Inovação e o mercado jurídico, uma experiência brasileira
Innovation and the legal market, a Brazilian experience
DOI:10.34117/bjdv6n9-731
Recebimento dos originais: 30/08/2020 Aceitação para publicação: 30/09/2020
Loreano José de Jesus Goulart
Advogado, bacharel em Direito com ênfase em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem MBA em Liderança, Inovação e Gestão 3.0 pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS). Cursa atualmente LL.C em Direito Empresarial pelo INSPER, São Paulo, Brasil
loreano@loreanogoulart.com
RESUMO
O intenso desenvolvimento tecnológico ocorrido em diversos setores possibilitou a automação de processos, ocasionando a mudança e o aumento da estrutura e da oferta de serviços. Estes setores, dentre eles o jurídico, foram incentivados a apropriar-se do avanço tecnológico. Profissionais necessitando de estrutura e o aumento crescente da demanda deu margem ao surgimento de novas empresas. Uma delas, no Brasil, decidiu enfrentar os desafios e se propôs a oferecer soluções aos novos problemas causados pelas novas rotinas na área jurídico.
Palavras-chave: inovação, direito, jusbrasil, startup, evolução ABSTRACT
The intense technological development that took place in several sectors has enabled the automation of processes, causing change and an increase in the structure and offer of services. These sectors, including legal, were encouraged to take advantage of technological advances. Professionals in need of structure and the growing increase in demand gave rise to the emergence of new companies. One of them, in Brazil, decided to face the challenges and proposed to offer solutions to the new problems caused by the new routines in the legal area.
Keywords: innovation, law, justice, startup, evolution
1 INTRODUÇÃO
No mundo atual, à medida que o tempo passa – e ele parece transcorrer cada vez mais depressa – pouco ou nada escapa do impacto da tecnologia que evolui diariamente, afetando a sociedade como um todo e alguns setores sociais de forma mais marcante. O avanço do desenvolvimento tecnológico ocorrido com o advento da internet e sua popularização fez com que sua presença nas rotinas em diversos setores fomentasse a automação de muitos processos antes manuais. Devido a esta mudança, houve a necessidade de aumentar a estrutura bem como o esforço para oferecer serviços mais completos.
O aumento das informações disponíveis em meios digitais e a intensificação das comunicações pelos mesmos meios, aliados à informatização estatal, tornou necessário o oferecimento de novos produtos e serviços.
Setores tradicionais, muitas vezes engessados e resistentes a mudanças como é o caso do setor jurídico, não puderam ficar alheios às transformações impostas pela tecnologia e às novas necessidades por ela provocadas.
Usuários e operadores jurídicos se deram conta que era preciso ter mais infraestrutura e o aumento crescente da demanda deu margem à consolidação de antigas empresas e ao surgimento de novas. Neste estudo, examinaremos o caso de um destas empresas, situada no âmbito nacional.
Registramos aqui o fato de que uma empresa nacional decidiu enfrentar os desafios, propondo-se a oferecer soluções aos problemas surgidos com a informatização dos órgãos estatais, o que impôs alterações nas rotinas e própria comunicação.
Trata-se de uma empresa baiana criada em 2008 com o principal objetivo de ser uma espécie de Google jurídico, isto é, um buscador vertical para os operadores da área jurídica. Pôs-se, assim, a suprir uma necessidade que ainda não era perceptível à maioria dos profissionais do direito e até mesmo empreendedores. Deste modo, foi capaz de introduzir no mercado jurídico processos inovadores e bastante criativas nas novas soluções propostas.
Ainda refém de técnicas ultrapassadas amplamente usadas pelos serviços jurídicos na execução de rotinas simples – como, por exemplo, a pesquisa de processos ou casos semelhantes, que configurassem jurisprudência. Um outro ponto bastante comum, o posicionamento dos tribunais perante um tema, era trabalho que exigia muitos dias para ser realizado, exigindo o envolvimento de mais de uma pessoa no levantamento de inúmeros livros e jornais. Essa tarefa agora poderia ser enormemente simplificada.
Era notória a cotidiana dificuldade de acessar os sites dos tribunais, de obter referências em publicações especializadas bem como a consulta aos diários oficiais do Estado. O que faltava – e era necessário suprir – era um sistema que fosse capaz de organizar e centralizar esse mundo de inúmeras vertentes.
O Jusbrasil foi lançado oficialmente no final da década de 2000 e, em menos de um ano, o site contava com cerca de 500 acessos por dia; dois anos depois, já eram 5 milhões de usuários por mês (Fonseca, 2017). Diante do crescimento vertiginoso, foi necessário ampliar a infraestrutura para que tivesse condições de oferecer serviços mais completos e complexos. O resultando não tardou: atualmente a empresa já contabiliza mais de 90 milhões de pessoas acessando seu conteúdo anualmente.
O aumento da demanda leva a fortalecer as estruturas já existentes e a criar novas para dar conta dos serviços e produtos jurídicos nacionais cada vez mais solicitados. Este processo de expansão é o objeto de nosso estudo, ao examinar o caso específico de uma empresa nacional que se mostrou pioneira em sua atuação. Os dados aqui considerados são aqueles divulgados e que cobrem o período que vai de 2008 até o primeiro semestre de 2020.
A despeito da revolução tecnológica que nos brinda com novidades a cada dia, o avanço ainda se mostra tímido no âmbito jurídico nacional. Por exemplo, uma pesquisa sobre julgamento de processos e sobre o comportamento dos tribunais perante as questões apresentadas costumava consumir muitas horas, podendo inclusive resultar no esforço de busca de um departamento inteiro num grande escritório de advocacia.
Ainda que houvesse publicações sobre diversos temas, valendo-se de índice remissivos para facilitar a localização de jurisprudências e decisões inovadoras, era óbvia a falta de agilidade e praticidade.
Um caso complexo e de grande urgência poderia ter que esperar um longo tempo para ser apreciado pelos órgãos competentes. Lembremos que a revogação de um simples artigo ou uma lei inteira pode demorar um tempo excessivo para ser massivamente divulgada entre os usuários e operadores jurídicos.
Contudo, a aderência à tecnologia ia sendo, a olhos vistos, implantada em outros campos profissionais, deixando a área jurídica bem defasada e desatualizada. Cerca de 12 anos atrás muitos tribunais nem eram informatizados de modo a contar com um ágil sistema de busca processual e eram poucos processos tramitando exclusivamente por meio eletrônico.
A única informatização disponível, que permitia a divulgação de atos, intimações, despachos e outras atividades do poder público se restringia aos Diários Oficiais de alguns estados. Neste cenário, advogados recebiam suas intimações e as decisões eram por lá publicadas. Uma imensa quantidade de páginas era divulgada diariamente, com uma infinidade de processos e informações, que demandava busca minuciosa pelos profissionais. Muitos inclusive dedicavam seu dia apenas a realizar a leitura de parte das páginas e tomar conhecimento das intimações e prazos judiciais. Pesquisar um caso parecido era considerado um castigo, pois as bibliotecas tinham acervos gigantescos, mas geralmente desatualizadas.
É neste contexto que surgiu o JusBrasil, uma ferramenta de busca concentrada de informações jurídicas, a partir de dados já públicos. Seu mérito foi transformar rotinas dispendiosas em uma consulta que podia ser feita simplesmente digitando-se uma palavra. Em segundos, buscador exibiria o resultado da pesquisa bem como intimações e lista de processos do interessado. Era ainda uma
novidade visualizar julgados recentes ou já consolidados sobre qualquer tema. Elaborar uma petição ou mesmo um estudo acadêmico tornava-se muito mais acessível a um custo reduzido quase a zero.
A possibilidade de acessar informações por meio dos serviços digitais eleva o setor jurídico a um outro patamar de produtividade e eficiência. Serviços tradicionais antes requeridos deixam de sê-lo e agora devem adaptar-se a uma nova era onde facilidade e agilidade na obtenção de informações jurídicas agora andam de mãos dadas.
É certo que já havia na internet ferramentas que realizavam o agrupamento de dados, mas não havia ainda um sistema que as ordenasse e as organizasse de maneira útil ao trabalho dos operadores do direito. Assim, este estudo teve o intuito de desvendar os fenômenos subjacentes às mudanças ocorridas no mercado jurídico, especialmente as que ocorreram nos últimos anos, impulsionadas pela tecnologia.
2 MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo adotou uma metodologia de natureza quantitativa, visando indicar e compreender os fenômenos relatados a partir da análise dos dados coletados e buscando correlacionar índices numéricos e comportamentos. Utilizou-se uma abordagem exploratória dada a escassez de estudos sobre o objeto pesquisado, recentes ou antigos.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A internet e as ferramentas proporcionadas pela computação estão presentes em nossa vida de múltiplas e diversas maneiras, inclusive no campo das atividades profissionais, dentre elas a do setor judicial, Santos (2012) destaca que as modificações foram fundamentais para dinamizar a tramitação dos processos nos tribunais, o que impactou positivamente o cotidiano das pessoas em suas demandas legais. Por meio do JusBrasil, esse impacto se potencializou, alcançando um grande número de usuários.
A democratização do acesso às informações é um elemento destacado por Sousa Santos (2005), que ressalta que as transformações em curso, no âmbito da TIC – tecnologia de informação e comunicação cria novas competências e eleva as possibilidades de participação e intervenção dos cidadãos na vida pública, como é o caso do JusBrasil.
É claro que, a partir de agora, o exercício de profissões do Direito, como a de advogado, passa a exigir o conhecimento e domínio das novas ferramentas disponibilizadas, ensejando o que poderíamos chamar de uma verdadeira alfabetização digital jurídica, sem qual não será mais possível representar um cliente. Toco (2018) ressalta que as pilhas de papéis e a excessiva burocracia no cumprimento de atividades simples vão se desfazendo à medida em que são introduzidas soluções
inovadoras como tem sido o caso do JusBrasil, na forma de uma startup jurídica, hoje denominadas Lawtechs. Estas se consolidam no mercado, mas resta ainda muito potencial a ser explorado em função do número crescente de usuários destas tecnológicas que aderem ao seu uso visando otimizar seus fluxos de trabalho. como assinala Trevisanuto (2018).
4 CONCLUSÃO
Em 2008, a JusBrasil vislumbrou uma grande oportunidade de atuação no mercado jurídico. Já na metade do ano, o site desenvolvido pela empresa tinha cerca de 500 acessos, passando dois anos depois a 5 milhões de usuários únicos por mês. Atualmente contabiliza mais de 90 milhões de pessoas acessando seu conteúdo anualmente, conforme aponta Fonseca (2017).
Como demonstram os números do caso escolhido para estudo, a empresa que teve a ousadia de inovar numa plataforma online especializada para atender ao público jurídico, logrou atrair um nicho de mercado marcadamente tradicional e conservador e tradicional, introduzindo tecnologias até então desconhecidas.
A informatização dos processos automatizou tarefas que antes eram meramente manuais, dentre elas o recebimento de intimações, pesquisas jurisprudenciais e até mesmo a captação de clientes, assegurando o sucesso do portal. A inovação partiu de algo, a rigor, relativamente simples: ser um instrumento de busca de informações públicas jurídicas as quais, mesmo sendo públicas, eram como que “invisíveis”, por não estarem imediatamente disponíveis ao grande público. O resultado foi facilitar enormemente a tarefa de busca, sobretudo aos operadores menos habituados ao uso intensivo da tecnologia, ao agilizar as pesquisas e ao oferecer resultados centralizados e organizados.
A marca atual de 90 milhões de cidadãos acessando o site demonstra que JusBrasil conquistou um público que extrapola significativamente os profissionais do Direito, atingindo assim, também, as partes interessadas em processos judiciais, sejam elas pessoas físicas ou empresas. Esta gigantesca ampliação do alcance não deve desconsiderar o fato que o universo jurídico é regulamentado por uma série de imposições e restrições éticas e legais, dentre elas a expressa proibição de propaganda por parte de advogados e escritórios de advocacia.
Resta, contudo, ainda muito campo para a atuação e muito espaço para a inovação. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil é hoje o país com o maior número de advogados no mundo inteiro, tendo ultrapassado o patamar de 1 milhão de profissionais que colocam em tramitação mais 100 milhões de processos no Judiciário. Outro dado coletado que indica o tamanho e o potencial futuro do mercado, considerando os 10 anos cobertos pela série histórica do Relatório Justiça em Números, é o registro na edição de 2019 do ingresso de 108,3 milhões de casos em formato,
Conforme se depreende das informações apuradas e apresentadas na descrição do caso em tela, da plataforma JusBrasil, que embora pareça à primeira vista quase impossível introduzir soluções criativas a um universo que prima pela tradição e que é bastante avesso às inovações, há espaço para implementar novas rotinas que agilizem os procedimentos com total segurança e, sobretudo, com muita eficiência.
O JusBrasil, pelo fato de permitir o rápido acesso a informações públicas, centralizando-as por meio de uma simples ferramenta digital de busca, foi capaz de democratizar o hermético universo do Direto no país, especialmente no diz respeito ao conteúdo de diários oficiais disponibilizados gratuitamente pelos órgãos da Administração Pública, tanto direta quanto indireta. A resposta se fez observar na impressionante adesão que já atinge dezenas de milhões de usuários.
Os serviços ofertados pela JusBrasil modificou e facilitou não somente a vida dos operadores do direito – tais como advogados, procuradores, promotores, juízes, peritos, entre outros - mas alcançou também uma grande massa da população que, anteriormente, estava praticamente alijada do acesso a informações básicas como, por exemplo, o andamento de um processo ou a publicação de uma nomeação no diário oficial.
Nosso estudo permite concluir que existe outras iniciativas deverão surgir através de pequenas ou grandes empresas que aprimorem ainda mais os serviços voltados à área jurídica, um nicho ainda pouco explorado no Brasil e no mundo. A JusBrasil constitui, assim, um exemplo bem sucedido que representa um norte na introdução de inovações tecnológicas.
Ressalte-se, por fim, que o mercado jurídico sempre foi considerado dispendioso, afastando muitas vezes os cidadãos a buscarem a Justiça para solucionar suas queixas individuais ou coletivas. Democratizar o acesso à informação poderá reduzir custos (pela redução do tempo de execução das tarefas rotineiras, antes inteiramente manuais) permitindo que um número maior de pessoas usufrua dos serviços prestados pelo setor jurídico.
REFERÊNCIAS
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