• Nenhum resultado encontrado

Efeitos jurídico-eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões dos tribunais de contas.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Efeitos jurídico-eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões dos tribunais de contas."

Copied!
112
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

LORENA LYRA

EFEITOS JURÍDICO-ELEITORAIS E FINANCEIROS DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

FORTALEZA 2019

(2)

LORENA LYRA

EFEITOS JURÍDICO-ELEITORAIS E FINANCEIROS DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Ordem jurídica constitucional. Orientador: Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque.

FORTALEZA 2019

(3)

LORENA LYRA

EFEITOS JURÍDICO-ELEITORAIS E FINANCEIROS DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Ordem jurídica constitucional.

Aprovada em: ____/____/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________ Profa. Dra. Cynara Monteiro Mariano Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________ Prof. Dr. Juraci Mourão Lopes Filho Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS)

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus, em toda sua sabedoria, por me proporcionar paz espiritual, sem a qual não conseguiria iniciar, dar continuidade e finalizar este trabalho.

Aos meus pais, Francisco de Assis do Vale Lira e Maria de Fátima Pontes Lira, por estarem sempre ao meu lado, em todos os meus novos desafios, e por se alegrarem mais com minhas conquistas que até eu mesma.

Ao meu Amor, namorado e verdadeiro companheiro, Adriano Caçula Mendes, por sempre me dar forças, incentivo, amor e compreensão, na medida certa, e por sempre acreditar, mais que eu mesma, no meu potencial.

Ao meu orientador, Professor Felipe Braga Albuquerque, por sua sabedoria e serenidade, guiando-me com muita tranquilidade nesta árdua missão.

Ao meu amigo, Bruno Caminha Scarano, por nos liderar com tanta sabedoria na saudosa Assessoria Jurídica do extinto Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, e por compartilhar seus conhecimentos diariamente, chegando até a nos inspirar para elaboração do que um dia foi o Projeto de Pesquisa que hoje se converte nesta dissertação.

Aos Conselheiros Presidentes das Cortes de Contas pesquisadas, Francisco de Souza Andrade Netto (TCM/BA); Joaquim Alves de Castro Neto (TCM/GO) e Luis Daniel Lavareda Reis Junior (TCM/PA), os quais colaboraram em ceder informações importantes a esta pesquisadora, tornando possível parte do estudo de caso aqui realizado.

Aos servidores dos Tribunais de Contas pesquisados, por me atenderem com muita presteza e atenção: no TCM/BA, Dr. Neto (Chefe de Gabinete da Presidência) e Antônio Fernando Barbosa Caires; no TCM/GO, Dr. Marcelo Fonseca; e no TCM/PA, Dr. Edimilson Rêgo (Chefe de Gabinete da Presidência), Dr. Raphael Maués Oliveira (Diretor Jurídico) e Jorge Antônio Cajango Pereira (da Secretaria Geral).

Ao Professor, Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Estado do Ceará, Emmanuel Girão, por aceitar receber e responder, com muita sabedoria e paciência, todas as minhas dúvidas acerca do relacionamento entre as Cortes de Contas e a Justiça Eleitoral, fornecendo informações valiosíssimas para a conclusão do presente trabalho.

(5)

RESUMO

A presente dissertação analisa o controle judicial exercido sobre as decisões das Cortes de Contas e seus respectivos efeitos jurídicos, eleitorais e financeiros. Os Tribunais de Contas são indiretamente vinculados às políticas de inelegibilidade no sistema eleitoral brasileiro, motivo pelo qual suas decisões de julgamento de contas têm sido alvo de diversas ações judiciais ajuizadas com o intuito de suspendê-las ou anulá-las, para que o nome do gestor público com contas julgadas irregulares não conste na lista de gestores com contas irregulares encaminhada à Justiça Eleitoral. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar os efeitos jurídico-eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas, e para tanto, utilizará a metodologia bibliográfica e jurisprudencial, bem como realizará um estudo de caso sobre os efeitos jurídico-eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões do Tribunais de Contas dos Municípios do país, nos exercícios de 2012 e 2016, anos das duas últimas eleições municipais. Com os resultados auferidos, foi possível observar um impacto considerável dos efeitos financeiros desse controle judicial com suspensão de decisões do Tribunal de Contas dos Municípios que havia aplicado multas, sanções pecuniárias por irregularidades encontradas na gestão dos recursos públicos, e imputado débitos que visavam o ressarcimento do dano ao erário municipal. Ao final, concluiu-se que o controle judicial dessas decisões das Cortes de Contas deve ser exercido com um poder de autocontenção, aliado às ideias de ponderação e de democracia, abstendo-se o Poder Judiciário de substituir o Tribunal de Contas, bem como evitando a violação ao princípio da separação dos poderes.

(6)

ABSTRACT

This dissertation analyzes the judicial control exercised over the decisions of the Courts of Accounts and their respective legal, electoral and financial effects. The Courts of Accounts are indirectly linked to the policies of ineligibility in the Brazilian electoral system, therefore their decisions of judgment of accounts have been the subject of several lawsuits filed with the purpose of suspending or annulling them, so that the name of the public manager with accounts judged irregular is not included in the list of managers with irregular accounts sent to the Electoral Justice. Thus, the objective of this research is to analyze the legal-electoral and financial effects of judicial control over the decisions of the Courts of Accounts, and therefore will use the bibliographic and jurisprudential methodology, as well as a case study about the legal-electoral and financial effects of judicial control over the decisions of the Courts of Accounts of the Municipalities of the country, in the years 2012 and 2016, years of last two municipal elections. With the results obtained, it was possible to observe a considerable impact of the financial effects of this judicial control with suspension of decisions of the Court of Accounts of the Municipalities that had applied fines, pecuniary sanctions for irregularities found in the management of public resources, and imputed debts that aimed the reimbursement of the damage to the municipal treasury. In the end, it was concluded that judicial control of these decisions of the Court of Accounts should be exercised with a power of self-containment, combined with ideas of pondering and democracy, abstaining the Judiciary to replace the Court of Accounts, as well as avoiding violation of the principle of separation of powers.

(7)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Ações judiciais e liminares contra decisões dos TCM’s 78 Quadro 2 – Efeitos financeiros do controle judicial sobre decisões do TCM/CE em 2012 83 Quadro 3 – Efeitos financeiros do controle judicial sobre decisões do TCM/CE em 2016 91

(8)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade AgR Agravo Regimental

AIRC Ação de Impugnação de Registro de Candidatura

Atricon Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil Caopel Centro de Apoio Operacional Eleitoral

DEN Denúncia

LC Lei Complementar LIC Licitação

P Parecer (Proposta de Votos) de Conselheiro Substituto PCG Prestação de Contas de Governo

PCS Prestação de Contas de Gestão PP Parecer Prévio

PRO Provocação

Rcl Reclamação Constitucional RE Recurso Extraordinário REspe Recurso Especial

RITCU Regimento Interno do Tribunal de Contas da União STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça TCE Tomada de Contas Especial TCE Tribunal de Contas do Estado TCM Tribunal de Contas dos Municípios TCS Tomada de Contas de Gestão TCU Tribunal de Contas da União TSE Tribunal Superior Eleitoral

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 SEPARAÇÃO DOS PODERES E INSEGURANÇA JURÍDICA: IMPLICAÇÕES NAS ATIVIDADES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS... 14 2.1 Competências constitucionais dos Tribunais de Contas... 14

2.1.1 Os Tribunais de Contas e o princípio da separação dos poderes... 16

2.1.2 Papel do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas no exercício do controle externo e no sistema eleitoral brasileiro... 26

2.1.3 A insegurança jurídica criada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 848826, que tratou das competências constitucionais dos Tribunais de Contas e do Poder Legislativo no exercício do controle externo... 33

2.2 Separação dos poderes com enfoque na relação do controle externo com o Poder Judiciário Eleitoral... 47

2.2.1 Da lista de gestores com contas julgadas irregulares emitida pelo Tribunal de Contas e enviada à Justiça Eleitoral... 47

2.2.2 Da elaboração da lista pelo Tribunal de Contas... 50

2.2.3 Da recepção da lista do Tribunal de Contas pela Justiça Eleitoral... 52

3 CONTROLE JUDICIAL SOBRE AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS... 60

3.1 O princípio da inafastabilidade da jurisdição e o controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas... 60

3.2 O princípio da separação dos poderes e o controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas... 64

3.3 A “judicialização administrativa” no controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas... 67

4 DOS EFEITOS JURÍDICO-ELEITORAIS E FINANCEIROS DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO BRASIL... 72

4.1 Considerações iniciais sobre as espécies de Tribunais de Contas no Brasil... 73

4.2 Dos efeitos jurídico-eleitorais do controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios dos Estados da Bahia, Goiás e Pará no ano eleitoral de 2016... 76

4.3 Dos efeitos eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará nos anos eleitorais de 2012 e 2016... 80

4.3.1 Exercício de 2012... 80

4.3.2 Exercício de 2016... 89

5 CONCLUSÃO... 95

REFERÊNCIAS... 99

APÊNDICE A – Requerimentos encaminhados aos Tribunais de Contas dos Municípios... 109

(10)

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 criou os sistemas de controle e fiscalização da administração pública, dentro dos quais estão inseridos os Tribunais de Contas, órgãos independentes que exercem o controle externo em auxílio ao Poder Legislativo, que é o titular de tal controle. Referidas Cortes de Contas receberam do constituinte originário a competência exclusiva de apreciar e julgar as contas dos administradores públicos, nos termos dos incisos I e II do artigo 71 do Magno Texto.

Dentre as atribuições das Cortes de Contas, encontra-se aquela de elaboração, em cada ano eleitoral, da relação de gestores com contas julgadas irregulares em decisões irrecorríveis e encaminhamento desta lista à Justiça Eleitoral, a qual usa tais informações para decidir sobre a existência ou não de uma das hipóteses de inelegibilidade dos candidatos às eleições políticas.

Essa atribuição dos Tribunais de Contas os torna vinculados, ainda que indiretamente, às políticas de inelegibilidade no sistema eleitoral brasileiro, motivo pelo qual suas decisões de julgamento de contas têm sido alvo de diversas ações judiciais ajuizadas com o intuito de suspendê-las ou anulá-las, para que o nome do autor (gestor ou ex-gestor público com contas julgadas irregulares) não conste na lista de gestores com contas irregulares encaminhada à Justiça Eleitoral.

Noutras palavras, o Poder Judiciário tem sido muito acionado por gestores de recursos públicos que possuem contra si decisões irrecorríveis dos Tribunais de Contas pelo julgamento de contas como irregulares, no intuito de suspender, em caráter liminar, e, posteriormente, no mérito, anular tais decisões, com fulcro no princípio da inafastabilidade da jurisdição, albergado no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988 como um dos valiosos direitos fundamentais ali elencados.

Assim, diante do expressivo número das referidas demandas judiciais, e do cediço ativismo judicial característico do período atual de pós-positivismo, tem sido muito frequente a concessão de liminares concedendo efeitos suspensivos aos acórdãos ou aos pareceres prévios dos Tribunais de Contas, ou ainda a emissão de decisões definitivas judiciais anulando tais decisões (das Cortes de Contas), especialmente, em anos eleitorais.

(11)

Desta feita, chega-se à indagação central da presente pesquisa: Como e em que medida o ativismo judicial, consubstanciado na miríade de liminares suspendendo ou nas decisões de mérito anulando as decisões dos Tribunais de Contas, tem interferido nas atribuições constitucionais das Cortes de Contas?

E a partir dessa questão central, outros problemas específicos serão analisados neste trabalho: Qual a relação existente entre as decisões do Poder Judiciário, que suspendem ou anulam as decisões das Cortes de Contas, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da separação dos poderes? Quais os efeitos jurídicos, eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões administrativas dos Tribunais de Contas dos Municípios do Brasil, e em especial, do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, nos anos eleitorais de 2012 e 2016?

O estudo acerca das atribuições constitucionais das Cortes de Contas e sua relação com o controle judicial exercido sobre suas decisões possui relevância social, haja vista a importância do exercício do controle externo da administração pública levada a efeito por tais tribunais, em especial, ante a crise política e econômica em que se encontra o país, situação esta em que o controle sobre a gestão dos recursos públicos ganha ainda mais importância.

Outra contribuição relevante do presente trabalho é analisar o ativismo judicial sob um aspecto ainda pouco estudado pela academia jurídica, pois embora o ativismo judicial seja muito analisado sob outras perspectivas (direito fundamental à saúde, processo legislativo, etc.), não tem sido muito discutido quanto a suas consequências no âmbito das Cortes de Contas.

A pesquisa a ser desenvolvida se enquadra na Linha de Pesquisa 2 deste Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, denominada “A Implementação dos Direitos Fundamentais e as Políticas Públicas”, e ao Projeto de Pesquisa Geral “Participação Política no Estado Democrático”, pois aborda as atribuições constitucionais das Cortes de Contas no Brasil e sua relação com o princípio da separação dos poderes, bem como com o controle judicial exercido sobre suas decisões.

O presente trabalho decorre de uma angústia que acompanha a autora desde quando esta trabalhava na Assessoria Jurídica do extinto Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) do Estado do Ceará e atuava na elaboração de minutas de defesa em ações judiciais contra decisões daquela Corte de Contas1. Em tais ações, onde se pleiteavam a suspensão e a

1 Esclarece-se que o extinto Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará se tratava de uma instituição

despersonalizada e pertencente à estrutura do poder público do Estado do Ceará, portanto, a competência de defesa judicial de tal órgão público pertencia à Procuradoria Geral do Estado. Entretanto, a Assessoria Jurídica

(12)

posterior anulação de acórdãos e/ou pareceres prévios daquele TCM, sempre se trazia à discussão a potencial violação ao princípio da separação dos poderes caso o controle judicial ali executado não obedecesse aos limites constitucionais para tanto.

Outra inspiração à presente pesquisa surgiu com a constatação de que nos casos de suspensão ou anulação de decisões do Tribunal de Contas pelo Poder Judiciário, os efeitos daquele controle judicial não se limitavam àqueles diretos buscados pelo autor da demanda (gestor ou ex-gestor público com contas julgadas irregulares), isto é, a saída da relação elaborada pela Corte de Contas, com possível efeito eleitoral, mas também ocorriam efeitos financeiros de suspensão ou anulação das sanções pecuniárias (multas) aplicadas ao gestor, bem como de suspensão ou anulação da imputação dos débitos (com o fim de ressarcimento ao erário pelo dano causado pelo gestor público).

Assim, a presente pesquisa tem como objeto de estudo o controle judicial e seus efeitos jurídicos, eleitorais e financeiros sobre as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios do Brasil, mormente aquele efetivado nos períodos eleitorais de 2012 e 2016, e, em especial, sobre as decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará.

Esclarece-se que foram escolhidas as Cortes de Contas estaduais, especializadas no controle externo dos municípios, por serem estes entes federativos, dentro do modelo de federação escolhido pelo constituinte brasileiro de 1988, aquele que está mais próximo do cidadão e que, portanto, o controle dos seus recursos públicos se torna ainda mais sensível e necessário.

Desta feita, a presente pesquisa tem como objetivo principal investigar o controle judicial e seus efeitos jurídicos, eleitorais e financeiros sobre as decisões dos Tribunais de Contas.

Já os objetivos específicos são os seguintes: analisar as atribuições das Cortes de Contas e sua relação com o princípio da separação dos poderes; investigar o controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas, relacionando-o com os princípios da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da separação dos poderes; e estudar os efeitos jurídicos, eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios do Brasil.

Para isso, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, faz-se uma pesquisa acerca das competências constitucionais dos Tribunais de Contas e da posição destas cortes dentro do esquema de separação dos poderes adotado pelo constituinte federal de 1988,

daquela Corte de Contas elaborava as minutas de defesa e as encaminhava para tal Procuradoria, em virtude da celebração de Convênio entre as mencionadas instituições, com este fim.

(13)

bem como um estudo sobre as atribuições destas Cortes no exercício do controle externo e no sistema eleitoral brasileiro, e como estas se diferenciam daquelas atribuídas na Constituição ao Poder Legislativo e à Justiça Eleitoral.

Ainda no capítulo inaugural, faz-se uma necessária análise da insegurança jurídica criada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 848826, quando, em um caso específico que tratava de direito eleitoral, tratou das competências constitucionais dos Tribunais de Contas e do Poder Legislativo no exercício do controle externo.

No segundo capítulo, analisa-se o controle judicial exercido sobre as Cortes de Contas e sua relação com os princípios da inafastabilidade da jurisdição e da separação dos poderes, com foco na relação entre aquelas Cortes e o Poder Judiciário Estadual Cível, mais especificamente as Varas da Fazenda Pública, para as quais são distribuídas as demandas judiciais que questionam a validade das decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios.

Por fim, o terceiro e último capítulo se trata de um estudo de caso sobre os efeitos do controle judicial exercido sobre os Tribunais de Contas dos Municípios do país, o qual foi dividido em duas partes: na primeira etapa, analisa-se os efeitos jurídico-eleitorais do controle judicial exercido sobre as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios dos Estados da Bahia (com 417 municípios jurisdicionados), Goiás (246 municípios) e Pará (144 municípios), no ano eleitoral de 2016; e na segunda etapa, investiga-se os efeitos eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (com 184 municípios) nos anos eleitorais de 2012 e 2016.

Para tanto, utiliza-se o método descritivo e explicativo, a princípio, realizando-se uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o tema abordado. Desta forma, foram consultados livros doutrinários e periódicos de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Teoria do Direito, Teoria do Estado e Hermenêutica Jurídica. Além disso, foi também consultada a jurisprudência brasileira acerca da matéria, bem como a legislação constitucional, infraconstitucional e regimentos internos que importam ao tema. Ademais, na última etapa da presente pesquisa, realiza-se um estudo de caso com coleta de dados acerca dos efeitos jurídico-eleitorais e financeiros do controle judicial sobre as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios do país.

Na primeira parte do estudo de caso, a coleta de dados foi realizada através de comunicação com os Conselheiros Presidentes2 de cada TCM, por meio de Requerimentos3

2 Conselheiros Presidentes das Cortes de Contas pesquisadas: Francisco de Souza Andrade Netto (TCM/BA);

(14)

encaminhados por e-mail para os endereços eletrônicos da Presidência de cada Corte de Contas, endereços estes que foram obtidos por meio de consulta no sítio eletrônico de cada Corte de Contas ou ainda por ligações telefônicas. As respostas a tais requerimentos foram encaminhadas também por e-mail, no caso dos Tribunais de Contas dos Municípios dos estados da Bahia e Pará, e por envio de mídia digital (CD-ROM) pelos Correios, no caso do TCM de Goiás.

E na segunda parte do estudo de caso, os dados foram coletados com a Assessoria Jurídica do extinto TCM/CE, que se tratava de órgão interno responsável pela representação judicial daquela Corte de Contas, bem como por acompanhar o andamento dos processos judiciais em que o TCM/CE fosse parte ou que dissessem respeito às suas atividades, nos termos do art. 4º, incisos VI e VII da Resolução nº 10/2007 do extinto TCM/CE, de 13 de dezembro de 2007, publicada no Diário Oficial do Estado de 13 de dezembro de 2007.

3 Constam nos anexos da presente pesquisa cópias dos Requerimentos dirigidos aos Conselheiros Presidentes dos

(15)

2 SEPARAÇÃO DOS PODERES E INSEGURANÇA JURÍDICA: IMPLICAÇÕES

NAS ATIVIDADES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS4

Os órgãos de controle dos países democráticos vêm acompanhando o processo evolutivo do Estado Democrático de Direito e têm passado por diferentes fases, abandonando o foco apenas no controle das finanças públicas e passando a ser instrumentos de cidadania. Outrossim, as Cortes de Contas do Brasil, cientes de sua responsabilidade e de sua indisponibilidade no conceito de Estado Democrático de Direito, têm procurado não figurar apenas como coadjuvantes destas transformações, mas, ao contrário, têm atuado como precursoras destas mudanças (SOUZA et al., 2005, p. 09).

Nesse sentido, urge compreender as competências constitucionais dos Tribunais de Contas; a posição destas cortes dentro do esquema de separação dos poderes adotado pelo constituinte federal de 1988; bem como esclarecer quais as atribuições dos Tribunais de Contas no exercício do controle externo e no sistema eleitoral brasileiro, e como estas se diferenciam daquelas atribuídas na Constituição ao Poder Legislativo.

Ademais, faz-se importante analisar ainda a insegurança jurídica criada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 848826, quando, em um caso específico que tratava de direito eleitoral, tratou das competências constitucionais dos Tribunais de Contas e do Poder Legislativo no exercício do controle externo.

2.1 Competências constitucionais dos Tribunais de Contas

A Constituição de 1988, também conhecida como Carta Cidadã, cujo princípio por excelência é o da Democracia (BRITTO, 2003, p. 183), ao sair de um regime ditatorial, ampliou de forma significativa a esfera de atuação do Tribunal de Contas da União, quando dispôs no seu texto constitucional detalhes sobre sua organização e atividades inerentes à sua natureza e à sua posição, em relação aos outros poderes do Estado. (TELLES, 2004, online)

Quanto à posição do Tribunal de Contas na Constituição de 1988, vale destacar que Carlos Ayres Britto, ao afirmar que o Tribunal de Contas da União não é órgão do Poder Legislativo, e não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade

4 Parte das informações trazidas neste capítulo inaugural foi apresentada no artigo “Jurisdição Constitucional

sobre as atribuições dos Tribunais de Contas à luz da Hermenêutica Constitucional” (p. 72-83), em co-autoria com Travassos M. de A. S., publicado na Revista do Tribunal de Contas da União. Ano 49. Número 140. Setembro/Dezembro 2017.

(16)

hierárquica ou subalternidade funcional, sustenta a autonomia daquela Corte de Contas, e o faz elucidando o termo “auxílio” trazido pelo constituinte:

[...] quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo ‘com o auxílio do Tribunal de Contas da União’ (art. 71), tenho como certo que está a falar de ‘auxílio’ do mesmo modo como a Constituição fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário. Quero dizer: não se pode exercer a jurisdição senão com a participação do Ministério Público. Senão com a obrigatória participação ou o compulsório auxílio do Ministério Público. Uma só função (a jurisdicional), com dois diferenciados órgãos a servi-la. Sem que se possa falar de superioridade de um perante o outro. (BRITTO, 2005, p. 62)

Noutras palavras, aquele ex-Ministro da Suprema Corte (também ex-Procurador do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe), fazendo um paralelo entre a autonomia do Ministério Público e a da Corte de Contas, esclarece que, da mesma forma que Poder Judiciário só exerce a jurisdição com a participação do Ministério Público, o Poder Legislativo só pode exercer o controle externo com a participação do Tribunal de Contas. Assim, embora ambos (Poder Legislativo e Tribunal de Contas) exerçam a mesma função de controle externo, não há superioridade hierárquica de um órgão sobre o outro (BRITTO, 2005, p. 63).

Entende, ainda, que o Tribunal de Contas da União (TCU) é órgão da pessoa jurídica União, diretamente, sem pertencer a nenhum dos três Poderes Federais, colocando-o, assim, no mesmo status normativo de autonomia do Ministério Público (BRITTO, 2005, p. 62).

No mesmo sentido, Medauar (2014, p. 153) lembra que o constituinte não usou a expressão “órgão auxiliar”, mas apenas determina que o controle externo do Congresso Nacional será exercido “com o auxílio” do Tribunal de Contas, cabendo, assim, a este órgão exercer suas funções e competências (extraídas diretamente do texto constitucional), de forma conjunta e em apoio ao Legislativo, entretanto, nunca a ele subordinado ou inserido em sua estrutura.

Além disso, o constituinte decidiu ampliar também a estrutura de Corte de Contas a todos os Estados da Federação, prevendo expressamente em seu artigo 75 que as normas estabelecidas naquela seção (denominada “da fiscalização contábil, financeira e orçamentária” e que trata especificamente do Tribunal de Contas da União) aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, onde houver.

Assim, a Constituição Federal de 1988 previu expressamente a aplicação do princípio da simetria para aquelas normas referentes ao controle da Administração Pública, regendo assim, a matéria nos demais entes da Federação. Dessa forma, não apenas o Tribunal de

(17)

Contas da União, mas também todos os Tribunais de Contas dos Estados, bem como os Tribunais de Contas dos Municípios (onde houvesse) deveriam se submeter àquelas regras ali estipuladas.

Desta feita, constata-se que com a promulgação da Constituição de 1988, as Cortes de Contas do país tiveram suas competências substancialmente ampliadas, tendo sido, inclusive, dado grande importância a tais atribuições constitucionais.

2.1.1 Os Tribunais de Contas e o princípio da separação dos poderes

O dever de todo gestor público prestar contas está estabelecido no texto constitucional e não representa um fim em si mesmo, bem como não adentrou ao ordenamento jurídico brasileiro de forma isolada, mas em apoio a um conjunto de outros relevantes princípios constitucionais, dentre eles, destacar-se-á, nesta pesquisa, o da separação dos poderes.

Nesse sentido, a Constituição Federal criou os sistemas de controle e fiscalização, dentro dos quais estão inseridos os Tribunais de Contas, órgãos independentes que exercem o controle externo em auxílio ao Poder Legislativo, que é o titular de tal controle. Referidas Cortes de Contas receberam do constituinte originário a competência exclusiva de apreciar e julgar as contas dos administradores públicos, nos termos dos incisos I e II do artigo 71 da Carta Magna.

O dever de prestar contas foi tão precioso e relevante ao constituinte de 1988 que tal obrigação está presente em diversos dispositivos do texto constitucional, tendo a Constituição Federal estabelecido que, em todos os entes federativos (União, Estados, DF e municípios) da República Federativa do Brasil, o Poder Legislativo é o titular da fiscalização do dever de prestar contas, mas não apenas desse dever, posto que a fiscalização deve ser feita também quanto aos parâmetros da legalidade, legitimidade e economicidade, nos termos do art. 70.

Outrossim, cumpre frisar que a função de fiscalização surgiu com o constitucionalismo e o Estado de Direito implantado com a Revolução Francesa e que tal função, no sistema de separação de poderes, sempre constituiu tarefa básica do Poder Legislativo (parlamentos federal, estaduais e municipais), a quem compete a elaboração e atualização das leis, e até por consequência lógica, também a ele compete fiscalizar o cumprimento da legislação por parte da administração pública (SILVA, 2008, p. 749).

Ademais, Canotilho (2003, p. 229) destaca como um dos principais traços da “forma republicana de governo” a exigência de uma estrutura político-organizatória garantidora das liberdades cívicas e políticas, apontando para a ideia de um arranjo de competências e funções

(18)

dos órgãos políticos em termos de balanceamento, de freios e contrapesos (checks and

balances). Assim, a “forma republicana de governo” não é primordialmente uma “forma

antimonárquica”, mas um esquema organizatório de controle de poder.

Nelson Saldanha (2010, p. 153-154), em sua obra “O Estado Moderno e a Separação de Poderes”, afirma que se pode distinguir entre a concepção britânica dos checks and

balances e a francesa da separação de poderes, no entanto, há um fundo de denominadores

comuns em torno de ambas as concepções, pois tanto a britânica quanto a francesa estão destinadas a inibir as exorbitações do Executivo.

Segundo Silva (2008, p. 109), o princípio da separação dos poderes já havia sido sugerido, de forma diversa, por Aristóteles, John Locke e Rousseau, mas que Montesquieu foi quem afinal o definiu e divulgou. Nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, tal princípio restou objetivado, no entanto, foi na Constituição dos Estados Unidos de 1787 que ele se concretizou em definitivo. E com a Revolução Francesa, o princípio da separação dos poderes tornou-se um dogma constitucional, de grande relevância, de tal forma que o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarou que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes.

Nesse mesmo sentido, Saldanha (2010, p. 174-175) afirma que o famoso art. 16 da

Declaration des Droits vinculava normativamente a própria noção de Constituição a duas

coisas: a divisão dos poderes e o asseguramento das garantias. E conclui que o que a divisão ou separação entre funções governamentais garante é que seja evitada a concentração de atribuições, ou seja, o governo autocrático. Além disso, informa que a separação, quando cumprida efetivamente como ordenação constitucional, protege os súditos contra o arbítrio e lhes oferece uma visão clara das competências de cada órgão.

Já Nuno Piçarra (1989, p. 11), inicia sua obra intitulada “A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional” distinguindo, didaticamente, a doutrina do princípio, afirmando que a doutrina ou teoria da separação dos poderes tem desempenhado um papel primordial na conformação do tipo de Estado que, a partir da Revolução Inglesa (aquela que deu origem aos Estados Unidos da América) e, sobretudo, da Revolução Francesa, foi se propagando para todo o mundo ocidental, no decurso dos últimos dois séculos. E que essa doutrina, elevada à categoria de princípio constitucional homônimo, parece constituir um dos traços mais característicos da estrutura organizacional das diversas variantes de Estado constitucional contemporâneo.

Para o autor luso, a doutrina da separação dos poderes, entendida como aquela que intenciona a limitação ou a moderação do poder político e a garantia da liberdade, remonta à

(19)

Antiguidade greco-romana, mais especificamente, na teoria da constituição mista5 que constituiria sua mais remota raiz histórica (PIÇARRA, 1989, p. 17).

Todavia, a doutrina da separação dos poderes, na parte em que envolve uma distinção entre as funções estatais, prescrevendo a atribuição de cada uma delas a órgãos diferentes e separados, sobretudo, em nome da liberdade individual, esta é de origem inequivocamente moderna, nascida na Inglaterra do século XVII, quando surgiu, inclusive, a expressão

separation of powers, e foi defendida, a partir de princípios jurídicos, como pré-requisito da rule of law6, sendo esta sua raiz histórica mais próxima (PIÇARRA, 1989, p. 17-18).

Já o princípio da separação dos poderes, para Nuno Piçarra, possui uma complexidade inerente e pressupõe uma distinção material das funções estatais, devendo o desempenho de cada uma delas caber a um órgão ou um grupo específico de órgãos, independente dos demais, onde se pretende que nenhum desses órgãos chegue a controlar sozinho a totalidade do poder do Estado, e que a entrega de cada fração de poder distribuída a diversos órgãos gere uma situação em que cada um constitua perante o outro um freio e simultaneamente um contrapeso, prevenindo-se assim a concentração e o abuso do poder, a favor da liberdade individual (PIÇARRA, 1989, p. 12-13).

Assim, Nuno Piçarra sustenta que como a separação dos poderes tem origens históricas na Inglaterra do século XVII, essa doutrina conheceu várias versões ao longo de sua existência, apresentou continuidades e descontinuidades, razão pela qual seria errôneo tomar uma destas versões, inclusive, a de Montesquieu que é a mais divulgada, como absoluta e definitiva. Além disso, frisa-se que Montesquieu não foi o primeiro a propô-la com o sentido, o alcance e os objetivos que classicamente lhe são assinalados (PIÇARRA, 1989, p. 64 e 89).

Também para Althusser (2008, p. 109), a ideia da tripartição não é de exclusiva responsabilidade de Montesquieu, mas de todo o século, de Voltaire, Helvetius, Diderot e Condorcet, bem como de uma longa tradição que continuou até no século XIX, e que talvez até os dias atuais ainda não esteja completamente morta7.

5 Apenas a título de ilustração, sem o intuito de se aprofundar sobre o tema, esclarece-se que o autor português

traz como um dos muitos sentidos de “constituição mista” aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, e que nessa ideia de “constituição mista”, a única ideia que permanece constante ao longo dos tempos é a ideia de equilíbrio de forças diversas (PIÇARRA, 1989, p. 32-33).

6 Piçarra (1989, p. 18) ainda esclarece que se se compreender o termo rule of law como Estado Constitucional ou

Estado de Direito, fica mais clara a relação entre este e o princípio da separação dos poderes.

7 Tradução livre da autora. Texto original: Cette tripartition n’est d’ailleurs pas le fait du seul Montesquieu, c’est la tripartition du siècle tout entier, de Voltaire, de Helvétius, de Diderot et de Condorcet, et d’une longue tradition qui s’est poursuivie jusqu’au XIX siècle, et qui n’est peut-être pas tout à fait morte.

(20)

Isto porque seria uma ilusão histórica afirmar que Montesquieu teria mostrado toda sua genialidade numa teoria de equilíbrio de poder, tão bem disposta que o poder seria o próprio limite do poder, resolvendo assim de uma vez por todas o problema político que está inteiramente relacionado ao abuso de poder (ALTHUSSER, 2008, p. 99-100).

E Althusser (2008, p. 98-100) chama atenção para essa ilusão no capítulo intitulado “O mito da separação de poderes”, e o faz destacando a tese de Charles Eisenmann8, segundo

a qual a teoria de Montesquieu, especialmente o famoso capítulo sobre a Constituição inglesa, deu origem a um mito: o mito da separação dos poderes.

Nesse diapasão, Nelson Saldanha (2010, p. 154-155) lembra que apesar de a posteridade ter vinculado quase pedagogicamente a Montesquieu a ideia da separação de poderes, existe em sua obra “De l’esprit des lois” uma discrepância na enumeração dos poderes, pois ora o texto alude à “puissance legislative, la puissance exécutrice des choses qui

dependent du droit des gens, la puissance exécutrice des choses qui dependent du droit civil”,

e ora alude à “puissance de juger, la puissance legislative et l’exécutrice”.

Além disso, em “O espírito das leis”, há duas terminologias distintas, pois em algumas passagens, Montesquieu emprega o termo pouvoir, e noutras utiliza o termo puissance. Entretanto, tal duplicidade pode ser considerada irrelevante pois o essencial é o aberto combate do autor francês contra a concentração de poderes, muito bem representado no trecho “tout serait perdu si le même homme, ou le même corps, ... exerçaient ces trois pouvoirs” (SALDANHA, 2010, p. 154).

Outro trecho da obra de Montesquieu (1998, p. 167-168) que deixa evidente seu combate à concentração de poderes, e que inclusive serve de introdução ao trecho destacado por Nelson Saldanha, é o seguinte:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.

Todavia, mesmo considerando a relatada discrepância na enumeração dos poderes e a duplicidade de terminologias, presentes na obra de Montesquieu, Nelson Saldanha (2010, p. 155) considera exagerada a afirmação de alguns doutrinadores de que não existiu em

8 EISENMANN, l’Esprit des Lois et la séparation dos pouvoirs (Mélanges Carré de Malberg, Paris, 1933), pp.

(21)

Montesquieu uma explícita formulação da separação de poderes, e afirma que o que não houve, de fato, foi uma ênfase total sobre a separação, e que inclusive, não se lembra de ter encontrado a palavra separação nos mencionados textos de Montesquieu.

Vale destacar que tais problemas formais de discrepância na enumeração dos poderes, dubiedade nas terminologias, dentre outros problemas como estilo repetitivo e fragmentário, encontrados na obra O espírito das leis, podem estar relacionados aos fatos descritos pelo Tradutor Desembargador Pedro Vieira Mota, na Introdução à obra “O espírito das leis”, cuja edição é da Saraiva de 1998: Montesquieu levou 20 (vinte) anos para concluir a obra, sendo que nos últimos 10 (dez) anos, estava quase cego, valendo-se de secretários para redigi-la, motivo pelo qual a publicou sem o aprimoramento desejado (MONTESQUIEU, 1998, p. 9-10)

Também analisando a obra “O espírito das leis”, Jacoby Fernandes (2016, p. 133) destaca que, na verdade, Montesquieu tratou da teoria da separação de funções e não teoria da separação dos poderes, como ela ficou mais conhecida, e que a troca do termo funções por poderes ensejou diversos equívocos, o que obrigou a doutrina constitucionalista a promover uma transladação de sentido do termo poder para tentar justificá-lo.

Isto porque considerando que o poder é uno, indivisível e indelegável e se desdobra em várias funções, que são fundamentalmente três (legislativa, executiva e jurisdicional), resta impossível conter nos órgãos de cada “poder”, restritivamente, o desempenho das funções de igual denominação, haja vista que, por exemplo, o Poder Judiciário tem funções executivas e legislativas, embora em menor grau de importância. E da mesma forma, ocorre com os outros poderes (JACOBY FERNANDES, 2016, p. 133-134).

Ainda analisando as variações terminológicas do princípio em debate, vale destacar a contribuição de Nelson Saldanha (2010, p. 169-170) acerca do tema:

[...] certos autores começaram no corrente século a usar o termo função em

lugar de “poder”; a aludir às funções do Estado e não aos poderes. Evidentemente o

termo função carrega, como aliás ocorre também com a palavra “órgão”, certas conotações biológicas, [...].

O uso da expressão “funções do poder” corresponde, na frase, à ideia da

indivisibilidade do poder do Estado, que se reflete na ideia de uma soberania

indivisível e que permite, contudo, uma pluralização em forma de funções. Daí inclusive porque outros autores, como Codacci-Pisanelli, empregam enfaticamente o termo “funções soberanas”.

Percebe-se que a correlação existente entre poder e função não existe para o caso de “órgão”. Um mesmo poder (ou uma mesma função) pode requerer o funcionamento de vários órgãos. A presença de “poderes” diferentes a partilhar de uma mesma

função (como é o caso, inclusive na vigente Constituição brasileira, do processo legislativo, que envolve a atuação do Legislativo e do Executivo) nos adverte da falácia da ideia de “separação”, mas a extensão correlata das duas ideias – poder e

(22)

abstrato, menos carregado de conotações sócio-políticas; o termo “poder” manteve e mantém, algo da linguagem clássica, onde seu emprego traduzia uma problemática política. “Poder”, naquela linguagem, implicava a ideia de prerrogativa, que o impulso liberal queria arrancar do Executivo monárquico e estender aos corpos legislativos e judiciários. (grifos nossos)

Esclarecida essa questão terminológica, ressalta-se que a grande importância dada ao princípio da separação dos poderes ou das funções se mantém até hoje, tanto que foi inserido pelo Constituinte originário de 1988 dentre as cláusulas pétreas da nossa Carta Magna, em seu art. 60, §4º, inciso III9, portanto, ficando vedada qualquer alteração no texto constitucional que tenha sequer tendência a aboli-lo.

Importante registrar que nas palavras de Paulo Bonavides, os princípios gerais foram “incorporados na ordem jurídica constitucional, onde logram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de toda a legitimidade do poder” (2009, p. 293).

Todavia, cumpre frisar que, embora esteja inserido dentre as cláusulas pétreas e possua valoração normativa suprema, o princípio da separação dos poderes, assim como todos os demais princípios, incluindo os direitos fundamentais, são todos considerados relativos em sua incidência, visto que não se admite, no estágio atual da ciência jurídica, que um princípio possa ser absoluto, afastando todos os demais em toda e qualquer hipótese (TAVARES, 2006, p. 101).

Além disso, atualmente, o princípio em alusão não configura mais aquela rigidez de outrora, pois a ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs uma nova visão sobre a teoria da separação dos poderes10, bem como novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário (SILVA, 2008, p. 109).

Da mesma forma, considerando o inevitável desajustamento dos fatos ao aprisionamento imposto pela estaticidade da teoria tripartida das funções do Estado, o constituinte brasileiro também tem evoluído, motivo pelo qual é correto afirmar que no sistema jurídico pátrio, a separação das funções legislativa, administrativa e judiciária não é absoluta (JACOBY FERNANDES, 2016, p. 135).

Rossi e Pamplona são ainda mais enfáticas, e afirmam que falar em neoconstitucionalismo ou constitucionalismo contemporâneo significa perceber que,

9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. “Art. 60. [...] § 4º Não será objeto de

deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) III - a separação dos Poderes;”

10 Esclarece-se que, nesta pesquisa, será utilizada a terminologia “separação dos poderes”, apesar de parte da

doutrina preferir denominar o princípio em questão de “separação das funções”, porque esta foi a denominação escolhida pelo constituinte originário brasileiro de 1988, conforme art. 60, §4º, inciso III, acima transcrito.

(23)

atualmente, a separação de poderes passa por uma nova readequação, pois considerando que o Direito adquiriu uma forte carga axiológica por meio dos princípios constitucionais, constata-se um deslocamento do protagonismo dos outros poderes para o Judiciário, o que não significa que o juiz estaria agora alçado a um decisionismo arbitrário, mas ao contrário, sua atuação deve pautar-se pelos marcos éticos e políticos que informam o Estado Constitucional e Democrático de Direito (ROSSI; PAMPLONA, 2013, p. 13).

No mesmo sentido, Felipe Albuquerque (2013, p. 15) afirma que a doutrina de Montesquieu da separação de poderes tem passado por uma reinterpretação, e que para muitos, essa nova interpretação se afasta da moderna teoria da democracia quando desprestigia o Poder Legislativo.

Outrossim, Cynara Mariano (2008, p. 13) contribuiu de forma interessante ao tema em discussão ao debater acerca da separação de poderes no pensamento constitucional brasileiro, numa abordagem que visava demonstrar a tradição brasileira de predominância do judiciário e do executivo em detrimento do legislativo, bem como buscava investigar as origens históricas e políticas do Poder Moderador na experiência brasileira.

A autora constatou que a experiência inovadora do Poder Moderador na Constituição Imperial de 1824 e a polêmica em torno de sua titularidade buscava a neutralidade de uma instância que seria considerada infalível segundo a crença das virtudes inabaláveis do Imperador, resultante da influência da doutrina católica que dominava a época (MARIANO, 2008, p. 25).

Interessante observar que a confiança do exercício desse Poder Moderador, que seria a instância máxima e suprema da nação, não deveria ser confiada a qualquer dos três poderes já conhecidos, mas sim a um quarto poder, o qual não pertenceria à estrutura de qualquer dos demais, o que remete às discussões acerca da necessidade de adoção do Tribunal Constitucional no Brasil, como instância capaz de superar o crescente avanço do Judiciário sobre os demais poderes da República (MARIANO, 2008, p. 25).

E assim, concluiu Mariano (2008, p. 25-26) que para resolver essa crise seria necessária uma reformulação da teoria da separação dos poderes, superando a tradicional concepção da divisão tripartida, e que nesse aspecto, o constituinte brasileiro de 1988 perdeu, portanto, uma grande oportunidade ao manter intocada a clássica visão tripartida dos poderes, e pior: entregou a delicada função juspolítica de guarda da Constituição, que exige um Tribunal Constitucional (independente dos demais poderes e fruto da composição da vontade democrática), aos órgãos judiciários, resultando numa maior politização do Poder Judiciário

(24)

brasileiro e sua crescente invasão sobre as competências dos demais poderes, em especial, o Legislativo.

Destaca-se que esse pensamento encontra eco nos ensinamentos de Lenio Luiz Streck, o qual também defende ser imprescindível a discussão em torno da implantação de um Tribunal Constitucional no Brasil, fora do âmbito do Poder Judiciário, inclusive, com elaboração de uma lei orgânica que discipline a jurisdição constitucional, sem, no entanto, abdicar do controle difuso de constitucionalidade (STRECK, 2014b, p. 944).

E Nelson Saldanha (2010, p. 180), em uma análise da teoria da separação dos poderes no caso norte-americano, sustentou que como a separação foi pensada, na fase clássica, em função de um Estado unitário, quando os Estados Unidos da América organizaram um federalismo e criaram o presidencialismo, a ideia da separação sofreu algumas refrações, visto que os líderes norte-americanos, basicamente, adotaram a versão montesqueana, porém tiveram que adaptar o tema para algumas necessidades específicas, tais como: equilíbrio entre União e Estados-membros; fortalecimento do Congresso Nacional; criação de uma Suprema Corte; e competências do Presidente da República, etc..

E ao fazer um paralelo entre os regimes de governo, o mesmo autor adverte que, na opção parlamentarista, os poderes se distribuem dando preeminência ao Legislativo, enquanto na opção presidencialista, existe uma clara primazia do Executivo. E, criticando ambos os regimes, conclui que, na prática, enquanto no parlamentarismo, a separação é de certo modo negada, no presidencialismo, há uma separação de poderes sem a igualdade e sem o equilíbrio que eram preconizados na fórmula clássica da separação de poderes (SALDANHA, 2010, p. 180-181)11.

Então conclui que a separação dos poderes, tal como se conserva nos Estados atualmente, apresenta algumas alterações em face da puridade da fórmula clássica, e que, no direito público de hoje, as conceituações foram refeitas, porém há uma permanência. Noutras palavras, a técnica da divisão de poderes sofreu mutações, em especial, na quebra do velho ideal de equilíbrio, no entanto, a ideia da separação não foi cancelada, pelo menos não aquela ideia de separação enquanto derivada da própria pluralidade de atribuições centrais existentes no Estado (SALDANHA, 2010, p. 183).

11 Embora faça essas duras conclusões, Nelson Saldanha (2010, p. 180-181) não omite que no parlamentarismo,

existem prerrogativas do Executivo que poderiam compensar as do Legislativo, mas destaca que, na prática, essas prerrogativas do Executivo são demasiadamente reduzidas. Sobre o presidencialismo, o autor destaca que o crescimento das atribuições do Executivo gerou, em certos setores (inclusive, didático e jornalístico), a tendência de identificação dos termos governo e Poder Executivo, e que para o homem comum, o governo é representado sobretudo nas atividades do Executivo, o que é corroborado na realidade constitucional dos regimes presidencialistas.

(25)

No mesmo sentido, Samira Amorim (2015, p. 151) constatou que a atual concepção da teoria da separação dos poderes não possui mais a rigidez de outrora e destaca alguns dos motivos para isso, quais sejam, a generalidade da lei, a criação do direito pelo Judiciário e o distanciamento entre texto e norma. Assim, segundo a autora, foram almejadas maneiras de relacionamento entre os Poderes12, não visando apenas a divisão do exercício do poder, mas também o equilíbrio entre eles, em um sistema de freios e contrapesos, pelo que se fala em independência orgânica e harmonia do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Contrapondo-se à ideia de equilíbrio entre os três poderes, vale destacar o ensinamento de Pontes de Miranda (1983, p. 185), segundo o qual tal “equilíbrio unitário é pura miragem, em que, amante das abstrações, se compraz o racionalismo, com a política de conceitos, de que é exemplo a perfeita independência com que sonhara Montesquieu”.

E ainda quanto à evolução do princípio em apreço, Jacoby Fernandes (2016, p. 135) informa que até mesmo no exterior, tem crescido o número de doutrinadores que não mais identificam a teoria da tripartição das funções de forma rígida.

Como um bom exemplo dentre esses doutrinadores estrangeiros que não mais identificam a tripartição dos poderes em sua forma clássica e rígida, cita-se Bruce Ackerman (2011, n.p.), o qual, em sua obra intitulada “A nova divisão dos poderes”, após tecer diversas críticas ao presidencialismo e à adoção indiscriminada e quase unânime desse sistema de governo pelas novas democracias da América Latina no final do século XX, chegou a sugerir uma nova divisão dos poderes em um modelo que ele denomina de “parlamentarismo limitado”.

Essa nova forma de divisão de poderes sugerida por Ackerman (2011, n.p.) é bem diferente da tripartição clássica e seria representada por cinco poderes assim distribuídos: 1) uma câmara central, democraticamente eleita e responsável por escolher o governo e por legislar, a qual seria contrabalanceada por todos os outros poderes; 2) o poder do povo, que seria expresso através da realização de referendos em série para validar as decisões dos governantes; 3) o poder de supervisão da burocracia, responsável pelo controle dos servidores

12 Vale ressaltar que Samira Amorim (2015, p. 152), em sua pesquisa acerca da tensão institucional entre os

poderes, apresenta um interessante paralelo entre as teorias da última palavra e a teoria dos diálogos institucionais. As teorias da última palavra defendem argumentos favoráveis à supremacia judicial ou à supremacia legislativa, em uma clara dicotomia para atribuir a última palavra da interpretação constitucional a um dos Poderes, o que gera malefícios qualquer que seja a tese escolhida. Já para a teoria dos diálogos institucionais, a decisão do Judiciário não encerra a interpretação constitucional, logo, o Judiciário não seria o detentor da última palavra definitiva do Direito, podendo em alguns casos, encerrar um ciclo de debates, todavia, os questionamentos e debates poderiam ser reiniciados ao longo do tempo, sempre em busca de melhores argumentos e melhores respostas. Assim, a teoria dialógica repudia o predomínio de uma atividade estatal sobre a outra, na busca de um equilíbrio baseado na Separação de Poderes e em uma circularidade de debates.

(26)

de carreira em diversos aspectos burocráticos, como por exemplo, quanto à corrupção e à eficiência; 4) o poder de supervisão da democracia, que seria o responsável por regular e assegurar a condução de eleições periódicas, livres e justas, evitando as tentações do poder no exercício de suspendê-las, e salvaguardar os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão dos cidadãos; e 5) o poder da justiça distributiva, o qual seria o responsável por garantir os direitos econômicos e sociais, colocando em prática a justiça distributiva e dando garantias do cumprimento de direitos sem os quais a democracia não tem sentido.

Outro autor alienígena que há muito tempo não mais identifica a teoria da tripartição dos poderes de forma rígida é Raoul de La Grasserie (1911 apud Jacoby Fernandes, 2016, p. 135) o qual, em sua obra intitulada Les principes sociologiques du droit public13, referiu-se à fórmula de Montesquieu como desatualizada e incompleta, sustentando que há outras funções no mecanismo do Estado, também de primeira ordem, que merecem ser separadas.

Essas outras funções que também merecem ser separadas, por vezes, são qualificadas como Quarto Poder, provavelmente por conta daquela confusão que se faz entre os termos poder e função, destacada por Jacoby Fernandes. Ora o Ministério Público é intitulado de Quarto Poder, ora o Tribunal de Contas é assim também denominado (OLIVEIRA, 1987, p. 216-218).

E, ao tratar da posição institucional e da natureza das funções dos Tribunais de Contas, Jacoby Fernandes (2016, p. 138-139) entende que são superficiais os estudos que classificam os tribunais de contas como meros apêndices auxiliares do Poder Legislativo, e que os autores que, erroneamente, consideram as Cortes de Contas como um órgão de assessoramento desconhecem a estrutura técnica dessas cortes, sua autonomia administrativa e financeira.

Isto porque as Constituições brasileiras têm, reiteradamente, consagrado significado bastante diverso aos Tribunais de Contas, os quais auxiliam o Poder Legislativo na função de controle externo da Administração Pública, mas auxiliam exercendo função, não assessorando, nem se submetendo a qualquer dos poderes. Tanto é assim que os tribunais de contas exercem a função de controle dos três poderes, inclusive do Poder Legislativo (JACOBY FERNANDES, 2016, p. 141-143).

Para Xerez (2014, p.162), a natureza jurídica dos Tribunais de Contas se revela essencialmente como função típica de controle externo dentro do arranjo institucional construído pela Constituição Federal de 1988.

13 GRASSERIE, Raoul de La. Les principes sociologiques du droit public. Paris: V. Giard & E. Briere, 1911, p.

(27)

Desta feita, conclui Jacoby Fernandes (2016, p. 219-220) que a conhecida teoria da separação dos poderes representa a distribuição das funções do Estado, sem que estas sejam exercidas com exclusividade, pois os órgãos se identificam apenas com a predominância das funções que exercem; e que o Tribunal de Contas é uma instituição autônoma criada após o advento de tal teoria, situando-se de permeio entre os poderes, fiscalizando-os, portanto, não se submetendo a qualquer deles. Logo, considerando que as Cortes de Contas, por determinação direta e específica da Constituição, fiscalizam, apreciam e julgam, possuindo competência privativa para tanto, a natureza de algumas de suas funções não pode enquadrar-se no âmbito da ortodoxa tripartição.

Verifica-se, assim, que ante a nova interpretação dada ao princípio da separação dos poderes, não há mais aquele rigor de outrora na tripartição14, e os Tribunais de Contas se situam realmente de permeio entre os poderes, não se submetendo a qualquer deles, como bem destacado por Jacoby Fernandes.

Ademais, vale destacar que se fosse implantado o modelo de parlamentarismo limitado sugerido por Ackerman, os Tribunais de Contas existentes em sistemas presidencialistas como o brasileiro, fariam parte do que ele chamou de poder de supervisão da burocracia (ou seriam por ele substituídos), com a função de controle, e não estariam isolados, pois ali também se encontrariam funções que hoje são exercidas por instituições como Ministério Público e até parte do próprio Judiciário.

2.1.2 Papel do Poder Legislativo e dos Tribunais de Contas no exercício do controle externo e no sistema eleitoral brasileiro

O art. 71 da Constituição Federal prescreveu diversas atribuições aos Tribunais de Contas, dentre elas, aquelas previstas nos incisos I e II são as de maior relevância, pois delimitam as principais competências daquelas Cortes quais sejam: apreciar as contas anuais dos Chefes do Poder Executivo (inciso I); e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da Administração Pública (inciso II).

Sabe-se que as contas “apreciadas”, previstas no inciso I, são as chamadas contas de governo, ou globais, nas quais o Tribunal de Contas emite apenas parecer prévio, competindo ao Poder Legislativo o respectivo julgamento, cuja natureza é meramente política. Tais contas

14 Esclarece-se que não se ignora a existência de experiências em outros países com repartições entre quatro,

cinco ou até seis poderes distintos, no entanto, remete-se aqui à ortodoxa tripartição dos poderes porque assim a Constituição Federal de 1988 o fez em seu artigo 2º.

(28)

anuais, de natureza “macro”, versam, por exemplo, sobre: balanço geral; gestão financeira, orçamentária e patrimonial; aplicação dos percentuais mínimos de recursos na saúde e na educação; dentre outros assuntos políticos. Assim, como se depreende, são aspectos mais de política administrativa, e por essa razão postos sob o julgamento político do Poder Legislativo.

Noutras palavras, as contas de governo são julgadas pelo Poder Legislativo, mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, e se referem à macrogestão governamental, ou seja, estabelecimento de diretrizes para concepção e execução das políticas públicas e programas a cargo do ente federado (CASTRO, 2015, p. 348).

No inciso II, a Carta Magna atribuiu aos Tribunais de Contas a função de “julgar”, dirigindo-se aos administradores e demais responsáveis pelos recursos públicos. São as chamadas contas de gestão, ou, mais especificamente, onde se analisam atos de gestão. Nestes estão compreendidos, por exemplo, o pagamento das despesas correntes, tais como a compra de equipamentos e veículos, a contratação de prestação de serviços, a realização de licitações, dentre outros.

Diferentemente das contas de governo, constituem atos isolados de gestão administrativa, com uso direto do dinheiro público, o empenho, a liquidação, o pagamento e outros, os quais podem e devem ser fiscalizados isoladamente e, se possível, no dia a dia, para que possam ser corrigidos a tempo ou impugnados e sancionados com multa, consoante previsto no inciso VIII do mesmo dispositivo constitucional.

Desta forma, tem-se que as contas de gestão, julgadas pelo Tribunal de Contas, referem-se à própria execução das políticas públicas e programas de governo, mediante ações desconcentradas e descentralizadas, pelos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, bem como por perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário (CASTRO, 2015, p. 348).

Em suma: as contas de governo (inciso I) são apreciadas pelos Tribunais de Contas e julgadas pelo Poder Legislativo, enquanto as contas de gestão (inciso II) são apreciadas e julgadas pelos próprios Tribunais de Contas. E assim, distinguindo as contas pela matéria em análise em contas de governo e contas de gestão, têm atuado as Cortes de Contas pelo país.

Os Tribunais de Contas, portanto, por imperativos constitucionais, devem julgar os atos de gestão, e assim o têm feito, mesmo que executados por Prefeitos Municipais, sempre que estes, apesar de sua condição de Chefes Políticos, passarem a exercer função administrativa, atuando como secretários ou ordenadores de despesas, o que é uma realidade do dia a dia das prefeituras do interior do País.

(29)

Nesse sentido, cita-se Adriano Soares da Costa (2016, p. 220), que em sua obra Instituições de direito eleitoral, manifesta-se nos seguintes termos:

Nos municípios, sobretudo aqueles menores, o prefeito exerce a função administrativa, atuando como ordenador de despesas. Quando há essa atuação de ordenador de despesas, o prefeito se submete, além do parecer prévio, ao julgamento das suas contas pelo Tribunal de Contas, submetido aí à incidência do art. 71, inc. II, da CF/88. [...]

A decisão do Tribunal de Contas que tem a natureza de julgamento das contas do prefeito, com consequências imediatas para a sua inelegibilidade, é justamente aquela decorrente de apreciação em concreto de atos administrativos do gestor, já aí como ordenador de despesas. (grifo nosso)

Outrossim, também se depreende das observações de Ferraz (2012, p. 205-209) que o julgamento previsto no inciso II do artigo 71 da Carta Magna abarca as contas de chefes de Poder Executivo quando estes agem como ordenadores de despesas, isto porque o constituinte prescreveu a competência de julgamento de contas às Cortes de Contas em razão da matéria (objeto), e não em razão da pessoa (sujeito), o que também justifica a distinção dos incisos I e II do mencionado dispositivo constitucional.

Assim também entende Mileski (2011, p. 318), que ao tratar de prefeitos que atuam também como ordenadores de despesas, afirma que nesses casos, o prefeito é mais que condutor político daquele município, pois ele é também administrador, ou seja, é também o gestor dos bens e dos dinheiros públicos, logo, assume dupla função: política e administrativa, motivo pelo qual se submete a duplo julgamento, isto é, um julgamento político, pelo Parlamento (precedido do parecer prévio da Corte de Contas), e outro técnico, a cargo do Tribunal de Contas.

Portanto, quando o prefeito atua como ordenador de despesas, ele presta dois tipos de contas: as de governo e as de gestão. As contas de governo (também denominadas de contas anuais), são aquelas onde será avaliada a atuação política do Chefe do Poder Executivo Municipal, motivo pelo qual o Tribunal de Contas somente aprecia e emite o parecer prévio (art. 71, inc. I, CF/88) e o Poder Legislativo (Câmaras dos Vereadores) emitirá o julgamento propriamente dito de tais contas.

Aqui cumpre frisar que, nas contas de governo, mesmo a atuação do Tribunal de Contas se restringindo à emissão de parecer prévio, portanto, com evidente caráter opinativo, a Constituição Federal, em seu art. 31, §2º, determina que o parecer emitido pela Corte de Contas só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, razão pela qual alguns doutrinadores, como Mileski (2011, p. 318), advertem que o parecer prévio do Tribunal de Contas seria “quase vinculativo”.

Referências

Documentos relacionados

"Os animais acabam sem água para beber e para tomar banho." "O direito humano para mim tinha que ser igual para todos.". "Na época de Cristo não havia

O cursinho nosso de cada dia que pagamos até hoje, Justificai as nossas despesas. Assim como nós justificamos as

Todo bixo deverá amar e respeitar seu veterano acima de qualquer coisa e não invocar seu nome em vão;..

os outros 5 eu sabia mas como esqueci agora e está na hora de entregar a prova, o senhor não vai esperar eu

"Lulo, você deveria sair hoje, mas como a diferença não foi muito grande _70% para você e 30% para a Mariana_ você fica." - Sílvio Santos, justificando com assombrosa

Avaliador descrevendo bens para penhora em execução: "o material é imprestável mas pode ser utilizado".. Despacho judicial em ação de execução, numa Comarca de

O pior cego é aquele que não quer ver, não quer comer, não quer trabalhar, enfim, não quer fazer porra nenhuma!.. Só estou esperando uma posição sua, pois o negócio continua

O Banco do Brasil possui um departamento chamado "Carteira de Crédito Agrícola", que fiscaliza a utilização dos empréstimos feitos para a agricultura e pecuária.. Esta