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Lei, liberdade e fidelidade : na teologia moral de Bernhard Häring

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE TEOLOGIA

MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)

JOSÉ MANUEL VALENTE BRAVO

LEI, LIBERDADE E FIDELIDADE

Na Teologia Moral de Bernhard Häring

Dissertação Final sob orientação de:

Prof. Doutor Domingos de Paiva Valente da Silva Terra Prof. Doutor Jerónimo dos Santos Trigo

Lisboa 2013

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(3)

1

Índice

Introdução ... 2

Capítulo I – O Desenvolvimento da Teologia Moral ... 5

1. A Teologia Moral Casuística e as suas caraterísticas

... 6

2. O Século XIX. Da Escola de Tubinga à Renovação Tomista da Teologia Moral ...

10

Síntese do capítulo I

... 13

Capítulo II – Sinais de Renovação anteriores ao Concílio Vaticano II:

A Lei de Cristo de Bernhard Häring ... 16

1. O Autor

... 16

2. Sinais de Renovação na obra A Lei de Cristo

... 19

2.1. Cristo como Fundamento ...

20

2.2. Conceito de Liberdade

... 25

2.3. Conceito de Consciência

... 29

2.4. Conceito de Lei Eterna

... 34

Síntese do Capítulo II ...

38

Capítulo III – O contributo de Bernhard Häring para a Teologia

Moral no Concílio Vaticano II ... 41

1. A Constituição Lumen Gentium

... 42

2. O Decreto Optatam Totius

... 43

3. A Constituição Sacrossanctum Concilium

... 47

4. A Declaração Dignitatis Humanae

... 48

5. A Constituição Gaudium et Spes

... 48

5.1. A moral cristocêntrica da Gaudium et Spes

... 51

5.2. A Gaudium et Spes 16: a consciência moral

... 52

Síntese do capítulo III

. ... 58

Capítulo IV – No pós-Concílio: uma nova teologia moral na obra

"Livres e Fiéis em Cristo" de Bernhard Häring ... 60

1. A obra Livres e Fiéis em Cristo: que novidade?

. ... 61

2. Liberdade criativa e fidelidade na responsabilidade

... 63

2.1. Fidelidade, alicerce da Verdade

... 64

2.2 Ser responsável, livre, criativo e fiel em Jesus Cristo

... 67

3. A Consciência como Santuário da Fidelidade e Liberdade Criativa

... 75

3.1. A visão bíblica da consciência

... 76

3.2. A Consciência como realidade complexa

... 79

3.3. A consciência na fidelidade e liberdade criativas

... 81

3.4. Uma consciência radicada em Cristo

... 85

3.5. Consciência e Pecado

... 88

Síntese do capítulo IV

... 91

Conclusão ... 94

(4)

2

Introdução

Esta dissertação, para além de completar o meu percurso académico na área da Teologia que se iniciou no Instituto Superior de Teologia de Évora, veio ao encontro de temáticas que têm marcado o meu percurso existencial e cujo estudo, de uma forma mais exigente, poderá ser de grande utilidade na minha futura ação pastoral como sacerdote ao serviço da Igreja na Diocese de Beja.

Olhando em retrospetiva sinto que o meu percurso como cristão, tem sido marcado pela preocupação de ser livre na responsabilidade, e de partilhar com os outros os horizontes que a fé me tem aberto. Escolhi, por isso, Bernhard Häring, ao descobri-lo casualmente nas minhas leituras, pois senti de imediato uma grande empatia pelo seu pensamento, sentimento este que foi ganhando consistência com a leitura das suas obras. Neste processo tive ocasião de perceber a importância de Häring na elaboração de documentos estruturantes do Concílio Vaticano II que foram fundamentais na renovação da Igreja, dos Estudos Teológicos e da Teologia Moral em particular. Acresce a este facto a atualidade das celebrações dos cinquenta anos da convocação do Vaticano II.

A presente Dissertação desenrola-se em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, procura-se fornecer o pano de fundo histórico no qual se situa o debate sobre a Teologia Moral e os seus desenvolvimentos desde o século XVII, nomeadamente desde a chamada moral casuística até ao pré-Concílio, onde já começam a ter início fermentos de renovação no campo da Teologia Moral, através dos movimentos de renovação teológica, entre os quais estão os movimentos bíblico, e litúrgico.

No segundo capítulo pretende-se apresentar o grande contributo de B. Häring para a renovação da Teologia Moral no período pré-conciliar, concretamente na obra A

(5)

3

Lei de Cristo (1954), e, em especial, o seu primeiro volume intitulado Teologia Moral Geral, do qual foram seleccionados os seguintes temas: liberdade, consciência e lei

eterna. A escolha destes teve como principais motivos a sua pertinência e atualidade, mas também a continuidade temática entre esta obra pré-conciliar e aquela outra pós-conciliar, intitulada Livres e Fiéis em Cristo. Sem esquecer que alguns destes temas são também tratados no Concílio, nomeadamente os temas da consciência e da liberdade, para os quais B. Häring deu o seu contributo, como oportunamente teremos ocasião de ver.

No terceiro capítulo, apresenta-se o contributo que B. Häring deu para o desenvolvimento da Teologia Moral nos textos e no espírito conciliar. Deste modo, destacam-se alguns dos documentos conciliares mais importantes entre os quais estão o

Decreto sobre a Formação Sacerdotal (Optatam Totius), o número 16 em concreto, e a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Actual (Gaudium et Spes), de modo

especial o número 16, que trata justamente da consciência moral.

O quarto capítulo trata de alguns temas da obra Livres e Fiéis em Cristo, volume I, de modo especial as temáticas da liberdade e da consciência, as quais denotam não só a continuidade temática com A Lei de Cristo, mas ao mesmo tempo se situam na continuidade com alguns dos temas tratados pelo próprio Concílio, como por exemplo, o tema da consciência, no número 16 da Gaudium et Spes, para o qual, como veremos, B. Häring deu um contributo único.

Desejaria aproveitar também este momento para reconhecer que teria sido difícil chegar aqui sem alguns apoios que quero sublinhar e agradecer: em primeiro lugar, à Diocese de Beja, à qual pertenço e que muito amo; ao Bispo de Beja, D. António Vitalino Dantas, que sempre me estimulou, ao Padre Doutor Manuel António do Rosário, pelo apoio incondicional que me tem prestado e por me fazer acreditar que sou

(6)

4 capaz, a ele devo muito do que sou. No Padre Doutor Manuel António agradeço à Comunidade Paroquial de Grândola e todos os seus colaboradores que desde a primeira hora me acolheram no Senhor.

O meu agradecimento sincero é ainda extensivo ao Padre Doutor Domingos Terra e ao Padre Doutor Jerónimo Trigo, que me acompanharam na orientação desta Dissertação, bem como ao meu amigo, o Mestre Luís F. de Oliveira Marques que também contribuiu para que levasse a bom porto esta tarefa.

Trago à memória ainda todos os que contribuíram para a minha formação académica, agradecendo a todos os professores do Instituto Superior de Teologia de Évora, bem como aos professores que foram meus docentes na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Por fim, quero agradecer a todos os amigos anónimos que rezaram por mim ao longo destes anos de estudo, sofrimentos e alegrias, realço os meus pais (a eles devo a minha existência e a transmissão dos valores) e a minha irmã, pois é grande o meu amor por eles, bem como à minha grande amiga Olívia Faustino que sempre esteve a meu lado e nela, à comunidade cristã de Moura, que me viu crescer e que me tem acompanhado fraternamente. A todos os que tiveram alguma responsabilidade neste período de formação o meu muito obrigado e que Deus vos abençoe.

(7)

5

CAPÍTULO I

O Desenvolvimento da Teologia Moral

Para estudar o contributo de Bernard Häring na renovação da Teologia Moral, é preciso, antes de mais, delimitar no espaço e no tempo a importância e o desenvolvimento que teve esta disciplina no quadro geral das disciplinas teológicas mas também no ensino eclesial. Deste modo, importa tentar uma apresentação sintética do desenvolvimento da Teologia Moral.

Tal apresentação far-se-á mediante uma delimitação metodológica e cronológica, pois não é objetivo deste trabalho fazer a história da Teologia Moral. Agora procura fornecer o pano de fundo histórico no qual se situa o debate sobre a Teologia Moral, e os seus desenvolvimentos desde o século XVII, período a partir do qual se desenvolveu a chamada teologia moral casuística, passando pelo século XIX onde já se conhecem sementes de um novo enquadramento, até ao século XX, período no qual assistimos a uma viragem no âmbito da Teologia Moral e dos seus fundamentos, período este que se pode situar no período imediatamente anterior ao Concílio Vaticano II (1962-1965), na sua receção no próprio Concílio e no pós-Concílio.

Na verdade, até ao dealbar do Concílio Vaticano II, a Teologia Moral católica ainda se encontra fortemente marcada por uma conceção casuística da mesma, não obstante as sementes de renovação já lançadas, e que são justamente como que o fermento na massa que possibilitou, como veremos, uma mudança nos fundamentos e até na prática da Teologia Moral. Com certeza, para a consolidação dessa mudança foi paradigmático o contributo do redentorista Bernhard Häring, quer antes do Concílio,

(8)

6 com a obra Lei de Cristo1, quer durante o Concílio Vaticano II, no qual ele participou como peritus, e ainda depois do II Concílio do Vaticano mediante a obra Livres e Fiéis

em Cristo2. Não obstante, para chegarmos a este momento, tentaremos delinear o percurso histórico que até ele nos conduziu, ainda que de forma bastante resumida.

1. A Teologia Moral Casuística e as suas caraterísticas

A moral casuística tem o seu início objetivo com a publicação da obra “Institutiones Theologiae Moralis” do jesuíta espanhol Juan Azor em 1600. São vários os fatores que estiveram na sua origem: “o renascimento do tomismo, a reforma

tridentina, sobretudo em relação com o sacramento da penitência, e a organização dos estudos na Companhia de Jesus”3.

Não se pode, porém, deixar de considerar também a influência que tiveram determinados movimentos e escolas no surgimento e consolidação da casuística, como é o caso do nominalismo. Na verdade, “foram os ockhamistas os que depois de S. Tomás

dominaram o campo da Moral. O conceito de “singular” deu uma tonalidade individualista, voluntarista e legalista a toda a ética”4. É igualmente com a casuística

que se dá uma separação da Teologia Moral em relação à Sagrada Escritura e à Teologia Dogmática em geral, e uma ligação efetiva ao Direito Canónico, que permanecerá praticamente até ao Concílio Vaticano II.

1

Cf. B. HÄRING, A Lei de Cristo. Teologia Moral para sacerdotes e leigos, Tomo I-III, Ed. Herder, São Paulo, 1960.

2

Cf. B. HÄRING, Livres e Fiéis em Cristo, Tomo I-III, Edições Paulinas, São Paulo, 1984. 3

M. VIDAL, Diccionario de Ética Teológica, Verbo Divino, Navarra, 2000, 83-84. 4

(9)

7 O desenvolvimento da moral casuística cobre um arco temporal que se estende desde o séc. XVII até ao Concílio Vaticano II, como sustenta Marciano Vidal5. A casuística desenvolveu-se muito com os confrontos entre probabilistas e probabilioristas, sobretudo pelos exageros de certos autores probabilistas que caíram no laxismo, o que gerou reações de sentido inverso. Para o probabilismo (do latim

probabilis) as opiniões são sempre hipóteses e cada uma tem sempre um maior ou

menor grau de probabilidade de estar certa. Por isso, “a consciência não tem de seguir

uma lei, quando autores sérios indicam outras soluções. A perspectiva é a da liberdade. Não se busca tanto a verdade em geral, mas a segurança para o agir concreto. Basta uma opinião provável; portanto, não é necessário buscar uma segurança maior. Para uma opinião ser provável tem de ter um índice sério de verdade, mesmo se a contrária tem índices maiores”6. Com efeito, uma opinião com muita probabilidade, ou às vezes com pouca deve ser seguida, ainda que haja outra que tenha muitas probabilidades, o probabiliorismo (do latim probabilior).

No meio desta contenda, surge uma tentativa de mediação protagonizada por Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787) e o seu equiprobabilismo, um probabilismo moderado. A moral de Santo Afonso Maria de Ligório foi muito difundida e a sua influência sentir-se-á ao longo de todo o século XIX, embora possamos afirmar com alguma segurança que o rigorismo, manifestado em expressões mais moderadas, será a corrente predominante na Teologia Moral católica, quase até aos nossos dias. A sua fama e autoridade, com a sua beatificação, em 1816 e canonização, em 1839, aumentou consideravelmente. Como moralista, foi assumida a sua superioridade aquando da sua proclamação como Doutor da Igreja, em 1871.

5

Cf. M. VIDAL, Moral de Actitudes 1, PS Editorial, Madrid, 1991, 109. 6

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, apontamentos para os alunos, UCP, Lisboa, 2003, 5.

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8 Houve mesmo vários manuais de Moral que foram difundidos nesta altura, tendo alcançado maior difusão o de A. Ballerini em 1881, que foi completado posteriormente por D. Palmieri. Estes manuais de Moral não continham ainda reflexões no âmbito da Doutrina Social da Igreja, uma vez que esta só terá o seu início mais formal com a encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, publicada em 1891, no contexto da “questão social”.

Em síntese a moral casuística, apesar do longo desenvolvimento e da sua complexidade, poder-se-ia caraterizar teoricamente por cinco aspetos tal como os apresenta Marciano Vidal na sua obra Moral de Actitudes7, e que correspondem à exposição elaborada nos manuais deste tipo de moral. Numa apresentação esquemática teríamos:

a) Desvinculação de uma síntese teológica

Esta desvinculação significa não uma autonomia da disciplina, enquanto tal, mas um afastamento das fontes teóricas onde se baseia o agir moral. Assim a casuística encontrava-se desvinculada quer da Escritura, quer da Teologia (Cristologia, Eclesiologia, Sacramentologia).

b) Legalismo excessivo

A moral casuística, tendo surgido e tendo-se desenvolvido num ambiente legalista, caraterizava-se naturalmente por ter ela mesma uma configuração do género, que se reflete na importância dada à categoria de obrigação e à lei positiva, nomeadamente da lei eclesiástica.

7

(11)

9 c) Positivismo teológico e pragmatismo moral

A moral casuística no seu estudo e no seu ensino, dava especial relevo ao positivismo teológico quando privilegiava o argumento da autoridade. Por exemplo, uma citação bíblica, um documento dum magistério ou a unanimidade de opinião de vários moralistas. Este positivismo teológico e pragmatismo expressava-se também por não submeter a qualquer revisão outros desenvolvimentos e soluções a que se chegava, uma vez que a sua preocupação estava em retirar aplicações de princípios indiscutivelmente aceites, e não em fundamentar os valores da moral.

d) Desvinculação da filosofia

A moral depois de Trento pouco se confrontou e dialogou com o pensamento filosófico do seu tempo. Ainda que S. Tomás de Aquino tenha constituído o seu corpus moral em diálogo com Aristóteles, a verdade é que a casuística raramente considerou as correntes ideológicas do seu tempo.

e) Excessiva vinculação à prática penitencial

Devedora dos Livros Penitenciais (séc. VII-XII)8 e das Sumas para Confessores (séc. XIV-XVI)9, a casuística mantinha uma relação direta e imediata com a práxis penitencial, o que explica em parte que os manuais de moral casuística fossem pensados para a preparação em vista do Sacramento da Penitência. Esta vinculação à prática penitencial da Igreja fez com que a moral casuística considerasse especificamente determinados aspetos. A saber: a preferência por determinar os pecados e a insistência no caso concreto, ainda que tais casos fossem analisados, pensados sem qualquer relação com as ciências antropológicas. Daí que a casuística também seja chamada

8

Cf. Ibidem, 106.

(12)

10 “moral de atos”, uma vez que dava prevalência aos aspetos práticos em ordem à prática penitencial, o que a tornou uma “moral de sacerdotes e para sacerdotes”, em que os leigos, como sujeitos e destinatários da reflexão moral, estão ausentes.

2. O século XIX. Da escola de Tubinga à renovação tomista da

Teologia Moral

A Teologia Moral conheceu um franco desenvolvimento na primeira metade do século XIX, que tem em J.M. Sailer o autor mais importante, o qual, no seu livro sobre moral cristã, pretende apresentar uma exposição geral da vida cristã que visava não só os clérigos mas também os fiéis. A originalidade de J. M. Sailer, como evidencia Louis Vereecke, consistiu não num afastamento da moral casuística, mas na adopção de uma conceção dinâmica da moral, cujo eixo é a Caridade, o que confere à moral uma dimensão prática.10

Apesar deste contributo fundamental, é à Escola de Tubinga que se deve um desenvolvimento eficaz da renovação da Teologia Moral na Alemanha, e, depois, em toda a Igreja. A Teologia Moral que aí se começa a delinear e a traduzir é inspirada em S. Paulo, pois, “o essencial da vida moral consiste na livre resposta ao chamamento de

Deus”11. A Escola de Tubinga pretendeu apresentar uma súmula da vida cristã que considerava o homem na sua inteireza. Deste modo, os teólogos desta escola, Jocham Magnus, Martin Deutinger e Fr. X. Linsenman, procuraram elaborar a moral em torno

10

Cf. LOUIS VEREECKE, História da Teologia Moral, in F. COMPAGNONI – G. PIANA – S. PRIVITERA, (orgs), Dicionário de Teologia Moral, Paulus, São Paulo, 1997, 579.

11

(13)

11 de grandes princípios como o personalismo do amor segundo o cristianismo, ou uma Teologia Moral expressamente cristológica. No fundo, a Escola de Tubinga partia da Escritura e organizava a sua moral com base num princípio dogmático central, mas, na prática, não conseguia resolver problemas concretos, diz Louis Vereecke12.

Não se pode deixar de considerar ainda no séc. XIX, a renovação tomista da Teologia Moral, também na Alemanha. Desta renovação tomista poder-se-iam destacar os autores que uniram “o método psicológico da Escola de Tubinga ao conceito tomista

de virtude”13, a saber F. Probst e Linsenman. Já F. Friedhoff e J. Schwane caraterizaram-se pelo esforço que realizaram para “superar a casuística, com a pesquisa

teológico-dogmática sobre a vida espiritual”14.

Na Alemanha, nos primeiros vinte anos do séc. XX, surgem em torno da casuística violentas polémicas entre filósofos, os teólogos liberais, protestantes e os teólogos católicos. Mas é entre os anos de 1930 e 1960 que a Teologia Moral sofrerá a influência dos movimentos de pensamento oriundos de outras disciplinas teológicas, entre os quais está o movimento litúrgico que defende que a celebração da liturgia deve ter influência sobre o agir cristão. Segue-se-lhe o movimento bíblico que sustenta que a Escritura não deve ser apenas um objeto de estudo por parte dos especialistas, mas deve conduzir a uma vida mais plena15.

No interior da própria disciplina de Teologia Moral, os manuais desta disciplina visam apresentar a moral em sentido positivo; isto é, que exponha a vida cristã como resposta fiel, por meio do agir, à graça e ao batismo, em contraposição a uma moral de confessionário que era a que vingava por esta altura. Jerónimo Trigo diz que a 12 Cf. Ibidem. 13 Ibidem, 580. 14 Ibidem. 15 Cf. Ibidem.

(14)

12

“preparação dos confessores era o seu fim imediato e quase exclusivo. Assim, centra-se no pecado e nos pecados. Deixa para a espiritualidade a proposta do seguimento e imitação de Cristo. Procura definir os limites mínimos que não se podem violar. Não se dirige aos membros da comunidade cristã no seu conjunto, para a sua educação ética, na sequência da fé, mas aos ministros ordenados para o exercício do ministério de confessores”16. Outros teólogos houve que elaboraram manuais cujo centro da Moral seriam outros aspetos tais como o corpo de Cristo, a vinda do reino de Deus ou a caridade17.

Outro fenómeno de interesse para a Teologia Moral deste período, diz respeito ao processo de laicização que levou à procura do “fundamento do empenho do cristão

no mundo, na vida política, social, económica, familiar”18. Acresce, do ponto de vista filosófico, o chamado movimento existencialista que, inspirado em S. Kierkegaard, sustentava que o homem deve responder ao apelo de Deus num momento concreto (kairós) apesar dos princípios gerais19. Esta doutrina filosófica de cariz cristão, conduziu a uma moral de situação, como defende J. Fuchs, que considerou a situação como um elemento essencial da realidade e como tal deveria intervir, como elemento intrínseco, na consideração do juízo moral20.

Como podemos observar nesta breve consideração histórica, a moral de tipo casuística sofreu várias influências, quer filosóficas, quer dos vários âmbitos das disciplinas teológicas, que conduziram a um reequacionar dos fundamentos bíblicos e cristológicos e do próprio lugar da Teologia Moral na vida da Igreja. Não obstante,

16

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, 8. 17

Cf. LOUIS VEREECKE, História da Teologia Moral, 580. 18 Ibidem. 19 Cf. Ibidem, 580-581. 20 Cf. Ibidem, 581.

(15)

13 “estes fermentos de renovação não tiveram, grande influência nos textos usados no

ensino, os quais continuaram a repetir os esquemas anteriores. A ruptura, embora não brusca, deu-se com o redentorista Bernhard Häring (1912-1998)”21.

Síntese do capítulo I

Como podemos observar o desenvolvimento da Teologia Moral ficou fundamentalmente marcado pela chamada moral casuística. Esta resulta da tensão de um conjunto diversificado de sensibilidades que punham a acentuação do agir moral neste ou naquele aspeto e duma disputa, que parecia inconciliável, entre liberdade e lei.

De modo mais concreto, temos em primeiro lugar, os que pensavam que a consciência não tem de seguir uma lei, dada a probabilidade de cada hipótese ser verdadeira (o probabilismo). Bastava uma opinião provável, considerada a mais verdadeira, acentuando deste modo a liberdade. Mas esta corrente caiu num certo laxismo, devido ao facto de cada um escolher e contentar-se com uma probabilidade débil.

Do outro lado, como reação a esta corrente, temos o probabiliorismo que acentuava justamente o contrário, a hipótese mais provável. Deste modo, dá-se uma acentuação da lei em detrimento da liberdade, o que faz com que nesta tendência a moral seja mais rigorista. Foi Afonso Maria de Ligório que tentou uma mediação no seio destas doutrinas com o seu equiprobabilismo que determina que quando a lei tem igual número de hipóteses contra e a favor, então, a lei não obriga.

21

(16)

14 Apesar do esforço, a verdade é que a Teologia Moral casuística não conheceu nenhum desenvolvimento de fundo, ou seja, nos seus fundamentos, mantendo-se uma Moral que se poderia caraterizar como excessivamente legalista e vinculada à prática penitencial da Igreja, e, ainda, desvinculada dos outros saberes teológicos, e da filosofia, e caraterizada pelo seu pragmatismo moral e positivismo teológico, como vimos.

Será no século XIX que a Teologia Moral conhecerá algum fermento de renovação no que diz respeito ao desenvolvimento dos seus fundamentos, que, graças à Escola de Tubinga, desenvolveu uma proposta moral baseada em São Paulo e que pôs a tónica no personalismo. Não se pode ainda omitir o desenvolvimento da chamada renovação tomista da moral.

Apesar de tudo, é no século XX, nomeadamente, nas décadas de 1930 a 60 que a Teologia Moral receberá como gérmen de renovação a influência de alguns movimentos emergentes naquela época, desde o movimento litúrgico e o movimento bíblico até à renovação tomista da Teologia Moral.

Estes contributos não podem ser esquecidos e relevados na sua importância, mesmo que a sua influência não tenha sido imediatamente tão significativa como alguns teriam gostado. Mas a verdade é que estão na génese da renovação da Teologia Moral que foi protagonizada por B. Häring, logo em 1954, aquando da publicação de A Lei de

Cristo, oito anos antes da abertura do II Concílio do Vaticano, o qual teve o seu início,

como sabemos, a 11 de Outubro de 1962, depois do seu anúncio pelo bom Papa João XXIII, a 25 de Dezembro de 1961.

O contributo de B. Häring não se ficou pelo antes do Concílio, mas aconteceu no próprio Concílio, nele tendo participado como peritus, e depois do Concílio quando publicou entre 1978 e 1981 a obra Livres e Fiéis em Cristo. Ora, é justamente este

(17)

15 contributo que pretendemos dar a conhecer: antes do Concílio, no segundo capítulo; durante o Concílio no terceiro capítulo e, depois do Concílio no quarto capítulo.

(18)

16

CAPÍTULO II

Sinais de renovação anteriores ao Concílio Vaticano II:

A Lei de Cristo de Bernhard Häring

Não parece existir qualquer dúvida que, mesmo que os sinais de renovação da Teologia Moral, levados a cabo principalmente nos séculos XIX e XX, quer mediante a chamada Escola de Tubinga e pela tentativa de renovação tomista da moral, quer depois pelos movimentos eclesiais dos anos 30 a 60 do século XX, não tenham produzido o seu efeito de imediato nos textos usados no ensino, permaneceu, de algum modo a semente lançada à terra que, sem sabermos bem nem como nem porquê, vai crescendo até dar os seus frutos. Ora, talvez possamos identificar alguns desses frutos no período anterior ao Concílio Vaticano II e gerados pela obra de Bernhard Häring, a que já fizemos referência, A Lei de Cristo.

Neste segundo capítulo, pretende-se dar nota do contributo fundamental de A Lei

de Cristo, para um novo reequacionar dos fundamentos da Teologia Moral. Ainda antes

de entrarmos na obra, nomeadamente, no primeiro tomo da mesma que trata da Moral Geral, ou seja, dos fundamentos da Moral, apresentamos uma breve nota biográfica sobre esta personagem ímpar do Teologia católica e da Teologia Moral de modo particular.

1. O Autor

(19)

17 extremo sudoeste da Alemanha, numa família verdadeiramente enraizada em Cristo, com doze filhos, sendo ele o décimo primeiro. A oração era uma atitude permanente na vida dos seus pais, por isso, todos os filhos cresceram escutando os pais a rezar. Talvez pela bela prática exercida por estes, B. Häring confessou num texto autobiográfico – La

mia vita come redentorista22 – tenha alimentado em si um gosto especial pelas missões, e tenha adquirido um fascínio especial pela vocação à vida religiosa missionária. Ingressou, por isso, na Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas), em 1933, onde fez a sua profissão religiosa, no dia 4 de Maio de 1934. Estudou Filosofia e Teologia em Gars am Inn, uma povoação próxima de Munique. Foi ordenado sacerdote pelo Cardeal Faulhaber, no dia 7 de Maio de 193923.

B. Häring conta que ao regressar para casa, depois de uma longa ausência, a sua mãe lhe pediu permissão para lhe dar a bênção, ao qual ele responde: “Certamente, a

tua bênção será daqui para a frente o fundamento de todas as minhas”24

. De 1941 a

1945, foi soldado no setor da saúde, na frente da Rússia. Este tempo foi crucial na sua vida, ao ponto de ter exercido nele uma grande mudança na sua forma de pensar25.

Depois da guerra, pensava Häring que iria ser enviado como missionário para o Brasil; no entanto, os planos de Deus eram diferentes, e os seus superiores mandaram-no especializar-se. Fez o Doutoramento em Teologia na Universidade de Tubinga em 1947. A sua tese foi orientada pelo Professor Teodoro Steinbüchel e tem por título O

sagrado e o bem; relações entre ética e religião. Ensinou Teologia Moral no

Estudantado Redentorista de Gars am Inn. Também leccionou algumas matérias em

22

Cf. B. HÄRING, La mia vita come redentorista, in Martin McKeever (Dir.), Bernhard

Häring.Un redentorista felice, Editiones Academiae Alfonsianae, Roma, 2008, 95-111.

23

Cf. Ibidem, 95. 24

Ibidem. 25

V. SCHURR – M. VIDAL, Bernhard Häring y su nueva Teología Moral Católica, Ed. Covarrubias, Madrid 1989, 7.

(20)

18 Roma, entre 1950 e 1953. Aquando da abertura da Academia Afonsiana de Moral, em Roma, Häring foi chamado para lá trabalhar, permanecendo ali como docente desde 1957 até 198826. E, em 1988, no dia 1 Novembro, chega às mãos do Papa João Paulo II uma carta de Häring, esta dizia estas belas palavras: “Querido Pai em Cristo: Sou um

homem velho que se aproxima da sepultura. Amo a Igreja com paixão e, também amo o sucessor de Cristo que, a meus olhos, merece ser amado por muitas razões. Para esperar confiadamente na hora da morte a misericórdia de Deus, lutei toda a minha vida para oferecer uma pastoral e uma teologia moral humana e misericordiosa”27.

Pouco tempo antes da morte de Häring, afirmou-se, que a ele “se deve a

mudança de perspectiva na Teologia moral: a passagem de uma moral da lei a uma moral do amor. Nele se via um teólogo livre, fiel e solidário, com uma mensagem evangélica de libertação e de salvação”28.

Häring morreu no dia 3 de Julho de 1998, na comunidade Redentorista de Gars am Inn (Alemanha), com 85 anos.

26

M. VIDAL, B. Häring, Un Renovador de la Moral Católica, Ed. Perpetuo Socorro, Madrid, 1999, 11-12.

27

F. FERRERO, P. Bernhard Häring (1912-1998). Misionero y moralista. In memoriam, in

Moralia, revista de ciencias morales, Instituto Superior de Ciencias Morales, Madrid, Volumen

XXI (1998) n. 78-79, 239. 28

M. VIDAL, Evocación de Bernhard Häring, Renovador de la Teología moral, in Moralia,

revista de ciências morales, Instituto Superior de Ciencias Morales, Madrid, Volumen XXI –

(21)

19

2. Sinais de renovação na obra A Lei de Cristo

É inegável que, quando se fala de renovação da Teologia Moral, o nome Häring esteja presente, pois, sem dúvida, ele participou neste processo, e o seu nome permanecerá como uma das grandes referências antes e depois do Concílio Vaticano II. Em 1954, publicou uma obra, em três volumes, que ficou clássica, tornando-se incontornável, de seu nome: A Lei de Cristo. Teologia Moral para sacerdotes e leigos, a que já fizemos referência. Para Häring, o subtítulo quer fazer ver às pessoas, que esta obra não está somente direccionada para os teólogos, também é para os leigos, pois, estes não podem permanecer alheados à teologia29. Esta “obra passou a ser considerada

como marco, pondo fim a uma época e iniciando outra”30.

O objetivo de A Lei de Cristo foi, considera M. Vidal, “servir de “ponte” entre a

moral casuística e a moral renovada. Este manual teve o grande mérito de preparar o caminho à renovação conciliar e pós-conciliar”31. No fundo, foi a primeira resposta global à insatisfação da moral casuística, e ao desejo que as pessoas tinham de ver acontecer a renovação moral.

A Lei de Cristo consta de três volumes, dos quais trataremos o primeiro, que se

encontra dividido em duas partes: “O Apelo de Cristo” e “A resposta do Homem”, dado que é neste volume que são abordados os fundamentos da Teologia Moral Geral, nomeadamente, o fundamento cristológico de toda a Teologia Moral (cf. OT 16). O primeiro volume “põe em destaque que a ética cristã não pode partir apenas do

homem. Não pode ser, simplesmente antropológica. O seu ponto de partida é Cristo que

29

Cf. B. HÄRING, A Lei de Cristo, I, 3. 30

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, 11. 31

(22)

20

nos torna participantes da sua vida e nos chama ao seu seguimento. A moral cristã é conscientemente cristo-dialógica. Criados por Deus, e recriados em Cristo, levamos em nós a lei de Cristo, a lei do amor. A resposta da pessoa humana implica a conversão e acção concreta. Häring compreende e expõe a moral cristã em chave de “vocação”. O esquema “chamamento-resposta” é o esquema organizador de todos os elementos do comportamento moral cristão. À luz de tal esquema, as realidades básicas da vida moral cristã adquirem uma dimensão nova, a dimensão do personalismo cristão, que estava ausente na Teologia Moral casuística”32. Do ponto de vista dos conceitos fundamentais, abordaremos os que consideramos mais relevantes, como liberdade,

consciência e lei eterna, e que nos permitem identificar uma certa continuidade temática

e concetual entre A Lei de Cristo, anterior ao Concílio Vaticano II, e a obra Livres e

Fiéis em Cristo, posterior ao Concílio, como se verá.

Esta continuidade entre as duas obras pode ser também identificada no fundamento cristológico de toda a Teologia Moral, enquanto que é em Cristo que toda a Teologia Moral deve estar fundamentada, e é nele que o agir do cristão encontra o seu fundamento, enquanto é expressão da imitação e do seguimento de Cristo.

2.1. Cristo como fundamento

B. Häring traça o fundamento cristológico da Teologia Moral ao dizer que a “teologia moral cristã tem o fim de expor a “lei de Cristo”, ou, em outras palavras,

tornar mais conhecido o próprio Cristo, nossa Lei”33. Esta “lei” é “uma “lei” entendida

32

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, 12. 33

(23)

21

como “vida”. A referência da moral ao Espírito aparece logo no texto bíblico de entrada: “a Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da morte.” (Rom. 8, 2). O texto inicial de A Lei de Cristo é uma confissão lúcida e sem ambiguidades do cristocentrismo moral”34. A nossa vida deve ter como centro Jesus, o

único que é digno de toda a nossa entrega, Aquele que é para nós o Salvador do mundo e Aquele que somos chamados a seguir: “o todo da vida moral do cristão: princípio,

centro e fim. A lei do cristão não é outra que o Cristo em pessoa. Somente Ele é realmente nosso Senhor e Salvador. É n`Ele que nos foi dada a vida e consequentemente também a lei da nossa vida. Porque a vida cristã não se deve compreender somente à base de uma lei formulada, nem mesmo à base de uma vontade de Deus que dita ordens, mas sempre à base de uma vontade de Deus que dá. Se ela é uma exigência, também é um dom. Sejamos mais explícitos: a lei de Cristo é um dom que exige. (…) A vida cristã é, “Imitação de Cristo”, assimilação ao Filho de Deus. Não é uma cópia exterior ou somente a imitação da sua obediência amorosa ao Pai, mas antes de tudo “seguimento de Cristo”, vida em Cristo”35

. Cristo é como que o ponto do qual devemos partir, uma vez que Ele é o único capaz de nos revelar a vida na sua plenitude, pois só Cristo pode levar cada ser humano a participar da Sua vida. Pede que o sigamos na certeza de que com Ele alcançaremos a felicidade.

A nossa vida deve ser um permanente diálogo com Cristo, dado que é Ele quem nos faz compreender qual o caminho a trilhar. Para isso dá-nos uma lei, a lei do amor, de um amor sem reservas, capaz de dar a vida. Quando somos alcançados pela graça de Deus, Ele mesmo se move, vive e existe em nós. Desta forma compreendemos o que é

34

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, 12-13. 35

(24)

22 ser verdadeiramente livres, pois, iremos atuar na liberdade dos filhos de Deus. Deste modo, a “moral fica intimamente ligada à espiritualidade”36

.

A lei é, para Häring, a manifestação de Cristo, tanto no nosso corpo, como na nossa vida, porque a “lei do cristão não é outra que o Cristo em pessoa”37

. É Ele que nós queremos imitar e seguir. N`Ele queremos viver. Portanto, “viver em Cristo, isto é,

ser membro do seu corpo e súbdito do seu Reino”38. Com efeito, o que Häring se propõe fundamentalmente nesta obra é, seguindo Giuseppe Quaranta, apresentar a moral cristã segundo o binómio “chamamento de Cristo” e “resposta do homem”, resposta que não é apenas teórica, mas que se expressa justamente na imitação e no “seguimento de Cristo”39

.

Contudo, importa ter presente que esta imitação de Cristo não significa “copiar” as suas ações, palavras e leis, como puro mimetismo, mas pela sua imitação sermos introduzidos no mistério da Sua pessoa, do Seu exemplo e do Seu ensinamento40, o que faz com que esta imitação suponha ser discípulo e estar incorporado em Cristo41, isto é, ser e agir em Cristo. Por isso, o cristão, como S. Paulo, deve poder dizer: “Já não sou eu

que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl. 2, 20). Häring

refere-se também ao Espírito, o que permite transitar de uma moral cristã baseada não na lei, mas no espírito; não da casuística, mas da vida nova em Cristo42.

36

J. TRIGO, Moral, Ética e Teologia Moral, 12. 37

B. HÄRING, A Lei de Cristo, I, 1. 38

Ibidem, 2. 39

Cf. G. QUARANTA, La Cultura pieno sviluppo dell’umano. Il concetto e la funzione della

cultura nel pensiero di Bernhard Häring, Editiones Academiae Alfonsianae, Roma, 2006, 129.

40

Cf. Ibidem, 211. 41

Cf. Ibidem, 211. 42

(25)

23 É, como vemos, preocupação de Häring a construção de uma Teologia Moral centrada no mistério de Cristo e na História da Salvação, ideias que foram assumidas com toda a clareza no nº16 do Decreto sobre a Formação Sacerdotal (Optatam Totius) do Concílio Vaticano II. Ao mesmo tempo, o centro da moral é a caridade, e é nela que os cristãos vão buscar a força para viverem no mundo e darem fruto para a salvação deste.

Para B. Häring é claro que só uma moral da caridade integral, poderia superar a ética individualista, pois, como sustenta L. Vereecke, “a teologia moral católica

empobrece e extravia-se quando a casuística ou o juridismo a põem ao serviço do minimum legal ou do sacramento da penitência considerado como uma discriminação entre o lícito e o ilícito”43. A moral deve ser realista. A fé, a caridade, a graça, os sacramentos, devem definir-se em determinações concretas, dado que o “carácter de

virtude de um discípulo de Cristo, somente começa a existir quando Deus infunde na alma uma nova capacidade de assimilação a Cristo”44.

Para Cristo devem tender todos os nossos esforços. Ele é o homem perfeito e é nosso dever procurar sê-lo também. Ele é totalmente espiritual e devotado ao Pai do céu, e possui uma sensibilidade completamente humana que é acessível a todos nós. Jesus partilha as alegrias e as tristezas deste mundo, fica maravilhado pela grandeza do amor de Deus que é um Pai Misericordioso e aprecia a beleza da natureza. Jesus fala ao homem de forma atraente e simples. Ele vai ao coração, à inteligência e à vontade. A Igreja, Cristo continuado na História, procura fazer de igual forma. Esta procura ser, não só visível, mas invisível, e além de terrestre, celeste45. Cristo deve ser seguido em comunidade, na Igreja; esta é a forma mais segura que possuímos.

43

LOUIS VEREECKE, História da Teologia Moral, 581. 44

B. HÄRING, A Lei de Cristo, I, 617. 45

(26)

24 O homem deve olhar para Cristo como a luz que ilumina toda a sua vida. Ao falarmos do homem naquilo que ele possui de maior, na sua verdade que é foco irradiante de luz verdadeira, falamos de Cristo. Tudo o que nos eleva vem de Cristo e os sentimentos d`Ele devem ser por nós assumidos. A nossa própria liberdade só é alcançada na lei de Cristo: “a Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei

do pecado e da morte” (Rm 8, 2)46. Esta fórmula Paulina é o mote que abre toda a obra. A nossa lei ou os nossos limites definem-se em Jesus. Este, como Imagem do Pai, revela-nos a Sua vontade e faz com que em nós atue uma força interior que é impelida pelo amor ao bem, segundo a lei eterna e a lei natural. O homem deve ter sempre um cuidado especial em relação às suas ações, pois corre riscos de a qualquer momento resvalar e se ferir na sua liberdade. Ainda que o homem fira a sua integridade, este não deixa de ser livre, pois a missão da lei em relação à liberdade, é de advertir e de proteger. Ela é uma exigência e um dom. Quando o cristão se eleva à liberdade de filho de Deus, esta lei divina vai-lhe revelando cada vez mais a sua âncora, o seu porto seguro e, desta forma, deixa-se levar para um conhecimento profundo do amor verdadeiro, da própria natureza da lei47.

O homem deve guiar-se por ideais e desta forma agirá mais livremente, pois, será guiado por princípios e motivos. Deus que fez o homem à Sua Imagem e semelhança, também se rege pelas Suas ideias eternas. Deus age conforme lhe apraz e o homem, segundo a sua liberdade, também o pode fazer. No entanto, é bom que tenha motivos fortes quando se propõe realizar uma determinada ação48. Toda a nossa ação deve convergir para Cristo a fonte onde devemos beber.

46 Cf. Ibidem, 146. 47 Cf. Ibidem, 154. 48 Cf. Ibidem, 154-155.

(27)

25 Tudo isto torna-se possível quando a Teologia Moral tem igualmente como fundamento a Escritura. O autor alemão deixa claro que devemos procurar um íntimo contato com a Sagrada Escritura, procurando uma imitação cada vez mais perfeita do ideal cristão, aprofundando as virtudes teologais49. O fundamento primeiro, a pedra angular da Teologia Moral, é Cristo; por isso, Häring procurou que esta mantivesse uma certa distância em relação ao Direito Canónico e ao Direito Civil, evitando assim a redução da Moral ao Direito50.

Em síntese, temos que, como afirma Louis Vereecke, “o manual de B. Häring, A Lei de Cristo, pode ser considerado como a síntese dos princípios que se iam

exprimindo em numerosas publicações: imitação de Cristo, reino de Deus, primazia da caridade. A moral é primeiramente resposta do homem ao chamamento de Deus”51.

2.2. Conceito de Liberdade

Qualquer homem que age se nos apresenta como um ser livre. Sabemos que a liberdade é “um facto atestado pelo sentir individual e social. Mas somente Cristo pode

dar-nos a conhecer a natureza profunda deste mistério”52. Pela graça de Deus, a nossa liberdade é assimilada à liberdade divina. Em Jesus a nossa liberdade é a liberdade dos filhos de Deus. Esta liberdade é um dom grandioso e, por isso, é nosso dever para com Deus usá-la bem. Deus, na sua infinita misericórdia, concedeu-nos o livre-arbítrio, e a

49 Cf. Ibidem, 2. 50 Cf. Ibidem, 4. 51

LOUIS VEREECKE, História da Teologia Moral, 581. 52

(28)

26 nossa decisão é de tal importância que as escolhas que fizermos terão uma sentença eterna.53

A essência da liberdade está nos valores que o homem possui, que o impelem ao bem. A liberdade só existe quando a pessoa toma uma posição perante a requisição de um bem e a solicitação de um mal, no mais íntimo de si mesma54.

O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, é livre, e Deus Criador constituiu-nos “senhores” da terra, de tal modo, que nos deixa na nossa liberdade de agirmos em relação ao mundo como nos aprouver. Deus, contudo, age a partir do nosso interior, e é desta forma que Ele procura governar o mundo, não exercendo qualquer tipo de coação. O homem deve na sua liberdade agir da mesma forma55.

Häring define também a liberdade “como a faculdade de tomar posição em face

de uma exigência de Deus, mas somente pela participação da liberdade divina”56. A forma mais bela que nós temos para usar a nossa liberdade é agir totalmente influenciados pela graça. Podemos afirmar que é um ato de loucura do amor de Deus pelos homens, a capacidade que Ele nos deu de lhe dizermos “não”, mas a grandeza da nossa liberdade está em dizer sim a Deus, como filhos obedientes57.

A liberdade de Deus tem em vista uma grande norma, que é ser três vezes santo! Entre a liberdade de Deus e a lei do Amor divino há uma bela consonância. Da mesma forma, “a liberdade humana, quando realmente livre em seu desenvolvimento, não está

sujeita a pressões ou constrangimentos externos, mas actua do interior por amor ao bem, segundo a lei estabelecida na santidade de Deus (Lei eterna) e implantada na

53 Cf. Ibidem, 147-148. 54 Cf. Ibidem, 149. 55 Cf. Ibidem, 149-150. 56 Ibidem, 151. 57 Cf. Ibidem.

(29)

27

própria natureza (Lei natural)”58. O homem, ao contrário de Deus, corre sempre o risco de resvalar no que toca ao cumprimento da lei, e de ferir a integridade da sua liberdade, sabendo que a “lei é para a liberdade, advertência e protecção, exigência e dom”59

. O ser humano deve ter em vista princípios e motivos que norteiem a sua vida; de outra forma o homem não exercerá a sua liberdade60. A nossa vontade deve ter como fim, motivos nobres e belos, pois, “quanto mais profundo é o dom de si ao motivo da

acção, tanto maior é também a liberdade. Portanto, é na escolha e no aprofundamento deste motivo que reside, em definitivo, a liberdade”61.

Podem tirar-nos a liberdade de realizar algo externo, no entanto, de tomar uma decisão interior nunca o poderão fazer. O que pode causar um abalo no equilíbrio interior da alma, é o medo causado exteriormente, e este pode enfraquecer ou até anular a liberdade62.

É da nossa responsabilidade procurar adquirir maior conhecimento, para que a nossa liberdade não seja responsável pelas nossas transgressões, devido à nossa ignorância. Pois, um médico ou um sacerdote, ao cometerem uma negligência, não podem justificar-se alegando a ignorância como causa do erro63.

Deve haver uma constante procura de bons hábitos, para que estes sejam capazes de reforçar a nossa capacidade de sermos livres. Um ato mau arrasta consigo muitas negligências até ser revogado64. É nossa obrigação opor resistência a sugestões

58 Ibidem, 154. 59 Ibidem. 60 Cf. Ibidem. 61 Ibidem, 155. 62 Cf. Ibidem, 160. 63 Cf. Ibidem, 163. 64 Cf. Ibidem.

(30)

28 exercidas pelo mal, e que “seja por uma resistência activa que a denuncie e desmascare

abertamente ou ao menos pela fuga para fora de sua órbita de influência”65.

Há pessoas que usam a sua força e liberdade para o mal, provocando noutras pessoas mais fracas atitudes de reserva ou mesmo de fuga. Deve haver muito cuidado para que ninguém renuncie à própria liberdade moral. Cada pessoa deve procurar adquirir princípios morais, os quais reflete e assume para a sua vida; desta forma não irá trilhar por este ou aquele caminho porque os outros também vão66.

Uma pessoa que tenha perturbações psíquicas, como, por exemplo psicoses, não tem consciência da sua doença, por isso a sua responsabilidade diminui. Quem tiver neuroses terá uma consciência dolorosa e até exagerada do seu estado mórbido, mas não será capaz de a superar, pelo que a sua responsabilidade será diminuída e a sua liberdade bastante condicionada67.

Em Jesus, a nossa liberdade é a liberdade dos filhos de Deus. Esta acontece quando o homem é impelido a realizar o bem. O homem na sua liberdade dispõe de tudo o que o mundo lhe oferece para seu bem-estar. É nossa obrigação ajudar aqueles que estão mais privados da sua liberdade, devido a perturbações psíquicas, exercendo para com estas pessoas a caridade, ajudando-as a caminhar confiantes e a carregar a sua cruz, pois “não seríamos o que somos, sem os outros e com os outros; a nossa verdadeira

realização só se alcança na comunhão de vida”68.

65 Ibidem, 165. 66 Cf. Ibidem, 165-166. 67 Cf. Ibidem, 166-175. 68

J. HERNANDEZ, Liberación cristiana y dignidade humana, in Moralia, revista de ciências

(31)

29

2.3. Conceito de consciência

Outro conceito fundamental em Teologia Moral e tratado por Häring em A Lei

de Cristo é a consciência. É do senso comum a afirmação de que o Senhor fala ao

coração, basta que o homem se abra à escuta desta voz interior. Mesmo quando o ser humano repudia a voz da razão, esta voz não deixa de apelar ao bem e faz-se ouvir. Portanto, Häring considera que existe na sabedoria de todos os povos a noção de consciência ou seu equivalente. Cada cultura lhe dá nomes diferentes; no entanto, há uma consciência comum de algo que nos impele ao bem69.

Para os filósofos a consciência (syneidesis) “é a ciência do bem e de si mesmo

com referência ao bem. Crísipo descreve-a como o instinto de conservação da pessoa espiritual, instinto que toma sob a sua guarda a própria razão, pois ele conserva o nosso ser em contacto com o espírito ordenador do mundo. É o deus in nobis (Ovídio)”70. Para os estóicos, a lei eterna entende-se como a manifestação da divindade que nos fala através da consciência, não como um Deus pessoal, mas como uma força divina, mas impessoal. A consciência, para estes autores gregos, é isto mesmo, a participação nesta lei eterna71.

No que diz respeito à revelação bíblica, e fazendo uma pequena viagem pela Sagrada Escritura, apercebemo-nos que o termo “consciência” não aparece no Antigo Testamento, exceto no Livro da Sabedoria, onde se encontra o termo syneidesis, que está tomado no sentido de má consciência, (17, 10 ss.). No entanto, o Antigo Testamento deixa-nos uma informação profunda e muito esclarecedora sobre a

69

Cf. B. HÄRING, A Lei de Cristo, I, 198-199. 70

Ibidem, 199. 71

(32)

30 consciência, ao colocá-la em sintonia com um apelo que um Deus-pessoa faz ao homem.

O próprio homem se examina tendo um olhar sobre a sua ação de acordo com o olhar de Deus, e é de acordo com esses olhos, que ele próprio considera um ato mau ou bom, sem gravidade ou extremamente grave72. Vejamos: “certamente meus servos

exultarão na alegria dos seus corações, enquanto vós, na dor dos vossos corações, lamentareis e uivareis, quebrantados no vosso espírito”(Is. 65, 14). Nesta expressão,

atesta Häring, vemos como o pecado nos causa remorsos ferindo a nosso íntimo. Já em Job 27, 6, onde é dito “fico firme em minha justiça e não a deixo; minha consciência

não me reprova nenhum de meus dias”, fica bem claro que o coração se alegra quando

fazemos a vontade de Deus e também nos reprova quando assim não é73.

A Palavra de Deus atesta que não nos é permitido fugir da nossa consciência, pois ela também conhece o seu obscurecimento. No Novo Testamento, Jesus alerta-nos em Mateus 6, 23: “mas se o teu olho estiver doente, todo o teu corpo ficará escuro. Pois

se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas!”. No entanto, afirmamos

que, seja num incrédulo, pecador ou pagão, a consciência moral está sempre presente. Até os pagãos se vêem responsáveis pelos seus atos, graças à consciência74.

No Novo Testamento temos o termo estóico syneidesis 31 vezes, sendo 19 delas só em S. Paulo. A consciência faz que ouçamos a voz de Deus, e ao dizermos não à consciência, somos culpados pelo não que damos a Deus, constituindo isso o pecado75. Häring refere que a fé eleva a consciência, pois se esta é iluminada por aquela, torna-se uma luz irradiante76. Para os cristãos, agir conforme a fé ou a consciência, é a mesma 72 Cf. Ibidem, 200. 73 Cf. Ibidem. 74 Cf. Ibidem, 200-201. 75 Cf. Ibidem, 201.

(33)

31 coisa: “A fé esclarecida que tens, guarda-a para ti diante de Deus. Feliz aquele que não

se condena na decisão que toma. Mas quem duvida e assim mesmo toma o alimento é condenado, porque não procede de boa fé. Pois tudo o que não procede da boa fé é pecado” (Rm 14, 22-23). A fé é um mistério que se encerra sempre numa “consciência limpa” (1Tim 3, 9)77.

Mesmo quando a consciência atinge a plenitude da luz da fé, deve fazer juízo da sua consciência, pois, S. Paulo adverte-nos em Rm 14, 20-23: “Não destruas a obra de

Deus por uma questão de comida. Tudo é puro, é verdade, mas faz mal o homem que se alimenta dando escândalo. É bom abster-se de carne, de vinho e de tudo o que seja causa de tropeço, de queda ou de enfraquecimento para teu irmão. A fé esclarecida que tens, guarda-a para ti diante de Deus. Feliz aquele que não se condena na decisão que toma. Mas quem duvida e assim mesmo toma o alimento é condenado, porque não procede de boa fé. Pois tudo o que não procede da boa fé é pecado”. Não podemos

permitir que nos afastemos do dever da caridade à qual a nossa consciência cristã deve ser sensível78.

O Espírito Santo fala-nos através dos seus dons, e estes vão tornando a nossa consciência mais sensível, dando-nos uma maior perspicácia, e, à luz da revelação divina, vamos tendo a capacidade de identificar melhor a vontade de Deus. Não devemos ter medo de dizer que Deus fala à consciência moral, pois não estaremos a faltar à verdade. Ainda que Deus fale à consciência, os nossos juízos é que podem estar errados79. 76 Cf. Ibidem. 77 Cf. Ibidem. 78 Cf. Ibidem, 201-202. 79 Cf. Ibidem, 211-212.

(34)

32 A nossa consciência deve procurar a verdade para que depois possa tomar decisões acertadas: “Deus, Verdade Suprema, pela qual deve pautar-se toda a

consciência, é livre de escolher os caminhos e a medida de sua influência sobre a consciência humana”80.

É importante ter presente que as “leis e as ordenações de carácter civil só

obrigam, quando estão de acordo com a lei moral”81. O homem para resolver questões no âmbito da moral, não deve recorrer à lei civil, mas à consciência informada pela lei moral. Depois de uma análise sincera, a consciência nos dirá o que se torna obrigatório fazer. No entanto, há princípios morais que todos temos obrigação de conhecer e para os quais não é possível apelar à consciência de forma a justificar a sua transgressão82.

As pessoas boas nunca se podem submeter às más, e para que isto não aconteça, “o Estado tem o dever de garantir a liberdade à consciência sã e boa, mas não a

licença à consciência má”83.

É nossa obrigação formar o juízo de consciência, zelando pela verdade e investigando cuidadosamente a lei. Se formos prudentes saberemos investigar e tomar conselho, pois seremos humildes e dóceis ao Espírito Santo. Este caminho levar-nos-á à prática da virtude e da prudência e ao exercício dos dons que lhe correspondem84.

Não podemos recusar o amor continuamente, correndo o risco de endurecermos o coração e de diminuirmos a nossa capacidade de amar. A inteligência deve ser

80 Ibidem, 213. 81 Ibidem, 214-215. 82 Cf. Ibidem, 215. 83 Ibidem. 84 Cf. Ibidem, 216.

(35)

33 estimulada para ser amável; desta forma não correrá o risco de ficar limitada a uma lei abstrata e estéril85.

Não é obstáculo à moralidade um erro não culpável; no entanto, tendo em vista que não é um ideal, não podemos permitir que se permaneça no erro, pois a nossa aspiração deve ser à luz plena86. É necessário que respeitemos a consciência, que a amemos, por isso devemos procurar purificá-la87.

Quando nos deparamos perante uma situação em que, agindo de qualquer forma é pecado, devemos procurar agir de acordo com aquilo que considerarmos ser o pecado menor, e revelarmos desta forma que estamos animados de uma boa disposição, por exemplo, faltar à missa ao Domingo por estar doente ou ir à missa prejudicando o estado de saúde porque não devia sair de casa. Também não podemos consentir que a nossa consciência seja laxista, ou seja, julgarmos que não incorremos em pecado ou que somente temos faltas leves, quando na realidade podemos estar a cometer uma falta grave. “A consciência laxista resulta habitualmente de uma grande tibieza no serviço de

Deus”88.

Não é menos importante o cuidado que se deve ter para não se cair numa consciência escrupulosa, ou seja, que vive constantemente com medo de pecar e que em toda a parte vê perigos. Temos de ter presente a bondade infinita de Deus e o confessor deve revelar este mesmo amor misericordioso e bondoso89.

Em síntese, a consciência para Häring é algo comum a todas as culturas mesmo que não lhe chamem por este nome. No entanto é certo que a voz de Deus nos fala no

85 Cf. Ibidem. 86 Cf. Ibidem, 224. 87 Cf. Ibidem, 227. 88 Ibidem, 228. 89 Cf. Ibidem, 229-231.

(36)

34 interior, se faz ouvir e nos impele ao bem. Para os filósofos, a consciência recebe uma mensagem de uma força divina, mas impessoal.

O Antigo Testamento revela que o olhar do homem, que lhe é dado por um Deus pessoal que fala à sua consciência, ajuda a refletir sobre as suas próprias ações, entristecendo-se, ou, pelo contrário, alegrando-se. Häring considera que o pecado fere o nosso íntimo. É-nos impossível fugir da nossa consciência. Para quem é cristão, agir segundo a fé, é o mesmo que agir segundo a consciência; por isso, é importante que na nossa vida sejamos sensíveis e que tenhamos gestos concretos de caridade.

A lei da caridade deve ser a alavanca que nos impulsiona à ação. A nossa ação deve acontecer em Deus. Este Deus que nos fala à consciência e nos diz aquilo que devemos fazer ou que não devemos fazer. Sempre caminhando na verdade, procurando uma consciência reta, iremos descobrindo e agindo de acordo com a vontade de Deus.

2.4. Conceito de Lei eterna

Häring refere que a lei em geral, segundo São Tomás de Aquino, é “uma

ordenação da razão ao bem comum, proclamada por aquele que tem o encargo da comunidade”90. Deste modo, a noção de lei tem de ser razoável, e só a pessoa que vive de acordo com valores e conforme a sua consciência encarnando os valores em si mesmo, é capaz de possuir uma lei razoável. A lei geral é algo que é obrigatório; quando se dita uma lei, não se dá um conselho. A lei ordena. A lei tem como fim último

90

(37)

35 o bem da comunidade, e é por ele que a lei surge. A lei não é para se guardar; ela tem uma missão e por isso, é nossa obrigação publicá-la, promulgá-la91.

Já no que diz respeito à lei eterna, e não à lei geral, segundo S. Tomás, esta deve ser entendida como “o plano da divina sabedoria, que dirige toda a acção e todo o

movimento”92. A lei eterna, enquanto plano da sabedoria de Deus, efectiva-se quando Deus decide agir, constituindo-se para o ser humano como um dever, uma lei à qual é chamado a obedecer. A promulgação desta lei eterna é da parte de Deus um acto de eternidade, ao passo que para o homem a sua promulgação positiva da mesma (tomada de consciência desta lei) é um acto de natureza temporal. Ora, nenhuma lei deste mundo adquire força de lei, se não enquanto se apresenta como uma reprodução desta lei divina ou tem pelo menos o seu fundamento nela93.

As promulgações temporais da lei eterna, segundo São Tomás de Aquino, distinguem-se entre a Lei Natural, que engloba a lei física natural e a lei moral natural, e Lei Positiva, que por sua vez se subdivide em lei positiva divina (revelada à humanidade através de uma mensagem de Deus), lei primitiva (dada os nossos primeiros pais), lei mosaica (lei do AT) e a lei de Cristo (lei do NT)94.

No Antigo Testamento podem ser atestados três tipos de leis: a “cultual” que regulamenta o serviço divino, a “judiciária” ou civil que tem a missão de manter unido o povo da aliança e afastá-lo dos povos pagãos, e, por fim, a “lei moral” que diz respeito a uma lei moral natural, ou seja, abrange todo o âmbito do bem. Deste modo, as leis morais do Antigo Testamento, porque são revelação explícita da lei moral natural,

91 Cf. Ibidem, 309-310. 92 Ibidem, 310. 93 Ibidem. 94 Cf. Ibidem, 311.

(38)

36 mantêm a sua “obrigatoriedade intrínseca mesmo no novo testamento”95. Contudo a sua obrigação última, a sua interpretação e sanção, já não resultam da Antiga Aliança mas da Nova Aliança.96.

Jesus rejeita atos que os fariseus identificam com a Lei: “os fariseus e os

escribas interrogam-no: “Por que não se comportam os teus discípulos segundo a tradição dos antigos, mas comem o pão com mãos impuras?” (Mc 7, 5). Ora, Jesus

combate especialmente o legalismo, pois Ele quer que o povo o honre, não com os lábios e o coração afastado d`Ele, mas com a vida, cumprindo os mandamentos de Deus. Jesus veio aperfeiçoar a Lei, revelando-se a Palavra definitiva; Ele é o único mediador entre Deus e os redimidos.

Não podemos perder de vista que a Lei é necessária para entrar na vida eterna, pois o próprio Jesus não a aboliu, mas levou-a à perfeição (cf. Mt. 5, 17). O que Jesus condena e rejeita são as tradições humanas que os escribas identificam com a Lei (cf. Mt. 23, 23). A salvação, contudo, não vem do cumprimento da Lei, mas da graça que Cristo concede: “Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8, 11). Procurando seguir os passos de Cristo, não podemos permitir que a caridade se esfrie visto que Deus é Caridade97.

Häring procurou definir os principais traços da Lei Nova com base em determinadas expressões bíblicas98, a saber:

- “Carregai o peso uns dos outros e assim cumprireis a Lei de Cristo” (Gal. 6, 2). Nesta afirmação somos convidados a viver a lei do amor vivida por Cristo, não uma lei de preceitos como era a lei de Moisés. Queremos encarnar a pessoa de Cristo como 95 Ibidem, 330. 96 Cf. Ibidem, 328-330. 97 Cf. Ibidem, 330-332. 98 Cf. Ibidem, 335-343.

(39)

37 um ideal de vida humana. Cristo fez-se o verdadeiro Legislador da Nova Aliança. Jesus revelou-nos esta Lei Nova através de gestos de amor (Jo 13, 12), e também por palavras que fluíam com autoridade (Jo 15, 12). Esta Lei Nova trás consigo um ideal de perfeição, e, para prova disso, basta observar as bem-aventuranças (Mt. 5, 1-12), a oração sacerdotal, bem como o discurso após a ceia (Jo 13, 31-17, 26). Esta Lei Nova parte de um impulso interior da graça do Espírito Santo. Cristo, Deus e Homem, é o arauto e o destinatário da vontade amorosa do Pai do céu. O cristão tem Cristo e, por isso, Ele é a sua Lei, pois a Ele foi incorporado pelo Espírito Santo. Portanto, seguir Cristo é viver em Cristo.

- “Eis a aliança pela qual ficarei unido ao povo de Israel, depois daqueles dias,

diz o Senhor: Porei minhas leis na sua mente, e as inscreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.” (Heb.8, 10); “Porque esta é a aliança que concluirei com a casa de Israel depois desses dias, oráculo de Iahweh. Porei a minha lei no fundo do seu ser e a escreverei em seu coração. Então serei o seu Deus e eles serão o meu povo.” (Jer. 31, 33). Para Häring o mais importante nesta Nova Lei é a

mudança do coração, e a capacidade de adquirir novos sentimentos, pela ação do Espírito Santo. A Lei Antiga é comandada pela letra, enquanto a Lei Nova é movida e impulsionada pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rom. 5, 5). É o próprio Espírito que nos instrui a partir de dentro, que nos abre o coração para a realização de boas obras. O Amor em pessoa, Jesus Cristo, vem até nós e cheios d’Ele sentimos a necessidade de O transbordar.

- “A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te libertou da lei do pecado e da

morte” (Rom. 8, 2). É claro que a graça do Espírito Santo é a Lei Nova. O que se

relaciona com a Lei e nos é dito de forma oral ou escrita, advém da graça do Espírito Santo e de a saber usar corretamente. A caridade é sempre o cumprimento da Lei.

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38 - “Mas aquele que considera atentamente a Lei perfeita da liberdade e nela

persevera não sendo ouvinte esquecido, antes, praticando o que ela ordena, esse é bem-aventurado no que faz.” (Tg 1, 25); “Falai, pois, e agi como os que hão-de ser julgados pela Lei da Liberdade,…” (Tg 2, 12). Com estas citações Häring pretende fazer-nos

compreender que, se procurarmos cumprir esta Lei Nova, agimos bem, porque amaremos o Senhor e ao próximo também. No entanto, isto só pode acontecer se nos deixarmos guiar pela Igreja, a esposa do Espírito Santo. Não nos podemos afastar da Igreja, correndo assim o risco de nos afastarmos da “lei da fé” (Rm. 3, 27) e da unidade da caridade.

Síntese do Capítulo II

Ao homem, criado livre por Deus, foi dado o poder de gerir a terra. Todas as coisas lhe foram dadas para que ele seja feliz. A graça de Deus quer revelar-nos qual o caminho a seguir, e, se nos deixarmos guiar pela graça, alcançaremos a verdadeira liberdade dos filhos de Deus. É do nosso interior que partem as grandes decisões, por isso devemos procurar não nos ferirmos interiormente e ajudar os que sofrem inquietações, dando-lhes confiança, ajudando-os a carregar a sua cruz, exercendo desta forma a caridade.

Um outro aspeto que convém focar é a nossa consciência, pois embora lhe possam dar nomes diferentes, a consciência está presente em todas as pessoas de todas as culturas. Há uma voz que nos chama a atenção e nos convida a realizar isto ou aquilo; que nos diz que algo está bem ou mal. Quando pecamos, ferimo-nos interiormente, e, por isso, torna-se impossível que escapemos à voz da consciência, pois esta caminha

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