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A banalização da violência na escola: um estudo de caso em um CMEI da zona sul de Natal-RN

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

ARÍCIA MEDEIROS DE GUSMÃO

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO EM UM DA ZONA SUL DE NATAL-RN

NATAL/RN 2019

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ARÍCIA MEDEIROS DE GUSMÃO

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA: UM ESTUDO DE CASO EM UM CMEI DA ZONA SUL DE NATAL-RN

Relato de prática educativa referente ao Estágio Supervisionado na Formação de Professores I em um Centro Municipal de Educação Infantil de Natal-RN e apresentado ao Curso de Licenciatura em Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção do grau de licenciatura em Pedagogia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jacyene Melo de Oliveira

Araújo

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Gusmão, Arícia Medeiros de.

A banalização da violência na escola: um estudo de caso em um CMEI da zona sul de Natal-RN / Arícia Medeiros de Gusmão. - 2019. 26 f.: il.

Relatório de Estágio (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Curso de Licenciatura em Pedagogia, Natal, RN, 2020.

Orientadora: Profa. Dra. Jacyene Melo de Oliveira Araújo.

1. Educação infantil - TCC. 2. Direitos da criança - TCC. 3. Violência da escola - TCC. I. Araújo, Jacyene Melo de Oliveira. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 364.632-053.2

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Jordan e Vitória, pelo apoio financeiro e afetivo ao longo da minha vida e por me ensinarem que uma carreira de sucesso é fruto e muito amor e dedicação pela profissão escolhida.

A minha família (de sangue e de coração) por toda a vibração positiva e as orações diárias das minhas avós Rosa e Jolda.

Aos meus amigos e companheiros de jornadas Jéssica Barbalho e Matheus Lucas, com quem tive o privilégio de dividir as noites desde 2014.

A todos os professores que me marcaram positivamente por me inspirarem, especialmente Maria Patrícia Oliveira, Kátia Fraifer, Sérgio Lima, Graziela Araújo, Cynara Ribeiro e Jacyene Araújo.

E, principalmente, agradeço às adversidades que enfrentei na minha vida escolar, sem elas eu não teria escolhido pela educação.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CMEI Centro Municipal de Educação Infantil ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

SIGAA Serviço Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas BNCC Base Nacional Comum Curricular

RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 5

1.1. AS PRIMEIRAS AFETAÇÕES ... 5

1.2. ESTRUTURA DO CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL ... 7

1.3. A TURMA ... 7

1.4. O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES I .. 7

2. AFETAÇÕES AO PRESENCIAR VIOLÊNCIA DENTRO DO CONTEXTO ESCOLAR ... 9

2.1. ENTRANDO NA ROTINA DA TURMA ... 11

2.2. TRABALHANDO O ECA ... 13

3. BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS DENTRO DA SALA DE AULA E DA ESCOLA ... 15

4. O(A) PROFESSOR(A) E A ESCOLA COMO AMBIENTE DE PROTEÇÃO E REDE DE APOIO DA CRIANÇA ... 19

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 21

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RESUMO

O presente trabalho cosiste em um relato de prática educativa referente ao Estágio Supervisionado na Formação de Professores I com uma turma do nível IV (4-5 anos) em um Centro Municipal de Educação Infantil de Natal-RN, tendo como finalidade trabalhar os Direitos Fundamentais da Criança, com descrição detalhada das atividades desenvolvidas, bem como os referenciais bibliográficos usados para elaboração e discussão teórica desta prática, são eles: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), teorias de Paulo Freire (2014, 2015, 2015) o conteito de contexto de Urie Bronfenbrenner (2011), além dos documentos oficiais que normatizam a educação brasileira: Base Nacional Comum Curricular (2017), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil(2009) e Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998). O desenvolvimento deste trabalho dividido em três pontos principais: discussão sobre o projeto de intervenção, violação de direitos da criança e a banalização da violência no contexto escolar.

Palavras-chave: Educação Infantil. Direitos da Criança. Violência da Escola.

ABSTRACT

The current research presents a report of education practice referring to Estágio Supervisionado na Formação de Professores I with a kindergarten’s level IV (4-5 years old) in a Centro Municipal de Educação Infantil-Natal-RN, having as purpose works the child’s fundamental rights with a detailed description of the developed activities and theoretical discussion, that are: : Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Paulo Freire’s theories (2014, 2015, 2015) and the context concept of Urie Bronfenbrenner (2011), besides the official documents that regulate the brasizilian education: : Base Nacional Comum Curricular (2017), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil(2009) e Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998). The development of this work is divided into three main points: discussion about the intervention project, violation of children's rights and trivialization of violence in the school context.

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho deseja discutir a garantia de direitos humanos na educação infantil, tendo como lócus de pesquisa um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) da zona sul do município de Natal/RN1 no primeiro semestre do ano de 2018, durante o Estágio Supervisionado em Formação de Professores I.

O objetivo geral deste relato de prática educativa é levantar a questão da violação de direitos da criança dentro do contexto escolar através da análise de um projeto de intervenção sobre os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no nível IV (4-5 anos) da educação infantil; demonstrar a execução deste projeto e descrever a analisar dele, bem como seus desdobramentos; e relacionar o exposto com as teorias de Paulo Freire (2014, 2015a, 2015b) e Urie Bronfenbrenner (2011) e os documentos oficiais que normatizam a educação brasileira – Base Nacional Comum Curricular (2018), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) e Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (1998) –, que embasam todo o trabalho.

A importância deste trabalho consiste na reflexão sobre a violação dos direitos da criança dentro do contexto escolar, no sentido da banalização da violência, proporcionando um estudo que servirá de embasamento teórico e prático para futuras intervenções na área, bem como focar nas afetações da autora, estagiária de pedagogia ao longo desta vivência.

1.1. AS PRIMEIRAS AFETAÇÕES

Meu primeiro encontro com a realidade de um CMEI foi no primeiro semestre de 2019, no Estágio Supervisionado de Formação de Professores I. Naqueles dias de observação, regência e intervenção, percebi que a experiência seria bem diferente do que eu esperava. Logo no primeiro dia, na observação, fiquei impressionada como as crianças eram tratadas pela professora auxiliar, uma estagiária e estudante de pedagogia.

1 Por razões de ética e proteção aos sujeitos em questão, não iremos identificar a localidade exata do

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Já nos primeiros momentos da aula, vi algumas cenas de violência verbal (uso de palavras que denigrem e ofendem a imagem do outro), física (uso do poder e força física) e simbólica (imposição de uma ordem), quando ela reclamou com duas irmãs gêmeas e me disse: “personificação do capeta, essas duas são gêmeas, duas capetas” (sic.). Após isso, colocou uma delas no “cantinho da disciplina”, puxando-a pelo braço de forma bastante agressiva e violenta, e quando a aluna tentou sair do local foi repreendida: “aqui tem professora e você tem que me respeitar”. A professora da turma não demonstrou nenhum tipo de insatisfação ou represália contra as atitudes da colega.

Naquele instante, fiquei bastante assustada com o que estava vendo. Ao maturar psiquicamente do que havia presenciado, já em casa, observei que o que mais me tocou foi como, para as crianças daquela turma, era natural ver a professora agredir verbal, simbólica e fisicamente a colega, assim como receber aquele tipo de tratamento. Nesse momento, entendi que seria primordial mostrar para as crianças que aquilo não deveria ser visto com naturalidade; me ative a isto e elaborei um projeto de intervenção, atividade obrigatória do Estágio sobre os direitos garantidos pelo ECA. Andrade (2012) embasa essa fala quando diz que:

O reconhecimento da escola como um palco privilegiado para se trabalhar esse tema vai, assim, tomando forma, ao lado da infeliz constatação de que, até nesse ambiente – geralmente apenas visto em sua positividade, apregoado como um bem – a violência encontra espaço, ora de forma visível e chocante, ora silenciosa e insidiosamente. Assim, todo cuidado é pouco, pode-se dizer. (ANDRADE, 2012, p. 7)

Destarte, o autor traz que a escolha de um tema de pesquisa tem relação com as possíveis falhas que uma escola pode ter. Isso converge para a mesma direção proposta pelo projeto em questão.

Diante de uma situação como esta, seria impossível não lembrar de Paulo Freire (2014, p. 121) e sua abordagem quanto a escolha do tema gerador. O autor propõe que o tema deve ser escolhido justamente na realidade mediatizadora, ou seja, não é interessante que o educador simplesmente escolha o tema a ser estudado, mas que exista um diálogo com a realidade da criança, convergindo para uma prática libertadora.

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1.2. ESTRUTURA DO CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A instituição na qual a pesquisa foi desenvolvida conta com uma equipe de gestão pedagógica ativa e participativa, bem como uma estrutura física característica de um CMEI de pequeno porte, com salas e área externa equipadas para o atendimento do seu público. Sua localização é na Zona Sul da cidade, oferecendo turmas de Educação Infantil nos níveis I, II, III e IV e suporte para atender até setenta e cinco crianças. A gestão da escola conta com conselho escolar, com caráter democrático e participativo.

Quanto a estrutura física, a unidade conta com: três salas de aula; um pátio/refeitório/auditório; um parquinho equipado com brinquedos de plástico; uma dispensa de alimentos; um banheiro de funcionários; dois banheiros infantis coletivos; uma sala de direção e administração; e uma cozinha. Ainda, dispõe de móveis e estrutura satisfatórios e adequados para uma instituição de educação infantil.

1.3. A TURMA

A turma do nível IV tem um total de dezessete crianças, sendo duas delas com diagnóstico de autismo. Importante ressaltar que as condições socioeconômicas da maioria das crianças são desfavoráveis para o processo de aprendizado, pois muitos só se alimentam bem quando estão na escola e chegam sujos e com as roupas rasgadas. Dito isto, observei o fato de que duas irmãs gêmeas bivitelinas, em todos os dias que estive acompanhando a turma, chegaram à escola nessas condições – e, não por acaso, eram os “alvos” mais frequentes das professoras, problemática que será discutida adiante.

A turma conta com uma professora titular graduada em Pedagogia, concursada pela Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN, e uma professora auxiliar estagiária contratada pela mesma Secretaria, graduanda em Pedagogia.

1.4. O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES I

O Estágio Supervisionado em Formação de Professores I, disciplina teórico-prática, possibilita ao aluno de pedagogia vivenciar experiências de docência em uma

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instituição pública de ensino, sendo uma oportunidade de participar de processos que só são estudados dentro da universidade até então, afinal, “ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende” (FREIRE, 2015b, p. 55).

Segundo o plano do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) disponibilizado no Serviço Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA):

Optamos pelos princípios metodológicos da pesquisa-ensino, tendo em vista contribuir com a construção de teoria da docência com sólida fundamentação na licenciatura em Pedagogia e referendada na ação da organização do trabalho pedagógico de crianças, jovens, adultos e idosos nas instituições de Educação Infantil e EJA, Etapas básicas: (1) O conhecimento e análise das instituições de Educação Infantil (ou EJA): a identificação das características do contexto e dos sujeitos envolvidos; (2) Análise das propostas pedagógicas em exercício nas escolas; (3) Planejamento, execução e avaliação das propostas pedagógicas de educação infantil (ou EJA); (4) Produção e socialização dos conhecimentos teóricos e metodológicos do trabalho docente: seminários, comunicação oral e eventos. (SIGAA, online, 2019)

Ainda, tem como Procedimento de Avaliação de Aprendizagem:

Os alunos em atividade de estágio curricular obrigatório será avaliado através do registro e da análise do processo de organização do trabalho pedagógico em todas as etapas básicas de sistematização do estágio curricular supervisionado para a docência, tomando como critérios de avaliação do desempenho do estagiário em atividade: a participação e frequência nas rodas de conversas em encontros presenciais na UFRN; comunicação oral, exposição de trabalhos referentes à prática pedagógica em desenvolvimento na sede das escolas; exposição de trabalhos nos seminários correspondentes as três avaliações do semestre letivo. (SIGAA, online, 2019)

Como dito anteriormente, o objetivo do estágio é aproximar a teoria da prática, sendo uma disciplina que quebra esta suposta dicotomia presente no contexto universitário. Sobre a importância do estágio para a formação do futuro docente, Schaffrath (2007, p. 2) afirma que “os trabalhos de pesquisa articulados às práticas pedagógicas têm sido estimulados como mecanismos de construção e reelaboração e conhecimento na escola e sobre a escola”.

Além dos momentos de prática, tínhamos supervisões coletivas e individuais. Durante esses momentos era proporcionado que um aluno ajude o outro usando como base seus conhecimentos prévios e a flutuação – conseguir olhar para o que está sendo relatado de fora, tendo uma visão flutuante. O aluno de estágio necessita de supervisão do professor responsável, pois, além de seu vasto conhecimento na área,

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ele tem responsabilidade profissional sobre o aluno. Este “é, portanto, um serviço técnico, de caráter especializado, que supõe habilidades de um indivíduo, que visa à obtenção de resultados satisfatórios na atividade de outros indivíduos que estão sob seu controle ou responsabilidade profissional” (ANDRADE, 1976, p. 9). Além disso,

A partir desta perspectiva, o estágio se coloca como eixo articulador entre teoria e prática, já que os elementos da prática são trazidos pelos estágios e reelaborados nos cursos de formação docente, garantindo a produção de conhecimento nas áreas específicas da docência. (SCHAFFRATH, 2007, p.1)

Considerando que um dos documentos norteadores da educação brasileira atualmente é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), não podemos deixar de relacionar pelo menos um dos campos de experiência, um arranjo curricular que correlaciona situações, às experiências cotidianas das crianças com o patrimônio cultural (BRASIL, 2018, p. 38), então “O eu, o outro e o nós” foi o campo de experiência focalizado. Ele fala da interação das crianças com adultos, da forma como elas vão construindo seu modo de agir, respeitando as regras sociais, com autonomia, independência e iniciativa. Também diz de atuar em grupo respeitando a diversidade, respeitando e entendendo as diferenças.

O desenvolvimento deste trabalho dividido em três pontos que se seguem, o primeiro é a discussão sobre o projeto de intervenção, o segundo é sobre a

violação de direitos da criança e o terceiro sobre a banalização da violência no contexto escolar. Esses pontos serão debatidos a partir da pesquisa exploratória

com base na abordagem qualitativa, com coleta de dados a partir dos registros e planejamentos realizados durante o estágio e da observação participativa da turma em questão, durante o período do estágio. Franco e Dantas (2017) dizem que esse tipo de pesquisa não pretende confirmar ou refutar hipóteses, mas levantar questionamentos. O ambiente é uma das principais fontes de geração de dados, pois lidamos diretamente com os sujeitos envolvidos no problema pesquisado.

2. AFETAÇÕES AO PRESENCIAR VIOLÊNCIA DENTRO DO CONTEXTO ESCOLAR

Como dito anteriormente, já no primeiro dia de estágio fiquei impressionada com o tratamento da professora auxiliar com as alunas gêmeas, considero como uma

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cena de horror. No decorrer daquela manhã, vi que as crianças tinham bastante dificuldade em matemática, em relacionar quantidade e numeral, então pensei a princípio em elaborar minha intervenção sobre isso, mas depois de sair da escola e analisar a gravidade das agressões presenciadas, entendi que não cumpriria meu papel de educadora e pedagoga em formação se não fizesse intervenções quanto as situações de abuso.

Desse modo, “o bom começo para uma boa prática seria a avaliação do contexto em que ela se dará” (FREIRE, 2015b, p. 35). Claramente as crianças tinham fortes questões com a matemática, porém, eu não ficaria em paz comigo mesma se não fizesse uma intervenção sobre seus direitos básicos. Segundo Poletto e Koller (2008, p. 408), é importante que esses grupos não sejam vistos apenas como vítimas de um sistema social injusto, mas deve-se reforçar os recursos sadios de superação de luta.

A forma como a violência explícita apareceu me inquietou demais, e inspirada nas lições de Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, escolhi este ponto como tema gerador das minhas intervenções. Ele diz que:

É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o seu conjunto de seus

temas geradores. (FREIRE, 2014, p. 121, grifo nosso)

Neste sentido, o tema gerador de qualquer projeto pode ser determinado a partir de várias situações, como uma ocasião que tenha chamado a atenção das crianças da sala ou um acontecimento fora do contexto escolar; mas também pode ser determinado por uma demanda observada pelo professor e que precise ser trabalhada. Kramer (1991) apresenta uma boa definição deste conceito:

A possibilidade de articular, no trabalho pedagógico, a realidade sociocultural das crianças, o desenvolvimento infantil e os interesses específicos que as crianças manifestam, bem como os conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade a que todos tem direito a acesso. (KRAMER, 1991, p. 50)

Decidido isto, a primeira grande questão foi: como vou empoderar essas crianças de forma sutil e não me indispor com as colegas que abriram as portas da

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sala de aula para me receber? Passei um bom tempo maturando e decidi por trabalhar os direitos das crianças segundo o ECA de maneira geral. O plano era: no próximo dia aproximar as crianças de mim, fortalecendo nosso vínculo apenas adentrando na sua rotina de forma participativa, que seria atravessada por uma regência sobre “alfabetização com números”, uma atividade feita rotineiramente, dentro do planejamento da professora, proposta pela professora.

No segundo dia, levantar a questão da proteção através do livro “Dorme, menino, dorme” de Laura Herrera, no qual o personagem principal coloca uma série de “e se” para dormir, onde seriam feitas analogias com a rede de apoio numa discussão ao final da leitura.

Por fim, exibir o vídeo “ECA vai à escola” da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) disponível no Youtube2, que mostra vivências de Rafa e Dani, dois irmãos criados pela mãe, no contexto escolar, comunitário e doméstico e trata dos direitos garantidos pelo ECA. O vídeo é dividido nos direitos básicos3 e a ideia era exibir um direito fundamental por dia de intervenção, acompanhado de uma atividade sobre o tema exibido.

2.1. ENTRANDO NA ROTINA DA TURMA

Como dito anteriormente, a atividade de alfabetização com números tinha como objetivo me aproximar das crianças e entender mais como aprendiam/funcionavam. Desta forma, o manejo da intervenção que se seguiria com mais eficácia devido ao relacionamento professor-aluno positivo, já que ele

pode ser considerado como um fator de proteção para alunos que se encontram sob diferentes fatores de riscos individuais ou sociais, uma vez que pode resultar na diminuição de problemas de comportamento e no aumento de competências sociais ao longo de toda a trajetória escolar (Baker, 2006; Crosnoe, Johnson, & Elder, 2004; Hamre & Pianta, 2006; Pianta & Allen, 2008). Sugere-se que estudos dessa natureza, no contexto brasileiro, possam contribuir para a compreensão do papel do relacionamento professor-aluno no desenvolvimento de crianças e adolescentes, principalmente, daqueles que se encontram em situação de risco em função de suas características individuais ou sociais. (PETRUCCI et al., 2014, p. 140)

2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vf_0AOn2QDc>.

3 Conforme a Lei nº 8.069/90, que informa sobre os direitos à vida e à saúde, liberdade, ao respeito e

dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, à cultura, ao esporte e ao lazer e Profissionalização e à Proteção no Trabalho (BRASIL, 1990).

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Nesse sentido, identificou-se que era o caso da turma, mesmo que dentro de um ambiente que deveria ser de proteção.

Nos três primeiros dias de intervenção, as atividades ocorreram conforme planejado: a leitura e discussão do livro “Dorme, menino, dorme”, dando início ao projeto “Onde estão os meus direitos?” com objetivo de refletir sobre rede de apoio e conflitos dentro e fora da escola já que o livro fala de uma série de “e se” antes de dormir. As crianças prestaram bastante atenção na leitura do livro, inclusive, um deles disse que tem o livro em casa e que seus pais costumam lê-lo para ele dormir. A atenção voltada para aquela atividade foi uma surpresa, pois a turma era bastante agitada e tinha muita dificuldade de se concentrar nos exercícios propostos pela professora; porém, nos dias que se seguiram, percebi que a leitura sempre parecia muito "sedutora" para as crianças. O livro foi usado como uma metáfora e instrumento para a discussão pós leitura, pois, segundo Paulo Freire (2015a, p. 32), para uma educação libertadora, é imprescindível a discussão do conteúdo com a realidade concreta.

Direcionei as questões para “como e a quem podemos pedir ajuda?”; “se o meu pai me bater, a professora pode me ajudar? E se a professora me tratar mal, a quem eu peço ajuda?”. Na discussão que seguiu a leitura – neste momento estava sozinha com a turma – as crianças deduziram situações em que poderiam precisar de ajuda e como ela poderia acontecer – uma discussão com um coleguinha, dificuldade com uma atividade, briga com os irmãos –, sinalizando que compreenderam a atividade.

A existência de um ambiente acolhedor, porém, não significa eliminar os conflitos, disputas e divergências presentes nas interações sociais, mas pressupõe que o professor forneça elementos afetivos e de linguagem para que as crianças aprendam a conviver, buscando as soluções mais adequadas para as situações com as quais se defrontam diariamente. (BRASIL, 1998, p. 31)

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) traz que um ambiente acolhedor não é capaz nem objetiva sanar os conflitos, mas ajudar a criança a criar recursos para lidar com essas adversidades. É uma questão de fortalecimento da criança. O RCNEI tem como um de seus objetivos gerais “estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social” (BRASIL, 1998, p. 63).

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Neste dia, senti que a turma tinha me acolhido como professora e referência de cuidado, pois foi quando começaram a me pedir para ir ao banheiro, me avisar de conflitos entre eles na hora do intervalo ou disputas por brinquedos dentro da sala. O estágio, apesar de ser breve, possibilita o licenciando a ter uma vivência rica in loco da docência.

Permitir me colocar na posição de professora também foi importante, pois muitas vezes, no estágio, nós ficamos submissos aos professores das turmas e sua rotina pré-planejada, mas felizmente me foi aberto espaço para ter a autonomia para fazer minhas intervenções e nelas assumir a responsabilidade pela turma.

2.2. TRABALHANDO O ECA

Dando sequência ao relato iniciado no tópico anterior: no dia seguinte, houve a exibição do primeiro trecho do vídeo “ECA vai à escola”, e as crianças assistiram atentamente ao vídeo, discutindo com afinco ao final da exibição e na execução do trabalho. Este dia foi bastante produtivo: foi exposta a primeira parte do vídeo, a que diz que “toda criança tem direito a ser registrado e a receber um nome”, com isso, as crianças foram convidadas a fazer uma carteira de identidade, onde desenharam seus rostos, assinaram do jeito delas e colocaram a digital (com tinta guache). Nesta intervenção, foi trabalhado a noção de identidade que se relaciona como campo de experiência “o eu, o outro e o nós” da BNCC, que diz que a criança deve “Demonstrar valorização das características de seu corpo e respeitar as características dos outros (crianças e adultos) com os quais convive” (BRASIL, 2018, p. 45). Durante a execução desta atividade, conversamos sobre si, no sentido de falar de suas características. Até então, o estágio estava acontecendo conforme o esperado.

No quarto dia, ao chegar na escola, fui avisada que em breve as escolas municipais entrariam em greve, então eu só teria aquele e o próximo dia de estágio4. Diante da surpresa da notícia decidi, neste dia, exibir todo o documentário e solicitei que cada criança fizesse um desenho sobre o que mais lhe chamou atenção naquele vídeo. No desenho, uma forma concreta de expressão, as crianças expuseram e

4 Assim como eu, outros licenciandos tiveram que interromper suas atividades em escolas municipais

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depois justificaram seus desenhos em forma de discussão. Todas elas trouxeram experiências pessoais ao falar de seus desenhos.

Como última regência, no meu último dia na escola, levei a atividade de fechamento de projeto determinado no planejamento inicial, a amarelinha do ECA, que estava programado para ser o décimo momento com a turma e o fechamento do projeto de intervenção. Organizamos uma fila e as crianças começaram a brincadeira. Todas as vezes que a pedra caia em determinada casa/direto, a criança deveria dizer o que lembrava sobre ele. O objetivo, de forma alguma, era testar o conhecimento das crianças, mas sim, proporcionar um momento de síntese e conclusão de um ciclo. Após essa primeira parte, sentaram-se todas ao chão e foram pintar os desenhos da amarelinha em conjunto, que ficou exposta na parede da sala. Esta atividade foi interessante, tendo em vista que o espaço a ser colorido era restrito, então, o exercício da cooperação foi exercitado, era uma atividade em conjunto que exigia diálogo, essa ideia é voltada para o objetivo de aprendizagem da BNCC “ampliar as relações interpessoais, desenvolvendo atividades de participação e cooperação” (BRASIL, 2018, p. 45).

Neste mesmo dia, em um momento da manhã após essa regência, ocorreu uma briga entre duas crianças, uma delas era uma das gêmeas, que foi levada à sala da coordenação para conversar com a direção. Neste momento, me senti na obrigação de conversar com a coordenadora sobre as agressões que presenciei em sala, e assim o fiz. Conversamos e contei o que vi e ouvi naqueles dias de estágio, ela pareceu pouco surpresa, pois o comportamento da estagiária já era conhecido, mas ficou de tirá-la do corpo pedagógico do CMEI o mais rápido possível.

A sensação que tive nesta última intervenção foi de que o planejado não foi cumprido, que aquela greve tão necessária, justamente nos meus dias de estágio, era mais um empecilho para o empoderamento daquelas crianças. Me senti mal por não conseguir cumprir com o que me propus e de mãos atadas diante do contexto: a greve não tinha data para terminar, mas o estágio sim. Entendi então que não tinha mais o que ser feito ali.

Voltando depois de alguns meses à escola para deixar um documento, avistei a estagiária, o que significa que ela não foi afastada de suas atividades.

Considerando o exposto acima, é necessário delimitar o conceito de “violência escolar” utilizado nesta pesquisa:

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considera-se como violência escolar todos os fatos, como é o caso dos atos de agressões, que ocorrem no sistema escolar, entendendo como sistema e espaço físico, local onde se acentuam os problemas individuais. Este entendimento é diferente de Furlong (2005, p. 4) que refere como violência

escolar como sendo escola, como sistema, que causa ou acentua os

problemas individuais. (PRIOTTO e BONETI, 2009, p.165)

Podemos dizer que ali se tratava de uma violência da escola, ou seja, uma violência institucional simbólica que as crianças passam pela maneira que as instituições e seus agentes as tratam (CHARLOT, 2002, p. 435). O que é extremamente problemático, considerando o papel de proteção que a escola dele exercer, isso será debatido mais a fundo no próximo tópico.

Corroborando com isso, pode-se dizer que o processo de violência presenciado por mim, não se restringe aos gritos ou xingamentos, tem a ver com as outras esferas dentro da própria escola, como o fato da coordenação não ter tomado providências sobre a estagiária e ela ter seguido na "sua rotina" como professora auxiliar, sendo este um exemplo claro de banalização de violência escolar, dando assunto para se estender na discussão deste tema a posteriori.

Tendo em vista o papel social e político de uma escola, ela é uma das responsáveis por garantir que o ECA seja cumprido, não podendo violá-lo, como foi o caso das professoras em questão. Diante disto, é importante acessar documentos oficiais acerca do papel da escola e do professor, bem como seus papeis de proteção de crianças.

3. BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS DENTRO DA SALA DE AULA E DA ESCOLA

Em primeiro lugar, é importante dizer que toda turma/sala de aula é um grupo, e por ser um grupo, tem suas especificidades e formas de funcionamento, algumas características da turma em questão foram citadas anteriormente, como a “brutalidade” das professoras, a forma arisca que as crianças e principalmente as gêmeas falavam. Sim, as crianças também eram agressivas umas com as outras, a forma grosseira de se tratarem era natural para elas. O oprimido tem dificuldade de se reconhecer nessa posição, justamente por estar nessa realidade opressora (FREIRE, 2014, p. 44).

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Porém, é importante dizer que essa forma de tratar umas às outras é atravessada por relações interpessoais de outras esferas e “portanto, diferentes contextos como família, instituição e escola podem ter influências diversas no desenvolvimento” (POLLETO e KOLLER, 2008, p. 406). Para iniciar o aprofundamento dessa discussão, trago a seguinte definição de grupo:

Todos os pequenos grupos dos quais participamos têm, cada qual à sua maneira, ligação com uma instituição, valores e práticas sociais, presentes no grupo, mas que o ultrapassam, como tal. Assim, existem leis, normas, práticas e costumes para a família, o mundo do trabalho, a amizade, a religião, a política etc. E, no entanto, os grupos também têm histórias próprias e aspectos particulares. Podemos dizer que todos os grupos têm, ao mesmo tempo, um jeito de ser próprio (singularidade) e um pertencimento social pelo qual se fazem similares a outros grupos. (AFONSO, 2006, p. 27)

Aproximando essa definição de grupo para a turma em questão, vemos que as crianças estão ligadas à instituição escolar, seus valores e práticas sociais, que são diferentes do que as diretrizes educacionais exigem, visto a naturalização dos movimentos de opressão e violência citados anteriormente.

Como dito anteriormente, para a turma, é uma prática social comum sofrer violência das professoras – uma autoridade, se fizermos o espelhamento com outras situações. E, justamente, por terem um histórico de violência familiar trata aquela situação com completa naturalidade. Essa é uma marca clara desta turma/grupo.

Sobre isso, podemos dizer que um grupo não sofre influência apenas daqueles indivíduos que fazem parte dele, mas sim de todas as relações e vivências que atravessam esses indivíduos em outros contextos. Para entender melhor, trago a definição de “Contexto” do Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano desenvolvido pelas pesquisas de Urie Bronfenbrenner. O autor diz que o Contexto em que uma criança se desenvolve é perpassado por quatro níveis ambientais, definidos a seguir.

O microssistema “é um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas pela pessoa em desenvolvimento nos contextos nos quais estabelece relações face a face com suas características físicas e materiais” (BRONFENBRENNER, 2011, p. 176). Ou seja, para uma criança da turma em questão, seu microssistema é composto da escola e família, tanto a estrutura física desses ambientes como as relações que a criança estabelece nelas. No caso do

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estudo, são o CMEI e a residência do aluno, bem como as relações com os cuidadores dos dois ambientes.

O mesossistema diz das “ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais ambientes” (BRONFENBRENNER, p. 176, 2011), então é a relação que a família estabelece com a escola, dois microssistemas que formam um meso, o diálogo psíquico entre a casa/responsáveis e a escola/equipe pedagógica.

O exossistema, conforme Bronfenbrenner (2011),

Engloba as ligações e os processos que ocorrem entre dois ou mais contextos, nos quais pelo menos um deles não contém ordinariamente a pessoa em desenvolvimento, mas nele ocorrem eventos que influenciam os processos no contexto imediato a que a pessoa pertence (p. ex., para uma criança, a relação casa e local de trabalho dos pais; para os pais, a relação entre a escola e a vizinhança). (BRONFENBRENNER, 2011, p. 176)

Então, este nível diz da relação do pai da criança com o síndico do seu condomínio, por exemplo, e de como essa relação interpessoal repercute no trato desse pai com o filho.

Já o macrossistema, que é o mais amplo e complexo de todo pois engloba os três citados anteriormente e “pode ser definido como um modelo social para determinada cultura, subcultura ou outro contexto mais amplo, [...] as classes sociais, os grupos étnicos ou religiosos ou de pessoas que vivem em determinadas religiões” (BRONFENBRENNER, 2011 p. 178).

Desse modo, se os pais/cuidadores da criança foram/são vítimas de algum tipo de violência, isso vai repercutir na vida da criança, mas de forma singular e individual. Esse nível diz dos aspectos culturais em que os pais foram criados.

A cultura que os pais foram educados, os valores e as crenças transmitidos por suas famílias de origem, bem como a sociedade atual em que eles vivem, influenciam a maneira como educam seus filhos. O macrossistema abrange a comunidade na qual os outros três sistemas estão inseridos e que pode afetá-los (estereótipos e preconceitos de determinadas sociedades, períodos de grave situação econômica dos países, globalização). (POLETTO e KOLLER, 2008, p. 407)

Com isso, podemos ver que todos os sistemas que atravessam a vida de uma pessoa influenciam no seu desenvolvimento, assim como ela influencia esses sistemas, visto que se trata de relações e interações de troca. Restringindo um pouco para a relação professor-aluno, é importante frisar que é uma relação atravessada

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pela comunidade escolar e localidade da escola, que podem favorecer ou não (PETRUCCI et al., 2014, p. 134).

Assim como os alunos, o professor também tem seu repertório de relações interpessoais, tanto no âmbito familiar, como no social e no profissional. Aquelas professoras trabalhavam sob bastante estresse: duas crianças especiais na turma, nenhum com acompanhamento diferenciado e individual, a professora titular tinha dois empregos, um no matutino, no CMEI em questão e outro administrativo, a estagiária trabalhava nos dois turnos e a noite faculdade. Ambas casadas e com filhos. Aparentemente, nenhuma das duas sentiam prazer em estar ali, pareciam estar unicamente pela obrigação.

Paulo Freire (2015b, p.29) diz que “é preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo”. A fala do autor não justifica as atitudes pontuais citadas anteriormente, mas é importante destacar que as condições de trabalho desfavoráveis e a rotina difícil das duas, bem como a necessidade financeira delas em exercer aquela função, fazem parte do contexto de vida de cada uma. Não é fácil trabalhar em uma escola que, apesar de ser bem localizada, não tem segurança do portão para fora. No meu primeiro dia, quando estacionei o carro, o porteiro me disse: “olha só, você tem que parar o carro e já entrar na escola, sempre tem assalto aqui na frente”.

A greve citada anteriormente tinha como motivação a exigência do reajuste salarial de 6,18%, melhores condições de trabalho e reformas nas estruturas físicas dos CMEIs, a equipe de tercerizados também estavam com os salários atrasados.

Embora não existam informações abrangentes sobre os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas creches e pré-escolas do país, vários estudos têm mostrado que muitos destes profissionais ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias. (BRASIL, 1998, p. 39)

O RCNEI foi lançado em 1998, mais de vinte atrás, porém, traz uma realidade ainda muito atual das condições de trabalho dos professores da Rede Municipal de Educação de Natal/RN. A questão com os dados trazidos esses dados é trazer como o contexto do macrossistema desfavorecia um processo de ensino-aprendizagem confortável e rico, de motivação em trabalhar por parte das professoras. As condições

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de trabalho delas é cruel, então, as atitudes delas no microssistema são bem atravessadas pelos outros contextos também. Assim como as crianças não conseguirem ver as agressões sobre eles mesmos como problemática.

4. O(A) PROFESSOR(A) E A ESCOLA COMO AMBIENTE DE PROTEÇÃO E REDE DE APOIO DA CRIANÇA

Tendo como base as discussões anteriores, é importante, então, trazer a função da escola de educação infantil e de que forma ela é responsável pela proteção da criança. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), no título II, art. 2º:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996)

Com isso, entende-se que a escola é responsável pela educação e integridade da criança, de forma que cumpra com os princípios propostos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), que são os éticos, políticos e estéticos. Os éticos falam da autonomia, respeito ao próximo e ao meio ambiente, bem como a identidade e singularidade; os políticos, da cidadania e respeito à democracia e os estéticos, da ludicidade e liberdade de expressão (BRASIL, 2010, p. 16).

Entender de que forma a escola pode colaborar para a integralidade da criança remete diretamente para o seguinte trecho do RCNEI, que traz que a escola deve começar pela proposta curricular:

A implementação e/ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende, principalmente dos professores que trabalham nas instituições. Por meio de suas ações, que devem ser planejadas e compartilhadas com seus pares e outros profissionais da instituição, pode-se construir projetos educativos de qualidade junto aos familiares e às crianças. A idéia que preside a construção de um projeto educativo é a de que se trata de um processo sempre inacabado, provisório e historicamente contextualizado que demanda reflexão e debates constantes com todas as pessoas envolvidas e interessadas. Para que os projetos educativos das instituições possam, de fato, representar esse diálogo e debate constante, é preciso ter professores que estejam comprometidos com a prática educacional, capazes de responder às demandas familiares e das crianças, assim como às questões

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específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis. (BRASIL, 1998, p. 41)

A concepção de proposta curricular do DCNEI tem como objetivo “garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens,” (BRASIL, 2010, p. 18) atravessado pelo “direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças” (BRASIL, 2010, p. 18). Ainda, deve ter função sociopolítica e pedagógica, de forma que ofereça boas condições para as crianças usufruam de seus direitos, envoltas de novas formas de sociabilidade e exercício da democracia estabelecendo relações de cuidado e ampliação de saberes (BRASIL, 2010, p. 17).

Além disso, a proposta pedagógica “devem estar vinculadas, principalmente, às características socioculturais da comunidade na qual a instituição de educação infantil está inserida e às necessidades e expectativas da população atendida” (BRASIL, 1998, p. 65).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil definem criança da seguinte forma:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2010, p. 12)

Então, a definição de professor(a) e seu papel é a seguinte:

Adultos amigáveis, que escutam as necessidades das crianças e, com afeto, atendem a elas, constituem-se em um primeiro passo para criar um bom clima. As crianças precisam ser respeitadas em suas diferenças individuais, ajudadas em seus conflitos por adultos que sabem sobre seu comportamento, entendem suas frustrações, possibilitando-lhes limites claros. (BRASIL, 1998, p. 67)

Destarte, respeitando a diversidade, a proposta pedagógica das escolas deve sempre assegurar

A dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias competentes. (BRASIL, 2010, p. 21)

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O que nos faz concluir que independentemente da proposta pedagógica, aquelas crianças não eram asseguradas desses direitos, haja vista a clara negligência da equipe pedagógica como um todo dos episódios de violência dentro do próprio CMEI.

Com isso, é importante dizer que mesmo sendo garantidos pelas bases norteadoras, nem sempre os direitos das crianças são cumpridos de fato. Existe uma distância considerável do que é certo e está escrito no papel para esta realidade escolar.

Como vimos anteriormente, a educação infantil é fortemente envolta pelo cuidado, sendo indissociável ao processo educativo, então a BNCC define os “Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil”, que tem a importância de esclarecer as condições ideias para aprendizagem das crianças, condições estas que são: convivência com os adultos e outras crianças; brincar exercitando a criatividade, tendo experiências sensoriais e emocionais, sociais e relacionais, ampliando os saberes sobre cultura e explorando seus movimentos e emoções, entendendo como e quando expressar suas descobertas, opiniões e descobertas por meio de diferentes linguagens e a partir disso conhecer e construir sua identidade pessoal, social e cultural; participação ativa do planejamento escolar e das atividades propostas, bem como o uso dos recursos disponíveis.

Assim, a criança vai criando recursos psíquicos para lidar com as situações cotidianas, em todos os momentos da vida escolar, esses direitos devem ser respeitados e explorados, quando esses direitos não são explorados, o que não era o caso da turma em questão, as crianças ficam sujeitas a não elaborar esse recurso e passar por as situações de violência com as sinalizadas neste relato.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende” (FREIRE, 2015b, p. 55). Essa frase de Paulo Freire resume bem qualquer experiência de Estágio supervisionado de formação de professores, ela diz da troca que acontece dentro do ambiente escolar. Primeiro que o estágio é uma experiência prática em que o aluno de graduação tem um considerável respaldo por ainda estar na universidade.

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Neste relato de experiência, falei de uma relação contraditória de opressão dentro de contexto escolar. O desafio da intervenção era tentar romper com essa contradição cuja professoras já estavam completamente inseridas, de forma que as crianças não entrassem nesse ciclo a posteriori em suas relações familiares e trabalho.

Nunca saberei se de fato consegui, minimamente, gerar algum impacto deste nível, até pela própria interrupção do processo devido à greve, mas foi bom saber que tentei fazer minha parte. Mesmo sem um real impacto na vida daquelas crianças, pelo menos realizei um trabalho que servirá de embasamento para futuras intervenções.

Ao falar das minhas afetações ao presenciar as cenas de violência dentro daquela escola, disse da minha frustração de não poder concluir o planejamento do estágio e do fato da estagiária ter continuado nas suas funções “como se nada tivesse acontecido”.

Eu tinha a ilusão de que poderia mudar a vida daquelas crianças para sempre e que com aquele projeto deixaria uma marca definitiva em suas vidas. Sim, isso era uma ilusão. Caí numa ilusão tal qual a de que conseguiria mudar o mundo ao escolher a educação como propósito de vida, mas sem esta escolha eu jamais da decisão de estudar educação e me imaginar mudando o mundo através dela. Essa era uma ilusão sim, mas sem ela eu não teria optado por estar aqui.

O que quero dizer é que esse estágio serviu para me mostrar que a docência não vai mudar o mundo, mas que é sim um passo, um dos caminhos para um mundo melhor e mais justo e, principalmente, que não me vejo fora dela.

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Referências

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