Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761
Tecnointeração: um estudo dos Marcadores Conversacionais em uso na
Web
Tecnointeration: A Study of Conversational Markers in Use on the Web
DOI:10.34117/bjdv5n12-234
Recebimento dos originais: 10/11/2019 Aceitação para publicação: 17/12/2019
Elisiane Araújo dos Santos Frazão
Mestra em Letras pela Universidade Federal do Maranhão
Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão Endereço: Av. Neiva Moreira-300, Residencial Grand Park, Parque das Árvores – Torre Jatobá, Apto. 207 –
Calhau – São Luís-MA CEP: 65.071-383 E-mail: eafrazao@bol.com.br
Veraluce da Silva Lima
Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Évora-Portugal Instituição: Universidade Federal do Maranhão
Endereço: Rua Antônio Sousa, Condomínio Green Park, Casa 9 – Jardim Eldorado- Turu São Luís-MA CEP: 65067-180
E-mail: veraluce_ls@hotmail.com
RESUMO
O advento da internet como meio alternativo de mediar a comunicação entre as pessoas tem delineado novas práticas discursivas e novas formas de interação pela linguagem. Este trabalho insere-se no campo de estudos da Linguística da Internet e da Análise da Conversação, buscando apreender os Marcadores Conversacionais como fenômenos linguísticos em uso na
Web. O suporte teórico desse trabalho encontra-se nos conceitos de Shepherd e Saliés (2013),
Marcuschi (1986, 2004, 2007), Recuero (2008, 2012), Kerbrat-Orecchioni (2006), além de outros teóricos que abordam o processo de comunicação nas redes sociais da Web. A metodologia é de base fenomenológica e terá como técnica de coleta de dados a construção de um corpus constituído por discursos extraídos da página Perfil do Facebook. Com este trabalho esperamos compreender como a comunicação mediada pelo meio digital funciona, mapeando usos e tendências da língua como um fenômeno historicamente situado.
Palavras-Chave: Marcadores conversacionais; Conversação face a face; Interação digital;
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ABSTRACT
The advent of the Internet as an alternative means to mediate communication between people has outlined new discursive practices and new forms of interaction through language. This work is part of the study of Internet Linguistics and the Analysis of Conversation, seeking to understand conversational markers as linguistic phenomena in use on the Web. The theoretical support of this work is found in the concepts of Shepherd and Saliés (2013), Marcuschi (1986, 2004, 2007), Recuero (2008, 2012), Kerbrat-Orecchioni (2006), and other theorists who approach the communication process in social networks of the Web. The methodology is based on phenomenology and will have as data collection technique the construction of a corpus consisting of speeches extracted from the Facebook Profile page. With this work we hope to understand how the communication mediated by the digital medium works, mapping uses and tendencies of the language as a historically situated phenomenon.
Keywords: Conversational markers; Face-to-face conversation; Digital interaction; Web;
Language in use.
1 INTRODUÇÃO
A conversação é o gênero mais básico da interação humana (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974), fazendo-se presente na vida do ser humano desde a formação das primeiras comunidades. Nos vários estágios de evolução da nossa espécie, muitos foram os meios inventados ou aprimorados para favorecer a interação entre as mais variadas sociedades.
Dentre esses meios, encontramos a internet, uma tecnologia de informação e comunicação que tem propiciado o surgimento de novos usos da língua (gem) e novas formas de sociabilidade, por meio das redes sociais online. Marcuschi (2004, p. 2) ressalta que “o ‘discurso eletrônico’ constitui um bom momento para se analisar o efeito de novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nessas tecnologias” [grifos do autor].
Dessa forma, se na prática de conversação face a face, era indispensável uma identidade temporal (Marcuschi, 1986), após a popularização da internet e com ela as redes sociais online como mais um “espaço de conversação” à disposição do homem contemporâneo, a conversação passa a ter outras feições (RECUERO, 2012).
Mas que “feições” assumem os marcadores conversacionais definidos por Marcuschi (1989) como “organizadores da interação, articuladores do texto e indicadores de força ilocutória”?
Essa é a pergunta motriz a que nos propomos responder nesse trabalho, inscrito no campo de estudos da Linguística da Internet e da Análise da Conversação, tendo como lócus de coleta de dados a rede social Facebook. Buscamos, assim, compreender como os
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 marcadores conversacionais se manifestam no português escrito na Web, a função que desempenham na interação digital e de que forma colaboram na construção de sentido do texto.
Considerando que os cenários digitais que eclodem na web são diversificados e trazem novas perspectivas de estudos da linguagem humana através de suas interações (ARAÚJO; LEFFA, 2016), estamos convictos da relevância de pesquisas nessa direção, uma vez que representam não só a possibilidade de compreender a dinamicidade da língua enquanto prática social, como também mapear padrões linguísticos cultivados por uma sociedade cada vez mais conectada.
2 DA INTERAÇÃO FACE A FACE À TECNOINTERAÇÃO
Segundo Dionísio (2006, p. 69), “Estamos sempre fazendo algo com a linguagem.
Conversar, por exemplo, é uma atividade social que desempenhamos desde que começamos
a falar” [grifos da autora]. Por conta disso, essa forma de interação humana pela língua (gem) já fez verter muita tinta entre estudiosos, de formações teóricas as mais diversas, mobilizando estudos sob os mais diferentes propósitos e enquadres.
Há um consenso na literatura em compreender a conversação como um evento resultante de um contínuo processo de cooperação entre os pares. Evento esse que Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) afirmam ser centrado no sistema da troca de turnos e na regra
fala um de cada vez. Assim, Marcuschi (1986), ao plantar as raízes da AC no Brasil, definiu
as seguintes características básicas da conversação:
(a) Interação entre pelo menos dois falantes; (b) Ocorrência de pelo menos uma troca de turnos; (c) Presença de uma sequência de ações coordenadas; (d) Execução numa identidade temporal; (e) Envolvimento numa interação centrada. (MARCUSCHI, 1986, p.15)
Essas características revelam não apenas o caráter par da linguagem, mas também a conversação como uma prática social organizada e passível de sistematização. Na conversação face a face mobilizamos elementos linguísticos (lexicalizados, não lexicalizados, prosódicos) e paralinguísticos (olhar, risos, gesticulação etc.) que, coordenada e cooperativamente, concorrerão para que o propósito comunicativo seja atendido.
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 Esses elementos são nomeados por Marcuschi (1986) de Marcadores Conversacionais, “sinais que servem de elo de ligação entre unidades comunicativas, de orientadores dos falantes entre si etc.” (MARCUSCHI, 1986, p. 61). O autor subdivide esses sinais em três tipos: verbais, não verbais e suprassegmentais. Dessa forma, num evento comunicativo que acontece em um contexto face a face, percebemos que o processo de comunicação se dá múltiplos canais: vocal, auditivo, visual já que “Falamos com nossos órgãos vocais, mas é com todo o corpo que conversamos” (D. ABERCROMBIE apud KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p.42).
No entanto, com o advento da Web 2.0, a conversação recebeu uma nova “formatação”, pois a internet, como um instrumento de comunicação, introduziu
[...] novas formas e novos conceitos na vida cotidiana. A linguagem, como matéria e tecnologia da comunicação humana, vem recebendo os efeitos dessa revolução. As decorrências das mudanças na interação vêm imprimindo suas marcas tanto no uso material da língua quanto em sua esfera discursiva, na qual ocorrem representações dos sujeitos da era da participação (CARVALHO; KRAMER, 2013, p. 78)
Assim, tanto no que se refere ao potencial comunicativo das atuais mídias tecnológicas, quanto naquilo que fazem com/da língua (gem), nas re (criações) efetivadas por seus falantes/usuários, pesquisas têm mostrado o quanto o suporte afeta a natureza dos signos produzidos. Marcuschi (2004) reconhece que um novo meio tecnológico, na medida em que interfere nas condições de produção, deve também interferir na natureza do gênero produzido, que resulta em “transposições” de outros como suas contrapartes prévias. Para o linguista David Crystal, um dos primeiros a estudar a linguagem mediada pelo meio digital, “As diferenças em comparação à linguagem oral incluem novos padrões de troca de turnos, o uso dos emoticons e novos ritmos conversacionais”(SHEPHERD; SALIÉS, 2013, p. 21).
Diante do exposto, a conversação que anteriormente se dava no contexto face a face e tinha materialidade fônica, com o advento da Web 2.0 realiza-se, também, pela escrita, na qual “Convenções são criadas para suplementar, textualmente, os elementos da linguagem oral e da interação, gerando uma nova ‘escrita oralizada’ ” (RECUERO, 2012, p. 36). Sobre essa conversação Hilgert (2000, p. 8), afirma que,
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Apesar de escrita, [...] a conversação na INT é concebida como fala, por ser essencial e intensamente dialogal, desenvolvendo-se por meio da alternância de turnos. É precisamente este caráter que lhe dá o nome de conversação, bate-papo, papo, chat, só não a confundindo com um texto falado prototípico, por não ter realização fônica.
Entre os elementos estruturais da conversação, Recuero (2012) destaca a importância do contexto, afirmando ser composto de duas perspectivas interdependentes, cuja compreensão é necessária para que se entenda esse contexto:
Uma micro (que chamaremos microcontexto), que envolve o momento da interação, os sentidos negociados e delimitados ali pelas interações (não necessariamente orais), os participantes e seus objetivos, o ambiente etc; e uma macro (que chamaremos macrocontexto), que envolve todo um contexto maior, que compreende o momento e o ambiente histórico, social, cultural, as experiências dos grupos e mesmo, o histórico das interações anteriores dos participantes (RECUERO, 2012, p.99).
A identidade temporal, necessária na conversação face a face (Marcuschi, 1986), não é condição para a interação mediada pelas tecnologias digitais, uma vez que essa comunicação, segundo Recuero (2012), pode acontecer tanto de forma síncrona, cuja expectativa de resposta dos interagentes é imediata, quanto assíncrona, em que os interagentes não dividem o mesmo contexto temporal e, portanto, a expectativa de resposta é alargada no tempo.
Recuero (2008) relaciona os marcadores conversacionais mais recorrentes na interação digital, observados na literatura, assim como os substitutos paralinguísticos utilizados. Na conversação síncrona, é muito produtivo entre os internautas o uso de onomatopeias, emoticons, léxicos de ação, oralização e pontuação, abreviações, indicadores de direcionamento. Na conversação assíncrona, mantêm-se os mesmos fenômenos linguísticos, acrescentando ainda a ocorrência de indicadores de persistência e de indicadores de assunto.
Por seu turno, Modesto (2007, p.7) afirma que
É muito comum o uso dos marcadores conversacionais no texto conversacional digital. Os marcadores verbais lexicalizados são representados como na conversação face-a-face (só que através da escrita), enquanto que os prosódicos e não-linguísticos são representados por vários elementos gráficos, como reticências, onomatopeias ou os emoticons (expressões iconográficas que representam emoções humanas ligadas ao humor).
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 Essas características têm conduzido um número crescente de autores a postular uma hibridização entre o oral e o escrito, na escrita produzida na internet, mostrando assim que a fala e a escrita não podem ser vistas sob perspectivas estanques já que “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois polos opostos” (MARCUSCHI, 2007, p.37).
Também se alinha a esse pensamento, Hilgert (2000, p.3), o qual afirma que
fala e escrita não mais referem tipos de textos dicotomicamente antagônicos, mas sim identificam gêneros de textos configurados por um conjunto de traços que os leva a serem concebidos como textos falados ou escritos em maior ou menor grau.
Essa constatação leva-nos a afirmar que “a internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento comunicativo” (MARCUSCHI, 2004, p.13) e que a comunicação mediada pelo computador mantém relação muito próxima com a informalidade e com a oralidade (HERRING, 2001), por meio de um código reinventado pelos interagentes. Esse código reinventado tem quebrado paradigmas tradicionais que polarizam fala e escrita, instaurando novos usos a partir de convenções cada vez mais criativas, provando que são as formas linguísticas que se adequam aos usos e não o contrário.
3 CONTEXTO METODOLÓGICO E ANÁLISE DOS DADOS
Na busca de caminhos para responder às questões norteadoras da pesquisa, optamos pela Fenomenologia como trajetória metodológica, pois o caráter intuitivo, descritivo e intersubjetivo (SANTOS, 1997) que compõe esse método investigativo está voltado para a essência do fenômeno – o eidos –, a partir do “ir à coisa mesma” (HUSSERL,1992, p.21).
A técnica de coleta de dados consiste na construção de um corpus, constituído por textos/discursos extraídos da Página Perfil do Facebook, cujo percurso durou dez meses, resultando na seleção de trinta textos, dos quais escolhemos um para análise, dado a natureza do presente trabalho. Como critérios de seleção do corpus, utilizamos o fato de que os textos deveriam ser um evento comunicativo escrito e possuíssem as características básicas da conversação segundo Marcuschi (1986, p. 15) com exceção do critério “ [...] execução numa identidade temporal[...]”.
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 Apoiando-nos na “objetivação da experiência,” (RICOEUR, 1989, p. 12), iniciamos nossa análise direcionando nosso olhar para uma interação entre sujeitos em seu mundo-vida no ciberespaço, conforme Figura a seguir:
Figura 1: Conversa extraída da Página Perfil do Facebook
Fonte: www. Facebook.com
Os comentários que construíram essa conversação foram feitos por oito interagentes, cujas fotos foram substituídas por um S acompanhado de um número cardinal no print screen representado na Figura 1 . Esse procedimento teve o objetivo de proteger a identidade dos interagentes, para, então, buscarmos compreender a estrutura conversacional em que se inserem os Marcadores Conversacionais. No quadro a seguir, apresentamos as Unidades de Sentido, extraídas do texto/discurso selecionado para análise, destacadas em vermelho.
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 Tanto na conversação face a face, quanto na conversação mediada pelo meio digital, o contexto é um elemento indispensável, uma vez que situa e sustenta o funcionamento das trocas comunicativas. Na conversa analisada, destacamos o microcontexto e o macrocontexto (RECUERO, 2012).
O microcontexto é construído por nove turnos conversacionais em que oito interagentes comentam o tópico conversacional “morte de um bebê de três meses”.
Constituem aspectos importantes de recuperação desse contexto a manutenção da sequência da conversação, a indicação da data e horário da postagem, os quais revelam que a conversa teve um caráter assíncrono, como mostram os horários da participação de cada interagente no evento comunicativo.
O macrocontexto se revela no fato de que este tópico conversacional é um compartilhamento feito de outra ferramenta de comunicação: o blog, e dessa forma, resultante de uma interação anterior, do autor da postagem.
Outro aspecto importante, na conversa selecionada para análise, é o fato de que também a interação mediada por tecnologias digitais tem a troca de turnos como uma das unidades centrais da organização conversacional, assim como a regra fala um por vez, conforme já defendiam Sacks, Schegloff e Jefferson (1974), em seus estudos clássicos a respeito da conversação face a face.
Nessa conversa, podemos perceber a presença de elementos que reconstroem uma situação comunicativa face a face, embora estejamos diante de uma “interação sem face” (RECUERO, 2012), como é próprio de ferramentas como o Facebook, que não depende de um espaço temporal compartilhado, permitindo tanto a conversação síncrona quanto a conversação assíncrona.
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 A conversa analisada revela algumas particularidades importantes. Dentre elas, destacamos o fato de que, no sistema de troca de turnos, a determinação do meio impossibilita “assalto ao turno” do outro (MARCUSCHI, 1986, p. 22). Isto porque, enquanto os interagentes estão escrevendo um comentário, a palavra permanece franqueada, até que um deles publique sua “fala”, por meio do comando enviar. A mediação do computador e a materialidade escrita dessa conversação inviabilizam as sobreposições de falas, uma vez que o próprio software organiza os comentários em turnos independentes, não obstante serem enviados ao mesmo tempo, como aconteceu com S1, S2 e S3, cujos turnos foram enviados às 13h e 40 min.
Recursos como gestos e expressão facial, por exemplo, são comuns ao texto conversacional oral. No entanto, na mediação do computador como a que analisamos, que se efetiva sob o código escrito, esses recursos não verbais são substituídos por unidades iconográficas que funcionam como Marcadores Conversacionais, conforme observamos em três Unidades de Sentido extraídas da conversa.
A primeira ocorrência está presente no turno conversacional de S1 em que ao comentário opinativo quanto à aparência da criança e à atitude de sua mãe são acrescidos três repetições de um emoticon representando uma mão em punho, num gesto sugestivo de raiva, conforme podemos comprovar a seguir:
1 Parece ter sido espancado pelos os hematomas não parece ter sido coisa leve não essa mulher é muito irresponsável deve ir pressa mesmo e q não saia nunca mais
Esse mesmo sentimento é reiterado por S6 por meio de outro emoticon, acrescido à interjeição “nossa”.
Uma terceira ocorrência de unidade iconográfica reforça esse mesmo sentimento, constituindo, sozinha, um turno conversacional: o emoticon representando um rosto de cenho franzido e olhos apertados, por meio do qual S7 expressa sua opinião acerca do tópico conversacional discutido. É o que podemos comprovar a seguir:
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 Com base na análise desse fazer, podemos afirmar que o uso de um signo não-verbal, não é uma escolha aleatória, mas uma das muitas apropriações criativas de uma ferramenta técnica para uma prática social (RECUERO, 2012). A representação icônica do ingrediente comunicativo gestual, corporal e facial à comunicação concorre para a construção de sentidos, numa “[...] tentativa de humanizar as relações no meio virtual e também de complementar a mensagem verbal, aproximando a interação online da conversação tradicional” (OLIVEIRA, 2013, p. 177-178).
Convém ressaltar que, em relação ao aspecto prosódico da conversação, que no contexto face a face é representado pelos Marcadores suprassegmentais (MARCUSCHI, 1986), tem sido cada vez mais comum que os escreventes/interagentes do meio vitual reproduzam esse aspecto na escrita digital tanto por meio da pontuação convencional, quanto por meio da pontuação estilizada. Assim, destacamos como Unidade de Sentido as reticências (...), um sinal de pontuação que, segundo Cunha e Cintra (1987), é empregado em casos variados.
Esse recurso, presente no enunciado de S2 e S6, se revela muito importante nessa conversação, pelo fato de marcar uma pausa sintática, com a função de encerrar uma Unidade Comunicativa, além de sugerir uma inflexão de voz de natureza emocional, completando a significação das interjeições “misericórdia” e “nossa”.
Por meio da pontuação estilizada, os sujeitos reinventam a escrita convencional para adaptá-la a contextos mediados pelas tecnologias digitais, como o faz S2, ao usar o ponto de exclamação repetido, conforme podemos observar na Unidade de Sentido:
A repetição desse elemento gráfico sugere não apenas uma mera admiração, mas tenta traduzir a intensidade desse sentimento.
Assim, o emprego que o usuário da língua faz dos sinais de pontuação caracteriza e ajusta os enunciados escritos, quanto à velocidade da voz, pausas e entonação, “uma vez que,
Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 5, n. 12, p.31373-31386 dec 2019 . ISSN 2525-8761 ao demarcá-los por meio de sinais de pontuação, o sujeito não apenas os individualiza, mas também (ou sobretudo) os alterna, estabelecendo, com eles, relações rítmicas” (CHACON, 1998, p.143).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na interação digital, os sujeitos “conversam” usando o português escrito com características de uma comunicação face a face, empregando elementos próprios da língua falada, representados iconicamente (emoticons) e com pontuação ressignificada. Essa nova experiência, instaurada pelo uso da língua nas redes sociais, ratifica também a postulação de Marcuschi de que, sob uma perspectiva conceptual, os gêneros de texto, sejam falados sejam escritos, distribuem-se ao longo de um continuum tipológico que “contempla a relação fala e escrita, numa visão não dicotômica sob o ponto de vista sociointeracional” (MARCUSCHI, 2007, p. 40).
Além disso, os dados demonstram que a interação digital mantém uma relação muito próxima com a oralidade, possibilitando a presença de Marcadores Conversacionais que se manifestam por meio de signos linguísticos (representando aspectos verbais e prosódicos) e semiológicos (por meio de ícones representando emoções, os emoticons). Na tecnointeração emergente com as tecnologias digitais, novos usos são construídos e convencionados de forma colaborativa em redes sociais como o Facebook em que se “[...] pode criar uma repentina convergência de interesses em torno de uma notícia, uma música ou um vídeo do You Tube” (KIRKPATRICK, 2011, p.17).
REFERÊNCIAS
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