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Sobre a falsa impressão de estar na ponta

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Academic year: 2021

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Sobre a falsa impressão de estar na ponta

Por Mauricius Martins Farina Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP

Coordenador do Curso de Midialogia da Universidade Estadual de Campinas

Co-autoria: Marta L. Strambi Doutora em Artes pela ECA/USP Pós-doutoranda, Departamento de Multimeios/Unicamp

Resumo

Este trabalho pretende refletir sobre a fotografia contemporânea e suas relações com a história da arte. Trata de relacionar a fotografia e a pintura e aborda o campo

ampliado da imagem. Considera um ponto de vista sobre o procedimento artístico, que não pretende colocar uma discussão de gênero, mas de fluência poética.

Palavras-chave:

Cultura Visual Pintura

Fotografia

Abstract

This work pretends to reflex about the contemporary photography and your relations with the history of the art. It relates the photography and the painting and speaks about the expanded field of the image. Also, it considers a point of view about the artistic procedure, that doesn’t pretend to take place of a discussion of gender, but of poetic fluency.

Key Words

Visual Culture Painting Photography

Na sua gênese a imagem fotográfica tradicional, em função de sua característica técnica, colocou em discussão o papel do sujeito como artista. Como uma invenção moderna vai representar também uma alteração, tanto no

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conceito de sujeito, quanto no de artista. Essas questões vão se articulando na crise do pós-romantismo. O problema da produção em série versus a transubstanciação da originalidade. O mito da criação e da autonomia do sujeito.

Neste sentido abusou-se da prática de uma imitação da pintura, o pictorialismo, que usou agregar à materialidade da fotografia técnicas como o bromóleo, uma pintura sobre a superfície da imagem, buscando com isso afirmar um caráter artístico para o meio, rompendo com a reprodutibilidade. Os fotógrafos picturialistas tinham o desejo de se tornarem artistas, mas só fizeram reproduzir seu desconhecimento em relação ao dispositivo fotográfico e ao que ele proporcionava. Diluição artesanal de um bucolismo tardio, mimese estereotipada do cânon das belas artes, os próprios motivos dessas imagens eram de causar constrangimento.

A idéia de fotografia pura preconizada por Edward Weston com o grupo f/64, as experiências espaciais de Alexander Rodtchenko, as experimentações e a liberdade de Man Ray, o instante decisivo de Bresson, todas essas manifestações modelares e tão diferenciadas da fotografia moderna indicaram para um ponto que pode ser compreendido a partir do que Moholy-Nagy chamou de "a nova visão" e que Walter Benjamin conceituou como “o inconsciente óptico”i. Abraham Moles em seu trabalho sobre a criação científica trata da redução fenomenológica a partir de uma definição de Husserl, que fala das variações sucessivas no campo perceptivo e da alteração da escala temporal, o que se fará possível a partir da mediação do fenômeno pela introdução de dispositivos ópticos e mecânicos.

Com a fotografia analógica se introduz o suporte químico para a fixação das imagens e a partir disso, as imagens são carregadas de novos dispositivos de percepção. Essa condição formativa da fotografia revela uma capacidade específica ao construir uma imagem, e essa condição foi de fato o ponto de partida para a emancipação do uso expressivo da fotografia em relação às outras formas de imagem. A fotografia permitia experiências no âmbito espacial e temporal não apenas como um simulacro, mas como um instrumento de percepção alterada do visível, como redução fenomenológica.

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estereotipados em relação à pintura decorrente da idéia pictorialista. Houve um momento na história recente em que, a tendência figural do desfocado recolocou a questão cromática para o centro das atenções, e na percepção de alguns comentadores, abriu espaço para um retorno ao pictorialismo. Mas seria um retorno pelo avesso já que o dispositivo óptico estava em campo e o desfocamento é próprio à fotografia. Essa tendência, entretanto, não perdurou, mas não é incomum observarmos que existem pinturas que simulam o desfocamento e representam uma figuração com uma forte impregnação da visualidade fotográfica. Uma inversão de papéis que me permite pensar num “fotografismo” para a pintura.

Considerando um ponto de vista sobre o procedimento artístico, que não tem uma base conservadora e nem se posiciona contra a pluralidade, não pretendo colocar em relevo uma discussão de gênero, mas de fluência poética. O problema dos artificialismos, dos truques e das pirotecnias, das imagens impregnadas pelos modismos, que cada vez mais se tornam disponíveis, faz parte de um complexo evento de consumo que envolve o sistema da arte. Pensando em instituir no plano crítico um debate sobre a instauração de uma visualidade influenciada pelo dispositivo fotográfico, encontramos uma diversidade de exemplos ao longo da história da arte, Courbet, Edgar Degas, Tolouse-Lautrec, Malevitch, Rodtchenko, Moholy-Nagy, Man Ray, e podemos mesmo pensar num pensamento visual pré-fotográfico naqueles pintores que fizeram uso da câmera escura em suas paisagens, como Francesco Guardi e Canaletto entre outros.

Em fins do século XX ocorre uma inversão no mercado de arte e a fotografia, antes relegada ao exotismo, passa a ter um papel fundamental, ocupando uma porcentagem dominante na formação dos acervos de arte contemporânea que passam a ser criados pelas corporações culturais ligadas ao capital trans-nacional. Isso se deve a expressividade de fotógrafos como Andrés Serrano, Thomas Ruff, Jeff Wall, Thomas Struth, Andreas Gursky, Cindy Sherman, entre outros e reside num paradigma fundamental: certo realismo que emana das aparências banais e se torna simbólico dessas manifestações. Não mais o instante decisivo, mas a encenação, o sentido de estar diante do representado através de uma mediação construída pela representação do simulacro,

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espaços abertos à ficcionalidade e à fabulação, em muitos casos muitos mais próximo do cinema do que da pintura.

Ao admitir a indexalidade do fotográfico, sua conexão física com o referente, ainda estamos flutuando no território analógico, nos dias atuais essa condição está transformada pela transdução do índice em código binário, em processo combinatório no território da imagem digital.

Pensar na representação simbólica que é tramada pela ação do fotógrafo a partir dessas características que são derivadas por motivações coerentes com o sentido da sua época, implica num repertório que inclui uma forte noção de relacionamento histórico, de entendimento intertextual com o passado, com o tempo em permanência. Não se discute a fotografia sem pensar no sistema desenvolvido pela imagem, em particular pela imagem/pintura, já que desta relação a fotografia se conecta ao sistema perspectivo e a outras características que são comuns às imagens planas.

Sobre a possibilidade de uma crise na pintura é preciso considerar o longo trajeto da fatura das imagens através de processos pictóricos e o enorme grau de amadurecimento que alcançou. No entanto, para desespero dos “matadores” a pintura permanece como uma necessidade na alma humana, a pintura se modifica como o tempo e a vida. Não se pode dimensionar uma concorrência entre fotografia e pintura, o fato é que há um encantamento pela tecnologia, o que pode conduzir as oportunidades de escolher o que parecer mais confortável.

Retomamos o conceito de "nova visão" que Moholy-Nagy, na década de trinta, utilizou para discutir não mais a autonomia do signo fotográfico, mas para opor à simples migração de um pensamento maneirista em pintura para um mesmo em fotografia.

É oportuno refletir sobre a potência da fotografia em sua superexposição atual, no seu sucesso e mesmo na sua utilização por um numero bastante elevado de artistas. Estamos, convivendo com uma tendência, as razões que levam a isso podem ser muitas, e parecem convergir para outra dimensão da sociedade contemporânea: a saturação das imagens icônicas apartadas da verossimilhança, na era da virtualidade transfere para o suporte verossímil da fotografia uma ilusão de realidade, num momento em que paradoxalmente a

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“A fotografia é nosso exorcismo. A sociedade primitiva tinha suas máscaras, a sociedade burguesa seus espelhos, nós temos nossas imagens.” Jean Baudrillard reconhece o caráter fetichista da fotografia e mais que isso, mais adiante, no seu texto sobre o exotismo radical, ele vai tratar da imposição das estruturas sobre a individualidade, da técnica sobre o operador.

Para Baudrillard a verdadeira fotografia se realiza na ausência do sujeito e na presença do selvagem, ele percebe que na fissura, a potência do fotográfico se estabelece na contramão dos interesses “civilizatórios” como o mecanismo da moda no sistema artístico.

Nessa direção - na beirada do precipício - se encontram os produtores de oportunidades, prontos para uma devoração incessante, críticos associados a mercadores endossando o fetiche da mercadoria, sobre essa condição a obra “Merda d´artista” de Piero Manzoni, que ao responder a uma calúnia paterna construiu uma brilhante reflexão sobre o processo de transformação da arte em mercadoria. Ao apontar para uma questão muito simples, o procedimento artístico, se estabelece o que é fundamental uma relação diferenciada do artista em relação a seu objeto.

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” in Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.

---. “Pequena história da fotografia” in Obras escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo, Brasiliense, 1985.

DEBRAY, Régis. Vida y muerte de la imagen. Barcelona: Paidós, 2000. FOSTER, Hal. El retorno de lo real. Madri: Akal, 2001

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HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo, Rio de Janeiro: Imago, 1988. KRAUSS, Rosalind. El inconsciente óptico, Madrid: Tecnos, 1997.

i

Conceito que aparece pela primeira vez em Pequena história da fotografia e que depois é retomado em A

Referências

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