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A cidadania enquanto código extralinguístico : o caso Comenius

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Academic year: 2021

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F A C U L D A D E D E L E T R A S U N I V E R S I D A D E D O P O R T O

Maria Isabel Tomé Queirós

2º Ciclo de Estudos em Mestrado em Didática das Línguas Materna ou Estrangeiras e Supervisão Pedagógica em Línguas

A CIDADANIA ENQUANTO CÓDIGO EXTRALINGUÍSTICO O CASO DO PROJETO COMENIUS

2013

Orientador:Professor Doutor José Domingues de Almeida

Classificação: Ciclo de estudos:

Dissertação:

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Há cidades acesas na distância, Magnéticas e fundas como luas, Descampados em flor e negras ruas Cheias de exaltação e ressonância.

Há cidades acesas cujo lume

Destrói a insegurança dos meus passos, E o anjo do real abre os seus braços Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber Quem sou, para saber qual é o nome Do profundo existir que me consome Neste país de névoa e de não ser.

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AGRADECIMENTOS

A concretização deste trabalho foi adiada em função das várias etapas da vida que foram surgindo e moldando o ser que sou hoje. Regozijo com o que cresci e aprendi, permitindo-me desfrutar do prazer de realizar esta investigação.

Cumprir este objetivo apenas foi possível com o contributo de admiráveis seres que povoam os meus dias e me inspiram a fazer melhor, a quem agradeço com um profundo sentir.

Em primeiro lugar, ao Sr. Professor Doutor José Domingues de Almeida pela sua disponibilidade e permanente incentivo.

À Ana e à Célia pela partilha da vontade de enveredar pela realização de desejos antigos.

À Elsa pelo companheirismo da viagem.

À Direção da ESP, um especial agradecimento pelas manifestações de carinho e prontidão de ajuda na prossecução de projetos que animam a ESP, e nutrem os meus alunos.

Saboreando o prazer do melhor em último lugar, às minhas mocinhas e ao seu pai fantástico, pelo amor com que me alimentam, pela boa disposição com que me rodeiam, e pela disponibilidade que me facilitaram para empreender esta viagem.

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RESUMO

Os desafios em educação pressupõem um processo reflexivo contínuo, já que é a sua implementação que desvenda as sociedades do futuro.

O exercício de uma cidadania em pleno é altamente condicionado por uma sociedade sofisticadamente tecnológica, que facilmente pode incitar ainda a mais desigualdades. A Escola Pública enverga a missão de fomentar a dignidade da pessoa humana, de incrementar um ensino de qualidade que permita aos jovens da nossa comunidade concretizarem os seus objetivos.

O sucesso passa indubitavelmente pela necessidade de ligar todas as componentes do ser humano, aliar tradição e contemporaneidade numa expressão de multiculturalidade. É necessário dotar os cidadãos de ferramentas úteis para a produção de conhecimento e para a aquisição de competências, surgindo neste contexto o Inglês como língua global, sendo o seu domínio uma aptidão vital para o exercício de cidadania.

O contacto direto entre indivíduos de culturas diferentes é essencial para o alargamento dos princípios democráticos, melhorar o respeito pela diversidade e o entendimento das idiossincrasias humanas, e o Programa Comenius é um expediente privilegiado para permitir à escola recursos de forma a efetivar esse contacto direto entre alunos e professores das mais variadas nacionalidades que integram a culturalmente imensa Europa.

A globalização tem repercussões fortes em todos os domínios da sociedade alterando os paradigmas do mundo económico e consequentemente do emprego. A empregabilidade torna necessária uma constante adaptação do ser humano, a qual só é conseguida através da Aprendizagem Ao Longo da Vida, a qual oferece uma diversidade de itinerários como forma de resposta às crescentes necessidades do progresso humano.

Palavras – chave: Cidadania, globalização, Inglês global, multiculturalidade,

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ABSTRACT

The challenges in education presuppose a reflexive and continuous process, as its implementation unravels the future of societies.

Performing citizenship in full is highly conditioned by a highly and sophisticated technological society, which may easily lead to further inequalities. The Public School has the mission of instigating the dignity of the human being, of promoting a quality educational system to allow the youngsters materialise their goals.

Success to be reached urges undoubtedly the connection of all the human being components, join tradition and contemporaneity in a multicultural expression. It is necessary to endow the citizens of useful tools for the production of knowledge and acquisition of competences, emerging English as the global language, being its domain an essential capability to put citizenship into practise.

The direct contact of individuals from different cultures is essential to broaden the democratic principles, improve the respect for diversity and understanding human characteristics. The Comenius Programme is a privileged action to provide means to schools so they can perform that direct contact among students and teachers from varied nationalities that compose the immensely cultured Europe.

Globalisation has strong repercussions in all the domains of society, changing the paradigm of the economic world and consequently employment. Employability makes it necessary to the human being to be able to constantly adapt, what is only achieved through Lifelong Learning, which offers a diversity of itineraries as an answer to the increasing needs of human progress.

Key-words: Citizenship, globalization, Global English, multiculturalism,

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ÍNDICE AGRADECIMENTOS ……….. iii RESUMO ………. iv ABSTRACT ……… v SIGLÁRIO ……….……….. viii ÍNDICE DE FIGURAS ………. ix ÍNDICE DE TABELAS ………... ix ÍNDICE DE GRÁFICOS ………... xi INTRODUÇÃO ………. 1

CAPÍTULO 1- Contributos para uma reflexão sobre o conceito de cidadania ……….. 3

1.1 Perspetiva histórica ……… 3

1.2 O estatuto da cidadania europeia ……… 8

1.3 O Inglês como código linguístico universal e de cidadania ………... 21

1.4 A cidadania nos programas de Inglês de 10.º e 11.º e no QECRL ………. 30

CAPÍTULO 2 – Contexto educativo ……….. 41

2.1 A Escola Secundária de Penafiel ……… 43

2.1.1 Perspetiva histórica ………... 44

2.1.2 Componente física ………. 45

2.1.3 Componente humana e organizacional ………. 46

2.1.4 Distribuição dos recursos humanos ……….. 52

2.1.5 Resultados escolares ……….. 53

CAPÍTULO 3 – Programa Comenius ……… 55

3.1 Comenius como resultado de uma visão docente ………... 56

3.2 Comenius, uma designação nobre ………. 60

3.3 Enquadramento do projeto ………. 62

(7)

CAPÍTULO 4 – Metodologia e desenho da investigação ……….. 68

CAPÍTULO 5 – Apresentação e análise dos dados recolhidos ……….. 71

5.1 Caracterização do universo ……… 71

5.2 Inquérito – questionário aos alunos ………. 73

5.2.1 Análise dos dados do inquérito ………. 74

5.2.2 Conclusão dos dados do inquérito ……… 88

CONCLUSÃO ………... 91 ANEXOS

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SIGLÁRIO

CE – Comunidade Europeia

CEE – Comunidade Económica Europeia

CT – Conselho de Turma

ESP – Escola Secundária de Penafiel

FUSS – Fraena Upper Secondary School

IGEC – Inspeção Geral da Educação e Ciência

NUT – Nomenclatura de Unidades Territoriais

PAPA – Plano Anual e Plurianual de Atividades

PE – Projeto Educativo

PROALV – Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida

QECRL – Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas

TIC – Tecnologias de Informática e Comunicação

TUE – Tratado da União Europeia

UE – União Europeia

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1- Propagação da língua inglesa ………. 23 Figura 2 – Inter-relação das componentes do Programa de Inglês Continuação de 10.º e 11.º

37

Figura 3 – Organigrama dos Órgãos da ESP ………. 48 Figura 4 – Processo interativo da realização de um estudo de caso ………. 68

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Top 20 das línguas mais faladas como L1 ……….. 27 Quadro 2 – Estrutura do programa de Inglês Continuação de 10.º e 11.º ……… 35 Quadro 3 – Comparação das competências gerais do Programa de Inglês do 100.º e 11.º e do QERCL

39

Quadro 4 – Comparação das competências específicas do programa de Inglês Continuação de 10.º e 11.º e do QECRL

40

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Comparação dos resultados dos exames nacionais da ESP com os resultados a nível nacional

54

Tabela 2 – Número de respostas para identificação do número de alunos anfitriões e não anfitriões.

74

Tabela 3 – Número de respostas relativamente ao grau de satisfação geral: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

75

Tabela 4 – Número de respostas relativamente ao grau de satisfação quanto à organização das atividades: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos

(10)

Tabela 5 – Número de respostas relativamente ao grau de satisfação quanto à organização das atividades dentro da escola: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

77

Tabela 6 – Número de respostas relativamente ao grau de satisfação quanto à organização das atividades fora da escola: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

78

Tabela 7 – Número de respostas relativamente ao desenvolvimento de competências linguísticas: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

79

Tabela 8 – Número de respostas relativamente à melhoria da motivação e desempenho escolar: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

80

Tabela 9 – Número de respostas relativamente às novas amizades: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

81

Tabela 10 – Número de respostas relativamente ao alargamento dos horizontes culturais: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

82

Tabela 11 – Número de respostas relativamente à aceitação de diferenças: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

83

Tabela 12 – Número de respostas relativamente ao desenvolvimento de consciência de cidadania: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos

84

Tabela 13 – Número de respostas relativamente ao alargamento de competências TIC: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

85

Tabela 14 – Número de respostas relativamente ao alargamento de conhecimentos da temática do projeto: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

86

Tabela 15 – Número de respostas relativamente à pertinência de repetir ou não este tipo de projetos.

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Percentagem de população falante de Inglês na Europa ………. 25 Gráficos 2 e 3 – Ilustração gráfica do declínio do Inglês na internet ……… 26 Gráfico 4 – Comparação do número total de falantes (nativos e estrangeiros) com o número de falantes como segunda língua, em milhões

29

Gráfico 5 – Evolução dos níveis de escolaridade da população penafidelense desde 1980 até 2011

43

Gráfico 6 – Média de exames nacionais na ESP e paralelo com a média a nível nacional ... 54 Gráfico 7 – Idades dos alunos das duas turmas alvo do estudo de caso……… 71 Gráfico 8 – Expectativas futuras dos alunos das duas turmas envolvidos no estudo de caso 71 Gráfico 9 – Idade dos pais dos alunos das duas turmas alvo do estudo de caso……… 72 Gráfico 10 – Habilitações dos pais dos alunos das duas turmas alvo do caso de estudo….. 72 Gráfico 11 – Representação gráfica da identificação do número de alunos anfitriões e não anfitriões.

74

Gráfico 12 – Representação gráfica do grau de satisfação geral: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

75

Gráfico 13 – Representação gráfica do grau de satisfação da organização das atividades: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

76

Gráfico 14 – Representação gráfica relativamente ao grau de satisfação quanto à organização das atividades dentro da escola: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

77

Gráfico 15 – Representação gráfica relativamente ao grau de satisfação quanto à organização das atividades fora da escola: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

78

Gráfico 16 – Representação gráfica relativamente ao desenvolvimento de competências linguísticas: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

79

Gráfico 17 – Representação gráfica relativamente à melhoria da motivação e desempenho escolar: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

80

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alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

Gráfico 19 – Representação gráfica relativamente ao alargamento dos horizontes culturais: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

82

Gráfico 20 – Representação gráfica relativamente à aceitação de diferenças: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

83

Gráfico 21 – Representação gráfica relativamente ao desenvolvimento de consciência de cidadania: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

84

Gráfico 22 – Representação gráfica relativamente ao alargamento de competências TIC: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

85

Gráfico 23 – Representação gráfica relativamente ao alargamento de conhecimentos da temática do projeto: comparação entre alunos que acolheram noruegueses, alunos que não acolheram noruegueses e o total de alunos envolvidos.

86

Gráfico 24 – Representação gráfica relativamente à pertinência de repetir ou não este tipo de projetos.

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INTRODUÇÃO

A cidadania é a mais antiga expressão de entendimento humano em sociedade, que ao longo de séculos sofreu avanços e recuos, conseguindo sobreviver e florescer de forma mais livre nos estados democráticos. Iremos partir do seu berço, viajaremos rapidamente através dos séculos, e concentrar-nos-emos nos séculos XX e XXI. O enfoque recairá na condição da cidadania europeia, uma vez que como parte integrante que somos da União Europeia, as diretivas e estratégias adotadas pelo Conselho da Europa devem ser por nós analisadas e implementadas como garante de sucesso. Tentaremos garantir algum sentido crítico na nossa análise, face ao contexto social que vivemos, porquanto a cidadania nem sempre é exercida por todos na nossa democracia, apesar da busca da unidade na diversidade.

A história encarregou-se de nos indicar o curso reservado às línguas, pelo que caminharemos ao longo do trajeto percorrido pelo Inglês até adquirir o estatuto de língua global, instrumento essencial à literacia do século XXI, assumindo-se fundamental para o exercício de cidadania. Enquanto docente de Inglês, reconheço a importância de mostrar a interação da cidadania com a língua inglesa, como instrumento comunicativo de excelência, e estratégias de ensino que juntam as duas numa força geradora de indivíduos bem-sucedidos.

A dinâmica progressiva e dominadora da globalização tem impulsionado mudanças substanciais no sistema de ensino e na escola, operando nos seus atores transformações que jamais permitirão regressar a perspetivas estruturalistas. Enquanto docente refletiremos sobre a nossa prática, substanciando-a numa perspetiva integradora com recurso à ação europeia Comenius, destinada a melhorar a qualidade e a reforçar a dimensão da cidadania europeia. A evolução tecnológica alterou definitivamente o paradigma da aprendizagem confinada ao espaço escola, impelindo-nos a recorrer a mobilidades que nos permitam desenvolver a componente sociocultural inscrita nos programas e no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, contribuindo positivamente para a evolução da escola pública portuguesa.

O Conselho da Europa aponta a Aprendizagem ao Longo da Vida como um princípio fundamental para a ligação dos vários elos que desenvolvemos diariamente

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inerentes ao nosso progresso como seres humanos. Esta abordagem representou uma evolução espantosa nos paradigmas de ensino no século XX, apontando o caminho para o século XXI, tendo nós a obrigação de a colocar em prática e avaliar as suas repercussões.

A nossa investigação irá procurar o valor acrescentado do caso Comenius enquadrado no Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida, e a sua contribuição para o desenvolvimento da consciência inter- e multicultural no espaço cívico europeu, onde os sistemas educativos são chamados a desempenhar um papel fundamental. A interculturalidade assume o significado de uma educação na qual europeus de várias nações desenvolvem conjuntamente estratégias de comunicação, valorizando os hábitos e culturas caraterísticos, com um produto final rico em miscigenação.

Enquadraremos a nossa investigação no contexto educativo em que estamos inseridos, caracterizaremos a Escola Secundária de Penafiel, conferindo-lhe o caráter forte que sustém a comunidade que a envolve.

Na nossa investigação utilizaremos uma abordagem metodológica de estudo de caso, e tentaremos focar a nossa investigação num meio de construção de conhecimento. O estudo de caso revelará o quanto uma ação Comenius é capaz de influenciar os alunos que nela participam, versando particularmente na sua participação para o desenvolvimento de línguas estrangeiras e consciência intercultural de cidadania europeia. É um estudo importante na vida de um docente que procura incessantemente motivar os seus alunos para a descoberta de novos paradigmas, permitindo aferir se as ações europeias de mobilidade de alunos e professores são um meio ótimo de permitir formação ao longo da vida.

Na conclusão consideraremos o percurso levado a cabo, através de curvas e contracurvas de dúvida, reflexão e estudo, até ao ponto de chegada, em que esperamos que muitas questões obtenham resposta, e que o mosaico de referências que sustentam esta tese sejam o pilar de uma nova forma de compreender a cidadania na escola através da ferramenta Comenius.

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CAPÍTULO 1 – Contributos para uma reflexão sobre o conceito de cidadania O ser humano não se rege apenas por uma configuração de comportamentos. Pelo contrário, vive em permanente tensão entre interesses individuais e valores comunitários. A sua evolução assenta no princípio de uma consciência plena de responsabilidade pessoal perante os outros e face aos imperativos do destino comum, compelindo a vínculos de coesão de grupo, assente na dicotomia de direitos e deveres, entrelaçados por afetos e manifestações de amor.

1.1 Perspetiva histórica

A aceção de ―cidadania‖ evoluiu ao longo dos séculos de forma tão diversificada quanto as comunidades que se foram estabelecendo e desenvolvendo em diferentes partes do planeta, refletindo os paradigmas sociais vividos pelos elementos integrantes das coletividades desses grupos. Cidadania, do latim civitas, o mesmo étimo de ―cidade‖ e ―civilização‖, convida à participação democrática, apela à função humanizadora das grandes urbes. Como lembra Anicet le Pors, ―O cidadão adere às finalidades e às regras da cidade, o que lhe vale dispor de prerrogativas, direitos e deveres que lhe conferem um direito de cidade.‖ (1999: 3)

Como conceito, nasce na antiguidade clássica, sendo a Grécia o imenso palco onde grandes filósofos forjaram as bases da democracia hoje instituída nas sociedades modernas ocidentais, onde exercer a cidadania era participar ativamente no sistema político e social, possibilitando ao ―cidadão‖ praticar a sua liberdade. A polis é considerada a forma suprema da vida coletiva e da expressão do espírito e Atenas transformou-se num centro de educação por excelência. Nessa cidade, a educação constituía um fim último da sociedade, a paideia no seu esplendor. São criadas instituições em que é assegurada a representatividade dos interesses comuns pelos cidadãos. Ressalve-se o facto de o conceito de cidadão nesta altura ser ainda bastante estreito, uma vez que estava reservado aos homens, e apenas aos homens livres, e não esqueçamos o número de indivíduos que vivia sob a condição de escravos. Estes cidadãos participavam ativamente na vida da comunidade decidindo sobre os desígnios dos seus concidadãos e da vida em sociedade. A propósito, José Ferreira refere, ―Em

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todas as poleeis surge um núcleo comum de instituições, com funções idênticas de início em todas elas: a Assembleia do Povo, o Conselho e os Magistrados, a que tinham acesso e neles participavam ativamente apenas os cidadãos.‖ (Ferreira, 2010: 18)

Os primeiros ―cidadãos‖ não só iniciaram estruturas comunitárias como criaram as fundações para que as suas vontades fossem seguidas e perpetuadas, sendo para isso imprescindível a integração dos indivíduos. Fica claro que havia que formar os elementos pertencentes à coletividade, que se tornam responsáveis pelos interesses individuais e coletivos. Acrescenta Ferreira: ―A educação procurava incutir como norma do bem o interesse da polis e de que é justo o que serve para o seu engrandecimento.‖ (idem: 24)

A educação é assumida pelos líderes como base fundamental na organização das suas comunidades, e são criados currículos de estudos que servem os propósitos das elites, formando-se cidadãos mais capazes de dominar e governar. Os sofistas foram os grandes impulsionadores deste ensino. Foram os primeiros ―professores‖, uma vez que acreditavam firmemente que a sabedoria que detinham podia ser transmitida, e desenvolveram técnicas eficazes através das quais formaram jovens capazes de se distinguirem na vida da polis.No cerne das preocupações dos sofistas está a questão da formação do homem político; era para eles a questão mais urgente. O ofício de cidadão na polis democrática implicava uma atividade intensa: ―equipar o espírito para uma carreira de homem de Estado, formar a personalidade do futuro líder da cidade….‖ (Marrou, 1964: 85). Estes fundamentos perpetuaram-se e serviram de base ao ensino e ao conhecimento durante séculos. A este propósito, lembra Ferreira,

(…) esse currículo era constituído por disciplinas do foro literário (gramática, dialética, retórica) e do domínio científico (geometria, aritmética, astronomia e música). Interessados nos problemas concretos do homem e nas relações entre as pessoas, dominam as técnicas que permitem intervir nessas relações pela discussão – ou seja pela dialética – e pela arte de persuadir, a retórica, e fazem-se mestres no ensino dessas técnicas. (Ferreira, 2010: 32)

A educação como um fim que a sociedade deve almejar é retomada por Roma, sendo a tradição helenística adaptada, a polis é substituída pela civitas e a paideia reconstituída sob o lema humanitas. Durante muito tempo a cidadania romana foi atributo verdadeiramente restrito aos patrícios. Os cidadãos formavam uma nobreza de

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sangue e hereditária, um grupo fechado e inacessível; os cargos públicos eram assumidos pelos cidadãos bem-sucedidos na arte da guerra, eram, sendo a cidadania romana, por esta razão, atributo dos homens livres. Havia três distintas classes sociais: os patrícios (descendentes dos povos fundadores), os plebeus (descendentes dos povos itálicos, estrangeiros) e os escravos (prisioneiros de guerra e aqueles que alcançavam esta posição por dívida); no entanto, poucos homens livres considerar-se-iam cidadãos.

Finda a Idade Antiga, com a queda do Império Romano do Oriente, assistimos a uma nova estrutura social com classes sociais distintas e bem definidas: nobreza, clero e servos. Os senhores feudais exerciam funções estatais, como legislar, julgar, cobrar tributos e formar exército e o clero detinha o poder da instrução, cujos currículos (trivium e quadrivium) eram praticamente as mesmas disciplinas encontradas na antiguidade. Este período, a Idade Média, é também denominado por idade das trevas devido à grande desigualdade de classes, ou seja, a quase inexistência do exercício de cidadania. Além do sistema político, também a religião desempenhou um papel determinante no estrangulamento das autonomias através da repressão da Inquisição que impossibilitou qualquer desenvolvimento de ideais novos que pudessem revolucionar os modos de vida das populações.

Na Idade Moderna renascem os valores da antiguidade clássica, desenvolvendo-se entre os séculos XVI e XVIII, em toda a Europa movimentos políticos que conduzem a uma nova perspetiva sobre a cidadania, a começar pela centralização do Estado, que implicou o fim do poder arbitrário dos grandes senhores feudais, processo normalmente precedido pelo reforço do poder dos reis, apoiados no funcionalismo público emergente, passando os cidadãos a reportarem-se ao Estado e não a uma multiplicidade de senhores. Em Inglaterra, em fins do século XVII os cidadãos colocam fim ao próprio poder absoluto dos reis e consagram o princípio da igualdade de todos face à lei, emergindo a teoria política de que o Estado enquanto instituição, só se justifica, como garante dos seus direitos fundamentais, como a liberdade, a igualdade e a propriedade. Filósofos, como John Locke, vão mais longe e proclamam que todos os homens independentemente do estado-nação a que pertençam, enquanto seres humanos possuem um conjunto de direitos inalienáveis, nascendo deste modo o conceito de direitos humanos e da própria cidadania mundial.

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To understand political power right, and derive it from its original, we must consider, what state all men are naturally in, and that is, a state of perfect freedom to order their actions, and dispose of their possessions and persons, as they think fit, within the bounds of the law of nature, without asking leave, or depending upon the will of any other man. A state also of wherein all the power and jurisdiction is reciprocal, no one having more than another; there being nothing more evident, than that the creatures of the same species and rank, promiscuously born to all the same advantages of nature, and the use of the same faculties, should also be equal one amongst another without subordination or subjection, unless the lord and master of them all should, by any manifest declaration of his will, set one above another, and confer on him, by an evident and clear appointment, an undoubted right to dominion and sovereignty. Locke, 16901

Com a modernidade, a cidadania afirma-se por demarcação em relação aos diversos tipos de tradicional identidade religiosa, regional, étnica, aristocrática, visando conjugar os direitos universais com o espaço territorial da nação, introduzindo os princípios da liberdade e da igualdade perante a lei, e contra o privilégio, universalizando os direitos. A Declaração de Independência dos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso Continental em 4 de julho de 1776, redigida por Thomas Jefferson, texto intemporal em que transparece a filosofia dos direitos naturais do homem e da autodeterminação dos povos, conjuga o constitucionalismo britânico com aos valores humanos fundamentais. No célebre segundo parágrafo da Declaração, numa frase, T. Jefferson une três conceitos aparentemente inconciliáveis: cosmologia, teoria política e crença ao afirmar: ―We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the pursuit of Happiness.‖ Jefferson, 2005: 12

Na França absolutista, há muito que se propagavam as ideias dos filósofos das luzes (iluministas) - Voltaire, Rosseau, Montesquieu – traduzidas em princípios como a igualdade de direitos, a soberania da nação, a liberdade de consciência e de expressão e a propriedade privada, proclamados solenemente pela Assembleia Constituinte de 26 de

1 (LOCKE, (1690): capítulo II, secção 4)

http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/locke/locke2/locke2nd-a.html#Sect. 4. acedido em 28/12/2013

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agosto de 1789: ―Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur l‘utilité commune.‖3

É a estocada final que determina a cidadania moderna liberal e inclusiva. Segundo Vitória Cardona,

(…) é comum associar-se a criação da cidadania moderna simultaneamente à Revolução Francesa (1789), responsável pelo casamento entre a lógica de Estado e de Nação, e ao pensamento de filósofos como Thomas Hobbes e John Locke, que pela primeira vez, abordaram a noção de igualdade na relação entre indivíduo e Estado. (Cardona, 2006: 27)

Surge o conceito ―nação‖ – um povo que se assume coletivamente num Estado social próprio e com valores políticos comuns. Com o declínio do poder da Igreja abre-se espaço para o direito moderno que exerce o abre-seu poder político, surge a ilusão de que existem direitos definidos para todos, o que poderá não ter passado de uma mera quimera coletiva. Como refere Cardona,

O aprofundamento da noção de pertença a um Estado permitiu o reforço da ação reivindicativa, facto que se traduziu na forma de concessão de direitos. Esta aparente fórmula de justiça social, sustentada em contratos e compromissos, não passou, porém, de uma estratégia de manipulação por parte das elites que, desta forma, mantinham sob controlo os movimentos sociais. Ainda assim, a gradual pressão reivindicativa junto dos Estados permitiu o desenvolvimento dos direitos sociais, culminando na criação do Estados Providência em muitos países europeus no séc. XX. (idem: 28)

T. H. Marshall instituiu a tradicional aceção de cidadania assente em três direitos: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Segundo Marshall, há a considerar três etapas na aquisição dos direitos da cidadania moderna: século XVIII, período de construção do Estado liberal, com a aquisição dos chamados direitos civis – liberdade de expressão, de pensamento, de religião, de igualdade perante a lei e de direitos de propriedade; o século XIX, época de instituição progressiva da democracia representativa, com os chamados direitos políticos – direito de votar e de ser eleito, de participar na governação, eliminação progressiva da distinção entre cidadãos ativos e cidadãos passivos e a extensão do direito de voto a estratos cada vez mais amplos da população; por último, no século XX, a institucionalização dos chamados direitos

3 http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/dudh/1789.asp Déclaration des droits de l‘homme et du

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sociais, na fase de instauração do chamado Estado-Providência – reconhecimento do direito às condições mínimas de instrução, de saúde, de bem-estar económico e social. (cf.Marshall, 1950: 62-80)

Em Portugal, entre 1926 e 1974 dominou um regime cuja praxis política era a de um estado autoritário, no qual a cidadania em sentido próprio não era mais do que utopia, já que a rigidez do Estado-Providência era um grande obstáculo no caminho da introdução de novos ideais e tecnologias que permitissem aceder a ideologias e culturas diferentes. Os desenvolvimentos políticos vividos foram de uma transição gigante entre um regime em que as liberdades eram extremamente controladas e censuradas, para um sistema em que essas mesmas liberdades, com a Revolução de 1974, foram, por alguns, confundidas com falta de deveres e obrigações sociais. Nas escolas, os currículos e abordagens extremamente fechados antes do 25 de abril, transformaram-se numa política educativa desnorteada, sem rumos definidos que pudessem levar as escolas a um estado de qualidade, onde os alunos pudessem beneficiar de uma formação realmente integral e integradora.

Durante este período o conceito de cidadania foi muitas vezes confundido com apenas possuir liberdades sem o reverso dos deveres inerentes aos direitos. Esta aceção é típica de tempos sociais conturbados e Portugal lutou para encontrar o seu caminho numa democracia ainda recém-nascida, e o desejo de rutura foi assinalável, depurando-se o sistema educativo quer a nível de currículos, quer de professores e materiais. Entre 1976 e 1986 assiste-se a uma massificação da escola, consolidando-se valores democráticos e permitindo o exercício de cidadania. A noção de cidadania assume de agora em diante um estatuto completamente diferente, dilui-se a sua vinculação ao Estado português, aglutinando uma cidadania europeia pela agregação ao grande conjunto de nações, a CEE, à qual Portugal adere em 1 de janeiro de 1986.

1.2 O estatuto da cidadania europeia

Retomando o conceito de cidadania, encarado agora como ―cidadania europeia,‖ verificamos que existe uma complexidade muito grande no que concerne a esta aceção. Iremos analisar a evolução dos princípios em que se fundamenta a partir do

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momento em que o país entra na Comunidade Económica Europeia, em 1986. Em primeiro lugar, apercebermo-nos do contexto em que é criada a CEE, como lembra Cardona, ―Na verdade, a cidadania europeia surge como força legitimadora de um projeto cujas fundações se alicerçam inicialmente em dois argumentos fundamentais: a manutenção da paz e da democracia num continente convalescente de dois longos e gravíssimos conflitos e o seu renascimento económico.‖ (Cardona, 2006: 13)

Temos uma história de guerra cruel, sangrenta e devastadora. Olhar para ela será valorizar a paz, das ditaduras retiremos os valores da democracia e da liberdade, e da recessão económica, valorizemos o emprego e atentemos à prevenção da pobreza. Esta representação da essência europeia foi reconhecida pelo Comité Nobel que atribuiu à União Europeia o Prémio Nobel da Paz em 2012, pelo seu contributo para a paz e a reconciliação, a democracia e os direitos humanos. Escreveu o Comité Nobel norueguês no comunicado em que anunciou o prémio, ―A união e os seus precursores têm contribuído, há mais de seis décadas, para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.‖4

Verificamos, deste modo, que os pressupostos deste novo conceito se alicerçam na crença de que o bem comum é o superior, de que é possível uma partilha coletiva através da unificação de diversidades culturais e históricas com séculos de tradições únicas, e de que esta ―unidade‖ só será alcançada com direitos comuns em que impere o respeito pelo outro. Segundo Fraser & Gordon, ―Citizen and citizenship are powerful words. They speak of respect, of rights, of dignity.‖ (1996: 20).

Deparamo-nos com um conceito difícil e polémico, oriundo de uma conceção clássica de cidadania, de si instável, acrescido de uma dimensão global, sem fronteiras nem nacionalidades. A globalização foi, numa fase inicial, um processo de uma dimensão predominantemente económica: quanto menos barreiras existissem entre os diferentes países mais facilmente era conseguida a circulação de capitais, mercadorias e ideias, mas associados ao desenvolvimento económico estão os aspetos políticos, culturais e sociais, sendo estas dimensões imediatamente envolvidas no conceito de

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―Aldeia Global‖ que possibilitasse maiores ganhos aos seus cidadãos e aos Estados. O conceito de cidadania demarcou-se do conceito de nacionalidade.

A verdadeira cidadania assenta na heterogeneidade, no respeito pelas diferentes culturas, povos e credos A ação política coletiva já não é a única forma de ser concretizada a cidadania, mesmo que além-fronteiras. É antes consciência de uma obrigação perante o bem comum doravante praticado no âmbito europeu. Um ―bem comum‖ pressupõe respeito e tolerância de todos para todos, uma íntima convergência entre os interesses dos respetivos países, abrir espaço a um campo criativo que garanta o êxito para o maior bem dos seus cidadãos, salvaguardar a diversidade cultural. Lembra Ralf Dharendorf: ―Citizenship is incompatible with privilege.‖(1996: 231)

Em 1992 com o Tratado da União Europeia, conhecido como o Tratado de Maastricht, foi dado um passo de gigante na evolução do conceito de cidadania europeia. Este tratado constituiu uma etapa determinante no processo de integração europeia, pois ultrapassou, pela primeira vez, o objetivo económico inicial, conferindo-lhe uma vocação de unidade política. É o Tratado de Maastricht que consagra oficialmente o nome de ―União Europeia‖. O TUE expõe nas disposições comuns, no artigo A: ―Pelo presente Tratado, as Altas Partes Contratantes instituem entre si uma União Europeia, adiante designada por União.‖ No artigo G, pode ler-se: ―O Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia é alterado nos termos do presente artigo, a fim de instituir uma Comunidade Europeia.‖5 A alteração da designação mostrou imediatamente o caminho que se pretendeu seguir, enfatizando todas as vertentes que compõe uma comunidade, além da dimensão económica, a ―Comunidade Europeia‖. A nível social e cultural foi uma nova aceção para todos os Estados membros e foi instituída a cidadania europeia como a conhecemos hoje como se lê no seu artigo 8º, ponto 1: ―É instituída a cidadania da União.‖ (Tratado da União Europeia, 1992)

O termo ―União‖ representou o avanço histórico no projeto da construção europeia. E a institucionalização da cidadania europeia no Tratado da União Europeia

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foi sem dúvida o esforço mais sólido de construir uma ponte entre as instituições da União e os cidadãos, de fazer com que os europeus sintam a construção europeia como algo que os afeta para além das regulamentações económicas e administrativas de Bruxelas, algo que tem a ver com os seus direitos e deveres e que mexe sobretudo com a sua identidade. Lidar com a diversidade e o multiculturalismo é, portanto, o maior desafio que se coloca à UE. É um rumo que se pretende que seja percorrido com o tempo suficiente para a transformação das diferentes mentalidades dos povos europeus, num projeto de convergência gradual das condições sociais, económicas e políticas dos Estados Membros, que ao mesmo tempo vá lançando as sementes para a criação de um espírito e uma identidade comuns.

A ―identidade europeia‖ só fará sentido à medida que se for formando uma consciência europeia, mas para que isso se torne possível é preciso que todos os Europeus se sintam iguais, independentemente do local onde residem, e que as instituições não sejam apenas vistas como uma fonte de receita, da qual cada país tenta extrair o máximo possível em proveito próprio. Explica-se assim também as hesitações e reticências face a este projeto por parte de vários povos chamados a referendá-lo. Há momentos históricos que congregam, em termos locais, uma série de fatores de descontentamento que conduzem a uma falta de sintonia entre as culturas distintas.

Por conseguinte, os povos percebem que ao nível socioeconómico se sentem depreciados e desfavorecidos em relação aos seus parceiros europeus. Estes fatores particulares de cada país poderão funcionar como um entrave a uma total sintonia entre os europeus. Será pertinente referir o momento que se vive atualmente no continente europeu, assistindo-se a um certo preconceito vigente nos povos da Europa do norte em relação aos do sul, levando estes últimos a sentirem-se desmotivados no seu percurso rumo às idiossincrasias e a uma identidade comum. A este propósito, José Pacheco Pereira expõe:

Todos estão envolvidos no jogo jogado num espaço muitas vezes parecido com aquele xadrez de ficção científica em que se joga em vários tabuleiros de três dimensões. O jogo é simples nos seus objetivos: quem tem poder, quem ganha poder, quem sobe e quem desce, quem come e quem é comido. Não é um jogo antidemocrático, ainda, mas é um jogo em que a democracia está muito degradada. O Conselho Europeu e os ‗mercados‘ são as peças mais poderosas, podendo, como as rainhas no xadrez, movimentar-se em todas as direções e definir as casas do tabuleiro que controlam e o movimento de outras peças. É um xadrez plástico, porque quem

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tem dinheiro e a chave do cofre decide o tamanho do tabuleiro e os movimentos permitidos das outras peças.6

É um grande desafio que se coloca a todos os países que buscam a construção de uma história de paz e de tolerância para a convivência. Bizarro e Braga, citando Rodolfo Stavenhagen, assumem que este percurso não é fácil, mas revelam a sua confiança:

(…) há um número cada vez maior de Estados que não só toleram as formas de expressão da diversidade cultural, mas reconhecem que, longe de serem obstáculos perturbadores, o multiculturalismo e a plurietnicidade são os verdadeiros pilares duma integração social democrática. A educação do século XXI deverá enfrentar este problema e os sistemas educativos (entendidos no sentido mais lato que é possível) devem dar provas de flexibilidade e imaginação, de modo a encontrarem o justo ponto de equilíbrio. Bizarro e Braga, 2005: 66)

A educação para a cidadania pode ajudar-nos a compreender o que a humanidade aprendeu acerca de si mesma, pode ajudar-nos a contextualizar a nossa existência, pode ajudar a prepararmo-nos para a mudança ou para decidir sobre o nosso próprio futuro. O modo como pomos o nosso conhecimento a operar e a desenvolver aptidões para a resolução de problemas depende das nossas características: a nossa capacidade de empatia, de cooperação, bem como a nossa iniciativa e autonomia; a nossa capacidade de avaliar o risco e de o assumir; a nossa capacidade de atuar em cada contexto, a curto e longo prazo. A vizinhança global impulsionada pelos media; a crise das instituições de socialização tradicionais, designadamente a família; a explosão das liberdades pessoais; a mobilidade acrescida das culturas e o incremento das interfaces de contacto; o enfraquecimento do papel do Estado; os fundamentalismos de origem étnica e religiosa; a miséria; a exclusão; a marginalidade e o desemprego crescentes fazem-nos questionar se milénios de esforço civilizacional se revelaram inúteis. Não o cremos, apostando antes na capacidade do ser humano se reinventar e formar espíritos abertos.

Entende-se comummente que só através da educação podem ser desbravados caminhos em direção a um entendimento. Apoiar as pessoas a crescer como cidadãos

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ativos envolve bem mais do que apresentar-lhes informação factual. O saber prático e conceptual envolve a aquisição de um leque de competências e aptidões, de atitudes e valores que se apliquem nas várias dimensões da cidadania ativa – política, jurídica, social e económica. Por conseguinte, a literacia aparece como condição indispensável da cidadania. Sendo a literacia a capacidade de aprender e interpretar a realidade, condiciona a vida dos cidadãos, a qual, é por sua vez condicionada pelos conhecimentos, valores e comportamentos vividos em sociedade e, antes de mais, pelo sistema de ensino. É essencial conhecer o mundo em que vivemos, compreender a sua lógica de mudança, e o crescimento exponencial de informação que tem marcado a nossa sociedade.

As transformações sociais em curso, reconhecidas como integrantes do processo de globalização do mundo, trazem novos desafios para se pensar a relação do indivíduo com o contexto social, do Eu com o Outro. Com a globalização, as relações sociais não se revestem de um carácter unívoco, mas ambivalente: se por um lado são oportunidades de participação social, por outro são também fatores de desigualdade e, mesmo, de exclusão. Neste contexto, torna-se inevitável a reflexão sobre as relações interpessoais, evidenciando-se questões sobre a singularidade individual e a diversidade, a necessidade de reconhecimento e valorização da identidade e do sentido de pertença, a abertura ao Outro, a alteridade, a valorização e respeito pelas diferenças, a noção de pertença planetária.

Esta relação dicotómica entre o singular (referente sobretudo à diversidade cultural) e o universal (considerando a humanidade) coloca-se como temática central da elaboração da relação entre o indivíduo e a vivência da sua autonomia enquanto expressão de uma cidadania multidimensional e planetária. O desafio da construção de uma cidadania multidimensional e planetária assume-se como elo determinante para a vivência plena da condição humana, para a consciencialização dos direitos e deveres, para a criação de novos espaços de participação. Considera-se, deste modo, que uma educação para a era planetária que integre a sensibilização à diversidade linguística e cultural, de forma interdisciplinar, desde os primeiros anos de escolaridade, pode contribuir para que a escola cumpra a sua função de preparar os alunos para serem futuros cidadãos do mundo, conscientes e responsáveis.

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A UE procura criar fatores contextuais que propiciem esta participação ativa pois um cidadão informado é indubitavelmente um melhor cidadão, participa mais no processo democrático, tem opiniões fundamentadas e estáveis, valoriza e apoia as liberdades cívicas e os direitos sociais, tanto mais que esta construção parece bastante artificial, para não dizer imposta de cima. Esta aceção está presente no capítulo III do Tratado da União Europeia, artigo 126º:

A Comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados-membros e, se necessário, apoiando e completando a sua ação, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística. (Tratado da União Europeia, 1992)

A ideia de uma construção europeia em estreita relação com os cidadãos europeus por intermédio da educação e da formação, é prosseguida no Tratado de Amsterdão de 1997, com planos de incentivo a uma cidadania mais ativa e participativa na vida da comunidade, com base numa abordagem que integra a aprendizagem ao longo da vida. A Europa mais próxima dos cidadãos é uma prioridade, como é referido no artigo 1º, ponto 4: ―O presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos.‖7

O desafio que se nos coloca é, portanto, o de determinar o que as pessoas precisam para se tornarem capazes de construir, de uma forma o mais igualitária possível, conhecimentos, habilidades e qualidades que são necessários na Europa de hoje, justificando uma abordagem pedagógica de cidadania. A educação para a cidadania não é suficiente - é a aprendizagem da cidadania que é essencial. Peres lembra: ― (…) humanos que respeitem a alteridade. Neste sentido, a experiência do encontro com o outro faz parte da condição humana. Só conseguimos ver a diferença a partir da nossa própria identidade (...). Urge, então, ousar sermos nós através do outro, descobrindo-nos na mesmidade.‖ (Peres, 1999: 49)

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O processo de aprendizagem é contínuo e individual estando intrinsecamente ligado às vivências individuais e sociais, como tal um falante de uma língua não tem nunca as mesmas competências, nem as desenvolve da mesma maneira que outro, quer se trate de falantes nativos ou de aprendentes estrangeiros, pelo que a tentativa de definir níveis de proficiência possa ser arbitrária e discricionária, como o seria para qualquer outro domínio de conhecimento, todavia assumidamente útil e indispensável na aferição e escalonamento de níveis para que a elaboração de currículos e exames assumam uma nivelação comum que leve ao reconhecimento das competências dos aprendentes em diferentes países, exercendo a sua liberdade de cidadão de um mundo global.

Todavia não deve deixar-se que esta base de reconhecimento mútuo entre os países europeus nos impeça de ter uma postura crítica face a esta aceção europeia por vezes ideológica, já que poderemos correr o risco de um empobrecimento cultural da panóplia de temperamentos que tanto caracterizam o velho continente, dividido em pequenos e diferenciados países que nos proporcionam num pequeno espaço geográfico aceder a universos culturais de invejável beleza e traços tão distintos e únicos. É com reservas que Bruno Maurer interpreta as diretivas comunitárias emitidas na persecução de um bem comum, lembrando: ―Les objectifs d‘enseignement des langues sont, à l‘initiative du Conseil de l‘Europe, subordonnés à des visées plus larges, celles de l‘éducation plurilingue et interculturelle. Plus que d‘un changement d‘appellation, il s‘agit en fait d‘un changement très profond de finalité. (…) Les langues sont instrumentalisées au profit d‘un projet politique.‖ (Maurer, 2011: 1)

São alterações que podem ser classificadas como radicais, mas que não são apercebidas como tal pelos responsáveis da educação dos diferentes países da UE que, ávidos por implementarem nos seus currículos as mais recentes indicações que levarão ao sucesso e à modernização do sistema educativo, não leem nas entrelinhas da legislação comum uma vontade expressa do poder político em manipular nações inteiras sem oposição declarada.

Em nome de um cidadão europeu mais habilitado são empreendidas alterações profundas no ensino das línguas. Contudo, estas alterações visam sempre a educação integral do cidadão europeu em detrimento de explorações metodológicas diversificadas

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e debatidas que pudessem elevar o ensino das línguas a um patamar de excelência baseado na amplitude e diversificação. São colocados de lado pressupostos de debate das complexidades para serem assumidas conjeturas de aceitação do pensamento dominante. Sobre este ponto de vista Christian Puren afirma:

Or il ne faudrait surtout pas, dans notre discipline, que les incertitudes actuelles concernant les orientations méthodologiques en enseignement/apprentissage des langues aboutissent à l‘abandon de la réflexion dans ce domaine, alors que ce sont précisément ces incertitudes qui en font le domaine le plus intéressant du point de vue d‘une réflexion disciplinaire aboutie, c‘est-à-dire articulant clairement les perspectives déontologique, épistémologique et idéologique. (Puren, 2006: 21)

A análise de estudos centrados na elaboração das políticas linguísticas do Conselho da Europa mostram que os objetivos da educação plurilingue e intercultural revelam um projeto político muito mais focado em fazer emergir um cidadão aberto à alteridade, capaz de estabelecer com outros europeus relacionamentos pacíficos, apto a compreender e aceitar as diferenças e viver numa sociedade europeia multicultural, do que questões estritamente ligadas a métodos de ensino das línguas, as quais se tornam apenas um meio e não um fim.

A questão que se coloca é: por que serão as línguas as primeiras matérias a contribuírem para este projeto? Apesar de formalmente nos programas as outras disciplinas deverem contribuir para a aprendizagem da cidadania, na realidade apresentam na sua natureza práticas mais tradicionais diretamente vocacionadas a desempenhos nos exames. O ensino da língua estrangeira apresenta inúmeras vantagens para a prossecução do projeto europeu. Desde as evoluções metodológicas dos anos 80 ao desenvolvimento das abordagens comunicativas, todos os docentes sabem que as competências socioculturais assumem uma grande importância na aptidão dos seus alunos em saberem utilizar oportunamente as competências linguísticas que devem adquirir, além da dimensão civilizacional desde sempre parte integrante dos currículos, embora nem sempre saibam muito bem como operacionalizar essa contribuição que podem, e devem, trazer à educação para o exercício da cidadania e dos direitos do homem. (cf. Maurer, 2011: 11-26)

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O relatório de 2011 da EURYDICE,8 apresenta resultados da implementação da educação para a cidadania na Europa, procura descrever a forma como as políticas e as medidas relativas à sua execução têm vindo a evoluir nos países europeus, nos últimos anos, concentrando-se nas seguintes áreas relativas ao seu ensino: objetivos, abordagens e organização curriculares; participação dos alunos e dos pais na gestão das escolas; cultura da escola e participação dos estudantes na sociedade; avaliação dos alunos e das escolas e desempenho do sistema educativo; ensino, formação e apoio aos professores e aos diretores de estabelecimentos de ensino.

Os resultados do relatório mostram que a educação para a cidadania na Europa está presente nos currículos de 20 países como disciplina autónoma obrigatória e assume uma dimensão transcurricular em todos eles, sendo a sua oferta assegurada no âmbito de outras disciplinas. Contudo é frequente utilizarem-se essas abordagens de forma combinada. A natureza pluridimensional da cidadania está claramente presente nos currículos dos países europeus, atribuindo objetivos às escolas em termos não só dos conhecimentos teóricos a adquirir pelos estudantes, mas também das competências que devem dominar e das atitudes e dos valores que devem desenvolver, incentivando fortemente a sua participação ativa dentro e fora da escola. Atente-se no seguinte: ―In general, citizenship curricula cover a wide and very comprehensive range of topics, addressing the fundamental principles of democratic societies contemporary societal issues such as cultural diversity and sustainable development, as well as the European and international dimensions.‖ (Citizenship Education in Europe, 2011)

A aprendizagem da cidadania opera-se não só na sala de aula, mas também informalmente, daí que a educação para a cidadania seja mais eficaz se coadjuvada por um ambiente escolar em que os aprendentes possam verificar diretamente como atuam os valores e os princípios do processo democrático. Foram introduzidas em todos os países formas de regulamentação para promover a participação dos alunos na gestão da escola, quer como delegados de turma, quer em conselhos de estudantes ou como representantes dos alunos nos órgãos de gestão. Contudo, a cultura e os processos democráticos no meio escolar também são reforçados pelos regulamentos ou

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recomendações relativos à participação dos pais e encarregados de educação nessa gestão. Além disso, numa pequena maioria dos países, as avaliações interna e externa das escolas já abordam a questão da gestão escolar, examinando, por exemplo, o grau de participação dos estudantes, pais e professores nos vários órgãos decisórios ou consultivos de cada estabelecimento de ensino. O envolvimento dos pais é genericamente reconhecido como fator importante de estímulo da gestão democrática na comunidade escolar.

Não obstante, é fulcral que as instituições possam oferecer aos seus alunos a oportunidade de aprenderem as competências de cidadania fora da escola, através de vários programas e projetos. Trabalhar com a comunidade local, descobrir e experimentar a participação democrática na sociedade e abordar questões atuais como a defesa do ambiente e a cooperação entre as gerações e os países constituem exemplos de atividades apoiadas por programas públicos nacionais. Por último, as estruturas políticas, maioritariamente ao nível do ensino secundário, que visam proporcionar aos estudantes um fórum de debate onde possam exprimir as suas opiniões sobre questões que os afetam. Em alguns países, essas questões estão estritamente relacionadas com a vida da escola, mas noutros podem referir-se a qualquer assunto que diga diretamente respeito às crianças e aos jovens.

Entretanto, a formação de professores nesta área é escassa. As oportunidades de formação como docente especializado em educação para a cidadania são ainda pouco comuns, só se encontrando disponíveis na Áustria e em Inglaterra, através da formação contínua ou de programas de formação inicial de professores. Esta última é ainda pouco desenvolvida e muito poucos países definiram um conjunto de competências comuns diretamente ligadas à cidadania que deveriam ser adquiridas por todos os professores recém-formados do ensino secundário, muito embora a maioria já tenha conferido um estatuto transcurricular aos elementos desta área disciplinar. A importância que os responsáveis políticos pelo setor da educação atribuem a esta área disciplinar tende a refletir o lugar concedido à educação para a cidadania no currículo escolar dos países europeus, sendo um dos maiores dilemas a concomitante quantidade de legislação em vigor, sejam recomendações ou regulamentos, impondo às escolas níveis díspares de obrigação. (cf. Citizenship Education in Europe, 2011)

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Os pareceres do Conselho de Resolução do Conselho Europeu, de 27 de novembro de 2009, sobre um quadro renovado para a cooperação europeia no domínio da juventude até 2018,9 enfatizam a necessidade de ser dada a todos os jovens a possibilidade de tirarem o máximo partido das suas potencialidades, independentemente das eventuais diferenças de condições de vida, necessidades, aspirações, interesses e atitudes, prestando especial atenção àqueles que, por várias razões, possam ter menos oportunidades. Indica como caminho a seguir, reconhecer em todos os jovens um recurso da sociedade e defender o seu direito de participar na elaboração das políticas que os afetam, graças a um diálogo estruturado permanente. Declara como fundamentais os seguintes pressupostos gerais:

Accordingly agrees that

1. In the period up to and including 2018, the overall objectives of European cooperation in the youth field should be to: (i) create more and equal opportunities for all young people in education and in the labour market, and to (ii) promote the active citizenship, social inclusion and solidarity of all young people.

2. The main fields of action in which initiatives should be taken: education and training; employment and entrepreneurship; health and well-being; participation; voluntary activities; social inclusion; youth and the world; creativity and culture.

A sociedade da informação elevou o conhecimento e o saber à categoria de elementos motores de toda a economia, uma sociedade cognitiva como estrutura base. Em concorrência com as estruturas clássicas de transmissão de saber – família, escola, comunidade – estão imparáveis os velhos e os novos media. A internet como fonte inesgotável de informação, assim como o fenómeno das redes sociais, abrem-nos uma era digital cuja interatividade permite a procura de conhecimento e formação num plano individual, ou melhor, verificam-se condições tecnológicas sem precedentes para a edificação da sociedade educativa, o sonho maior dos educadores. Neste contexto, a resposta sistémica do pensamento educativo é a Educação ao Longo de Toda a Vida, ou seja, o desafio da construção de uma estrutura social onde o processo educativo tem

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lugar em todas as etapas da vida e não apenas numa fase inicial da vida humana, concluindo, a evolução natural do exercício de cidadania.

A aprendizagem ao longo da vida acontece quando um indivíduo tem o desejo de aprender, e condições para a sua construção, independentemente de onde e quando isso ocorre. Para tanto, é necessária a confluência de três fatores: que a pessoa tenha a predisposição de aprendizagem, que existam ambientes de aprendizagem (centros, escolas, empresas, etc.) adequadamente organizados e que haja pessoas que possam auxiliar o aprendente no processo de aprender (agentes de aprendizagem), para além de que esta aprendizagem deve ir ao encontro das necessidades do mercado de trabalho se quiser fazer face ao desemprego. No portal da Comissão Europeia que gere os programas da educação ao longo da vida pode ler-se: ―(...) the Lifelong Learning Programme (LLP) enables individuals at all stages of their lives to pursue stimulating learning opportunities across Europe. It is an umbrella programme integrating various educational and training initiatives.‖10

Assistimos a uma renovação de paradigma do conceito de cidadania, aparecendo intrinsecamente interligado à economia e aos profissionais da comunicação e não apenas como uma questão de debate educativo. Esta mutação deve-se à função primordial do conhecimento, da informação e da inteligência das pessoas no processo produtivo, fator que desperta sobremaneira agentes que anteriormente valorizavam fontes de poder como força, dinheiro e terra, fontes finitas, e que rapidamente se aperceberam que o conhecimento pode ser utilizado de forma exaustiva e prolongado até ao infinito. (cf. Tedesco, 2008: 53-58). Surge uma relação inerente entre as aptidões impostas para a execução produtiva e as competências para o desempenho da cidadania, ocorrendo uma significativa diminuição no hiato entre os ideais educativos e as exigências reais do mundo do trabalho, perdendo os primeiros o seu caráter abstrato e assumindo os segundos características humanas. Investir lucidamente na educação, com persistência estratégica e prosseguindo objetivos de longo prazo, serão a única via segura para garantir um lugar no pelotão da frente das nações mais desenvolvidas.

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1.3 O Inglês como código linguístico universal e de cidadania

A língua é a capacidade especificamente humana de aquisição e aplicação de sistemas complexos, acústicos e de sinais cinéticos, para expressar pensamentos e emoções, bem como a interação de conhecimento e experiências. O constrangimento surge porque a variedade de sistemas linguísticos no nosso planeta varia numa grande escala de região para região, os quais não são acessíveis para a totalidade da população. Uma amostra deste fenómeno de variedade está patente no quadro seguinte:

O contexto mais significativo em que a nossa análise se centra é sem dúvida o de um mundo em permanente mudança, um planeta povoado de seres cuja maior característica distinta, como em cima mencionamos, é a comunicação verbal, e cuja evolução seguiu o caminho da interculturalidade global, a qual foi nos últimos anos acompanhada pelo Inglês. Relativamente ao enquadramento que possibilitou esta germinação, Billy Crystal ousa: ―English was apparently at the right place, at the right time.‖ (2003: 78)

A globalização intensifica a interação entre as comunidades com um extraordinário envolvimento de pessoas em comunicação ultrapassando as fronteiras das suas línguas nativas, levando ao surgimento de uma ―liberalização‖ do uso de uma língua comum – o Inglês, e este fenómeno sem precedentes traz consigo implicações no que à regulação do seu uso diz respeito, sendo necessário, muito provavelmente, que no futuro se sinta a necessidade de estabelecer uma série de normas que regulem todas as variedades e contextos do seu uso internacional. A nossa comunidade de outrora encarada como a coletividade à nossa volta, com a qual interagíamos de forma direta e quase sempre presencial, ultrapassou as fronteiras tradicionalmente instituídas, transbordando para uma sociedade caracterizada por uma cultura partilhada por todo o planeta. Não confundamos, no entanto, globalização com homogeneização, uma vez que o objetivo maior da globalização é o de aproximar os cidadãos imbuídos das suas idiossincrasias e a estas agregar outros conceitos oriundos de distintas paragens. Por conseguinte, o desenlace da globalização é complexo e não unidirecional, visto as sociedades assimilarem as diferentes influências de formas tão diversas quanto o número de particularidades com que contactam.

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A disseminação do Inglês é um fenómeno associado à expansão europeia, especialmente à grande influência do Império Britânico durante os séculos XVII, XVIII e XIX que impôs a sua língua e cultura em interpostos comerciais nos continentes africano e asiático, ao mesmo tempo que o EUA, como refere David Graddol, se instituíram como uma potência mundial económica e militar:

Its development consists of complex interaction of trade, settlement and colonisation, cunning diplomatic activity and conquest. Its extent was the result of various forms of cultural contact ranging from commercial, economically- motivated trade relationship to brutal and atrocious military campaigns. The Empire facilitated and promoted the spread of British technology, industry, commerce, government, and of course language. In other words, globalisation has its roots in the British Empire. In addition, modern historical landmarks such as the war in Iraq are the direct consequence of this phase of world history. (Graddol, 1997: 6)

O estabelecimento de uma língua dominante por parte de uma potência sobre o país colonizado foi característico de todos os países ocidentais que empreenderam a empresa dos descobrimentos, estabelecendo-se uma ―vassalagem‖ por parte dos ―invadidos‖. A subjugação funcionava quer a nível social quer a nível cultural, fazendo emergir uma língua dominante. A este propósito, Louis Jean Calvet é claro: ―The peoples of the ―civilized‖ West were superior to the ―savage‖ peoples and their languages (clearer, more logical and more developed) were in the same way superior to the languages of those who had been colonised.‖ (1998: 9)

O estatuto do Inglês como língua global advém da sua internacionalização sempre ligada ao que de mais moderno se afigura socialmente, no mundo económico e literário. Das Ilhas Britânicas, de onde é oriundo, as contribuições literárias foram imensas, desde Shakespeare, poeta e dramaturgo já respeitado na sua época, idolatrado nos séculos XIX e XX, adotado e redescoberto repetidamente por vários movimentos literários e da performance; Charles Dickens, cujos romances e contos fantasiosos fizeram ecoar a crítica social; Jane Austen, autora de clássicos que perduram no público mundial pela sua capacidade de descrição de personagens que agradam a um vasto leque de leitores, e que em muito contribuiu para a reflexão do papel da mulher, até George Orwell, o controverso jornalista que nos seus romances provoca no leitor a inquietação.

Imagem

Figura 1 – Propagação da língua inglesa. (Adaptado de Crystal, 2003: 61).
Gráfico  1  –  Percentagem  de  população  falante  de  Inglês na Europa. (Graddol, 2006: 93)
Gráfico  4  –  Comparação  do  número  total  de  falantes  (nativos  e  estrangeiros)  com  o  número  de  falantes como  segunda  língua,  em  milhões,  adaptado  de Ethnologue
Figura 2 – Inter-relação das componentes do Programa de Inglês  Continuação de 10.º e 11.º
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Referências

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