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MUSEU DE ARTE LEOPOLDO GOTUZZO: ASPECTOS DE SUA GÊNESE E RELEVÂNCIA SOCIAL PARA CIDADE DE PELOTAS

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Sessão temática Sensibilidade - 750

MUSEU DE ARTE LEOPOLDO GOTUZZO: ASPECTOS DE SUA

GÊNESE E RELEVÂNCIA SOCIAL PARA CIDADE DE PELOTAS

Raquel Santos Schwonke1

Resumo

Este trabalho consiste em uma pesquisa histórica a respeito do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, situado na cidade de Pelotas – RS. Com foco na gênese da Instituição e na notoriedade do artista que lhe confere o nome, busca-se elucidar a relevância social do Museu e do artista em questão. Com base no referencial teórico da História Cultural, emprega-se o método da pesquisa documental na abordagem dos arquivos da Instituição, tais como fotografias, obras de arte, álbum do artista, entrevista realizada pela pesquisadora. Como resultados, podem-se elencar os fatores que contribuíram para o surgimento do Museu, as relações estabelecidas entre memória e sociedade, a evidência de ações individuais e sociais, as relações entre arte e sociedade, a recepção da sociedade local ao artista.

Palavras-chave: Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, Leopoldo Gotuzzo, Instituição de

Arte, memória.

Considerações iniciais

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a pesquisa em fase inicial de desenvolvimento no Curso de Doutorado em Educação da FAE/UFPel, na Linha de Pesquisa Filosofia e História da Educação. Trata-se de uma pesquisa histórica a respeito do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG), Instituição de Arte ligada ao Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (CA-UFPel). O foco da investigação é a gênese da instituição e a notoriedade do pintor Leopoldo Gotuzzo, que dá nome ao local. Nesse sentido, não se busca narrar “a” história da Instituição, mas sim “uma” história da Instituição, feita em um determinado momento por um olhar específico. A investigação busca elucidar não apenas a relevância social do Museu para o ensino da

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Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Educação (FaE) - UFPel. E-mail: raquel.ufpel@gmail.com

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Sessão temática Sensibilidade - 751 arte na cidade de Pelotas, mas também o reconhecimento do artista pela comunidade em geral. Investigam-se e analisam-se as condições que proporcionaram o surgimento da Instituição e também a figura expoente do artista Leopoldo Gotuzzo e sua trajetória, apostando na reinterpretação dos elementos que contribuem para a construção identitária do Museu.

As questões norteadoras da pesquisa são: Qual o contexto econômico, sociocultural e político da época em que o MALG foi fundado? Quem fundou o Museu? Por quê? Para quem? Qual era a proposta da Instituição? Para isso, faz-se um levantamento anterior a 1986, ano de surgimento do Museu, chegando à Escola de Belas Artes (EBA), no ano de 1949, ano em que se inicia uma pinacoteca para abrigar os quadros do artista com a intenção de um futuro museu, além de alojar tantas outras doações de alunos e da comunidade. Investiga-se também a participação da Universidade e de gestores que colaboraram para a criação do Museu.

O trabalho emprega o método da pesquisa documental, sendo utilizados principalmente os arquivos da instituição, a saber: ofícios, fotografias, obras de arte, álbum do artista e entrevista realizada pela pesquisadora. Estes achados de pesquisa são abordados de acordo com o referencial teórico da História Cultural ou Nova História Cultural2. Pesavento (2005, p.15) aborda essa nova maneira de fazer história: “Se a História Cultural é chamada Nova História Cultural, é porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a cultura”. Pensando a cultura como significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo, para a autora:

A cultura é uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portanto, já com um significado e uma apreciação valorativa. (PESAVENTO, 2005, p. 15)

O Museu de Arte de Pelotas

A história do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG) inicia no ano de 1986, quando é inaugurado como um setor do então Instituto de Letras e Artes, atual Centro

2 A expressão Nova História Cultural é usada para lembrar que antes teria havido uma velha, tradicional,

mais antiga – História Cultural. Foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura popular. Para maiores informações, ver Pesavento (2005).

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Sessão temática Sensibilidade - 752 de Artes (CA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A Figura a seguir retrata a solenidade de abertura da Instituição.

Figura 01 – Nota de divulgação. Solenidade de Abertura do Museu, Profa. Luciana Reis, Reitor da UFPel, Pró-Reitor de Extensão e convidados especiais. Fonte: Jornal Diário da Manhã, de 08 de novembro de 1986.

Inicialmente, o Museu funcionou juntamente com a Editora e Gráfica da UFPel, em um prédio no centro da cidade de Pelotas3, ocupando o andar térreo e o porão da casa.

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Sessão temática Sensibilidade - 753 2

Figura 02 – Fotografia do prédio que foi alugado para o Museu em 1986, situado à Rua Marechal Deodoro, 673. Este foi o primeiro prédio do MALG, ficando ali até 1992. Arquivo Acervo do MALG.

Conforme já mencionado, o nome do Museu origina-se do artista que doou parte de sua obra e que constitui a coleção fundadora do Museu. O artista já não residia em Pelotas desde 1920, quando se transferiu definitivamente para a cidade do Rio de Janeiro. Na sua cidade natal, aceitava-se a sua notoriedade em face dos expressivos sucessos na sua carreira, especialmente considerando de onde partiu. Como forma de reconhecimento de sua autoridade artística, a Escola de Belas Artes (EBA)4, fundada no ano de 1949, através de sua Diretora, Professora Marina de Moraes Pires5, confere-lhe o grau de patrono. É importante salientar que a EBA, durante seus 23 anos (1949-1973), desempenhou papel fundamental na vida cultural da comunidade, formando artistas e promovendo o interesse pelas artes visuais. Inclusive, foi pela agregação da EBA a outras unidades de ensino superior que se fundou a UFPel, em 1969. Por essa soma de acontecimentos, explica-se a proposta e a motivação dos envolvidos para a formação do MALG. Porém, mesmo na sua origem, o Museu contou com a coleção da EBA.

O MALG nasceu, definiu-se e mantém-se na tipologia de um Museu de Arte e, por conta do percurso traçado nos 27 anos, estabeleceu como meta o atendimento à

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Sobre a Escola de Belas Artes, ver: MAGALHÃES, Clarice Rego. A Escola de Belas Artes de Pelotas: da Fundação à Federalização (1949/1972) – uma contribuição para a História da Educação em Pelotas. Pelotas:PPGE/UFPel. Dissertação de Mestrado, 2008.

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Marina de Moraes Pires foi a única Diretora da EBA. Como era amiga de Gotuzzo, convidou-o para ministrar aulas de pintura na Escola, mas Gotuzzo não aceitou. A esse respeito, é possível ler mais em Magalhães (2008).

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Sessão temática Sensibilidade - 754 produção em Arte na contemporaneidade. Entretanto, sua identidade é fortemente marcada pela produção do patrono. Segundo Werle (2002, p. 5), para se empreender a narrativa histórica de uma instituição educacional, deve-se considerar que uma instituição é transpassada e constituída por relações de poder, o qual está vinculado à figura de uma pessoa principal que, nos primórdios da instalação da instituição, contribuiu para criá-la, e a quem herda, para interpretar o ideário e as necessidades institucionais:

Fazer história institucional exige revisitar o projeto primitivo, a posição do fundador, aquele que lhe deu paternidade, retomar as formas de organização jurídica e material. A abordagem da dimensão institucional poderá evidenciar o conflito entre o instituído e os processos de institucionalização, os momentos, fases ou períodos em que a instituição tendeu a tornar-se um artefato, com funcionamento independente, destacando-se das propostas fundadoras. O jogo entre o instituído e o instituinte, a totalidade em organização, os processos de estruturação e não apenas o estruturado, esses, os desafios a enfrentar no empenho de compor narrativas referentes à história das instituições escolares. (WERLE, 2002, p.5)

De acordo com a Chefe da instituição, professora Luciana Araujo Renck Reis6, o Museu surge com a filosofia de “recuperar a memória artística, registrar o presente e educar para o futuro”. Em 1990, Reis fez um apanhado dos seus quatro primeiros anos na administração, afirmando que “o Museu conquistou importante espaço junto à comunidade, obteve credibilidade e, com isso, recebeu muitas doações de bons artistas modernos de Pelotas e Rio Grande do Sul”, o que possibilitou a formação gradual de um novo acervo – contemporâneo.7

Além disso, cumpre ressaltar que a inserção do museu na sociedade pelotense deu-se em condições favoráveis. A cidade de Pelotas viveu um período de opulência, no qual a educação e a cultura eram bastante apreciadas. Conhecida como a “Princesa do Sul”8

, a cidade tinha a EBA, o artista Leopoldo Gotuzzo, a valorização da cultura, uma coleção, um acervo e, para fechar a trama da gênese do Museu, a figura ímpar da professora Luciana, amiga de Gotuzzo, que fez a promessa ao pintor de fundar um museu para guardar suas obras. Com esforço, dedicação e competência a professora

6 Professora do Instituto de Letras e Artes da UFPel. 1ª. Chefe do MALG. 7

Documento MEC – UFPel/ Pró-Reitoria de extensão. Depto. Atividades Artísticas e Culturais/ MALG. Sem data, 1990. Acervo do MALG.

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Sessão temática Sensibilidade - 755 consegue sensibilizar as instâncias da UFPel e obtém um prédio para as instalações do MALG.

O artista

Leopoldo Gotuzzo nasce em Pelotas, 1887, e morre no Rio de Janeiro, 1983, filho do italiano Caetano Gotuzzo e da pelotense Leopoldina Netto Gotuzzo. Seu pai era proprietário do Hotel Aliança, situado na Rua 15 de novembro, no centro da cidade – o único do país com água encanada e serviço telefônico nos quartos. Gotuzzo, desde cedo, mostrou o seu lado artístico e desenhava os hospedes do hall do hotel.

Figura 3 – Fotografia de Leopoldo Gotuzzo. Fonte: Acervo do MALG.

Gotuzzo inicia-se na pintura com Frederico Trebbi, artista italiano radicado no município e, aconselhado por ele, segue em 1909 para a Europa estudar arte. Primeiramente estuda em Roma (por quase cinco anos), depois Madri (1915), Paris (1917) e, em 1918, volta para o Brasil. Nesse período, participa de salões nacionais e internacionais, recebendo diversas medalhas de bronze e prata por seus trabalhos. No ano de 1927, decide retornar à Europa, fixando residência em Portugal. Durante todo o tempo, nas idas e vindas, ficava entre o Rio de Janeiro e Pelotas, onde tinha muitos amigos e vendia suas obras. Manteve sempre viva a amizade com os amigos na sua terra natal e em especial com Marina de Moraes Pires, fundadora da EBA (1949-1973), para a qual faz sua primeira doação.

Em 1955, deixou um segundo conjunto de obras, que deveriam ser entregues após sua morte. Em carta escrita pelo artista à Marina de Moraes Pires, Gotuzzo

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Sessão temática Sensibilidade - 756 manifesta o desejo de ver criado um museu que acolhesse sua produção artística e que tivesse seu nome: “É meu desejo que quando a Escola de Bellas Artes tiver local adequado e meios para manter, se instale aí uma pequena coleção Gotuzzo, com alguns quadros que possam caracterizar meu modesto trabalho”. No mesmo ano, na EBA, cria-se o Salão Leopoldo Gotuzzo para abrigar e expor as obras doadas pelo artista.

Em outro trecho, o artista manifesta o desejo que seu trabalho seja conservado para o futuro:

Apesar da boa vontade e da expontaneidade com que fiz a doação, confesso que muita cóusa tenho sentido na separação destes quadros que representam tanto estudo, tanta luta, tanta duvida e... a mocidade “Che non torna piú”. É também pouco cá de casa que se vae: muitos delles lhe cobriam as paredes e são um pouco gente nossa. Alguns representam as primeiras recompensas que dei a o esforço e à separação de meus Paes e meus irmãos, e também o seu orgulho, a medida que, ainda no estrangeiro, ia ganhando as primeiras premiações officiaes. Mas em tudo isso há também a grande satisfação de vêr que o resultado do esforço de meus Paes, das dúvidas, da mocidade volta para o ponto de partida do rapazola, que sahiu cheio de esperança, mas ao mesmo tempo preocupado com o compromisso que assumia. Nossa Escola, passados tantos anos, também assume um compromisso, o cuidado e a conservação dessas telas que quanto mais durarem mais tempo dirão que um filho de Pelotas lhe deu o que tinha de melhor. Receba, nossa cara Directora, com todos da Escola, meus cordeaes cumprimentos e os melhores votos de felicidade. Saudades do Gotuzzo. (Carta de Leopoldo Gotuzzo, 1955. Acervo do MALG).

Diante disso, verificamos que a necessidade de memória de Gotuzzo revela-se como uma permanência à vida na terra, de ligação a algo no passado para o futuro, garantindo assim a sua eternidade. Em outra carta, o artista comunica que despachara algumas obras pela Varig do Rio de Janeiro para Pelotas:

Digo, recapitulando, que entregarei à “Varig” amanhã, dezesseis quadros, expressando diversos períodos de minha carreira artística. [...] Nossa Escola, passados tantos anos, também assume um compromisso, o cuidado e a conservação dessas telas que quanto mais durarem mais tempo dirão que um filho de Pelotas lhe deu o que tinha de melhor. (Carta de Leopoldo Gotuzzo, 31/05/1955. Acervo do MALG).

Um mês após a morte do artista, em maio de 1983, a então Diretora do Instituto de Letras e Artes (ILA)9, portando procuração10 assinada pelo Reitor11, vai ao Rio de

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Professora Carmen Lucia Matznauwer Hernandorena, Diretora do ILA.

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Sessão temática Sensibilidade - 757 Janeiro com o fim de receber, em nome do outorgante, o acervo artístico doado pelo pintor Leopoldo Gotuzzo à Escola de Belas Artes Dona Carmen Trápaga Simões. É importante destacar que a doação de Gotuzzo foi para a Escola, Instituição de Ensino de Arte da qual Gotuzzo era o Patrono e com a qual tinha profundas ligações desde a sua fundação. Porém, pelo fato de a EBA ter sido absorvida pela UFPel em 1973, a doação resultou em favor do ILA, departamento originário da antiga Escola. Em 14 de junho, a professora Carmen Hernandorena recebe todo o acervo artístico doado pelo pintor, juntamente com a lista das obras com os dados técnicos, elaborada por Elsamaria Loureiro de Souza, especialista contratada para tal fim. Com tais obras, foi constituída uma significativa Coleção do artista.

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Figura 4 – Momento da doação da Obra a Espanhola à Escola de Belas Artes - com: Marina de Moraes Pires, Leopoldo Gotuzzo, Aldo Locatelli e Heráclito Brusque, figura da elite pelotense. Fonte: Fototeca Memória da Universidade Federal de Pelotas.

Gotuzzo teve uma vida longa e uma produção muito vasta. Conforme Tavares (2006), Leopoldo Gotuzzo foi e ainda é um artista exponencial para a Arte no Rio Grande do Sul.

As fontes documentais e a memória

11 Ruy Barbedo Antunes – Reitor da UFPel.

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Sessão temática Sensibilidade - 758 Para a constituição deste trabalho, o primeiro passo foi procurar o que já havia sido escrito e publicado sobre a Instituição12 e o artista13, bem como o que existia de fontes documentais. Cabe salientar que nenhum dos trabalhos encontrados até o momento analisava a Instituição em si. Quanto às fontes documentais, pode-se dizer que o Museu tem preservado rico material de pesquisa, documentos de grande importância para a memória da instituição, tais como recortes de jornais, convites, cartas, cópias de documentos oficiais, fotografias, álbum do patrono, todos à espera de serem pesquisados.

O método empregado consiste-se na pesquisa documental, sendo utilizados principalmente os arquivos encontrados na Instituição. Com as fontes documentais relacionam-se os referenciais teóricos que apontam para as questões de memória e patrimônio, reconhecendo a forte participação de Gotuzzo. As fontes escritas utilizadas na pesquisa possuem duas origens centrais: arquivo da instituição e periódicos da época.

No processo de análise da variedade de fontes documentais encontradas até o presente sobre a Instituição e o artista, considera-se essencial a interpretação. Conforme expressa Ragazzini (2001, p.14), as fontes não falam por si; a fonte é uma construção do pesquisador. Para Le Goff (1996), todo o registro está num contexto, não sendo possível analisá-lo isoladamente, dado que se encontra imerso em uma realidade que precisa ser compreendida:

O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. (LE GOFF, 1996, p. 545)

Nesse sentido, Magalhães (2004) apresenta um posicionamento metodológico significativo para a presente pesquisa. O autor considera que, para o trabalho não cair no empirismo e seguir numa reta dentro da historia cultural, todos os dados devem ser colocados numa espécie de teia, em busca dos significados e significações, o que irá

12

Trabalhos onde foram encontradas referências a história do MALG: Magalhães ( 2008 ), Silva e Loreto (1996) , Lacerda (2013) e Rocha (2010).

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Com referência a Leopoldo Gotuzzo foi encontrado o trabalho de Tavares (2006) e o de Lacerda (2013).

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Sessão temática Sensibilidade - 759 provocar as problematizações a partir dos entrelaçamentos. É desse modo que este estudo vem sendo construindo, em busca as perguntas que são apresentadas.

Na pesquisa sobre o MALG, estão imbricadas as questões de memória e patrimônio, tanto por conta do conceito de memória, que estabelece o nexo entre o museu e a comunidade, como pela discussão em torno do acervo, para qual a condição de patrimônio é determinante. O objeto central dessa reflexão se constrói na relação entre patrimônio (o acervo e o museu) e a memória de Arte por meio da valorização da experiência estética através do acervo do Museu. Assim, surgem questões dos confrontos entre um acervo deixado pelo artista, com o propósito estabelecido de ser memorável, e o contexto da instituição na cidade.

Figura 5 – Álbum de Leopoldo Gotuzzo, feito pelo artista com recortes de jornais, fotografias, convites e bilhetes. Fonte: Acervo do MALG.

No caso do MALG, a reflexão foi motivada pela circunstância na qual o mesmo surge e no contexto indissociável de uma sociedade que se deseja afirmar memorável e memoriosa. Dessa forma, é inerente ao processo o tom ideologizante que o acervo tende a adquirir dentro das instituições de memória, o que confere a essas, a condição de promulgadoras de conhecimentos seletivos. O fato de existir a Coleção Leopoldo Gotuzzo, composta por obras doadas pelo próprio artista para o Museu, proporciona condições para o estudo da sua produção, de sua vida, por constituir um conjunto representativo do seu trabalho. Em outras palavras, a coleção é significativa por ter sido

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Sessão temática Sensibilidade - 760 formada pelo próprio autor, constituindo o discurso de Gotuzzo a respeito de seu próprio trabalho.

O problema funda-se sobre o conceito de memória, que permeia vários campos do saber. Conforme observa Gondar (2005), não há um conceito único: “estamos diante de um território móvel, cujas fronteiras alojam uma multiplicidade de definições,” (p. 11); há de se destacar, dentre essas, um corpo conceitual operante. Quando Gondar diz “essa coisa se move” (idem), tal ideia possibilita pensar na dinamicidade que o pensamento exige frente à empiria, quando se trata de pensar como funciona o processo memorial em determinada situação.

Segundo Halbawachs (2004), a memória pode ser distinguida como um produto do presente e de relações do repertório das pessoas com aquilo que o presente solicita. Para o autor, a memória coletiva é um produto social, resultado de um sistema dado pelos fatos sociais, temporais, espaciais, com grupos formados por pessoas que compartilham em suas relações e ou assimilam informações; e, com isso, constituem memórias.

Intimamente relacionado a isso, colocam-se as questões de patrimônio cultural, as quais são consideradas importantes à medida que diferenciam sociedades e grupos, além de ajudarem a compreender a originem dos mesmos, ao possuírem ligação direta com a cultura de um lugar. Nessa perspectiva, as obras de Arte, o mobiliário, os livros, os documentos e os objetos são bens culturais. Buscando na etimologia da palavra, “patrimônio” liga-se à ideia de herança, por exemplo, um conjunto de bens de propriedade de uma família, uma empresa, uma instituição etc. Possamai (2012) menciona “patrimônio histórico” enquanto atribuição de valores ligados à escolha ou seleção realizada historicamente por um olhar especializado.

De acordo com Candau (2011), memória e identidade estão indissoluvelmente ligadas, apoiando-se entre si no momento de produzir uma narrativa. A memória é tomada como geradora de identidade, por ser partícipe de sua construção, tanto coletivamente quanto individualmente. No caso de Gotuzzo, o artista queria ser memorável e mostra preocupação em deixar para sua terra natal seu trabalho. Em Pelotas é que deveria ficar o seu patrimônio, os seus anos de dedicação e esforço para ser lembrado na eternidade, e o Museu seria o lugar para essa contemplação. Portanto,

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Sessão temática Sensibilidade - 761 deve-se entender que o Museu, como um lugar de guarda, conservação e memória, funda-se sobre as questões de permanência que dialogam conflitadas, com a necessária inserção e reconhecimento que a comunidade demanda tanto de suas funções como de sua existência mesma.

Considerações finais

Com os levantamentos obtidos pelo trabalho, pode-se afirmar que vários fatores contribuíram para o surgimento do MALG, tais como: a evidência de ações individuais e sociais implícitas nesse contexto, a exemplo da amizade entre a professora Luciana de Araújo Renck Reis e Leopoldo Gotuzzo; a EBA e sua Diretora Marina de Moraes Pires, que atribui ao artista o título de Patrono da Escola; as relações entre arte e sociedade; e a recepção da sociedade local ao artista, que partiu cedo de sua terra natal para estudar arte na Europa e que quer ser lembrado – como a cidade de Pelotas teve uma história cultural de esplendor com as Charqueadas, havia uma valorização da cultura, e com o MALG tinha-se um acervo para ser preservado.

Em busca de respostas ao questionamento sobre quem criou o Museu, para quem e por que, pode-se constatar que o surgimento da instituição pesquisada se deu por uma combinação de fatos que obtiveram êxito. Assim como os acontecimentos históricos são resultados de vários fatores, para o MALG não foi diferente. A atuação de pessoas da sociedade pelotense, o apoio da Universidade, a participação de Leopoldo Gotuzzo, que deixa um acervo para um futuro museu, a Escola de Belas Artes, o Instituto de Letras e Artes, que propiciaram o desenvolvimento das artes plásticas na cidade. A vocação cultural de Pelotas, o reconhecimento dado ao artista e às artes. Foi essa combinação de personagens e condições que resultou nos alicerces do MALG, que hoje representa, de certa forma, o legado de um passado de opulências.

Há muito ainda para se investigar a respeito da história dessa Instituição e desse artista. Sabe-se de que há mais informações para serem obtidas e outros personagens para serem ouvidos, que podem ajudar a construir uma nova visão sobre o tema. É fato que um maior conhecimento da trajetória e origens da Instituição ajudará na composição de sua identidade e na sua valorização. É importante ver todo o contexto, as sutilezas, a sensibilidade materializada nos documentos deixados pelo próprio artista, no gesto de

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Sessão temática Sensibilidade - 762 doação de suas obras em vida. O significado afetivo para com sua cidade e o desejo de ser eterno podem ser percebidos, por exemplo, quando Gotuzzo expressa que espera que Pelotas compreenda e proteja a lembrança de seu filho.

Referências

CANDAU, Joel. CANDAU, Jöel. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2011.

GONDAR, Jô. O que é memória social? Contra Capa/Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do RJ. Rio de Janeiro: 2005.

GOTUZZO, Leopoldo. Carta escrita pelo artista. Rio de Janeiro, 1955. Acervo do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

LACERDA, Claudia. História da Conservação e Restauro: estudo sobre o restauro das obras de Leopoldo Gotuzzo na década de 80 em Pelotas, RS. Disponível em

<http://conservacaoerestauro.files.wordpress.com/2013/05/tcc-claudia-fontoura-lacerda.pdf%202013> Acesso em 12 fev. 2015.

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(1949-1972). 2008. Dissertação de Mestrado. PPGE/UFPel. Pelotas.

MAGALHÃES, Justino Pereira de. Contributo para a História das Instituições Educativas – entre a Memória e o Arquivo. Braga: Universidade do Minho, 2004.

MAGALHÃES, Mario Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul - Um Estudo Sobre a Cidade de Pelotas (1860 - 1890). 2º ed. Pelotas: Editora da UFPel-Livraria Mundial, 1993.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

(14)

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ROCHA, Maria Consuelo Sinotti. Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo: contribuição e integração com o ensino de Arte através de seu Setor Educacional. 2010. Monografia. Especialização em Patrimônio Cultural-Conservação de Artefatos. UFPel. Pelotas.

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