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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP

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Academic year: 2021

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP

Rua Peixoto Gomide, 768 – 6º andar, salas 1 e 2 – Bela Vista – CEP 01409-904 – São Paulo/SP PABX: 3269 5000/FAX: 3269 5304

Ofício nº PR/SP – GABPR12 – EAGF – 000468/2008 Ref.: Inquérito Civil Público nº 06/99

São Paulo, 25 de setembro de 2008.

Excelentíssimo Senhor

DOUTOR RODRIGO DE GRANDIS DD. Procurador da República

Coordenador da Divisão de Procedimentos Extrajudiciais Criminais - DIPEJ da Procuradoria da República em São Paulo/SP

Senhor Procurador da República,

Cumprimentando-o, representamos à divisão criminal desta Procuradoria da República para a instauração de persecução penal em face dos responsáveis pelos crimes de seqüestro, homicídio com meio cruel (tortura) e falsidade ideológica cometidos contra FLÁVIO CARVALHO MOLINA.

Os fatos ocorreram, em sua maioria, entre os dias 06 e 07 de novembro de 1971, em São Paulo/SP, durante diligências do DOI/CODI/SP, órgão do Exército brasileiro (II Exército), responsável pela perseguição a dissidentes da ditadura militar, neste Estado. A sua descrição completa está narrada à parte deste.

Há notícias de que os autores desses ilícitos seriam autoridades públicas agindo sob ordens diretas de representantes do Exército brasileiro, inclusive: a) CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, brasileiro, militar reformado, residente e domiciliado em Brasília – DF, à Qd SHIN Ql. 04, Conjunto 04, Casa 05, inscrito no CPF/MF sob o nº 027467357-68, comandante do DOI/CODI/SP à época dos fatos; b) MIGUEL FERNANDES ZANINELLO, integrante dos quadros do DOI/CODI/SP e declarante dos dados constantes do atestado de óbito, inclusive nome falso; c)

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ARNALDO SIQUEIRA, RENATO CAPPELLANO e JOSÉ HENRIQUE DA FONSECA, médicos-legistas, responsáveis pelo laudo de exame de corpo de delito expedido com nome falso e com omissão dos sinais de tortura.

Esclarecemos que esta Representação integra um conjunto de medidas que vêm sendo adotadas em decorrência da perpetração de crimes contra a humanidade pelas autoridades públicas que tomaram parte nas atividades de repressão à dissidência política durante o regime militar no Brasil.

Cumpre frisar que, após detida reflexão sobre a aplicabilidade da Lei de Anistia e demais aspectos relacionados à prática de crimes contra a humanidade (especialmente a prescrição), estes membros do Ministério Público Federal consideram, conforme arrazoado anexo, que elas ainda reclamam a iniciativa da persecução penal.

Pelo exposto, e tendo em vista a competência da Justiça Federal em São Paulo, requeremos a Vossa Excelência que determine a autuação deste e inclusa documentação, distribuindo-se a um(a) dos(as) Procuradores(as) da República com atribuição criminal, para que adote as providências que entender cabíveis à persecução penal dos responsáveis pelos crimes ora apontados.

Atenciosamente,

EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA FÁVERO

Procuradora da República

MARLON ALBERTO WEICHERT

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO/SP

Rua Peixoto Gomide, 768 – 6º andar, salas 1 e 2 – Bela Vista – CEP 01409-904 – São Paulo/SP PABX: 3269 5000/FAX: 3269 5304

I. DOS FATOS

FLÁVIO CARVALHO MOLINA nasceu em 08 de novembro de 1947. Iniciou curso superior na Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1968. Em 21 de junho de 1968 foi preso em manifestação estudantil, durante invasão do Campus daquela escola. Foi fichado e solto no dia seguinte.

Em 1969, denunciado na Justiça Militar, suspendeu sua matrícula, deixou a casa dos pais e passou a viver na clandestinidade. Foi militante do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Esteve em Cuba até meados de 1971. Manteve contato com sua família apenas até julho de 1970.

Desapareceu no dia 4 de novembro de 19711, supostamente detido por dois agentes do DOI/CODI em São Paulo (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do II Exército).

A notícia de sua morte foi recebida somente em 29 de agosto de 1972, quando os periódicos “O Globo” e “Jornal do Brasil” noticiaram que ele teria morrido em confronto com a polícia na madrugada do dia 1º de novembro de 1971. A família questionou, com o auxílio do advogado ALCIONE VIEIRA PINTO BARRETO, autoridades de várias esferas, que negaram a veracidade da notícia e não deram quaisquer notícias sobre o paradeiro de FLÁVIO.

Nesse período, FLÁVIO MOLINA continuava sendo processado como revel perante a 2ª Auditoria da Marinha – 1ª Circunscrição Judiciária Militar. Tal processo foi extinto em 21 de setembro de 1972 porque, conforme decisão ali proferida, teria ocorrido o óbito do réu, em 7 de novembro de 1971. Entretanto, seus familiares jamais receberam qualquer informação sobre as circunstâncias do óbito e nem tiveram acesso a essa decisão antes de 1979.

Em julho de 1979, finalmente a família teve acesso a cópias de documentos oficiais. De acordo com o relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, publicado sob a forma do livro “Direito à Memória e à Verdade”2, tais

1 Conforme se verá a seguir, a data do cárcere de FLÁVIO MOLINA é incerta, variando, conforme a fonte, entre

o dia 4/11 e 6/11.

2 BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

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documentos foram localizados pelo Comitê Brasileiro de Anistia/SP e só então a família teve conhecimento inequívoco da morte de Flávio:

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A família também teve acesso a cópia de acórdão proferido pela Justiça Militar, em 12.09.1978, confirmando a sentença datada de setembro de 1972, que declarou a extinção da punibilidade de FLÁVIO MOLINA, em razão de sua morte (ainda que o atestado de óbito estivesse em nome de ÁLVARO PERALTA); laudo de exame de corpo de delito, com o nome falso, mas com a anotação escrita à mão de que se tratava de FLÁVIO, além de fotos de seu cadáver com sinais de violência não descritos no laudo.

Em outubro de 1979, a família requereu judicialmente a retificação do assentamento de óbito. A ação foi julgada procedente e, em 7 de julho de 1981, a certidão de óbito foi retificada, para passar a registrar o nome de FLÁVIO CARVALHO MOLINA.

O corpo de FLÁVIO foi enterrado com nome falso, no cemitério de Perus, em São Paulo/SP. Soube-se mais tarde que, em 11 de maio de 1976, foi realizada a exumação e traslado de seus restos mortais para uma vala comum, clandestina, onde permaneceram até 1º de dezembro de 1990. Nessa data foi aberta a “Vala de Perus” e iniciado o trabalho de exumação e traslado das ossadas. Parcela expressiva dessas ossadas foi levada para identificação no Departamento de Medicina Legal da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas - UNICAMP.

Os restos mortais de FLÁVIO foram identificados apenas em setembro de 2005 pelo Instituto Médico Legal de São Paulo, após exames de DNA e intervenção direta do Ministério Público Federal para apurar e superar a excessiva demora na conclusão desse trabalho. Em 11 de outubro de 2005, MOLINA foi finalmente enterrado no jazigo de sua família, na cidade do Rio de Janeiro/RJ.

3 BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos

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Rua Peixoto Gomide, 768 – 6º andar, salas 1 e 2 – Bela Vista – CEP 01409-904 – São Paulo/SP PABX: 3269 5000/FAX: 3269 5304

3 No mesmo relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, informa-se ainda que:

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No procedimento de nº 018/96, que tramitou perante a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com base na Lei nº 9.140/95, ficou reconhecido, aos 19 de janeiro de 1996, que:

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À luz dos elementos até agora disponíveis, é possível vislumbrar a ocorrência de diversos crimes pelos agentes do DOI/CODI do II Exército em face de FLÁVIO CARVALHO MOLINA e para ocultar seu paradeiro. É o que passaremos a analisar.

1. Seqüestro

Não se sabe ao certo a data do início da privação da liberdade de FLÁVIO MOLINA, pois há divergências nos próprios documentos oficiais. Esta se situa entre 4 e 6 de novembro de 1971. Sua apreensão não se cercou de nenhuma das formalidades necessárias: mandado de prisão ou comunicação da prisão em flagrante às autoridades e familiares. Em realidade, não era uma prisão oficial, mas sim um ato de privação da liberdade pelos órgãos de repressão ilegal aos dissidentes da ditadura militar, com a finalidade de submeter o “procurado” a interrogatório sob tortura e posterior desaparecimento.

Note-se que, somente em julho de 1981, a Justiça Cível reconheceu o óbito de FLÁVIO MOLINA e também que seus restos mortais foram identificados apenas em setembro de 2005. Pode-se afirmar que somente nessa data (2005) obteve-se a confirmação do fim da privação da liberdade. Até então, apesar do reconhecimento

4 BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos

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formal do óbito em 1981 para fins cíveis, não se podia afirmar concretamente se FLÁVIO estava vivo – livre ou ainda privado da liberdade – ou morto.

Perante as normas internacionais, FLÁVIO foi vítima de um “desaparecimento forçado”. A Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994), da qual o Brasil é signatário (mas ainda não concluiu o processo de ratificação interna), define em seu artigo II:

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Essa conduta foi adotada em larga escala por regimes autoritários na América Latina (e também no resto do mundo). O desaparecimento forçado reflete um procedimento seguido amplamente pelos governos ditatoriais que dominaram o Brasil, o Chile, a Argentina e o Paraguai, dentre outros, na segunda metade do século XX. O dissidente político era insistentemente perseguido, levado preso de maneira ilegal e mantido em local não identificado. Nada era informado aos familiares ou a qualquer pessoa que o procurasse. Ao contrário, recusava-se, muitas vezes por escrito, que a pessoa procurada estivesse presa no local ou que por ali tivesse passado. Tudo isso enquanto o perseguido era torturado para se obter dele o maior número possível de informações. Era comum que a tortura resultasse em morte da vítima, ou que ela fosse assassinada, pois já não interessava mais ao sistema repressivo tê-la com vida. Porém, para continuar omitindo o paradeiro da pessoa, seu cadáver era destruído ou ocultado, mediante atestados falsos de óbito e outros artifícios.

No Brasil inexiste tipo penal específico para o “desaparecimento forçado”. Entretanto, essa conduta se amolda à figura do seqüestro qualificado (art. 148, § 2º, do Código Penal), muitas vezes em concurso com outros delitos praticados para garantir a falta de informação sobre a privação da liberdade ou o paradeiro da pessoa.

É, aliás, o que já firmou o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, ao apreciar pedido de extradição formulado pelo governo da Argentina relativamente a um agente da repressão à dissidência política durante a ditadura militar naquele País5:

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FLÁVIO CARVALHO MOLINA foi, portanto, vítima de seqüestro qualificado, de acordo com o direito penal brasileiro.

2. Homicídio com uso de meio cruel (tortura)

FLÁVIO MOLINA não é mais um desaparecido, diante da identificação de seus restos mortais em setembro de 2005.

Em seu atestado de óbito consta que a causa mortis foi “hemorragia interna traumática”. No laudo necroscópico há a descrição de ferimentos pérfuro-contundentes causados por projéteis de arma de fogo. Em suas fotos, há sinais evidentes de tortura.

Mesmo que prevaleça a versão oficial, ou seja, a de que a vítima foi levada a um “ponto” em local externo e dali tentado fugir, o fato é que foi assassinada, com mais de um tiro, quando já estava subjugada e torturada, sem qualquer notícia de resistência que justificasse a reação descrita por parte dos responsáveis.

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Identifica-se, pois, a consumação de homicídio qualificado (Código Penal, art. 121, § 2º, III).

3. Falsidade ideológica

FLÁVIO MOLINA foi seqüestrado e assassinado, sendo que seu cadáver permaneceu desaparecido. Isto aconteceu, em primeiro lugar, graças à emissão de falso atestado de óbito.

A vítima era um militante político e utilizava-se de documentos falsos, bem como de vários codinomes. Esse fato era conhecido pelas autoridades responsáveis por sua prisão desde data anterior a esta. No próprio laudo necroscópico, também lavrado em nome falso, consta escrito à mão – informalmente – o nome verdadeiro de MOLINA.

Nem se alegue que a falsa identificação seria fruto da conduta da própria vítima, que utilizava nome falso para a vida clandestina. Ora, se a autoridade tem conhecimento dessa falsidade e logra reconhecer o cadáver por sua real identidade, cabe-lhe proceder ao laudo necroscópico para registro do óbito da PESSOA NATURAL que estava regular e efetivamente anotada no Registro Civil. Não poderia a autoridade respaldar, com atos seus, a fantasiosa e fictícia identidade do de cujus.

Esse expediente, em realidade, foi convenientemente utilizado para impedir ou dificultar o conhecimento pelas famílias da morte e suas circunstâncias. Frustrava-se assim a apuração do paradeiro da vítima e a adoção das medidas legais e processuais pertinentes. E, tragicamente, suprimia-se das famílias o direito de conferir enterro digno ao morto.

Era assim que se produziam “desaparecidos”. Desapareceu FLÁVIO CARVALHO MOLINA e, em seu lugar, sepultou-se ÁLVARO LOPES PERALTA.

Logo, não há como negar que tanto o laudo necroscópico, quanto a certidão de óbito, lavrados em 1971, são documentos falsos, pois produzidos com a introdução de falso nome da vítima. Presentes, pois, os elementos do crime do artigo 299, do Código Penal, pois em documento público foi inserida declaração falsa e diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

4. Ocultação de Cadáver

Conforme já se mencionou neste arrazoado, o sepultamento com nome falso foi uma das providências para dificultar a localização do cadáver de FLÁVIO

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7 CARVALHO MOLINA. Entretanto, as autoridades envolvidas na repressão ainda tomaram outra providência para a ocultação definitiva desses cadáveres: trata-se da inumação em uma vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo, Capital.

Todavia, esta representação não trata especificamente dessa matéria, pois os fatos relacionados às ilícitas inumações efetuadas na mencionada “vala” serão objeto de abordagem mais profunda em procedimento específico. Isso porque não há necessária conexão material entre os delitos e torna-se necessário tratar de todas as possíveis ossadas de desaparecidos que foram ocultados na vala mencionada, além dos restos mortais de FLÁVIO CARVALHO MOLINA.

5. Autoria

Apontam-se como prováveis autores (já identificados) dos crimes acima apontados:

a) SEQÜESTRO e HOMICÍDIO: CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, brasileiro, militar reformado, residente e domiciliado em Brasília – DF, à Qd SHIN Ql. 04, Conjunto 04, Casa 05, inscrito no CPF/MF sob o nº 027467357-68, comandante do DOI/CODI/SP à época dos fatos; e MIGUEL FERNANDES ZANINELLO, também integrante dos quadros do DOI/CODI/SP, os quais podem, inclusive, fornecer os nomes dos demais integrantes da operação que resultou na privação da liberdade e morte de FLÁVIO CARVALHO MOLINA.

b) FALSIDADE IDEOLÓGICA: além de CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, MIGUEL FERNANDES ZANINELLO e demais responsáveis pelos crime de seqüestro e de homicídio, os médicos: ARNALDO SIQUEIRA, RENATO CAPPELLANO e JOSÉ HENRIQUE DA FONSECA, legistas responsáveis pelo laudo necroscópico.

6. Concurso de Crimes contra a Humanidade

Todos os crimes aqui relatados, dos quais FLÁVIO CARVALHO MOLINA foi vítima, amoldam-se ao conceito de crimes contra a humanidade, ou crimes de lesa-humanidade.

As condutas relativas ao seqüestro, falsidade ideológica e ocultação de cadáver se subsumem ao conceito de “desaparecimento forçado”. Estes, assim como o homicídio mediante tortura, quando cometidos num contexto de perseguição generalizada a determinado segmento da população civil, são crimes contra a

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humanidade. E, nessa condição, imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, conforme adiante será exposto.

Ressalte-se ainda que o seqüestro, a falsidade ideológica e a ocultação de cadáver visavam ocultar o paradeiro da vítima (fazê-la desaparecer), gerando com isso grande sofrimento nela própria e em seus familiares. Por isso, são atos reputados como contrários à humanidade. De fato, os familiares acabaram privados de qualquer possibilidade de uso dos meios processuais adequados e, finalmente, até mesmo de darem um enterro digno a seu ente querido.

Qualquer crime praticado pelos agentes públicos na implementação da política de perseguição é, em si mesmo, um crime contra a humanidade. Tantos os atos mais graves e violentos (seqüestro, estupro, homicídio, tortura) como aqueles destinados a viabilizá-los ou acobertá-los (tais como ocultação de cadáver, quadrilha, falsidade).

É o que bem aponta o Poder Judiciário do Chile, em recente julgado proferido pela Corte de Apelaciones de Santiago, no âmbito do Recurso 2.231/2007, Resolución 68.874, em 10.06.2008: ![AAA\#*#'*,-(*#m,-#%*/$7#'.(?(8$7$7n#/-E-#(8&'($#'$?#*#,-/-89J$#,-#;?#I.;=$#,-# =-77$*7# 8$# H*)L'($# ,-# G*# S$8-,*6# -?# 44# ,-# 7-/-?D.$# ,-# 451Y6# I.;=$# -7/-# %$.?*,$# =-)$7# ?-?D.$7# ,$# Nf(7=$7(/(E$# ,-# W-I;.(,*,# r# <7-7$.-7# ,-# )*# H.-7(,-8'(*#,-#)*#>-=kD)('*P6#M;-#%$.*?#*?*..*,$7#=-)$7#=Q7#-#?J$7#'$?#*.*?-6# '$)$'*,$7# -?# ;?# '*?(8OJ$# ?()(/*.# -# )-E*,$7# =*.*# $# .-'(8/$# %(7'*)# ?()(/*.# ,-# H-),-O;-A# a?# 7-I;(,*6# %$.*?# =.$E*E-)?-8/-# %;+()*,$7# =$.# *I-8/-7# ,$#a7/*,$# `# s"%('(*)-7# t# H-.7$8*)# ,-)# R;*,.$# H-.?*8-8/-# `# -# %(8*)?-8/-# -8/-..*,$7# -?# ;?# =$9$# 7-'$6# 8$# M;*)# %$.*?# q$I*,$7# $;# '*&.*?# 8*# ?-,(,*# -?# M;-# -.*?# -B-';/*,$76#'$87(,-.*8,$#M;-#*#.-?$9J$#-%-/;*,*#?*(7#,-#'(8'$#*8$7#,-=$(7#,$# ,(/$#7-Mj-7/.$#-#=.-7;?(,*#-B-';9J$6#'$87/(/;(;#*#k)/(?*#%*7-#,-7/(8*,*#*#$D/-.# *#$';)/*9J$#,$7#%*/$7A# [AAA\# [AAA\# -7/*# R$./-# -7/(?*# M;-# 8$7# -8'$8/.*?$7# %.-8/-# *# ;?# '.(?-# ,-# )-7*# O;?*8(,*,-6# =$.M;*8/$# $%-8,-# $7# 7-8/(?-8/$7# ?*(7# &8/(?$7# ,$# 7-.# O;?*8$6# '$?$#$#,-#7;D/.*(.#,$7#%*?()(*.-7#$#,(.-(/$#*#;?*#7-=;)/;.*#'.(7/J#$;#;?#-8/-..$# ,(I8$#/-8,$#-?#E(7/*#*#'$8,(9J$#,-#=-77$*6#-#M;-#-?#.*+J$#,(77$#'$8/.*.(*#$7# =.(8'&=($7# I-.*(7# ,-# ,(.-(/$# -# 7-# /.*87%$.?*# -?# ;?*# =.-$';=*9J$# =*.*# *# '$?;8(,*,-#(8/-.8*'($8*)A# [AAA\# 40p\# u;-6# ,-8/.$# ,-77*# $.,-?# ,-# (,Q(*7# M;-# E(?$7# -B=.-77*8,$6# -7/-7# q;)I*,$.-7#*%*7/*?#*#-B'-9J$#,-#=.-7'.(9J$#(8E$'*,*AZT#

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9 II. ROL DE TESTEMUNHAS

Sugere-se a oitiva das testemunhas abaixo indicadas. Os dois primeiros são ex-presos políticos e teriam presenciado a prisão e tortura de FLÁVIO CARVALHO MOLINA. O último é advogado e auxiliou a família, ainda no ano de 1972, a obter, sem sucesso, informações sobre o paradeiro de FLÁVIO.

1. Maria Hermínia Teles de Matos Queiroz Teles

2. Marcos Luiz Weinstock (cineasta, residente em São Paulo/SP) 3. Alcione Vieira Pinto Barreto (advogado)

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