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As infâncias e crianças na filmografia de dramas

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Academic year: 2021

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As infâncias e crianças na filmografia de dramas

Adélia Augusta Souto de Oliveira1, Daniel Cavalcante Fernandes1,Manuel Sarmento², Mariana Guimarães do

Nascimento, Martha Barbosa Pereira1 , Suzy Kamylla de Oliveira Menezes1

1 Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, Brasil. adeliasouto@ip.ufal.br; dancf89@gmail.com; marianaguimaraaesdn@gmail.com; bp.martha98@gmail.com, suzy.kamylla@gmail.com

²Instituto de educação da Universidade do Minho, Portugal. sarmento@ie.uminho.pt

Resumo. Trata-se de análise psicossocial da produção de conceitos de infâncias/crianças a partir dos pressupostos conceituais de imaginação, criação, base afetivo-volitiva e vivência presentes na Psicologia da Arte vigotskiana, perpassada pelas categorias de contextos culturais, históricos e psicossociais, de relações geracionais e de gênero. Como estratégia metodológica foi utilizada metassíntese. Foi produzido um acervo filmográfico de dramas, produzidos entre os anos 2007 e 2017, sobre infâncias/crianças, retratando situações do mesmo período, por diretores nativos de países diversos. O estudo contemplou as seguintes etapas metodológicas: 1) Garimpagem de produções filmográficas do gênero drama sobre infâncias/crianças a partir das palavras-chave childhood, chil e children; 2) Refinamento da amostra com a leitura da sinopse; 3) Identificação, recortes e descrição de cenas emblemáticas das concepções de infâncias/crianças presentes nos dramas com base nas categorias de análise mencionadas.

Palavras-chave: criação; imaginação; geração; gênero; infância.

Psychology of Art: production of childhood/children concepts in the drama filmography.

Abstract. The article presents a psychosocial analysis of the production of the concepts of childhood/children from the conceptual presuppositions of imagination, creation, affective-volitional base and experience present in Vigotsky Psychology of Art, permeated by the categories of cultural, historical and psychosocial contexts of generational relationships and gender. Metassynthesis was used as a methodological strategy. The aim is to produce a film collection of dramas, produced between 2007 and 2017, about childhood/children, portraying situations of the same period, by native directors from different countries. The study contemplates the following steps: 1) Sift drama film productions portraying childhood/children using the following keywords “childhood”, “child” and “children”; 2) Refinement of the research by reading the plot summary; 3) Identification, clippings and description of emblematic scenes of the conceptions of childhood / children present in the films according to the aforementioned analysis categories.

Keywords: Criation; imagination, generation, gender, childhood.

1 Introdução

Este artigo é proveniente de um estudo vinculado à linha de pesquisa “Psicologia e processos psicossociais” do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, mais especificamente junto às pesquisas desenvolvidas no Grupo de Pesquisa/CNPq “Epistemologia e a Ciência Psicológica”. O intuito é o desenvolvimento de metodologias qualitativas de pesquisa críticas a respeito da produção de conhecimento científico em Psicologia. Assim, tem-se utilizado como metodologia de pesquisa a metassíntese, de modo a contribuir na análise de conhecimento na Psicologia. Esse método pode “contribuir para o desenvolvimento da ciência ao evidenciar o conhecimento já produzido para, a partir dessa evidência, indicar novos objetivos de investigação, produzir crítica interna à ciência e disponibilizar um novo conhecimento” (Oliveira, Trancoso, Bastos & Canuto, 2015, p. 147).

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Considera-se a metassíntese como estratégia metodológica para a investigação de aspectos

psicossociais sobre os conceitos de infâncias e crianças. Os Estudos da Infância e da Criança (Silveira,

Delgado & Tomás, 2016) vão ao encontro das proposições da Psicologia Social, especialmente daquelas de abordagem sócio-histórico-cultural vigotskiana. Assim, as infâncias são consideradas como categoria construída historicamente, a partir de múltiplas emergências (Frota, 2007), e as crianças como um sujeito de direitos (Xavier Filha, 2016). De modo que, não há um conceito único e cristalizado de infância. Pode-se, então, pensar em muitos entendimentos sobre infância.

Entende-se que as produções filmográficas apresentam potencialidade de análise por apresentarem diversidades históricas e culturais, bem como retratarem as infâncias e as crianças. O cinema é um artefato cultural (Xavier Filha, 2016) e, potencialmente criador, pois produzem e reproduzem incômodos presentes no mundo e criam movimentos transformadores. As múltiplas imagens de crianças representadas no cinema criam novas crianças nos filmes e produzem possibilidade de existência (Marcello, 2008). Ainda Fisher (2008) defende que o cinema é um meio de nos apresentar o outro na sua relação com o mundo. Amplia assim nossas possibilidades de pensar o outro. De acordo com Bordwell & Thompson (2013), ao entender a produção cinematográfica como uma obra de arte, deve-se considerar que esta é fruto do trabalho de um artista que viveu em um tempo histórico e em uma sociedade.

Em consonância, Vigotski (1916; 1999) considera a arte em um sentido social, em que seu efeito não se processa apenas em um indivíduo isolado. A arte constitui uma técnica social de sentimentos pessoais na vida social. De modo que, o sentimento proporcionado pela arte torna-se pessoal, mas continua a ser social. Ao pensar a arte como aspecto social, pode-se perguntar pela atividade criadora no ser humano (Vigotski, 2009; Delari Junior, 2011). Nessa perspectiva, considera-se que a atividade criadora do ser humano se manifesta quando algo novo é criado, independentemente se é algum objeto do mundo externo ou objeto interno, construído mentalmente e que é apenas de conhecimento do próprio indivíduo.

Para este artigo, objetiva-se apresentar as estratégias metodológicas utilizadas na análise

psicossocial da produção de conceitos de infâncias/crianças a partir dos pressupostos conceituais de imaginação, criação, base afetivo-volitiva e vivência presentes na Psicologia da Arte vigotskiana, perpassada pelas categorias de contextos culturais, históricos e psicossociais, de relações geracionais e de gênero.

2 Metodologia

A metassíntese filmográfica contemplou as seguintes etapas metodológicas: 1) Garimpagem de produções filmográficas do gênero drama sobre infâncias/crianças a partir das palavras-chave childhood, chil e children; 2) Refinamento da amostra com a leitura da sinopse; 3) Identificação, recortes e descrição de cenas emblemáticas das concepções de infâncias/crianças presentes nos dramas com base nas categorias de análise mencionadas.

A garimpagem exigiu que, por se tratar de uma pesquisa filmográfica, se discutisse qual seria o melhor banco de dados para a sua realização. Os bancos considerados foram o Filmow, uma rede social, em que é possível a atualização em tempo real pelo usuário dos filmes e séries vistos por ele; e o Internet Movie Database (IMDb), que numa tradução livre seria banco de dados de filmes na internet.

O IMDb foi escolhido por ser a plataforma, cujo instrumento de busca permite fazer filtragens por palavras-chave vinculadas aos filmes indexados, o gênero desejado, o ano de lançamento dos filmes

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buscados, bem como a possibilidade de selecionar apenas filmes longa metragem, opção inexistente na plataforma concorrente. A título de exemplificação, os resultados de busca em ambas as plataformas com a utilização do descritor child foram os seguintes: 20 na plataforma Filmow e 1.608 na plataforma IMDb.

Assim, a garimpagem foi realizada na plataforma IMDb, uma base de dados online de informação sobre filmes. Essa escolha baseia-se nas seguintes potencialidades: grande variedade de filmes de diferentes nacionalidades e as fichas técnicas correspondentes; permite buscas por descritor e refinamento por filtros, como de ano e de gênero.

Definiram-se ainda os seguintes descritores para busca: children, child e childhood, em razão da plataforma encontrar-se disponível em língua inglesa; os critérios de inclusão dos filmes localizados para composição do banco filmográfico foram: 1) ser longa-metragem; 2) gênero Drama; 3) produzido entre os anos de 2007 e 2017; 4) período retratado no filme ser da mesma década que o ano de produção; 5) presença de criança(s) no cartaz de divulgação, visualizado através do IMDb; 6) diretor de mesma nacionalidade retratada no filme.

A etapa de refinamento caracterizou-se pela exclusão de filmes que correspondiam simultaneamente a outros gêneros. Optou-se por excluir filmes que também eram indexados como “comédia”, “fantasia”, “ficção científica” e “terror”, mantendo-se os subgêneros “família”, “documentário”, “biografia”, “romance”, “crime”, “thriller”, “aventura”, “guerra” e “music”. A nacionalidade retratada, na maioria dos filmes, constava na sinopse ou na ficha técnica disponível na própria plataforma do IMDb. No entanto, quando a informação não estava disponível na plataforma, recorria-se ao Google e ao trailer do filme com a finalidade de identificá-la. Todos os diretores foram buscados na aba de acesso às informações de produção do filme. Em alguns casos, no entanto, não foi possível identificar a nacionalidade do diretor por esta plataforma. Nesses casos, recorreu-se a pesquisas no Google.

Essa etapa permitiu o armazenamento em planilhas eletrônicas online do tipo Excel, de 111 filmes com as seguintes informações: 1) nome do filme; 2) ano de lançamento; 3) nome do diretor; 4) país de produção; 5) gênero; 6) descritor utilizado na busca; 7) link para cartaz de divulgação; 8) link para a página do filme no IMDb; 9) nota do IMDb; 10) link de acesso ao filme e 11) observações. Para a seleção da produção dos países verificados com mais de um filme disponível, foi delimitado como critério de seleção a maior nota popular, informação cedida pela plataforma IMDb. Esse processo de filtragem resultou em uma lista de 10 filmes para serem assistidos, descritos e interpretados na íntegra (Fig. 1). Importante destacar a utilização da ficha técnica e sinopse, ambos acessados através do IMDb.

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A etapa de identificação, recortes e descrição de cenas emblemáticas das concepções de infâncias/crianças presentes no drama iraniano, de 2007, “E Buda desabou de vergonha” da diretora Hana Makhmalbaf priorizou a especificidade cultural e sua acessibilidade. Desenvolveu-se uma metodologia de descrição das cenas, com a identificação e localização temporal de cenas emblemáticas, e estas descritas, pormenorizadamente, com textos que retratam aspectos audíveis e visuais, bem como os registrando no modo imagem fixa (fotografia). Cenas emblemáticas são aquelas que representam os aspectos psicossociais, históricos e culturais; relações de gênero e relações intrageracionais, subsidiados pelos conceitos vigotskianos.

Compreender o filme em seu subtexto (Molon, 2011), nas narrativas acerca do tecido social, circunscrito temporal e geograficamente. Assim, as cenas dos filmes retratam o contexto sócio-histórico nas quais foram idealizadas e permitem análises de identidades, pertenças que são, por sua vez, históricas e sociais (Lima & Tavares, 2016).

3 Discussão e Resultados

O avanço metodológico qualitativo da metassíntese, por meio da filmografia da infância e da criança, permite aprofundar a pluralidade nas análises sobre esse conceito na Psicologia.

A plataforma de divulgação de filmes escolhida −IMDb− permitiu um mapeamento de 111 filmes com representatividade mundial sobre a infância e com as crianças. Obteve-se um número relevante de produções: EUA com 22, França com 17 e Índia com 7 filmes. Os anos com maiores produções foram 2008 e 2013 ambos com 17 filmes. Os descritores que capturaram 27 filmes (ver Fig.2) disponíveis online por descritor: 17 filmes com o descritor children, 7 filmes com child, 3 filmes com childhood.

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3.1 Identificação, Localização Temporal e Descrição de Cenas Emblemáticas do filme “E Buda desabou de vergonha”

A ficha técnica e a sinopse assim se apresentam:

Filme: E Buda desabou de vergonha - país: Irã - ano: 2007 - diretora: Hana Makhmalbaf

Sinopse1: A young girl zealously wants to go to school and learn to read and write. Almost

everywhere she is met with hostility or indifference. The only young boy who takes her to his school is thrown out by the teacher, because helping her prevented him from coming in time.

As cenas emblemáticas abaixo descritas, pormenorizadamente, seguem as categorias de interesse da investigação acompanhadas de sua demarcação temporal.

A) Aspectos psicossociais, históricos e culturais: 1) 1min08s - mulher anda por uma

montanha pedregosa, com roupas características da região, carregando uma determinada carga em cima da cabeça. 2) 2min07s - nesta montanha há cavernas e objetos de uso domiciliar, como varais; as pessoas moram nas cavernas; menino, chamado Abbas, estuda utilizando um livro à janela da caverna; 3) 2min23 - menina protagonista, cujo nome é Bakhtai, cuida de um bebê, aparentemente seu irmão, enquanto a mãe trabalha indo pegar água; 4) 4min24s - Abbas responde à menina, quando ela o manda fazer silêncio, que sua mãe o amarrou e por isso não pode sair do local (como forma de castigo); 5) 7min54s - Bakhtai tem noção de que a mãe é a detentora do dinheiro e de que este é usado para comprar as coisas de que ela necessita; 6) 8min50s - a menina amarra uma corda no pé do bebê que chora, prendendo-o a casa; 7) 9min30s - mulheres pegam água em uma fonte. Atrás delas estão jumentos utilizados para transportar a carga; 8) 13min55s - Bakhtai tenta vender ovos no mercado para conseguir dinheiro para comprar o caderno que ela precisa para ir à escola com Abbas; 9) 24min - a menina verifica sua aparência no espelho antes de ir para o lugar que ela tanto ansiava, a escola; 10) 25min13s - crianças na escola. Escola somente de meninos; 11) 25min39s - professor castiga Abbas por chegar atrasado à aula: manda ir para um canto e ficar num pé só com os braços erguidos; 12) 29min25s - meninos brincam de guerra, interpretando talibãs a interceptar uma ateia – Bakhtai em seu rumo à escola de meninas. Eles utilizam galhos como armas; 13) 31min30s - Bakhtai , a qual foi parada pelos meninos que supostamente defendem a causa de buda, estava com um batom que ela usaria como um lápis. Um menino do grupo diz que pecadoras usam batom, e incita os outros a apedrejá-la; 14) 37min08s - um menino do grupo diz: “esconda seu cabelo! você é uma mulher!”, e põem um saco na cabeça dela; 15) 48min15s - Bakhtai conversa com as outras meninas que foram reféns e descobre que elas foram presas por motivos considerados pecado por eles: ter os olhos bonitos, estar usando batom e estar com uma figurinha de um jogador; 16) 1h7min45s - Bakhtai maquia todas as meninas da sala de aula com seu batom. Ela fala “você está linda” para uma das meninas enquanto a maquia; 17) 1h13min55s - homens trabalham em campo, usando bois para levar carga; 18) 1h14min57s - o grupo de meninos cerca Bakhtai outra vez, o líder diz “você é uma terrorista, se não morrer não poderá voltar para casa.”

O cenário árido realça as adversidades físicas, geográficas e econômicas. O universo de compreensão da linguagem escrita instaura uma determinação do mundo letrado apenas aos meninos. Para as meninas estão destinados os cuidados de casa e de irmãos menores, se apresentam como aspectos fossilizados na cultura (Martins, 1994). Os maus tratos infantis são justificados no contexto árido enfatizado e reafirmados entre as crianças que os repetem.

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A escola, os livros, a escrita, o caderno são cenas emblemáticas de outro mundo possível. Consideram-se como elementos de ruptura e de enfrentamento ao pré-determinado. A personagem Bakhtai terá esse desafio e suas vivências revelam tentativas de mobilidade nessa direção.

No entanto, a escola reproduz elementos de permanência e fossilizados na cultura. Os maus tratos são vivenciados nesse contexto.

Os desafios às meninas são evidenciados na reprodução da violência no espaço público. As cenas vivenciadas no mercado retratam um mundo adulto que dificulta experiências infantis. Apesar de todos os esforços da personagem Bakhtai, as brincadeiras infantis reproduzem os padrões sociais e os meninos a colocam no lugar da ateia, da pecadora, da mulher que precisa esconder vestígios. Esse parece ser único lugar possível de existência das meninas. Àquelas que desafiam os padrões serão condenadas a morte.

Em consonância com a análise de Lima (2016) o filme é uma criação artística que evidencia conhecimento sócio-histórico, revela acontecimentos de interesse singular que representam hierarquias, classes e poderes instituídos, transportam os expectadores para universos de um determinado tempo e lugar.

B) Aspectos geracionais: 1) 3min08s Bakhtai cuida da sua irmã mais nova a pedido de sua

mãe, que sai para pegar água. 2) 4min33s Bakhtai vai reclamar com seu vizinho que está lendo em voz alta. 3) 5min22s Abbas questiona se Bakhtai sabe ler. 4) 11min09s Bakhtai observa uma mãe comprando material escolar para uma menina. 5) 26min30s Bakhtai é expulsa da escola dos meninos. 6) 31min37s A caminho da escola de meninas, Bakhtai encontra com um grupo de meninos que simulam ser o talibã, e resolvem apedrejá-la. 7) 41min11s Ao tentar ajudar Bakhtai, Abbas é preso em uma armadilha pelos meninos. 8) 46min50s Bakhtai é presa em uma caverna com outras 3 meninas pelo grupo de garotos. 9) 1h03min13s Depois de chegar na escola, Bakhtai é mal recebida. A menina desempenha o papel de cuidadora, de mãe de seu irmão menor, e reafirma o lugar esperado na adultez. As imagens retratadas evidenciam a cultura que a considera um adulto imperfeito, imaturo e incompleto, relega considerá-la o Outro do adulto e relação de alteridade (Sarmento, 2013). A menina é impulsionada a pensar o universo destinado aos meninos, com desafios do mundo letrado, colocados por um menino. Indícios de amizade que poderiam alimentar uma fluidez de identidade (Marcello, 2009) e romper com os aspectos fossilizados na cultura.

As imagens revelam um olhar da criança, que prioriza as outras crianças (no mercado com a mãe, na escola e nas brincadeiras na rua). Essas imagens perspectivam tentativas de mudanças e exercícios de afirmação e de criação. No entanto, os jogos infantis representados na película se encaminham para uma repetição de papeis esperados (às meninas, lhes é negado o lugar na escola, são presas em cavernas e submetidas à simulação de apedrejamento pelos meninos, caso desafiem os padrões estabelecidos). As brincadeiras reafirmam os lugares esperados. Podemos aqui entender que mesmo em relações de horizontalidade, se reafirma a diferença de relações de gênero.

C) Aspectos sobre imaginação, criação, base afetivo-volitiva e vivência: 1) 7min16 - Bakhtai

tenta ler o livro de Abbas e ela pede para que Abbas leia para ela. 2) 8min05 - Bakhtai pergunta se Abbas vai levá-la com ele para a escola. Ele diz que ela não tem lápis e caderno; 3) 11min55 - a menina vai a loja tentar comprar um livro. 4) 15min14 - ela tenta vender ovos para conseguir dinheiro. 5) 23min27 - ela consegue o dinheiro e compra o caderno. 6) 25min14 - ela chega a escola de Abbas, mas o professor diz que é só para meninos. 7) 29min24 - ela tenta chegar à escola de meninas do outro lado do Rio, mas é capturada por meninos que querem brincar de guerra. 8) 32min23 - ela tenta ir embora, quer ir à escola aprender histórias divertidas. 9) 36min15s - ela chora e diz que não quer brincar de apedrejamento. 10) 1h28min28s - ela chega à escola, mas não é aceita

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pela outras meninas. 11) 1h05min51s - ela tenta escrever no caderno usando o batom da mãe dela. 12) 1h09min05s - Bakhtai e Zeinab pintam o rosto das colegas e a professora as expulsa da sala. 13) 1h12min32s - Abbas encontra Bakhtai e ele pergunta se ela aprendeu histórias divertidas. Ela disse que ninguém ensinou e que ela aprendeu sozinha. 14) 1h14min16s - os garotos encontram Bakhtai e dizem que só a libertarão da brincadeira de guerra se ela se render. 15) 1h15min30s - ela se rende. As imagens acima relatadas nos convocam a refletir sobre a potência criativa da menina no enfrentamento das determinações. Elementos de ruptura significativos são evidenciados na sua vivência, especialmente, no espaço público. Ao mesmo tempo em que repete ações do lugar de mãe com seu irmão menor, ao amarrá-lo para poder sair. A base afetivo-volitiva se caracteriza pela superação das determinações corporais e sua inserção na cultura, de modo libertário. As imagens do uso do batom para escrever e brincar com outras meninas nos lançam no novo, inesperado, imaginário, que o filme estimula a reflexão. O uso do batom é subvertido e torna o universo das meninas mais explícito, o que parece estar invisível aos adultos. Esse elemento instiga atividades imaginativas, criativas não só da criança, como também do expectador (Omelczuk, Fresquet & Santi, 2015).

Bakhtai, a partir da vivência que Abbas apresenta sobre a leitura e sobre a escola, imagina histórias sobre as imagens que ela vê no livro do garoto. Ela pede que Abbas leia para ela e demonstra o desejo de ter a mesma habilidade. Desse modo, ela cria estratégias para comprar o caderno e o lápis que ela precisa para estudar. Bakhtai cria para si a representação da escola como um lugar onde ela poderia conhecer histórias divertidas. Segundo Vigotski (2009, p. 25),

a imaginação adquire uma função muito importante no comportamento e no desenvolvimento humanos. Ela transforma-se em meio de ampliação da experiência de um indivíduo porque, tendo por base a narração ou a descrição de outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal.

A partir dos conceitos de vivência e de imaginação, pode-se notar, que diante das muitas dificuldades para obter o material escolar e não ter sido bem recebida, tanto na escola de Abbas, quanto na escola apenas para meninas, Bakhtai considera que sozinha aprende histórias divertidas. Além disso, os meninos que capturam Bakhtai reproduzem a partir da “brincadeira de guerra” aspectos culturais de violência de gênero e de violência contra outra religião. Bakhtai se nega a participar e isso faz com que os garotos a obriguem a fingir que é uma refém. Apenas quando ela finge morrer, os garotos se sentem satisfeitos.

Desse modo, as brincadeiras são exercícios de vivência e imaginação entendidas como “elementos da realidade modificados e reelaborados” (Vigotski, 2009, p. 24) a partir do caráter emocional. Nesse sentido, podem-se notar aspectos sobre a base afetivo-volitiva que movem as expectativas de Bakhtai sobre a escola. Isso mobiliza sentimentos que a faz por iniciativa própria tentar superar as adversidades da realidade dela. Ela deseja a mesma oportunidade de ler, que Abbas possui, e poder ela mesma ler as histórias que estão no livro.

D) Aspectos relacionados às relações de gênero: 1) 2m45s - Mãe deixa Bakhtai cuidando da

sua irmã mais nova enquanto vai trabalhar; 2) 5m - Abbas diz que Bakhtai “é um bicho insignificante incapaz de ir à escola; 3) 26m04s - Depois de fazer muito esforço, fazendo trocas na feira, Bakhtai consegue comprar o caderno para ir à escola. Chegando lá, acompanhada de Abbas, é dispensada pelo professor, pois é uma escola exclusiva para meninos; 4) 30m16s - Bakhtai é encurralada por vários meninos que brincam dizendo serem talibãs. Ao perguntarem para que ela tem o caderno, ela responde que é para ir à escola, ao que o líder do grupo diz que garotas não vão para a escola e toma o caderno dela; 5) 31m32s - Menino diz que Bakhtai é pecadora por estar carregando um batom e a

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sentencia ao apedrejamento; 6) 37m11s - Ainda sob o domínio dos meninos, numa suposta brincadeira de apedrejamento, o líder do grupo de meninos manda ela esconder o cabelo, pois ela é mulher.

As relações de gênero são apresentadas em seu caráter de permanência. O “fora do lugar” conforme propõe Fisher (2008), tem como ponto de partida a análise das bioidentidades, em que o corpo e o que se espera dele, regulam as relações sociais. O filme retrata as imagens corporais típicas e esperadas. No entanto, Bakhtai busca fissuras nas redes estabelecidas ao desejar o mundo letrado e a escola. Busca assim, construir novas possibilidades como forma de resistir aos modelos idealizados culturalmente (Xavier Filha, 2016). A menina interpela os jogos no espaço público e recebe as sanções impostas entre os iguais. As crianças repetem nas brincadeiras os lugares pré-definidos. As brincadeiras evidenciam situações de violência, o que a naturaliza e reafirma a cultura da submissão e a desigualdade dos lugares e corpos. O desejo, mesmo expresso idealmente, representa um perigo para o tecido social (Ribeiro, 2011) e os submissos precisam estar reféns e se renderem.

5 Conclusões

A metassíntese, como método de pesquisa qualitativo (Oliveira & Bastos, 2014), aplicável à diversidade das áreas de conhecimento, permite mapear filmes sobre as infâncias e crianças em sua dimensão multicultural, tanto do ponto de vista histórico, quanto geográfico. Ela se propõe a ser método processual, descritivo e explicativo. Os procedimentos metodológicos são construídos no processo da pesquisa e evidenciam a potencialidade da plataforma de divulgação do IMDb, como base ampla de armazenagem de informações em acervo de 111 filmes.

Os filmes são criações artísticas que evidenciam contextos sócio-historicos que revelam singularidades de classe social e poderes instituídos e, tem a propriedade de transportar os expectadores ao universo retratado de um dado tempo e lugar. Assim, vivenciar o vívido pelos personagens: afetar-se por suas angústias, inquietações e sentimentos. Amplia nossas possibilidades de pensar o outro (Fischer, 2008; Lima, 2016).

Outro como uma criança, que é sujeito de direitos, diferente, completo e altero (Sarmento, 2013). Vivencia sentimentos por meio de amizade entre iguais, na dimensão intrageracional, os quais podem romper com a fixidez de identidades. Experimentam brincadeiras em que podem criar, inventar, imaginar o novo (Marcello, 2009). Construir possibilidades de resistir aos modelos idealizados (Xavier Filha, 2016), de irem além das continuidades esperadas (Fisher, 2008).

As continuidades de aspectos fossilizados, comportamentos automatizados, evidenciaram uma relação determinista do corpo e de bioidentidades pré-definidas, e devem ser analisadas em suas origens, pois tem força de permanência e presentificação, a serem vistas à luz da história. Assim, se apresentam as cenas emblemáticas de violência do adulto em relação às crianças e dos meninos em relação às meninas, na dimensão intrageracional e de relações de gênero (Ribeiro, 2011). Desejos de superação das crianças e das meninas são vistas como perigo nas entrelinhas que enredam e amarram o tecido social. Devem, portanto, serem condenadas e negadas, ainda que sejam vivências lúdicas. As brincadeiras se constituem também como produtos culturais que podem estar a serviço da manutenção sócio-histórico-cultural.

Por fim, considera-se que o conceito de infâncias e de crianças, iluminado pelas imagens do drama vivido na tela e objeto de análise aqui apresentada, retratam uma afirmação da potência da criança e das meninas no campo da criação do novo. Consideram-se as imagens fílmicas como ações eficientes

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na promoção de inquietação e de incômodo, as quais devem dirigir-se para a superação das determinações das violências infantis, geracionais e de gênero. Acreditamos que as crianças são capazes de produzir, a partir do cotidiano inventivo infantil, reflexões contundentes que estão invisíveis aos adultos.

Agradecimentos. Agradecemos ao CNPq e FAPEAL pelas bolsas de iniciação científica e aos

colaboradores do Grupo de Pesquisa Gisele da Luz Freire Silva e Rafael Medeiros de Amorim Nobre.

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Referências

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