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REESCRAVIZAÇÃO DE CRIANÇAS INGÊNUAS EM FEIRA DE SANTANA,

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REESCRAVIZAÇÃO DE CRIANÇAS INGÊNUAS EM FEIRA DE SANTANA, 1871 – 1885

Bruna Santana da Silva1

Introdução

O presente trabalho apresenta pesquisa sobre táticas de reescravização de crianças ingênuas ao trabalho servil, em Feira de Santana, entre a promulgação da Lei 2040 de 28 de setembro de 1871, conhecida como Rio Branco (1871) ou do Ventre Livre – e o ano de 1885, quando registros sobre estes sujeitos começaram a rarear2. Fazem parte de pesquisa de Bolsa de Iniciação Cientifica que objetiva investigar escrituras de compras e vendas de mães escravas com os seus filhos ingênuos; cartas de liberdade de escravas, em busca de indícios sobre o uso da mão de obra dessas crianças livres para o trabalho em práticas próximas ao cativeiro.

Nesta comunicação as fontes utilizadas são apenas dois processos de compra e venda de escravas da região do município de Feira de Santana, que trazem a especificidade de registrarem seus filhos ingênuos como parte da transação. São documentos disponíveis no Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOC) – da Universidade Estadual de Feira de Santana. Utilizo a bibliografia sobre o tema, com autores como Gicelle Alaniz, Maria Aparecida Papali, Milena Perussato. Para a Bahia, Ione Sousa (2006, 2008, 2015) e Giovanna Gusmão (2016).

1 Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana e bolsista no

Projeto de Iniciação Científica PIBIC/AF 2016, email: bssilva.fsa@gmail.com.

Projeto de Iniciação Científica: “Reescravização de Crianças Ingênuas em Feira de Santana,

1871-1885”, inserido no sub-projeto coordenado pela Professora Dra. Ione Sousa “As Tutelas e Soldadas de crianças na Bahia - ingênuos, pobres e migrantes- 1850/1920”, parte do Projeto Institucional Cativos

do Sertão: Fontes Para a História da Escravidão e da Família Negra em Feira de Santana e Região (1830 – 1885).

2 SOUSA, Ione. Porque a ociosidade é a mãe de todos os vícios: tutelas e soldadas de ingênuos na

Bahia-1871-1899. In: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo & CASTILHO, Celso (org). Tornando-se

livre: agentes históricos e lutas sociais no processo da Abolição. 1ªed.São Paulo: Ed. EDUSP-

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A Lei do Ventre Livre e a Questão dos Ingênuos

A historiografia do tema indica que a Lei 2040 de 28 de setembro de 1871, mas conhecida como Lei do Ventre Livre, teve como um dos objetivos normatizar a liberdade dos filhos das mulheres escravas que nascessem a partir da sua data de promulgação.

Contudo, como indica CHALHOUB3, apenas dois dentre seus dez artigos, tocavam diretamente a respeito da condição da criança ingênua. Seu primeiro artigo dispôs sobre a situação desta criança, determinando sua condição jurídica de livre

[...] Art. 1. ° Os filhos de mulher escrava, que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.

Contudo, os incisos deste mesmo artigo apresentam as condições desta liberdade quanto à idade, quem ficaria com a guarda/tutela, quem os educaria e manteria e, principalmente para esta análise, quem e como se poderia dispor dos usos de seu trabalho. Analisando estas questões de modo mais delicado no texto da lei, o início do inciso apresenta quem teria autoridade sobre os ingênuos, no caso, os próprios senhores de suas mães, o que permitiu, para Chalhoub, a continuidade de muitas das relações e práticas do cativeiro.

§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito anntratal-os complettratal-os.

Em continuidade, o texto da lei 2040 delimitou quanto tempo duraria o poderdo senhor da mãe escrava sobre a criança ingênua, no caso, até os oito anos do ingênuo ou da ingênua, quando deveria ser entregue ao Estado ou a instituições de filantropia e/ou educacionais, para os tratar, criar e educar, como analisou Ione Sousa4 em texto sobre o destino de meninas ingênuas na Bahia entre 1870 e 1890,

3 CHALHOUB, Sidney. Exclusão e cidadania. In: História Viva. São Paulo: Editora DUETTO, Edição

Especial Temática nº 03, Temas Brasileiros: A presença negra. ISSN 1808-6446; 2006. Pp.38-41.

4 SOUSA, Ione. Criadas para servir: instrução e educação feminina de pobres na Bahia- 1870/90. In:

Sarmento, Clara(org) .“CONDIÇÃO FEMININA NO IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS”. Editorial do Politécnico do Porto: Porto/PT;2008.

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Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar á idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.5

Esta disposição da criança ingênua poder continuar no poder é vista pelos historiadores do tema como uma brecha ao uso dos serviços destas crianças pelos senhores de sua mãe em práticas de reescravização, ou no mínimo de uso de seus serviços de forma forçada, como investiga Ione Sousa sobre ingênuos que continuaram tutelados até 18976, ou como a a venda de mulheres escravas escravas com seus filhos livres como parte da transação, objeto deste artigo

Segundo Papali7 em pesquisa sobre a construção da liberdade de ingênuos e sua tutela, para a cidade de Taubaté, a legislação de 1871 provocou fissuras entre as elites parlamentares do Sudeste: os emancipacionistas viram na Lei 2040 o procedimento mais coerente para uma política abolicionista legalizada, eficiente e que de forma gradual garantiria a libertação escrava. Contudo, a Lei nº 2040, ou como foi chamada Lei do Ventre Livre, funcionou mais do que uma simples homologação do que tange a extinção gradual do trabalho escravo. Para Papali, acabou funcionando como uma estratégia política de avanço e recuo em relação aos mais diversos objetivos que a legislação pretendia alcançar.

5 Fonte disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2040.htm

6 SOUSA, Ione. Porque a ociosidade é a mãe de todos os vícios: tutelas e soldadas de ingênuos na

Bahia-1871-1899. In: MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo & CASTILHO, Celso (org). Tornando-se

livre: agentes históricos e lutas sociais no processo da Abolição. 1ªed.São Paulo: Ed. EDUSP-

Universidade de Vanderbilt, 2015, v. 01, p. 09-479

7 PAPALI, Maria Aparecida Chaves Ribeiro. Escravos, libertos e orfãos: a construção da liberdade em

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4 Sobre esta questão das diferentes percepções dos abolicionistas, Gicelle Alaniz8 destaca que na avaliação de Joaquim Nabuco a lei 2040 era clara e objetiva no principio de que ‘ninguém mais nascia escravo a partir daquela data’, e poderia ser considerada como a primeira legislação humanitária da história do Brasil. Mas, considera esta historiadora, pelas brechas da legislação estes/as ingênuos/as estariam entregues ao cativeiro até completarem a maior idade civil no período, vinte e um anos.

Assim problematiza que o papel da Lei n 2040 não se cumpriu, entendendo que apesar dessas crianças nascerem livres, não tinha nenhuma garantia de que elas seriam ‘livres’ da condição de vida escrava em que suas mães estavam condicionadas. Sousa em texto já citado investigou para a Bahia que muitos continuaram tutelados e assoldados mesmo depois de 13 de maio de 18889.

No estudo feito por Vera Lucia Moura, que analisou (...) em que condições sociais que ficaram as crianças ingênuas em Pernambuco10(...) , foi possível constatar que o governo Imperial e Provincial não tinham pretensões de assistir socialmente a criança, e sim eliminar o último foco de escravidão através do ventre e não fornecer11. A autora ainda continua afirmando que

“A experiência mostrava que o indivíduo nascido e criado na escravidão era ávido de liberdade, e que os ingênuos, apesar de nascerem livres, eram também criados com os mesmo princípios e sentimentos dos escravos.” (MOURA, 2005, p.5)

Sobre os usos da mão de obra dos filhos da mulher escrava o trabalho pioneiro e fundamental é de Katia Matoso12 que analisou diversos aspectos destas práticas ao

8 Anna Gicelle Allaniz faz referencia as opiniões do emancipacionista a respeito da Lei do Rio Branco.

ALANIZ, Anna Gicelle. Ingênuos e libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas de transição. 1871-1895. Campinas: CMU/Unicamp, 1997.

9 SOUSA, Ione C. J. de; MACHADO, M. H. P.T ; CASTILHO, Celso . Porque a ociosidade é a mãe de

todos os vicios: tutelas e soldadas de ingênuos na Bahia-1871-1899. In: Maria Helena Pereira Toledo Machado; Celso Castilho. (Org.). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo da Abolição. 1ªed.São Paulo: Ed. EDUSP- Universidade de Vanderbilt, 2015, v. 01, p. 09-479

10 MOURA, Vera Lúcia Braga de. Meninos livres, mães escravas. In: ANPUH - SIMPÓSIO NACIONAL

DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais... . Londrina: Anpuh, 2005. p. 1 - 8.

11 MOURA, 2005, p. 2

12 O filho da escrava: em torno da lei do ventre livre. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8,

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5 longo das últimas três décadas de regime escravista no país, principalmente quanto a Província baiana. Seu argumento foi que aquelas crianças foram (...) duplamente mudas, e duplamente escravas, vez que, geralmente, entende-se que todo escravo, mesmo adulto, é a criança para o seu senhor e menor perante a lei e eterno catecúmeno para a Igreja. (MATTOSO, 1988, p. 2). A historiadora destacou evidencias que as fases da infância para a criança filha da escrava eram extremamente diferentes do que eram para a criança filha/o do/a senhor/a. No trecho abaixo destacado ela se refere às crianças no espaço da cidade,

“Na cidade, a exiguidade do espaço ocupado pela família do senhor com frequência relega os filhos da escrava nos alojamentos reservados aos escravos ou em outras áreas como, por exemplo, nos pontos de mercado e nas lagoas onde se lava a roupa. [...] É nos seus sete para oito anos que a criança se dá conta de sua condição inferior em relação principalmente às crianças livres brancas. As exigências dos senhores tornam-se precisas, indiscutíveis. A passagem da vida de criança para a vida de adolescente era o primeiro choque importante que recebia a criança escrava.” (MATTOSO, 1988, p. 7)

É possível interpretar a partir dos escritos de Mattoso o que vinha por trás dos discursos postos nos processos de tutela sobre os sentimentos de guardar e proteger esse menor - estava ali o trabalhador útil e barato para o seu senhor/tutor. A historiadora explicitou que essa faixa etária, dos sete aos oito anos, se caracterizava por ser o momento em que a criança ingênua, na convivência direta com a mãe escrava e seus parentes passavam a entender sua condição de inferioridade, como também era treinada para os trabalhos que fariam parte de sua vida. Não que a aprendizagem de ofícios nesta idade fosse inerente apenas aos ingênuos ou aos pequenos escravos, com quem devem ter convivido na década de 1870. A questão para Matoso era a questão de introjetar as atitudes e valores da escravidão com suas mães e familiares, biológicos ou sociais. Gicelle Alaniz, Aparecida Papali, Ione Sousa chamam ainda a atenção nos processos de tutela de ingênuos, era nesta faixa etária que a maioria era tutelada e/ou assoldada, tendo seus serviços colocados à disposição de alguém.

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6 Sobre a questão das tutelas das crianças ingênuas Raquel Francisco chama a atenção para que os processos de tutela em Juiz de Fora13, em Minas Gerais eram justificados como forma de proteger, educar e amparar essas crianças ou então, para essa lhes dar uma educação ligada a um ofício manual (fosse ferreiro, carpinteiro, funileiro, bordadeira etc;), como bondade. Ione Sousa discutiu para a Bahia o caráter deste ‘bondade’, pois, em boa parte dos processos de tutela que vem investigando os ingênuos atuaram na roça. Da mesma forma vem encontrando Giovana Gusmão em dissertação recém defendida.

Esta historiadora ainda indica que uma das falas mais usadas nestas tutelas era evitar “o ócio’. E que ao seguir as indicações pioneiras de Alaniz sobre esta investigação que cruza faixa etária e tutelas também encontra que crianças mais novas são pouco encontradas nos processos de tutela.

Um texto bastante interessante sobre as visões e destinos das crianças ingênuas é o de Milena Perussato14, que investiga estes sujeitos no Rio Grande do Sul, problematizando a expressão da lei “Como se de ventre livre nascessem”, a historiadora avaliou a partir da documentação levantada sobre ingênuos em Rio Pardo/RS, a presença dessas crianças em escrituras de compra e venda; cartas de alforria e inventários post-moden, não foram citadas como meros acompanhantes de suas mães escravas, tinham o seus serviços avaliados e destacados nos registros, evidenciando a importância da sua força de trabalho para o senhor que usaria por pelos mais treze anos de sua vida.15 A respeito da documentação referente às pesquisas sobre ingênuos, os trabalhos referentes apresentam sinais indicativos a respeito da situação em que as crianças se encontravam a mercê do cativeiro.

13 FRANCISCO, Raquel Pereira. Autonomia e liberdade: os processos de tutela de menores ingênuos e

libertos – Juiz de Fora (1870-1900). Especiaria-Caderno de Ciências Humanas. vol.10, n/18, pp649-676, dez. 2007.

14 PERUSSATTO, Melina Kleinert. Como se de ventre livre nascesse: experiências de cativeiro,

parentesco, emancipação e liberdade nos derradeiros anos da escravidão – Rio Parto/RS, c.1860 – c.1888. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo, 2010.

15 Segundo a Lei 2040/1871, o senhor poderia usufrir do trabalho da criança dos 8 anos 21 anos. Ver

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7 Seguindo os passos destes/as historiadores/as, busquei investigar como no município de Feira de Sant’anna16 localizada no sertão baiano, registros que apresentassem a manutenção de práticas escravistas referentes a criança ingênua, destacando praticas de resecravização, pouca investigadas neste campo ainda também O ingênuo, apesar de livre desde o ventre, ou no uso do título de Perussato “Como se de ventre livre nascesse”, nascia e crescia na lógica do trabalho escravo, sofrendo tentativas de direta reescravização. Documentação do período evidenciam os registros de compra e venda de mulheres escravizadas que muitas vezes foram vendidas com o serviço de seus filhos ingênuos também anunciados, configurando assim um processo de reescravização, contrariando o primeiro artigo da Lei 2040.

Tendo em vista que a pesquisa encontra-se em fase inicial, apresentarei o que já levantado e analisado, que são registros de escrituras de compra e venda dessas mães escravizadas em Feira de Santana, para melhor explanar o objetivo principal desse trabalho.

A documentação faz parte do acervo do CEDOC é composta por quinze escrituras de compra e venda de mães escravas registradas como acompanhadas de seus filhos ingênuos, o que era regulamentado pela Lei 2040 quanto à venda de escravas mães e quanto ao Fundo de Emancipação.

Art. 3º Serão annualmente libertados em cada Provincia do Imperio tantos escravos quantos corresponderem á quota annualmente disponivel do fundo destinado para a emancipação.

5§ 1º O fundo de emancipação compõe-se: 1º Da taxa de escravos.

2º Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade dos escravos.

Contudo, considero que também existem nestas fontes a indicação da função do ingênuo como mão de obra imediata ou futura para o senhor que acabara de comprar sua mãe, em tentativas de rrescravização. Um primeiro exemplo pode ser percebido na escritura pública de compra e venda que o senhor Francisco Pereira dos Santos

16 FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: agropecuária, escravidão e

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8 Varginha faz da escrava Maria, de cor parda, 31 anos, solteira e de facto, sendo a dita escrava Maria, e os serviços dos ingenuos dos filhos Theodoro, e Martha a hoje vendidos ao comprador dito Manoel de Jesus Silva pelo preço e quantia de quinhentos mil réis17.

A outra escritura de compra e venda de escrava com agregação dos filhos ingênuos que permite a possibilidade de investigação de reescravização é a venda da escrava de nome Florencia, 1878, portanto se ingênuos a partir da lei 1871 com menos de oito anos, a Dona Locadia Pedreira Cerqueira e Silva. A destacar que possivelmente deve existir erro nas datas dos nascimentos pois o período em meses é de apenas cinco entre o nascimento da menina e do menino

Levando a mesma escrava e dos serviços de seus dois filhos ingenuos de nomes Emilio, pardo, nascido no dia seis de outubro de 1871, e Edivirges, cor fula, do sexo feminino nascida em 17 de abril de 1871, de seus serviços e matriculada sob os nº 62 digo vinte e dois e seiscentos e trinta oito.18

Não há neste documento uma descrição aprofundada quanto ao tipo de serviço que essas crianças fariam, inclusive a destacar a pouca idade para determinados trabalhos, como discutiu a historiadora Katia Matoso. Estas informações são constantes nos outros documentos de compra e venda de escravas já levantadas nesta pesquisa que desenvolvo em Feira de Santana. Um passo a realizar é cruzar com processos de tutela do período de 1880 a 1900, como fez Sousa19 para ver se foram tutelados e quais atividades foram postos a exercer. E por quanto tempo, talvez ate como encontrou esta historiadora ate muito após a Abolição legal.

“As ações de tutela e de soldada permitem argumentar que depois da emancipação de 1888, muitos ingênuos vivenciaram práticas de trabalho compulsório, especialmente na lavoura, mas também em serviços

17 Cedoc, Sertão senhorial, Livro 1888, fl. 33v-34v.

18 Cedoc, Sertão senhorial, Livro, fragmentos, ano não identificado, fl. 56f . (ao final do documento,

consta a data de registro da compra, 29 de maio de 1878.

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9 domésticos, ou encaminhados ao aprendizado de ofícios manuais em arsenais e tendas de artistas e artesãos.” (SOUSA, 2015, p.3)

Vera Moura20 em sua análise dos registros de compra e venda de mães escravas acompanhadas dos filhos ingênuos em Pernambuco constatou a ausência repetida do registro de matrícula dessas crianças, o que argumenta foi uma forma de esconder a condição de ingênua da criança. “Mesmo existindo o dispositivo da lei, que multava os que não dessem o seu cumprimento, muitos filhos livres de escravas tiveram seu direito sonegado.” (MOURA, 2005, p. 6) Essa ‘peculiaridade’ está sendo notada nos documentos trabalhados, pois o livro de registro dos ingênuos da Cúria da Freguesia de Feira de Santana, pesquisado por Max Nogueira21 apresenta nos primeiros anos após 1871 lacunas. Neste sentido Ione Sousa também destaca a falha no envio de dados para o Ministério do Interior22.

Conclusão

Pesquisar e tentar dar voz para aqueles se foram constantemente silenciados na historiografia é desafiante. Investigar os efeitos da Lei do Ventre quanto à questão da vida das crianças ingênuas no uso do seu trabalho permite desvendar que muitas ficaram a mercê dos senhores de suas próprias mães em situações próximas do cativeiro. Apesar de prescritas na Lei 2040 não se aplicou as medidas a fim de efetuar a educação do “filho livre da mulher escrava”, daqueles que “livres como se assim nascessem” fora do cativeiro. Os incisos da lei 2040 permitiram a continuidade das gerações futuras na manutenção da prestação do trabalho escravizado.

O levantamento e análise das fontes devem prosseguir para além do material já manuseado, partindo para uma investigação de cartas de alforria das mães e inventários

20 MOURA, 2005, p. 6. Op.Cit

21 NOGUEIRA, Max . Compadrio, criança e escravidão- formação das relações de parentesco ritual pelas famílias escravas em Feira de Santana, 1866 -1880. TCC defendido como requisito na

Licenciatura em História. UEFS: FSA; 2009. Orientação Profª Drª Ione Sousa.

22 SOUSA, Ione. Escolas ao povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia

oitocentista-1870/90. Tese de Doutorado em Historia.PEPGHS/PUC-São Paulo. 2006. Orientação Profª Drª Maria Antonieta Martinez Antonacci.

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10 dos senhores no intuito de investigar mais profundamente esta a face da história desses seres que tiveram direito duplamente negados23.

Referências Bibliográficas

ALANIZ, Anna Gicelle. Ingênuos e libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas de transição. 1871-1895. Campinas: CMU/Unicamp, 1997.

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Ciências Humanas. vol.10, n/18, pp649-676, dez. 2007.

FREIRE, Luiz Cleber Moraes. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: agropecuária, escravidão e riqueza em Feira de Santana, 1850-1888. Feira de Santana. UEFS Editora, 2011.

MATTOSO, Katia de Q. O filho da escrava: em torno da lei do ventre livre.

Revista Brasileira de História, São Paulo, v.8, n.16, p.37-55, set. 1988.

MOURA, Vera Lúcia Braga de. Meninos livres, mães escravas. In: ANPUH - SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais... . Londrina: Anpuh, 2005. p. 1 - 8.

PAPALI, Maria Aparecida Chaves Ribeiro. Escravos, libertos e orfãos: a construção da liberdade em Taubaté (1871-1895). São Paulo: Annablume, 2003

PERUSSATTO, Melina Kleinert. Como se de ventre livre nascesse: experiências de cativeiro, parentesco, emancipação e liberdade nos derradeiros anos da escravidão – Rio Parto/RS, c.1860 – c.1888. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo, 2010.

SOUSA , Ione Celeste Jesus de. Escolas ao Povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia - 1870 a 1890. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História/PUCSP: São Paulo, 2006.

_________; MACHADO, M. H. P.T ; CASTILHO, Celso . Porque a ociosidade é a mãe de todos os vicios: tutelas e soldadas de ingênuos na Bahia-1871-1899. In: Maria Helena Pereira Toledo Machado; Celso Castilho. (Org.). Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo da Abolição.. 1ªed.São Paulo: UNESP- Universidade de Vanderbilt, 2015, v. 01, p. 09-479

23 Referenciando a fala de Kátia Mattoso, quando ela discorre o duplo silenciamento das crianças escravas

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Referências

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