia impõe ao Estado não apenas o respeito aos direitos individuais, mas também a promoção dos direitos fundamentais de segunda geração, por meio de prestações sociais positivas destinadas a promover patamares mínimos de dignidade em favor desses grupos de menor expressão.

Para muitos autores a democracia não se perfaz na busca pelo bem comum, como exaustivamente propomos até agora. Mas, então, o que vem a ser democracia? Para o cientista político britânico Roald Dahl uma boa forma de se explicar democracia é demonstrar que, “enquanto uma ditadura é um governo de

uma minoria, uma

3Amici Curiae ou "Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão complexa que origina controvérsia constitucional, auxiliando os juízes a entender as diversas posições presentes nos chamados casos difíceis.

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democracia é o governo de uma quantidade de minorias, que variam em número, tamanho e diversidade”. O autor ainda observa a existência de cinco critérios que

devem ser respeitados para que ocorra um real processo democrático em que todos os membros possam ser considerados efetivamente iguais. Veja (Dahl, 2001. p. 30):

Participação efetiva: todos devem ter oportunidades iguais de apresentar suas

opiniões aos outros membros.

Igualdade de voto: oportunidades iguais e efetivas de votos a todos, sendo que,

inclusive, estes votos devem conter pesos iguais.

Entendimento esclarecido: todos devem ter tempo e oportunidades iguais de

aprender e entender sobre políticas alternativas às implementadas ou propostas.

Controle do programa de planejamento: todos devem ter oportunidades

exclusivas de decidir como e quais questões serão colocadas no planejamento.

Inclusão dos adultos: todos os adultos residentes permanentes devem ter pleno

acesso aos seus direitos.

Assim, pode-se inferir que a democracia garante a seus cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não democráticos não concedem e não podem conceder, além de garantir também um inerente sistema de direitos. A democracia garante a seus cidadãos uma liberdade pessoal e um desenvolvimento humano mais amplo do que qualquer alternativa que se contraponha a ela, ajuda as pessoas a protegerem os seus próprios interesses fundamentais, propicia a oportunidade de se viver sob as leis de sua própria escolha, exercendo sua responsabilidade moral e promovendo um elevado grau de igualdade política.

Todavia, Dahl deixou claro que esta democracia é um sistema utópico inalcançável, sendo que o que ocorre na verdade é uma poliarquia, um regime relativamente democratizado, com caráter inclusivo e aberto à contestação púbica. Ou seja, um regime plural, em que se admite a oposição e a disputa pelo poder, bem como se assegura o acesso de todo cidadão ao processo político.

Atualmente, pode-se perceber, com o auxílio das mídias sociais (internet e TV), que a democracia tem se demonstrado realmente um sistema utópico, onde cidadãos não se sentem representados e em última análise não se encontram satisfeitos com as políticas públicas (projetos de leis, etc.) patrocinadas pelos legisladores. Elemento fático que contribui enormemente para o fortalecimento do poder judiciário. Como a proposta desta quadra também é fazer uma reflexão acerca da democracia brasileira, pretende-se de forma breve apontar como a democracia nacional já sinalizava sua crise. Nas palavras do cientista político Aldo Fornazieri (2014):

A campanha eleitoral de 2014 está sendo marcada pelo mais baixo nível de mobilização e de participação popular do período da redemocratização. [...] As mobilizações foram de medianas para fracas. Embora a disputa tenha sido tripolarizada, as campanhas e as candidaturas não empolgaram o eleitor. A desmobilização crescente da participação política dos cidadãos vai conferindo à democracia brasileira uma fisionomia cada vez mais liberal e minimalista.

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[...]O caráter liberal das democracias modernas esvaziou quase que por completo o conteúdo republicano, identificado com o ativismo cívico como fundamento constitutivo da personalidade política livre. O enfraquecimento do ativismo cívico e a hipertrofia do caráter apenas representativo da democracia favoreceram o insulamento do sistema político e dos partidos, sua autonomização na relação com os eleitores, reduzindo os mecanismos de controle dos cidadãos sobre os políticos e os representantes.

Desta forma, o que tivemos recentemente com a retirada de Dilma Rousseff da presidência é a comprovação de que o congresso nacional não mais representa o povo como quer e pretende a Constituição Federal de 1988. Em m 31/08/2016 o Plenário do Senado Federal aprovou o impeachment de Dilma Rousseff, a presidente afastada foi condenada pela mídia nacional sob a acusação de ter cometido crimes de responsabilidade fiscal – as chamadas "pedaladas fiscais". Crimes praticados por todos os outros presidentes anteriores de forma reiterada, mas sem que nenhuma imputação criminosa ocorresse. É notório, portanto, que a retirada da presidente ocorreu devido a pressões/questões econômicas e financeiras, como por exemplo, a necessidade de se votar a pauta bomba referente às reformas trabalhista e previdenciária.

O objetivo é demonstrar, então, como decisões de grande impacto na vida dos brasileiros, são tomadas sem que eles sejam consultados. Ao que tudo indica, não havia insatisfação coletiva demonstrada para a retirada da presidente em exercício, desta forma, percebemos como a democracia brasileira na atualidade se transmutou em algo que só defende interesses de uma classe específica da sociedade. Some-se a isso o fato de todo o processo de impeachment ter sido feito sob o manto da legalidade, com a benção constitucional, ou seja, em conformidade com todas as normas e regulamentos.

A democracia liberal brasileira se converte, finalmente, num arranjo político voltado centralmente para a retirada de direitos democráticos. Sem nunca ter gozado de suas virtudes, a democracia brasileira compartilha de todos os males das democracias europeias do tempo presente, as quais, desde os anos 1980, se esmeram em concretizar o histórico projeto liberal de apartar a democracia do povo, blindando as instituições do regime diante da pressão e participação populares.

A tomada das ruas pela população já não significa muita coisa, a própria televisão nos mostra como os eventos (manifestações, passeatas) estavam vazios, sem aderência e sem a representação da maioria, esta que parece estar descrente de uma mudança no quadro político em médio e curto prazo. Nesta toada, de falta de representatividade política, por via do congresso nacional, outro poder começa a aparecer e se fortalecer dentro do Brasil, o poder judiciário. Aquele não eleito, logo não democrático.

2 O agigantamento do poder judiciário

Sabe-se que no modelo de Estado Democrático de Direito, como o do Brasil, no qual a tripartição de poderes é princípio vigente, deve-se existir harmonia e independência entre os três poderes de acordo com a constituição federal no seu art. 2º.

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Assim, em tese, qualquer desequilíbrio incorre em instabilidade para as instituições políticas e jurídicas do país. Mas, atualmente o que vemos é uma interferência e uma sobreposição do poder judiciário aos demais poderes.

Deste modo, a participação popular no processo de democratização dos poderes, mais precisamente no judiciário, é tema da mais elevada importância nos dias atuais. Contudo, sabemos que por força constitucional e do Estatuto da Magistratura, os juízes são considerados agentes políticos na sua concepção originária, mas não são eleitos, e ingressam nos quadros do poder judiciário via concurso público4. Assim, o judiciário se amolda na forma de corporação, com fins e interesses próprios, muitas vezes distantes da sociedade. Por isso, o termo corporativismo adquiriu uma conotação extremamente pejorativa ao longo dos anos. Sendo identificado como um tipo de forma associativa que tem por objetivo assegurar privilégios e proteção para seus membros e para certos segmentos ou setores sociais, em detrimento de uma coletividade maior (ou seja, da sociedade como um todo), ou até mesmo de interesses de um país diante de outro.

O que se deveria buscar é uma democracia participativa, onde judiciário e sociedade dialogam, contudo, em termos práticos o que se tem no âmbito deste poder é uma democracia de elites. Entretanto, é mera utopia, falar em democracia no poder judiciário, sua finalidade e os seus efeitos. O poder judiciário simbolizaria, portanto, um corpo aristocrático cuja nota central é o déficit democrático porque não eleito pelo povo

– (governo de alguns). Sendo pensado por muitos como uma forma impura de governo, como são as oligarquias.

Com isso estas ilações de outrora, indaga-se: o que levou ao Judiciário a assumir uma posição central no atual cenário político brasileiro? Por que o Judiciário possui uma posição ativista? Explica-se:

A Constituição Federal de 1988, com o intuito de garantir o exercício do direito de cidadania, além de observar os vários Direitos Fundamentais, determinou que o Judiciário apreciasse todas as causas a ele submetidas, devendo dar uma solução ao conflito. Isso proporcionou ao judiciário a oportunidade de proferir decisões, baseadas nos princípios constitucionais, bem como a utilização da interpretação extensiva, que invadisse as atribuições do Legislativo e do Executivo. Por conseguinte, pode-se afirmar que o Judiciário profere decisões de cunho político, gerando discussões doutrinárias.

No atual contexto jurídico-político brasileiro, o juiz não é apenas, um mero aplicador do direito, exercendo uma função mecânica, mais do que isso, ele profere decisões políticas. Basta observar jurisprudências de tribunais que determinam a distribuição de remédios, os toques de recolher determinando que crianças e

4Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo -se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação (incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.

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adolescentes regressem em hora previamente determinadas para as suas residências. Ademais, não se pode deixar ao largo da discussão a possibilidade que a Constituição Federal deu aos magistrados de legislar positivamente. Isso pode ser facilmente constatado ao se analisar a finalidade do mandado de injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO).

Assim, o Judiciário poderá regulamentar algumas situações temporariamente, ou seja, enquanto o órgão legiferante não elabora lei que regule devidamente o direito, o judiciário pode atuar. Como tem feito no Brasil, atuando na possibilidade de aborto de feto anencéfalo, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pesquisas com células tronco, entre outros assuntos, não apreciados pelo legislativo, mas tratados no âmbito do judiciário quando da sua provocação. Há assim, uma clara interferência do Judiciário na esfera de atuação do Legislativo, sendo isso permitido pela própria Constituição, isto é, este documento relativiza o princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF), pois há um interesse maior de que os direitos declarados sejam observados, respeitados e regulamentados.

4 nítido, portanto, neste contexto, a postura ativista do nosso poder judiciário. Fazendo uma abordagem histórica acerca do Ativismo Judicial, o Professor Luís Roberto Barroso, apresenta a seguinte definição:

Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais (...). Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. (BARROSO, 2010; p. 09), Grifos meus

Entende-se por “Ativismo Judicial” o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o direito, decidindo sobre a singularidade do caso concreto, formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação da própria lei. Ainda para Luís Roberto Barroso menciona que o ativismo judicial é uma escolha do juiz, é uma interpretação constitucional expansiva que visa à retratação do Poder Legislativo.

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva

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violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público. (BARROSO, 2009, p.06).

Como bem assegura Paulo Magalhães Da Costa Coelho (2002), paulatinamente o Poder Judiciário vem sendo chamado a enfrentar os desafios destes novos tempos, notadamente de concretizar a Constituição e sua principiologia por via de sua interpretação. Não se cuida de desafio fácil de ser vencido, muito em função das raízes históricas e políticas, em razão das quais o Brasil sempre teve uma postura hesitante no controle dos atos da administração pública e, notadamente, quando se tratava de conter o arbítrio e tornar efetivos direitos individuais e sociais.

É certo que uma postura mais ativa do Judiciário implica em possíveis zonas de tensões com as demais funções do Poder, todavia não se defende uma supremacia de qualquer das funções, mas, sim, a supremacia da Constituição, que implica que o Judiciário não é um mero carimbador de decisões políticas das demais funções. É preciso, portanto, conciliar o texto constitucional com uma prática constitucional adequada, e tal missão somente pode ser cumprida se o poder judiciário não pensar mais no dogma do princípio liberal da legalidade, mas, sim, no princípio da constitucionalidade dos atos.

O professor Clèmerson Merlin questiona se o Poder Judiciário teria legitimidade para atuar nos campos que, em tese, estariam reservados ao administrador ou ao legislador, haja vista que poderia haver afronta ao princípio democrático, segundo o qual a maioria governa. Assevera ainda, que:

É preciso considerar, entretanto, que democracia não significa simplesmente governo da maioria. Afinal a minoria de hoje pode ser a maioria de amanhã, e o guardião desta dinâmica majoritária/contra-majoritária, em última instância, é, entre nós, o próprio Poder Judiciário que age como uma espécie de delegado do Poder Constituinte. Ou seja, a democracia não repele, ao contrário, reclama a atuação do judiciário nesse campo. (CLÈVE, 2006, p.35)

Neste sentido, vê-se o fortalecimento do poder judiciário e sua atuação em todos os seguimentos; social, jurídico, político e econômico. Com este agigantamento do poder judiciário no Brasil, muitos autores começaram a identifica-lo com elementos de outros direitos. Donald Dworkin, autor americano, trabalha com a figura de um juiz Hércules – todo poderoso que conhece todos os princípios e normas e julga com toada a clareza que lhe é peculiar. Desta forma, tem-se que:

Hércules interpreta não só o texto da lei, mas também sua vida, o processo que se inicia antes que ela se transforme em lei e que se estende para muito além desse momento. Quer utilizar o melhor possível esse desenvolvimento contínuo, e por isso sua interpretação muda à medida que a história vai se transformando. (DWORKIN, 2003, p. 416)

O único problema e crítica que constamos nesta teoria é que a partir do momento em que o juiz passa a julgar para além da lei, ele se torna um ator arbitrário e de certo modo, viola frontalmente preceitos de um Estado democrático de Direito. Este mesmo

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juiz – Hércules é o legitimado para julgar casos difíceis – hard cases – na concepção do autor. Estes casos difíceis são aqueles sem previsão na lei, portanto, não podem ser facilmente decididos, assim, o juiz do caso concreto deve legislar.

O magistrado, não encontrando solução na norma existente, cria nova regra para o caso, usando sua discricionariedade, o que vem a ser um ponto combatido pelos ensinamentos de Dworkin. Segundo o autor, quando o magistrado apenas usa de sua discricionariedade perante o hard case que decidiu, acaba por incorrer em retroatividade de norma ao caso, ou seja, legisla sobre novos direitos jurídicos (new

legal rights) vez que cria novo direito, o que é inadmissível. (DWORKIN, 2007, p.127).

Entretanto, no nosso ordenamento, isso é admissível, o judiciário pode legislar e criar novos direitos. Não há qualquer problema na atividade legislativa encampada pelo referido poder e também não há nenhum controle e consequência sobre esta atuação atípica. Desta forma, o poder judiciário tem se fortalecido e se tornado o grande salvador da pátria brasileira, toda a sociedade credita a este poder a capacidade de combater a corrupção por exemplo.

Conclusão

Em linhas conclusivas, podemos inferir que o poder judiciário tem se tornado o poder mais influente dos três, e mesmo não tendo representatividade política democrática ele assumiu um posto de guardião da pátria. Para fazer uma alusão do STF como sendo o guardião da constituição. Essa nova atuação do poder judiciário fez com que ele estivesse em total evidência na mídia nos últimos tempos.

Assim, o que se buscou com este trabalho foi demonstrar como a democracia em sua acepção tradicional não é mais suficiente. O judiciário parece ter se agigantado tanto, que muitas vezes ele se assemelha a um poder moderador, como se quisesse de forma inconsciente moderar os demais poderes da república ou ao menos controla-los. Não importa julga se isto é bom ou ruim, contudo, é estranho à noção da separação de competência dos poderes e a determinação de suas funções típicas.

Desta forma, retomo a questão da democracia, em que a vontade da maioria pode ser uma questão complicada para as minorias, que precisam então recorrer a outras forças, mais universais, para garantir a igualdade sobre os seus direitos mais básicos e preservar assim o bem comum. A atuação do poder legislativo, por mais que não represente uma maioria, é uma atuação política com representatividade indireta por meio do voto, o que a faz legítima ao menos em tese. Contudo, a atuação do poder judiciário passa ao largo de uma representação popular mínima. Logo, concluímos uma ilegitimidade flagrante dessa sua atuação desmesurada nas decisões de cunho eminentemente político.

Em última análise a população brasileira parece de fato acreditar que o poder judiciário e seu agigantamento trazem grandes benefícios para a sociedade, como é o

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caso da corrupção que assola o país nos últimos tempos, contudo, é de se visualizar também que muitos representantes deste poder estão em conluio com representantes dos demais poderes e por vezes realizam julgamentos duvidosos a fim de beneficiar comparsas do jogo político. Talvez, a solução mais viável, seria a decretação do impedimento de juízes e ministros que tivessem qualquer envolvimento (parentesco, amizade) com políticos envolvidos em casos de corrupção que fossem julgados por eles. Referências

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O DIREITO ACTUAL E AS NOVAS FRONTEIRAS JURÍDICAS NO LIMIAR DE UMA NOVA ERA

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Todos os direitos reservados aos editores da obra. Nenhuma parte da obra poderá ser reproduzida sem o consentimento expresso dos diretores.

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JURÍDICAS NO LIMIAR

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Fábio da Silva Veiga

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