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Palavras-chave: Estado Laico, Educação em Direitos Humanos, Laicidade

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Revista Perspectiva Sociológica, n.º 26, 2º sem. 2020, p.5-28.

5 ESTADO LAICO E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Amanda Mendonça1 Ana Fernandes2

Beatriz Lopes Igreja3 Carlos Eduardo Oliva C. Rêgo4 Gabriela Prado Gomes5

Gabriel Lopes Alfradique Alves6 Luiz Antônio Cunha7 Márcio Magalhães de Andrade8

RESUMO: Transcrição do debate Estado Laico e Educação em Direitos Humanos realizado em 21 de outubro de 2020, em uma live durante a Pandemia de Covid-19, através da parceria entre o LAEDH – Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II e a Agência Espaço e Vida, que contou com as participações de Luiz Antônio Cunha, professor emérito da UFRJ e colaborador do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ-UFF); Amanda Mendonça, pós-doutoranda em Educação pela UFF, professora da Universidade Estácio de Sá e colaboradora do OLÉ-UFF; Carlos Eduardo Oliva, professor de Sociologia do Colégio Pedro II, colaborador do LAEDH-CPII e colaborador do OLÉ-UFF e Márcio Magalhães de Andrade, coordenador pedagógico da Espaço e Vida, que realiza atividades de turismo pedagógico e atividades de campo, voltadas para alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e que mantém um canal no Youtube, que possibilitou a transmissão do presente debate em seu programa semanal, o Roda Espaço e Vida. Este debate foi transcrito por Carlos Eduardo Oliva, além de Ana Fernandes, Beatriz Lopes Igreja e Gabriela Prado Gomes, três estudantes da Faculdade de Direito da UERJ, e por Gabriel Lopes Alfradique Alves, estudante de Direito da UFF, atuando todos como colaboradores voluntários do LAEDH.

Palavras-chave: Estado Laico, Educação em Direitos Humanos, Laicidade

1 Pós-doutoranda em Educação (UFF), doutora em Política Social (UFF), mestre em Educação (UFRJ), bacharel

e licenciada em Ciências Sociais (UFRJ), é professora (UNESA) e colaboradora do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ-UFF). Revisou a presente transcrição.

2 Graduanda em Direito (UERJ) e colaboradora voluntária do LAEDH-CPII, em cuja atuação realizou parte da presente transcrição.

3 Graduanda em Direito (UERJ) e colaboradora voluntária do LAEDH-CPII, em cuja atuação realizou parte da presente transcrição.

4 Professor de Sociologia do Colégio Pedro II, colaborador do LAEDH-CPII e do OLÉ-UFF, doutor e mestre em Ciência Política (UFF), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ) e graduando em Direito (UERJ). Realizou parte da presente transcrição e sua revisão final.

5 Graduanda em Direito (UERJ) e colaboradora voluntária do LAEDH-CPII, em cuja atuação realizou parte da presente transcrição.

6 Graduando em Direito (UFF) e colaborador voluntário do LAEDH-CPII, em cuja atuação realizou parte da

presente transcrição.

7 Professor emérito da UFRJ, colaborador do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ-UFF), doutor em

Filosofia da Educação (PUC-SP), mestre em Planejamento Educacional (PUC-Rio) e sociólogo (PUC-Rio). Revisou a presente transcrição.

8 Doutor e mestre em História das Ciências e da Saúde (Fiocruz), graduado em História (UFRJ), é coordenador

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6 ABSTRACT: Transcript of the Laic State and Human Rights Education debate held on October 21, 2020, via livestream during the Covid-19 Pandemic, through a partnership between LAEDH - Laboratory of Human Rights Education at Colégio Pedro II and Espaço e Vida Agency, with Luiz Antônio Cunha, professor emeritus at UFRJ and collaborator at the Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ-UFF); Amanda Mendonça, post-doctoral student in Education at UFF, professor at Estácio de Sá University and collaborator at OLÉ-UFF; Carlos Eduardo Oliva, Sociology professor at Colégio Pedro II, collaborator at LAEDH-CPII and collaborator at OLÉ-UFF and Márcio Magalhães de Andrade, pedagogical coordinator of Espaço e Vida, that carries out pedagogical tourism activities and field activities, aimed at middle school and high school students and that maintains a youtube channel that made it possible and transmitted the present debate. This debate was transcribed by Carlos Eduardo Oliva and by Ana Fernandes, Beatriz Lopes Igreja Gabriela Prado Gomes and Gabriel Lopes Alfradique Alves, students at UERJ and UFF who work as LAEDH volunteer collaborators.

Keywords: Laic State, Human Rights Education, Laicity

Marcio Andrade: Boa noite, pessoal! Boa noite para todo mundo que nos acompanha no Roda

Espaço & Vida. Estamos em mais uma live. Esta é a nossa vigésima sexta live com várias presenças ilustres que daqui a pouco serão devidamente apresentadas. E mais uma vez a Espaço & Vida faz questão de registrar aqui a parceria com o Programa Desenvolvimento e Educação Theotonio dos Santos da UERJ. O Roda Espaço & Vida é fruto dessa parceria e também é importante enfatizar que a agência e o corpo docente não fogem a nenhum debate! Todos os temas são importantes e relevantes e a gente quer discutir todos aqui com as pessoas mais capacitadas e habilitadas para suscitar debates em uma boa troca de ideias. Na noite de hoje, eu apresento esse programa juntamente com Carlos Eduardo Oliva. Boa noite, Carlos!

Carlos Eduardo Oliva: Boa noite, Márcio!

M.A.: O Carlos é mestre em Ciência Política pela UFF e bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela UFRJ. Atualmente é graduando em Direito pela UERJ e integra o quadro do Departamento de Sociologia no Colégio Pedro II, que é uma escola pela qual temos muito carinho! Além disso, ele é colaborador do Laboratório de Educação em Direitos Humanos do CPII, o LAEDH, que promove essa live junto com a gente. Hoje é a segunda live de uma série de lives que serão promovidas. Além disso, ele também faz parte do Observatório da Laicidade na Educação da UFF, o OLÉ, de que a gente vai ouvir um pouco mais a respeito. A nossa próxima convidada é Amanda Mendonça. Boa noite, Amanda, tudo bem?

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7 M.A.: Tudo certo! Estamos repletos de cientistas sociais! Ela graduou-se em Ciências Sociais na UFRJ, na mesma universidade que se intitulou mestre em Educação, e é doutora em Política Social pela UFF. Atualmente faz pós-doutorado em Educação na UFF, é docente na Universidade Estácio de Sá e integra também o OLÉ da UFF. E o Luiz Antônio Cunha é mineiro de nascimento, paulista de criação e carioca por adoção. É isso mesmo? Boa noite, Luiz! Luiz Antônio Cunha: Confere! Boa noite, pessoal. Boa noite, Márcio. Estou muito contente de estar aqui.

M.A.: Maravilha! O Luiz Antônio é bacharel em Ciências Políticas e Sociais, mestre e doutor em Educação pela PUC-Rio e PUC-SP, respectivamente. Fez seu estágio doutoral na Unidade de Sociologia da Educação na Universidade de Paris V. Dedicou-se ao Ensino Superior e a pesquisas sobre políticas educacionais desde 1969, com foco na Universidade, no ensino profissional e nas relações entre o público e o privado, algo sobre o que a gente provavelmente vai falar em alguma medida hoje e recentemente sua atenção recai sobre os avanços e recuos na Laicidade do Estado, especialmente no que diz respeito à educação pública.

Então, para deixar claro para o público de hoje, estamos em nossa segunda live falando sobre Educação em Direitos Humanos, mas hoje teremos uma ênfase na questão da necessidade de laicidade, de um Estado laico, de que isso seja promovido e que essa discussão seja promovida dentro das escolas. Quer falar um pouco, Carlos?

C.E.O.: Acho que você já apresentou muito bem. Quero agradecer aqui ao Roda Espaço e Vida pela parceria, a você e a todos, ao Vinicius Cavalcanti Ferreira, que propiciou essa parceria. Pois é, Márcio, acho que a gente tem essa série aqui no Espaço e Vida em parceria com o LAEDH, para falar da Educação em Direitos Humanos e um dos princípios da Educação em Direitos Humanos, que a gente vai esmiuçar ao longo do programa, é a laicidade na Educação e o Estado laico. Então, vale a pena a gente ter essa reflexão sobre laicidade, para a gente poder entender como a laicidade se articula a uma Educação em Direitos Humanos e porque isso é tão importante e porque é um dos princípios de uma Educação em Direitos Humanos.

M.A.: Perfeito, perfeito. Vamos finalmente passar a palavra para os nossos convidados e eu gostaria de pedir que eles falassem um pouco sobre a trajetória de mais de dez anos do OLÉ, sobre o Observatório da Laicidade na Educação. Luiz, começa para a gente?

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8 L.A.C.: Posso começar, porque o OLÉ começou comigo, não é? Não gosto muito de ficar falando na primeira pessoa, mas com essa pergunta é meio inevitável. Em 2007, propus a criação do Observatório da Laicidade do Estado no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ., criado com docentes da UFRJ de mais de uma origem, inclusive de fora do CFCH, e a ele se juntaram pós-graduandos e estudantes de graduação. O Observatório da Laicidade do Estado funcionou bem na UFRJ durante 6 para 7 anos. Aconteceu, então, um evento de caráter biográfico: fui obrigado a me aposentar, porque completei 70 anos em 2013, e também se aposentou a professora Luciane Falcão, que se dedicava em tempo integral ao OLÉ. Com os dois saindo, por motivos institucionais, não tinha como continuar o OLÉ na UFRJ. Então foi criada uma rede com as pessoas interessadas, que permaneceram juntas, interessadas no campo educacional.

Portanto, o OLÉ que foi recriado fora da UFRJ foi o Observatório da Laicidade na Educação. Se o âmbito era o Estado anteriormente, ele foi restringido e especificado para o campo da Educação. O Observatório da Laicidade na Educação era, então, uma rede de pessoas interessadas, nós nos cotizamos, montamos um portal na internet e trabalhamos assim durante mais 6 a 7 anos. Eu fui coordenador do Observatório da Laicidade do Estado, no tempo em que ele existiu, e no comecinho do Observatório da Laicidade na Educação. Depois, a coordenação foi rotativa, outras pessoas assumiram. Mais recentemente, em 2019, o Observatório da Laicidade na Educação foi incorporado à Faculdade de Educação da UFF, coordenado pelo professor José Antônio Miranda Sepúlveda, que enquanto doutorando esteve junto do Observatório da Laicidade do Estado também. E vários colaboradores que estavam na primeira e na segunda etapa permanecem nessa terceira. Eu acho que eu dei um bom quadro geral. Talvez a Amanda possa tratar ou comentar alguns pontos específicos.

M.A.: Perfeito, perfeito. Já contou um pouquinho do início, das origens... Amanda, quer falar um pouco sobre a sua participação?

A.M.: Boa noite para todos e todas. Eu conheci o Observatório da laicidade do Estado, como o Luiz Antônio acabou de apresentar, na origem, no meu ingresso para o mestrado em Educação na UFRJ, onde o próprio Luiz Antônio foi meu orientador e foi também meu primeiro contato, inclusive com a temática da laicidade. Eu havia feito Ciências Sociais na UFRJ e meu campo de interesse na época não dialogava com a laicidade. É no contato com o fazer docente, com o campo educacional, que eu conheço o OLÉ e a discussão sobre a laicidade. O OLÉ sempre foi

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composto por professores, pesquisadores, estudantes e defensores da laicidade. É importante dizer que ao longo dos anos já tivemos formatos, configurações e arranjos diferentes, como o Luiz Antônio disse. Em um primeiro momento lá na UFRJ, no momento que a gente deixa a universidade e agora quando retornamos para a universidade, indo para a UFF. Nesses formatos distintos, a gente enfatizou mais ou menos algumas atividades, mas sempre estivemos reunidos através da discussão sobre a laicidade.

Outra informação que eu acho relevante é a de que os colaboradores que compõem o OLÉ têm suas próprias pesquisas e possuem atuações muito distintas. Então, o OLÉ não realiza uma pesquisa própria, mas faz um acompanhamento do que vem sendo debatido, produzido e pesquisado sobre essa temática. Um trabalho muito interessante que a gente realiza já há alguns anos é o da nossa página, onde a gente divulga, a gente compartilha, todo esse material que levantamos. Então, podemos dizer que a nossa página funciona como um grande portal que abriga referências e produções de várias vertentes sobre o que é a laicidade em todo o Brasil. Hoje o OLÉ está em um momento de novo rearranjo e reconfiguração, sob a coordenação do José Antônio Sepúlveda, como foi dito, na UFF, como um projeto de extensão. Mas continuamos com a manutenção desse trabalho do nosso portal, mas também expandimos nossas atividades, realizando agora cursos de extensão e buscando sempre promover um diálogo entre essa produção acadêmica e uma diversidade de movimentos. Acho que uma das tentativas recentes do OLÉ, nesse seu novo formato, é um contato maior e uma escuta maior com os professores da educação básica e também de uma expansão da discussão da laicidade para outros campos, outras frentes, como o próprio campo político. Vida longa ao OLÉ! C.E.O: Vale a pena convidar, a quem se interessa pelo tema do Estado laico e da laicidade na educação, a seguir nossa página no facebook. A gente só tem ainda apenas uma rede social, que é o facebook, mas temos 10 mil seguidores. É a página hoje, salvo engano, com maior número de seguidores no Brasil dentre as que tratam exclusivamente da laicidade. Eu acho que vale a pena quem gosta do tema seguir a gente lá, sempre fazendo uma prospecção de notícias sobre o tema ou que são correlatas, sobre temas também que envolvem a laicidade mesmo que não diretamente, mas que dizem respeito ao debate.

M.A.: Maravilha! O Carlos Eduardo já tem uma pergunta para os convidados. Só gostaria de dizer duas coisas. A gente já tem comentários, pessoas do OLÉ presentes, tem aqui o José Antônio Sepúlveda. E queria dizer o seguinte: é sempre importante, essa foi uma observação

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que a gente tem feito aqui, que esses debates sejam o mais didáticos possível. Que o nosso público consiga, muitas vezes um público que não é especialista, mas a gente chama convidados que muitas vezes são especialistas, para que a gente faça isso de uma maneira democrática e acessível. Então só uma observação, aí vocês podem me corrigir ou me complementar, que essa ideia de laicidade, do laico, tem a ver com leigo, no sentido de não religioso. Alguma coisa que não passa pela esfera religiosa. Então é isso que a gente está discutindo na verdade e obviamente há muito mais informações e reflexões a respeito. Mas, eu achei que era importante a gente situar o nosso público. Esse é o nosso debate. Dessa questão que um Estado que não represente nenhuma religião, que ele seja leigo nesse sentido. Carlos, está contigo, pode encaminhar a segunda pergunta aí, por favor.

C.E.O.: Acho que essa segunda pergunta, para pegar o gancho do que você disse da importância de, mais até do que didatizar, da importância de divulgar para o grande público o que é o Estado laico e o que não é o Estado laico, porque às vezes tem muitos equívocos em que as pessoas compreendem que seja o Estado laico não necessariamente o que ele é, vou perguntar isso para a Amanda e para o Luiz Antônio: o que é o Estado laico e o que o Estado laico não é? Acho que vale a pena a diferenciação. O que é o Estado laico e o que não tem como ser considerado um Estado laico? Na primeira rodada quem começou foi o Luiz Antônio e seguiu a Amanda. Nessa segunda agora, Amanda responde e depois o Luiz Antônio responde.

A.M.: É uma pergunta bem objetiva, “o que é o Estado laico?” para uma resposta que não pode ser, o meu entender, tão objetiva nem simples. É algo bem complexo tratar de laicidade, então, acho que eu começo dizendo que a laicidade é uma ideia, um conceito que é bastante controverso. Como a gente diz, ele é polissêmico, tem uma diversidade de interpretações, de sentidos, que inclusive estão altamente em disputa hoje, que envolve o debate acerca da liberdade religiosa, do espaço público e os limites para determinadas condutas no espaço público, qual é o papel e os entraves das religiões e a participação nesse espaço público. Então, acho que essa é uma informação importante, de que eu vou tentar trazer uma definição de Estado laico, a partir de uma perspectiva, uma abordagem do que seria o Estado laico, mas não a única. É uma ideia e um conceito que está amplamente sendo disputado e acho que falaremos, inclusive, mais à frente sobre a disputa em torno do que significa esse Estado laico. Mas, na perspectiva que o OLÉ trabalha, trazemos a ideia do Estado laico como um Estado onde a nossa coesão social, a nossa unidade nacional, viria a partir da soberania popular, e não a partir da

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religião. Então, o que criaria para nós essa coesão seria exatamente a soberania popular e não o papel das religiões. Isso significa que as religiões não podem e não devem interferir na nossa legislação, nas nossas condutas coletivas, nas nossas políticas públicas. Acho que essa é uma referência importante.

O Carlos Eduardo falou sobre algumas confusões que se faz quando a gente usa o termo “Estado laico”, então, acho que é importante, para além de afirmar o que entendemos como Estado laico, dizer o que não seria esse Estado Laico, para limpar um pouco esse meio de campo. O Estado laico não é um Estado ateu, essa é uma confusão comum que se faz. Também não é um Estado sem religião, um Estado que proíba as expressões religiosas, muito pelo contrário, ele busca inclusive assegurar que não haja privilégios para nenhuma religião e a garantia também de que aqueles que não professam nenhuma religião possam viver de maneira democrática. O Estado laico também não é um Estado neutro – uma outra afirmativa que se faz. E ele não é um Estado neutro exatamente porque o Estado laico advoga de uma determinada visão de mundo, defende alguns valores como a própria Democracia, como os Direitos Humanos, a Igualdade, a Liberdade. Então, a gente não pode afirmar o Estado laico como aquele Estado neutro, isento, mas é um Estado que visa assegurar uma determinada visão de mundo. Acho que fica uma pergunta sobre “o Estado brasileiro é laico? Não é laico?”.

L.A.C.: Concordo com tudo o que a Amanda falou, só queria acrescentar uma abordagem que é diferente, mas complementar a essa. Dizer que a laicidade é uma construção histórica, que dizer que não tem uma definição precisa, como não tem de Democracia. Eu não conheço nenhuma definição de Democracia que seja definitiva, qualquer uma serve para início de conversa. No mundo, as lutas pela laicidade vieram em diferentes etapas: a primeira, eu diria, grande etapa foi justamente para que diferentes cultos pudessem se manifestar sem repressão e não apenas aquele culto dominante, fosse o cristão ortodoxo, o tradicional ou o romano, qualquer um deles, fosse o muçulmano, qualquer culto poderia ter ou deveria ter liberdade de expressão e de manifestação. Essa foi a primeira etapa.

Acho que uma outra etapa muito importante é o fim da existência de religiões oficiais, religiões de Estado. Vários países tiveram, o Brasil também já teve uma religião de Estado, que foi a religião católica. Hoje tem gente querendo botar uma outra religião como religião de Estado, mas depois a gente pode abordar essa questão. Mas foi muito difícil para que diferentes países deixassem de ter uma religião de Estado e alguns modernamente ainda têm, por exemplo, na

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Grã-Bretanha, a rainha da Grã-Bretanha – da Inglaterra, se preferirem – é chefe da Igreja Anglicana. Não é pouca coisa. Na Grécia, a Igreja Ortodoxa é uma religião de Estado, está lá na Constituição. Em vários países o que existe é uma religião oficiosa, como, por exemplo, na Rússia atual, onde a Igreja Ortodoxa é praticamente uma religião de Estado, embora isso não esteja previsto na Constituição.

E há uma nova etapa, emergente nos últimos anos, muito importante que é a luta contra a tutela religiosa sobre a moral coletiva. Isso é uma coisa muito importante, porque nenhum Estado é contra que uma determinada instituição religiosa estabeleça limites para a moral da sua comunidade. Por exemplo, um católico não pode ter relações sexuais antes do casamento e, uma vez o casamento feito, não pode se divorciar – pode separar, mas não pode casar de novo. A igreja pode estabelecer isso para a sua comunidade de religiosos? Pode. Não pode é fazer disso uma obrigação para todo mundo, para quem não faz parte daquela comunidade. Não pode é tutelar o conjunto da sociedade com base nos valores que são atinentes a uma determinada crença religiosa, por mais importante que seja, por mais antiga que seja. Então, é para esse ponto que eu queria chamar a atenção, para essas diferentes aproximações da luta pela laicidade. Quando eu falo em aproximações, não significa que “acabou uma, tá tudo resolvido, vamos passar para outra”.

M.A.: Então, entrando com a terceira pergunta – a gente já tem algumas perguntas do público – uma faz referência ao ano de 2012, quando o Conselho Nacional de Educação publicou uma Resolução em que foram estabelecidas as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Na avaliação de vocês, qual é a importância dessa iniciativa? Essa iniciativa em 2012 muda o que e é relevante em que medida para a gente ainda nos dias de hoje? Vamos lá, podemos começar com o Luiz Antônio.

L.A.C.: Pois é. Eu estive no Conselho Nacional de Educação durante um ano e me demiti. Essa Resolução e o parecer que deu origem a ela foram aprovados depois que saí e, se eu tenho alguma tristeza por ter saído, é de não poder ter participado da aprovação desse parecer e dessa Resolução. Dei pequenos palpites que não tiveram importância. Mas o importante para o nosso país, para o nosso povo, é que, pela primeira vez na História do Brasil, um documento do Estado brasileiro apoia-se na laicidade do Estado. Isso não aconteceu nem no período da proclamação da República, porque na Constituição de 1891 não aparece a palavra “laico”, aparece uma forma arcaica, “leigo”, que hoje só traz confusão. É melhor não usar isso, porque daqui a pouco vão

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confundir com “professor leigo” ou aquele “técnico leigo” que a gente chama para consertar e acaba piorando o defeito. Então, a primeira Constituição Republicana dizia: “o ensino será leigo nas escolas públicas”. Não fala mais nada sobre a expressão “laico” nem “leigo” em todo o texto. E, nessa resolução, aparece a expressão Estado laico como um dos princípios da Educação em Direitos Humanos.

Essa concepção deu origem à Declaração Universal do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional da França, no contexto da Revolução de 1789. Pelo que concluí de meus estudos, ela contém três componentes fundamentais no Art. 10º. O primeiro é um componente iluminista: “ninguém pode ser molestado por suas opiniões”. Essa é uma frase importantíssima. Quer dizer que toda a perseguição que se fazia antes com o apoio do Estado e da Igreja a intelectuais como Voltaire e Rousseau – queimando suas obras, por exemplo, e obrigando os dois a viverem longo tempo no exílio – tudo isso não podia mais acontecer. Ninguém poderia ser molestado por suas opiniões. Mas os protestantes presentes na Assembleia, que não eram muitos, mas eram significativos – inclusive um pastor presidiu a Assembleia da França nesse período da Revolução – defenderam a especificação da liberdade religiosa, porque a repressão religiosa, em proveito da religião oficial, existe na França há tantos séculos que, se não puser esse elemento explícito, isso vai continuar existindo numa espécie de inércia de repressão política. A Assembleia acrescentou, então, o adendo “ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas”. Mas o clero católico reagiu contra a confusão que essa liberdade poderia criar na sociedade, que poderia virar um total caos. E aí, acrescentou-se o terceiro elemento: “desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”. Aí está o terceiro elemento fundamental do Art.10°, que é a intervenção do Estado na manutenção dessa liberdade de opiniões, inclusive religiosas, mas resguardando a possibilidade de limitá-la, por lei estabelecida pela Assembleia Nacional. Aí está a soberania popular de que falou a Amanda logo no início.

Aqui estão os princípios da Educação em Direitos Humanos, estabelecido pelo Parecer nº 8 de 2012 do Conselho Nacional de Educação, em seu Conselho Pleno: a dignidade humana, a igualdade de direitos, o reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, a laicidade do Estado, a Democracia na educação, a transversalidade, vivência e globalidade e a sustentabilidade socioambiental. Laicidade na educação: é muito interessante notar que esse parecer incorporou – e eu não tenho nada com isso – elementos da formulação do OLÉ. Eis o

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que diz o parecer sobre a laicidade: “Esse princípio se constitui em pré-condição para a liberdade de crença garantida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948”, não a da Revolução Francesa, mas da ONU, e pela Constituição Federal Brasileira de 1988. “Respeitando todas as crenças religiosas, assim como as não crenças, o Estado deve manter-se imparcial diante dos conflitos e disputas do campo religioso, desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana”. É muito diferente do que parecia em 1789 na França, que não tinha essa concepção, digamos, essencialista dos Direitos Humanos. “Desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana”. E a Declaração francesa reaparece: “os direitos fundamentais da pessoa humana” (o OLÉ) e a “soberania popular em matéria de política e cultura” (a Declaração francesa), que são contraditórios. Se você tem uma referência essencialista da pessoa humana, você não pode dizer que os valores que serão definidos são baseados na soberania popular em matéria de política e cultura. Foi isso que me ocorreu. M.A.: Perfeito! E, assim, pelo menos para mim, foi quase uma sutileza, mas faz todo sentido. A gente trabalha com uma proposta – que traz essa essência, essa universalidade – só que, na fase seguinte, isso contradiz em alguma medida essa perspectiva de reconhecer no outro essa dimensão humana independentemente de qualquer contexto histórico. Eu não posso de forma alguma submeter isso a uma soberania popular que pode variar ao longo da história e varia a percepção.

L.A.C: Pois é!

A.M.: Antes eu queria só – acho que é até importante para essa questão que vocês estão propondo – retomar um pouco sobre o que a gente havia levantado, no bloco anterior, sobre o Estado brasileiro ser laico ou não, porque eu acho que ajuda a entender, inclusive, a produção de alguns documentos e legislações do Brasil. Para essa pergunta sobre o Estado Brasileiro ser laico, a gente retorna na perspectiva de que a laicidade tem múltiplos sentidos, que é um conceito polissêmico, que está em disputa como eu falei e que faltou eu mencionar a ideia da laicidade como um processo. Acho que o Luiz Antônio trouxe isso e eu queria só reafirmar essa ideia da laicidade como um processo e como uma disputa contínua. Por que eu estou falando isso? Porque quando perguntamos isso do Brasil, a gente costuma ir logo buscar “onde está escrito na Constituição que o Brasil é um Estado laico?”. Mais cedo nós até mencionávamos isso, de que não há a utilização do termo, da expressão “laico” ou “laicidade” na nossa Constituição de 1988. Ela não usa, não tem a expressão direta da “laicidade”, mas há a defesa

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de um sentido laico para o Estado ao longo da Constituição. Falamos muito sobre o artigo 19 da Constituição, o quanto é importante para esse respaldo de uma noção do Estado laico no Brasil.

Mas precisamos parar e pensar: “isso é o suficiente para dizermos que o Brasil é um Estado laico? Isso vem garantindo a soberania popular como elo da nossa coesão social?”. E aí, alguns elementos que nos ajudam a refletir sobre este ponto foram mencionados nos comentários, como “Deus seja louvado está na nossa cédula”, “a gente tem a isenção de impostos para as Igrejas”, “a gente tem os símbolos presentes nos plenários, nas câmaras, até no Supremo”, “a gente tem cultos, orações, uma série de manifestações religiosas dentro desses espaços”, “a gente tem a presença da religião dentro da escola pública”. Acho que é importante trazer essa dimensão de que a laicidade se expressa em um sentido na nossa Constituição, mas há uma série de disputas em curso, em torno da efetivação desse Estado laico. Eu quis trazer esse resgate para pensarmos sobre essa Educação em Direitos Humanos junto com a chave da laicidade, porque vêm num contexto de muita disputa em torno dessa concepção de Estado laico.

Como a laicidade, os Direitos Humanos também têm uma série de disputas em torno de uma concepção de Direitos Humanos e acho que, para o nosso debate de hoje, a gente vai ficar com a definição que é trabalhada após a II Guerra Mundial, com o papel da ONU e a criação de um documento que reafirma a garantia dos Direitos Humanos. Mas afirmando que essa é uma perspectiva e que também existem outras definições para o que são os Direitos Humanos. Então, desde o final da II Guerra Mundial, temos uma série de documentos, políticas públicas e movimentos que visam garantir os direitos básicos, as liberdades fundamentais. E nesse bojo é que surge essa ideia de Educação em Direitos Humanos como uma educação necessariamente voltada para a mudança e não apenas para ser transmissora de conhecimento, uma educação multidimensional que forma o sujeito de direitos, que articula várias direções da vida, que afirma valores, atitudes, que tenta formar em uma cultura de Direitos Humanos, que afirma uma consciência cidadã.

No Brasil, é importante dizermos que tivemos um start diferente para essa discussão da Educação em Direitos Humanos no contexto dos anos 2000. Elenquei alguma das referências e documentos que foram importantes para isso, como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos de 2008, o Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH, as Diretrizes Nacionais Curriculares de Educação em Direitos Humanos, a Resolução do CNE de 2012 e o

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próprio Plano de Nacional de Educação de 2014. Ao longo dos anos 2000 houve um fomento para essa discussão relacionada a uma Educação em Direitos Humanos. Trago rapidamente dois exemplos para mencionar o contexto de uma disputa intensa. O Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH3, foi sancionado por um decreto, em dezembro de 2009. No documento original ele tratava sobre o respeito às diferentes religiões, a uma liberdade religiosa e expressamente da garantia da laicidade do Estado. Esse documento foi intensamente bombardeado, houve uma disputa enorme, não só por esse item da laicidade, eu acho que vale mencionar, mas por diversos outros itens que tratavam da discriminação contra homossexuais, da questão do aborto. Esse era um documento que tratava de vários temas considerados polêmicos e no ano seguinte, em 2010, houve uma modificação na alteração do decreto que revoga, dentre outras coisas, eu sublinho aí, o item que tratava sobre o respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia de laicidade do Estado. Então veja, em 2009 se aprovava a garantia de laicidade do Estado e, no ano seguinte, se revoga por uma grande disputa que está em curso ao longo desse período.

E o próprio Luiz Antônio já falou, eu não vou me aprofundar nas Diretrizes para Educação em Direitos Humanos, que no item 4 trata expressamente sobre a laicidade do Estado, aprovado em 2012. E por que eu achei interessante a gente trazer um contexto com outros documentos? Porque esse foi um momento de intensa disputa no campo político, no campo religioso, em diversos outros campos, entre os movimentos, entre os movimentos identitários, através de tentativas de construção de norteadores de diretrizes para essa Educação em Direitos Humanos. E, imediatamente, há reações a essas tentativas de implementação de uma Educação em Direitos Humanos no Brasil. Daí a importância e a relevância de ainda termos esse documento do CNE válido, porque, como eu mostrei, esses grupos que reagem a laicidade do Estado estão conseguindo retirar isso dos documentos. Do PNDH3 isso foi retirado, do Plano Nacional de Educação foi retirado, mas ainda contamos com o parecer do CNE. E é importante reafirmar a centralidade de uma Educação em Direitos Humanos a partir de dados atuais que apontam para o fato de as escolas ainda serem um dos ambientes mais permeadas por intolerância e discriminação no Brasil. Cabe trazer um dado da Anistia Internacional, que foi divulgado em fevereiro de 2018 e que coloca o Brasil como um país da América onde mais se mata defensores de Direitos Humanos. Acho que são dados relevantes e importantes para a gente fazer uma defesa dessa Educação em Direitos Humanos.

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17 M.A.: Assustador! Assustadora essa informação que vocês trazem, tanto dessa demora para que aparecesse o termo “laicidade” ou “laico” na nossa legislação, mais de um século após o início da República, e esse dado dramático a respeito do Brasil, um país onde se mata muito pessoas que defendem Direitos Humanos. Então é estarrecedor, isso precisa ser dito mesmo. Carlos, está com você.

C.E.O.: Até me fez lembrar, a fala da Amanda, que antes de ser assassinada a vereadora Marielle Franco, que eu acho que se tornou um pouco símbolo do quanto defensores dos Direitos Humanos podem ser assassinados até se estiverem em determinados cargos, foi uma vereadora que encampou a defesa da laicidade. E ela fez uma cartilha em parceria com o OLÉ, o mandato dela produziu, quem quiser baixar vai baixar do celular “Laicidade o que é?”, é só jogar em sites de busca “Cartilha laicidade” e “Marielle”, aparece logo um link para página do OLÉ da UFF e lá dá para baixar a cartilha, que foi produzida pelo mandato da Marielle. Eu acho que é significativo que antes de morrer ela tenha sido uma vereadora que tenha produzido um material de divulgação da laicidade do Estado. E aí pegando esse gancho, eu acho que vale a pena, até dentro do que a Amanda disse sobre as disputas envolvendo grupos diferentes, movimentos sociais diferentes, e ela falou aí da questão identitária, então acho que vale a pena fazer uma pergunta para o Luiz Antônio e para Amanda, que é a seguinte: vocês acham que há grupos e movimentos que estão buscando atribuir significado ao que é o Estado laico que está muito voltado para suas áreas específicas de militância, abrindo mão de vez em quando de uma defesa mais ampla, de uma defesa mais convergente, da laicidade do Estado, e aí pensando na Educação em Direitos Humanos na laicidade na Educação? Não estou nem usando a expressão do Nelson da Nóbrega Fernandes, “rapto ideológico”, que é uma coisa que de vez em quando eu vinha falando com amigos. Mas será que existe, de certa forma, a categoria laicidade vindo a ter uma nova conceituação a partir de alguns movimentos sociais e grupos específicos? L.A.C.: Veja bem, a laicidade não nasceu hoje. A luta pela laicidade não nasceu hoje no Brasil. No período do Império, muita gente lutou pela laicidade. Mas eram em geral pessoas da elite ou das elites, vamos usar no plural: políticos, intelectuais, jornalistas, que atuavam no Estado ou sob o Estado, reivindicando o avanço da laicidade em diferentes aspectos, desde a secularização dos cemitérios, dos registros públicos de nascimento, morte e casamento, etc. e até a separação entre a Igreja Católica e o Estado, culminando tudo isso no fim do Ensino Religioso nas escolas públicas. Só para simplificar, diria que era um movimento de cima para

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baixo – não que de cima para baixo fosse ruim e de baixo para cima fosse bom, não é isso. Pelo menos não é esse o significado que eu quero atribuir a esse movimento. Era uma posição que partia de elites intelectuais e políticas, naquela que chamo de “a primeira onda laica”, que foi no período do Império. Nós estamos vivendo hoje uma “segunda onda laica”, em que existem manifestações de elites intelectuais e políticas, por exemplo, de universitários, como foi citado. A própria origem do OLÉ mostra esse movimento, portanto, de cima para baixo. Ao mesmo tempo surge – e essa é uma grande novidade da “segunda onda laica” – uma manifestação de baixo para cima, a partir de movimentos sociais, que têm características particularistas muito fortes na sociedade brasileira. Eu me lembro bem, a minha idade permite isso, como foi a luta pela recuperação, ainda que parcial, da Democracia no Brasil, nos anos 1970 e 1980, culminando com a aprovação da Constituição de 1988. Naquela época, é como se a Democracia fosse o somatório das demandas particulares dos diferentes grupos: professores, metalúrgicos, servidores públicos, comerciários, etc. É como se a Democracia fosse a reunião dessas demandas específicas, mas elas se chocavam frequentemente.

Na questão da laicidade do Estado, coisa similar está acontecendo: grupos particularistas acham que laicidade é aquilo que coincide com as suas demandas, o que não coincide com elas não é laico. Isso é parecido com o que alguém disse uma vez e me parece certo, terrivelmente certo, como crítica: “Democracia é se você concorda comigo, ditadura é se você discorda”. Não, isso não está bom. Eu me lembro de uma experiência muito sofrida que eu tive, como convidado para um evento internacional aqui no Rio de Janeiro, para comentar texto de um jovem norte-americano que participava ativamente do movimento por direitos sexuais. Depois de trabalhar o texto longo, complexo, em inglês, verifiquei que a ideia apresentada era de grande felicidade diante do que estava acontecendo lá nos Estados Unidos naquela época, há uns 10 anos atrás. Ele disse que estávamos entrando numa época pós-secular. Como ele escreveu em inglês e nessa língua não existe a palavra laico originalmente (eles estão começando a usar agora), é como se a época nova seria pós-laica. Ele dizia: “acabou esse negócio do secularismo porque agora as igrejas já estão nos recebendo”. Na verdade, ele se referia a uma ou outra igreja. Portanto, para ele, esse problema acabou. O problema da laicidade ou do secularismo, na expressão do autor, acontecia enquanto as igrejas deixavam os homossexuais de fora. Agora já estavam acolhendo, portanto, o problema do secularismo não existiria mais. Se fosse no dia de hoje, ele ficaria ainda mais feliz diante do que acabou de dizer hoje, dia 21 de outubro de 2020, o Papa Francisco, que precisa ser aprovada uma lei que permita a constituição de uma família de parelhas

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homossexuais. Pois bem, eu critiquei essa posição do autor do paper e fui reprovado de uma maneira cruel: ninguém jogou ovo em mim, nem cadeira, nem me xingou nem coisa parecida, mas recebi um silêncio, um gelo total, ninguém me dirigiu nenhuma pergunta, mas os outros debatedores, sim, foram solicitados. Acabada a mesa, tinha lá uma farta mesa de lanche, os participantes do evento foram para lá, mas ninguém me convidou para o lanche. Percebida a situação, juntei meu material, desci a escada do hotel e fui-me embora. O fato me mostrou o que estava em jogo ali: a laicidade existia enquanto aquela demanda estava na pauta; quando deixou de existir, acabou.

Passo ao que o Carlos Eduardo mencionou sobre a questão do Ensino Religioso nas escolas públicas. Hoje existem segmentos afro-brasileiros que equivocadamente acabam defendendo a existência do Ensino Religioso nas escolas públicas. Dizem que com isso vão poder apresentar aos alunos os aspectos dos cultos afro-brasileiros e, com isso, obterão a tão desejada tolerância. No meu entender, eles estão totalmente enganados, não vai acontecer tolerância nenhuma, o que vai ocorrer é que eles serão alvos mais fáceis de intolerância, de discriminação e mesmo de repressão no ambiente escolar. Mas vamos supor, por uma redução absurda (esse método didático ainda se usa para ensinar geometria euclidiana na educação básica), que por um passe de mágica a discussão sobre temas religiosos ficasse livre e até sem a importância que se dá hoje na disputa no campo religioso. Se isso acontecer, os grupos afro-brasileiros que hoje defendem a introdução do Ensino Religioso nas escolas públicas vão retirar esse item de pauta. Estará tudo resolvido em matéria de laicidade do Estado e da educação? Não quero estar na posição de ficar corrigindo os movimentos sociais nas suas pautas particulares, perdendo de vista o conjunto, até porque esses movimentos sociais dão hoje um grande impulso da construção da laicidade no Brasil. Não tenho a menor dúvida de que as manifestações, as caminhadas LGBT+ na cidade de São Paulo, que ocorreram durante muitos anos com pautas especificamente laicas, contribuíram para um grande avanço da discussão da laicidade. Hoje estamos vivendo não só um embate entre a “segunda onda laica”, que avança, e uma enorme reversão da onda confessionalista, como também um embate entre uma concepção da laicidade, que vou chamar de “dedutiva”, e concepções particulares, “indutivas”. No que isso vai dar, eu não sei, não é uma questão teórica, é uma questão prática, uma questão de política prática. Tomara que a gente possa ter interação virtuosa, embora isso não esteja definido desde o início.

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20 A.M.: Eu vou te responder de forma bem objetiva, Carlos Eduardo. Acho que sim, que existe sim uma tentativa dos chamados movimentos identitários de trazerem uma nova concepção de laicidade. Ponto. Mas eu acho que é importante pra além de trazermos essa afirmação, tentarmos entender o cenário que nos leva, que nos conduz a esse momento, em que esses movimentos identitários começam a pautar a laicidade dentro das suas bandeiras. O primeiro cenário é de um grande avanço de setores conservadores, e aí bem no plural mesmo, porque são uma série de grupos diferenciados, setores com origens distintas, e de um avanço de setores obscurantistas. Esse é um ponto de partida, um cenário que proporcionou um avanço ou que foi construído junto com um avanço dos setores ligados a grupos religiosos extremistas ou fundamentalistas. Um cenário que envolve o avanço de setores religiosos, especialmente no campo político e visando através dessa atuação no campo político uma ingerência no campo educacional, uma ingerência nas pautas relacionadas, por exemplo, a uma Educação em Direitos Humanos. Ingerência no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, de direitos das mulheres e LGBT. É um cenário que consolida que falar sobre determinados temas como racismo, homossexualidade, sobre Direitos Humanos passa a ser considerado polêmico e muitas vezes esse debate vem acompanhado de tentativas de interdição da discussão dessas temáticas e do próprio silenciamento, ou seja, o impedimento de falarmos sobre esses temas.

Eu trouxe algumas imagens que mostram como essa ingerência se apresenta em relação a esses “temas polêmicos”. A chamada “ideologia de gênero” como uma ideologia que ataca a família, a defesa de que “menino nasce menino e menina nasce menina” e de que não existe uma construção social para isso, a ideia do “professor como doutrinador” e a imagem do “goela abaixo”, na qual o professor tem referências LGBT. Essas imagens [projetadas na tela] foram retiradas da página do Movimento Escola Sem Partido. Acho que isso mostra um pouco essa aliança desses setores conservadores extremistas/religiosos no campo político. Se vamos nos debruçar, portanto, sobre o ataque contra a Educação em Direitos Humanos no Brasil, precisamos destacar essa atuação de agentes religiosos. Pois os argumentos que sustentam e constroem essa agenda conservadora têm muito embasamento em um discurso extremista religioso.

Como eu falei, vemos nas imagens essa relação com o extremismo religioso. Exemplo: a “ideologia de gênero” afetando algo que estaria atingindo a fé cristã: “meu gênero foi Deus que me deu”. Há um ataque a setores do campo identitário que estão vindo diretamente desses

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setores religiosos e esse campo identitário começa a sentir a necessidade de enfrentar essa discussão, que envolve a participação de grupos religiosos no campo político e na esfera estatal. É por isso que entender um pouco esse cenário ajuda a pensarmos por quê os movimentos identitários começam a trazer uma concepção de laicidade para sua discussão.

Essa não é uma discussão que seja consensual e esse debate sobre o lugar ou não da religião na nossa Democracia ele está sendo disputado de forma intensa, inclusive por movimentos religiosos. Encontramos grupos religiosos fazendo defesa da laicidade e dizendo que a laicidade é a ocupação de todos nos espaços políticos. Então há uma intensa disputa pela laicidade no cenário atual, em que você tem grupos religiosos falando isso, você tem os movimentos feminista e LGBT e movimentos de Direitos Humanos reivindicando a laicidade para assegurar a defesa de suas pautas e temos os movimentos laicos que sempre tiveram atuando. Assim, busquei contextualizar um cenário que contribuiu para que esses movimentos identitários fossem levados a trazer uma concepção de laicidade para suas bandeiras.

M.A: O Alexandre fez uma pergunta sobre essa questão dos debates que muitas vezes ficam restritos ao espaço acadêmico e como tem sido isso para o OLÉ e para o LAEDH para estender essa discussão para um público mais amplo, como ele sugere, os professores de História. Eu acho que em alguma medida isso está sendo feito aqui agora no canal do Espaço & Vida. L.A.C.: O OLÉ surgiu no âmbito acadêmico e creio que isso não deva ser entendido como uma situação ruim ou negativa. A prática acadêmica tem o seu jeito de fazer e não deve ser confundida com uma espécie de ativismo. Temos antes de tudo uma teoria com sua prática correspondente, e nós a divulgamos por diferentes formas, principalmente pela publicação das revistas acadêmicas e não-acadêmicas. Há, portanto, uma perspectiva de difusão – tenho lido vários trabalhos de História, inclusive de pós-graduação em História, sobre a questão da laicidade ou da falta dela no Brasil, e que não conhecem a bibliografia disponível nas bibliotecas, livrarias e nem na internet. Portanto, se há uma reclamação dessa falta de chegada até os docentes também há uma reclamação do lado correspondente. O que estou dizendo não é para ser popular, mas também não é para ser malcriado, é para dizer que há diferentes aspectos que facilitam – são poucos – ou que dificultam esses encontros. Atualmente, nessa nova fase do OLÉ, temos a possibilidade de difusão muito mais ampla do que na primeira etapa e em algum momento da segunda etapa, porque não só o corpo social do OLÉ é mais jovem e maneja com muito mais facilidade as redes sociais, que têm uma difusão maior. Vejam o que disse o

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Carlos Eduardo Oliva, que o OLÉ no facebook tem dez mil seguidores, o que para essa temática não são poucos. Então, é preciso que os docentes de História, como também de Biologia e Língua Portuguesa etc. se interessem por essa questão, ou seja, o assunto tem que partir dos dois lados e existe muito material na internet, inclusive o próprio portal do OLÉ tem muitas informações.

A.M.: Eu entendo a produção acadêmica, assim como o Luiz Antônio falou, como uma produção que tem um modo de fazer próprio, uma linguagem própria, que envolve uma série de elementos. Mas ao mesmo tempo compreendo que a universidade tem um papel social muito importante. Então, precisamos ao mesmo tempo dar um retorno para a sociedade das nossas pesquisas, levantamentos, e que para que isso chegue de fato na maioria da sociedade, é preciso fazer uma ligação da nossa produção para uma linguagem que possa ser apropriada pela grande maioria da população. Eu acho que esse é um desafio que a academia precisa pensar, em como ter uma produção que não vai alterar o seu modo de fazer, a qualidade de sua produção, mas que ao mesmo pense em uma linguagem que torne acessível para a grande maioria da população os nossos resultados e as nossas contribuições.

C.E.O.: Vou fazer um comentário convergindo com o que todos disseram e aproveito para fazer também a última pergunta antes das considerações finais. Acho que o OLÉ e o LAEDH são exemplos desses esforços que Amanda e o Luiz Antônio mencionaram, a Amanda foi coautora de um livro lançado em 2016 chamado Jovens Pesquisadoras entre Estudos e Militância. Então, essa ideia de que quando você está estudando e pesquisando no meio acadêmico você está militando e o Luiz Antônio tem uma iniciativa que eu acho da maior importância, pois os livros dele mais recentes A Educação Brasileira na Primeira Onda Laica: do Império à República e um trabalho chamado O Projeto Reacionário de Educação estão todos disponíveis online, e acho que isso é um esforço de chegar nas pessoas mais facilmente. Hoje pelo seu celular você lê, embora A Educação Brasileira na Primeira Onda Laica seja um pouco mais robusto, mas, por exemplo, esse outro trabalho que é O Projeto Reacionário de Educação é um esforço nesse sentido. No OLÉ tentamos fazer “memes” e essa prospecção de notícias, notas sempre que tem uma questão polêmica, e colocamos lá para tentar aproximar as pessoas. Já no caso do LAEDH é o chão da escola, não é o meio acadêmico no sentido que as pessoas às vezes atribuem. Eu sempre gosto de lembrar, e ultimamente eu tenho participado de algumas coisas e falado isso, abri mão uma vez, nomeado, do ensino superior para continuar na educação básica, para

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continuar lecionando no Colégio Pedro II, mas entendendo que a educação básica permite a gente fazer muito mais do que às vezes o próprio professor da educação básica possa entender que pode fazer. Acho que, por exemplo, o Espaço & Vida ser formado por professores da educação básica, que estão pensando inclusive para além da sala de aula, representa esse movimento, se a gente buscar, como o Marcio disse, de uma expressão da existência dessa aproximação entre a academia no sentido que se dá, de estudos universitários, e também do público em geral, porque estamos com uma live aberta e também para o professorado da educação básica à medida que eu, por exemplo, sou um professor da educação básica e estou aqui com vocês. Então, às vezes a gente acha que existe uma dicotomia, mas talvez ela esteja menos forte do que já tenhamos tido em outros momentos.

Dito isso, vale a pena voltar ao tema do chão da escola já que o Ensino Religioso é uma disciplina escolar eu queria fazer uma pergunta: qual a importância das eleições de novembro para a laicidade na educação? Acho que isso é relevante não só para a cidade do Rio de Janeiro, são cerca de 5 mil municípios que vão escolher prefeitos que vão estar ali gerindo políticas públicas de educação básica. E também qual a importância da decisão que tivemos no STF em 2017 no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4439, sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas? Porque no dia seguinte eu lembro que saiu na mídia como se a luta tivesse terminado, como se agora não tivesse mais jeito, porque o Ensino Religioso foi aprovado pelo STF, mas não é isso, a gente ainda tem muita coisa para estar reforçando, inclusive a partir dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade que teve participação do OLÉ, o OLÉ foi uma das entidades ouvidas pelo Ministro Barroso – relator da ação. Uma das coisas que é importante e para a qual o Barroso e o OLÉ chamam atenção, é que muitas das entidades ouvidas, algumas religiosas, dentre elas havia entidades protestantes contra o Ensino Religioso, para não criamos também uma “evangelicofobia” achando que o problema são os evangélicos. Então, acho que vale a pena falarmos dessas duas dimensões: eleições 2020 e Ensino Religioso pós- 2017. A.M.: Não dá mais para pensarmos o nosso cenário atual sem considerar a atuação desses grupos religiosos e eu acho que muito do campo progressista ainda comete esse equívoco, então, precisamos pensar sobre esses grupos não só pelo peso demográfico e eleitoral que eles têm, mas pelo projeto que está em curso e pelo reconhecimento e legitimidade que esses grupos têm, pelas frentes de mercado que estão colocadas por esses grupos. Esse é um campo vasto, mas estou falando, especialmente, das organizações evangélicas, que não dá para analisar também

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sem pensar no quanto os católicos vem diminuindo em termos demográficos, mas que ao mesmo tempo isso não afeta a estratégia de atuação nem a dinâmica dos católicos em relação à atuação no campo político. Eu estou dizendo isso porque a pergunta foi sobre as eleições desse ano e um reforço do Estado laico. Vivemos um momento muito complexo, entendendo a laicidade como um projeto mais próximo de um ideal democrático ou de um afastamento – e eu diria que estamos em um momento perigoso e de extremo afastamento – do ideal laico e democrático. Não trataremos desse processo aqui, mas é um processo que vem em curso há algum tempo e esses grupos extremistas religiosos estão cada vez mais consolidados no campo político e elegendo a educação como um elemento estratégico para a disseminação do seu projeto. Então, sendo sincera, acho que é um ano difícil e de muitas derrotas ainda em relação a esse campo político mais institucional. É só acompanharmos as campanhas que estão em curso e notarmos que não há mais nenhuma inibição em se colocar publicamente como candidato, um representante de uma determinada denominação religiosa, ou o conjunto de ideais desta. Há um crescimento de apresentação dessas campanhas que reivindicam essas denominações religiosas. Nesse sentido, eu vejo como um momento muito tenso e difícil em relação à laicidade. E, pensando no Ensino Religioso, Carlos, eu penso que não encerramos a disputa do Ensino Religioso na escola pública com a derrota no julgamento do STF. De fato, tal julgamento representa um entrave nessa disputa, mas não encerrou o debate. Inclusive, entendo que o resultado do julgamento é parte desse cenário tratado na live de hoje, de intensa disputa com esses grupos religiosos e um crescimento destes no campo político. Com isso, não vejo uma derrota total para defesa da escola pública laica. O Ensino Religioso estará sempre associado com um avanço maior ou menor na laicidade do Estado em grau democrático. Assim, se conseguirmos reverter esse cenário mais geral que se apresenta no país de um crescimento desses grupos extremistas no campo político, abriremos uma margem para discussão também sobre o Ensino Religioso.

L.A.C.: Eu tenho umas opiniões que não são compartilhadas por muita gente nessa área. O que está acontecendo é uma presença muito expressiva e massiva de grupos religiosos fundamentalistas no campo político hoje, num verdadeiro assalto ao Estado, com muito sucesso, seja no Poder Executivo, no Poder Legislativo e no Poder Judiciário – como se sabe, o Presidente da República afirma que vai dar entrada a tais grupos no STF. Diante disso, surge a ideia de que temos que retirar religiosos do campo político. Isso não vai acontecer, e acho até que não deve acontecer. Já vi a presença de religiosos no campo político de uma qualidade

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muito boa e numa perspectiva de apoio às demandas populares. Essa presença foi derrotada em grande parte pela ação deletéria do Papa João Paulo II, que praticamente perseguiu a Teologia da Libertação no âmbito da Igreja Católica. E os protestantes não eram suficientemente fortes nesse campo para sustentar essa presença. Eu não sei se essa presença vai poder voltar. Mas a experiência histórica nos mostra que não dá para retirar a religião do campo político. É possível colocar outra coisa. E o Brasil teve uma experiência muito importante de partidos políticos orientados para demandas populares. Infelizmente esses partidos acabaram abrindo espaço para que grupos fundamentalistas ampliassem a conquista do aparelho de Estado. É importante dizer essa verdade, essa dura e triste verdade. O que está faltando hoje é algum tipo de modificação e até de repressão, além da educação, no campo político diante desse avanço de grupos fundamentalistas no campo religioso. Mas o que é mais importante é que grupos políticos, partidos políticos e movimentos políticos não partidários de orientação laica ocupem o campo político. É o que está faltando em nosso país. Se não houver partidos políticos efetivamente laicos, e não apenas oportunisticamente laicos ou oportunisticamente confessionalistas, nós estamos mal das pernas. Esse é o ponto.

Na questão do Ensino Religioso, também penso diferente. Tenho uma visão diferente daquela que predomina entre os defensores da laicidade da educação. O Ensino Religioso nas escolas públicas é a única disciplina escolar que está presente na Constituição brasileira, a única. Não está presente o ensino da Língua Portuguesa, embora ela determine o ensino em Português no ensino fundamental. Mas não se diz que tem que ter disciplinas como Língua Portuguesa, nem Matemática, nem Biologia, nem História. Porque elas são consensuais, não precisam figurar na Constituição. O que se “enfiou” na Constituição foi o que não era consensual: o Ensino Religioso nas escolas públicas, que foi objeto de disputa desde os anos 1870 no Brasil. E cada vez mais é objeto de disputa. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal e duas posições se abriram: é possível o Ensino Religioso confessional ou ele precisa ser não confessional? Como se esse tipo de coisa pudesse existir! Como se pudesse existir o Ensino Religioso não confessional. Essas duas posições foram debatidas pelos ministros do STF depois de audiência pública já mencionada pelo Carlos Eduardo Oliva, que contou com a participação do OLÉ e de instituições religiosas, culturais e até sindicais para apresentar as suas opiniões. E formou-se uma ideia ingênua de que uma boa posição seria a defesa do Ensino Religioso não confessional, como se o ruim fosse o confessional. Eu penso o contrário: se tivesse ganho o Ensino Religioso não confessional, a

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laicidade ficaria pior, pois o confessionalismo iria aparecer de todo modo, porém mais dissimulado. E combater algo dissimulado é muito mais difícil. Ganhou a posição do “tudo é possível”: tanto o Ensino Religioso confessional, quanto o não confessional ou qualquer outra forma. Os laicos perderiam de qualquer modo, e acho que perdemos menos, pois a decisão do STF não foi de apoio à dissimulação maior do que a existente hoje. O pior de tudo é que todos os ministros do STF apoiaram a validade de uma expressão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por sinal inserida por uma lei cujo relator foi o Deputado Federal Roque Zimmermann, padre católico de esquerda, do qual não mencionarei o partido, que qualificou o Ensino Religioso de parte integrante da formação básica do cidadão. Não há nada mais anti-laico do que isso. Não conheço dispositivo de nenhum país da Europa Ocidental ou das Américas que contenha uma frase desse tipo na sua legislação educacional. Isso ocorre somente no Brasil, em que se diz que o Ensino Religioso é parte integrante da formação básica do cidadão. Isso significa que você, que tem um filho matriculado em uma escola pública, que não tem Ensino Religioso ou em uma escola privada sem essa disciplina, você está propiciando a ele uma educação incompleta, parcial, inadequada. Pois foi isso o que foi “enfiado” na LDB em 1997 a partir de uma lei cujo relator foi um padre católico. Concluo com uma frase: a luta continua e é importante não aceitar como vitória aquilo que dissimula a posição dos confessionalistas no Brasil.

M.A.: Que maravilha! Muitos argumentos bons para ficarmos mais atentos a essa discussão. Há muita sutileza no tema, que não é de identificação imediata. Antes de passar para as considerações finais, adianto meus agradecimentos e parabenizações pelas falas, intervenções e respostas! Certamente temos muito mais a ouvir, a debater, pois o tema é extenso, fundamental e importante. Por isso agradeço pelo tempo e disponibilidade, que permitiu toda essa troca de conhecimento com o Carlos Eduardo, que começou toda essa história com o Vinícius Ferreira há tempos e continua com a Amanda e o Luiz Antônio. É muito bom e importante ouvi-los. E gostaria também de já adiantar para o nosso público os nossos próximos encontros, ressaltando que iremos voltar a nos encontrar com o LAEDH em algum momento, mas teremos uma sequência nas próximas semanas conversando com alguns candidatos a vereadores. Então vamos continuar incorporando novos temas e certamente o tema de hoje irá reaparecer também como questionamento, que já incorporamos e ouviremos os candidatos sobre eles, pois são muito importantes. Então gostaria de ouvi-los nas considerações finais.

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27 A.M.: Quero agradecer ao Roda Espaço & Vida pelo convite, pela oportunidade. Quero agradecer imensamente ao LAEDH, que é parceiro de longa data do OLÉ, ao Carlos Eduardo, amigo querido. Eu acho que essas são oportunidades que temos não só de levar adiante e ampliar o debate da laicidade, mas também entre nós mesmos, de repensarmos ao longo da atividade sobre diversos pontos. Faço aqui a propaganda do OLÉ. Temos nossa página, olé.uff.br, temos nossa página no Facebook, onde compartilhamos constantemente notícias, publicações e tudo aquilo que tangencia o debate sobre a laicidade. Reforço o convite de que o OLÉ está realizando diversos debates mensais, inclusive um que ocorrerá em novembro sobre a laicidade e o campo jurídico e político. E concluo afirmando que nossa defesa de um projeto educacional democrático e laico é antagônica ao projeto que está em curso. Acreditamos em uma educação que tem como tarefa pedagógica a defesa e a abordagem de valores e princípios que questionem, criem, que estimulem o pensamento crítico e que não silenciem qualquer temática. Essa é a educação em que acreditamos! Obrigada!

L.A.C.: Digo três palavras em despedida, citando Rui Barbosa, em um texto que ele escreveu na década de 1880, quando criticava aqueles que diziam “Como pode existir uma escola sem o Ensino Religioso? Seria uma escola sem Deus, ela não pode existir”. Rui respondeu que essa afirmação era inepta, caduca e senil. Infelizmente, hoje estamos cheios de pessoas ineptas, caducas e senis, no âmbito do Legislativo, do Executivo, do Judiciário e até da universidade. Ou seja: a luta é longa. Estou muito agradecido ao Espaço & Vida por propiciar que participemos dessa luta via internet. Até outra vez!

C.E.O.: Também agradeço ao Espaço & Vida, ao Márcio pela condução do programa, ao Cleisson, ao Renato, à Maria Thereza, sem os quais o programa não teria ido ao ar. Quero também agradecer pela parceria que vocês abriram com o LAEDH, em nome da coordenadora do LAEDH, professora Silzane Carneiro, a quem também agradeço, juntamente a todos os colaboradores do LAEDH, que abraçaram essa proposta tão legal para todos. O agradecimento vai desde a Professora Silzane Carneiro aos nossos integrantes mais recentes, às nossas extensionistas da Faculdade de Direito da UERJ, Beatriz, Ana e Gabriela. E acho que teremos outras trocas futuras, sobre outros temas, como a Saúde Mental! O Ensino Religioso começa com o Padre Roque, que também queria colocar o ensino da Sociologia e da Filosofia como obrigatórios. Hoje em dia é um debate que tem tudo a ver. Depois vai ser um outro projeto de lei que vai colocar a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias e hoje já caiu essa

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obrigatoriedade, que é outra questão, que muito embora não tenha relação com o tema da laicidade, indica como o parlamentar que coloca algo como o Ensino Religioso também estava colocando outras coisas ali. E já que a Amanda e o Luiz Antônio falaram sobre a dimensão jurídica e o Rui Barbosa foi citado, eu vou dizer que em 1866 um bisavô materno de meu pai, portanto meu trisavô, foi o primeiro brasileiro a escrever sobre a separação entre estado e Igreja no Brasil, informação que descobri no livro do Luiz Antônio. O livro publicado foi o Da Liberdade Religiosa no Brasil: Estudo de Direito Constitucional, de autoria do Conselheiro Macedo Soares. E ele foi afastado da magistratura por defender a separação do Estado e da Igreja, o que chamamos hoje de laicidade. Ou seja: ele deixou de ser juiz por defender a separação do Estado e da Igreja. Isso foi há 150 anos. Depois, voltaria como ministro do STF, após o fim do Império. Mas é por isso que defendemos um Estado laico, para não sermos obrigados, por conta da sociedade ser religiosa, a termos que ser religiosos. O Estado não pode obrigar os indivíduos a pensar de determinada maneira. É muito desagradável ter que professar uma fé para ser servidor público, por exemplo. Você mesmo na sua vida privada não poder ser enterrado em um determinado cemitério, não poder estudar em determinada escola ou mesmo não poder ir em a um templo da sua religião, pois o Estado te obriga a seguir outra determinada religião. A defesa da laicidade do Estado é uma defesa da liberdade de crença e da liberdade de consciência. Os religiosos precisam estar juntos na defesa da laicidade. E o papel de uma Educação em Direitos Humanos na defesa da laicidade na Educação e da laicidade do Estado é justamente trazer esse debate para os estudantes da educação básica. Eu acho que a educação básica tem uma força, uma vitalidade multiplicadora na defesa da laicidade do Estado e na defesa do Estado laico, que é fundamental. E quando falamos com professores em formação, isso é muito importante. O OLÉ está numa Faculdade de Educação voltado para formação de professores, e quando estamos em um canal como esse, de um grupo que mobiliza docentes e discentes para uma discussão qualificada sobre temas importantes, a consequência é que multiplicamos o debate e o posicionamento de liberdade de crença e consciência. É o recado que fica. Voltando ao que o Márcio falou lá no começo, a importância de didatizar, quando falamos de laicidade, estamos falando da liberdade de crença e consciência, da gente poder pensar e crer e não crer, se a gente quiser não crer em nada, de acordo com nossa consciência, sem sermos obrigados pelo Estado a pensar de uma determinada forma. São minhas considerações finais.

Referências

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