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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

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Academic year: 2019

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Almiro Petry1(2008)2 A República Federativa do Brasil3, com uma área de 8.514.205 km2, é o maior país tropical do mundo; quase a metade do território ainda está coberta pela floresta amazônica; apresenta uma variedade de paisagens como o cerrado, a caatinga, a mata atlântica e o pantanal mato-grossense; por outro lado, no litoral possui manguezais, lagoas, coqueirais e dunas, compondo biomas que detêm uma das maiores biodiversidades do Planeta. O relevo é de baixa altitude e o ponto mais alto é o Pico da Neblina, no Amazonas, com 3.014m. O clima é muito variado, desde a área equatorial, passando pela tropical, tropical de altitude, tropical atlântico, subtropical, semi-árido até atingir as áreas temperadas meridionais, com diferenças sazonais típicas. A hidrografia é uma das mais ricas entre os países, fluindo todos os rios para o Atlântico, seja na direção oeste-leste, sul-norte-nordeste, ou leste-oeste-sul, norte-sul, cujas águas são extraordinárias fontes energéticas renováveis e também se constituem em fronteiras naturais.

Aí vivem, em 2008, 190 milhões de brasileiros (eram 167,8 milhões, segundo o Censo 2000) oriundos dos povos autóctones, dos imigrados e da intensa miscigenação entre índios, brancos e negros, sendo 55,2% de brancos, 38,2% de pardos, 6% de pretos, 0,4% de amarelos e minguados, 0,2% de indígenas (Censo 2000). É uma população que traz os estigmas da pobreza e das desigualdades sociais, surgidas dos dolorosos e cruéis processos de formação da colonização lusa, a tal ponto que o País ostenta uma das maiores concentrações de renda do mundo (é a maior da América Latina). De origem rural, atualmente, em torno de 87% de seus habitantes moram em cidades. O Produto Interno Bruto (PIB) é de US$ 1,269 trilhão (a preços constantes de 1995; ou US$ 1,838 trilhão pelo PPP) e uma renda per cápita de US$ 6.678,00 (a preços constantes de 1995; ou US$ 9.700,00 pelo PPP). Sua produção provém de 5,2% do setor primário, 30,8% do setor industrial e 64% do setor serviços (2007); sendo que

1 Mestre em Sociologia Rural (UFRGS) e Doutor em Ciências Sociais (Unisinos); Professor do Curso de

Ciências Sociais da Unisinos e do Departamento de Sociologia da UFRGS (almiro.petry@gmail.com). 2 Versão atualizada da publicada em 2007.

3 SADER, Emir (Coord.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo:

BoiTempo, 2006. Verbete: Brasil.

ALMANAQUE ABRIL: Enciclopédia de Atualidades 2007. São Paulo: Ed. Abril, 2007. Verbete: Brasil. https://www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/br.html

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no setor primário estão 20% dos trabalhadores, 14% no setor industrial e 66% no setor de serviços (2003). No sistema comercial mundial, os principais parceiros comerciais do Brasil, nas exportações (2006), são: EUA (17,8%), Argentina (8,5%), China (6,1%), Holanda (4,2%) e Alemanha (4,1%); nas importações são: EUA (16,2%), Argentina (8,8%), China (8,7%), Alemanha (7,1%), Nigéria (4,3%) e Japão (4,2%). Em 2006 a participação do Brasil nas exportações mundiais foi de 1,14%, distante dos 1,38% de 1984, mas bem melhor do que o 0,84% de 1999. A força de trabalho é estimada em 99 milhões de pessoas (2007). O IDH de 0,800 (9º da América Latina e 70º do mundo) revela as precárias situações de educação, de saúde e de qualidade de vida, verificáveis nos 11,4% de analfabetos, no nível de saúde (26,6/1000 é a taxa de mortalidade infantil) e na expectativa de vida 72,5 anos (mulheres = 76,6; homens = 68,5). Estima-se que 31% da população (2005) estejam abaixo da linha de pobreza. O que é corroborado pelo fato de os 10% mais pobres usufruírem somente 0,9% do PIB e os 10% mais ricos, nada mais do que 44,8%, confirmado pelo índice de Gini de 56,7 (2005).

A colonização lusa impelia-se pela mescla entre a avidez comercial, exploração de recursos naturais, as conquistas territoriais e a propagação da fé cristã, num território onde moravam mais de 2,5 milhões de nativos que, num estupendo genocídio, foram reduzidos a pouco mais de 300 mil, no início do século XXI. Os sobreviventes concentram-se na Amazônia (estimados em 180 mil) e os demais se espalham pelo território nacional em precárias “reservas indígenas”4.

Para Caio Prado Jr. o sentido da colonização foi mercantil, mais do que mera “exploração colonial”, que se expressa na extração da madeira, depois entra o empreendimento produtivo da cana-de-açúcar, seguido pelo ouro e pedras preciosas, culminado com o café, conhecidos como os “ciclos econômicos”, que ocorreram antes da industrialização, tendo como referências estruturais o latifúndio, a mão-de-obra escrava e a monocultura. A riqueza aqui produzida desperta também a cobiça internacional (França e Holanda) provocando várias invasões, não esquecendo as constantes interferências da Inglaterra no comércio, nas finanças e no domínio dos mares, após a perda hegemônica da navegação pela Espanha e Portugal.

Para a metrópole, os “negócios do Brasil” prosperaram. “Desde o início, a colônia era uma espécie de gigante que não passava pela estreita goela da metrópole. O desenvolvimento colonial foi rapidamente transformando a metrópole” (Sader, 2006, p. 209), passando a ser a sede da coroa, quando da fuga das tropas napoleônicas sob o comando do General Junot. A

4 Nesta temática está a recente polêmica (200) sobre a demarcação de 1.743.039 ha de terra no Estado de

Roraima, conhecida por Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 15 mil índios das etnias Macuxi,

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pujante economia colonial era movida pelo braço escravo – desde o século XVI o negro tornou-se a maior força de trabalho da colônia - nas atividades produtivas e comerciais. Com o advento do trabalhador livre (imigração européia não-lusa: alemães, italianos etc.), a diversificação das atividades produtivas se expressa na policultura agropecuária e na incipiente industrialização. O país se remapeia pela expansão da cafeicultura, pela concentração industrial no sudeste, pela implantação de ferrovias e demais infra-estruturas demandante dos novos empreendimentos industriais. Historicamente, as mudanças na forma de exploração das riquezas, na estrutura social, na estrutura da propriedade e no estatuto do trabalho, explodem em diversas convulsões sociais, a exemplo da Inconfidência Mineira (1789), da Cabanagem no Pará (1835 a 1840), da Balaiada no Maranhão (1838 a 1841), da Revolta dos Malês na Bahia (1835) e da Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul (1835 a 1845). No entanto, o percurso a partir do Quilombo dos Palmares (início do século XVII a 1710) até a Abolição da Escravatura (1888), passando pela Proclamação da Independência (1822), medida pelos liberais para manter a Família Real no poder; pelos conflitos internos (acima referidos), pelas guerras cisplatinas e a do Paraguai, para proclamar a República (1889) por militares conservadores, após a “questão militar” e a “questão religiosa”, iniciando o processo de secularização da cultura, do Estado e da sociedade (de forma tardia). Para Francisco de Oliveira, sem sarcasmos, é o “desenvolvimento conservador a partir de rupturas históricas libertadoras” (apud: Sader, 2006, p.210).

As “diferenças” em relação aos demais países latino-americanos são apontadas como “especificidades” por Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) como “elogio da plasticidade portuguesa, da malevolência católica”, contrapondo-se ao estigma do encontro das “três raças tristes” formadoras do caráter do brasileiro (herói sem nenhum caráter), apontando a “capacidade desse povo miscigenado”. Já Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) vê vantagens no iberismo, assinala, entretanto, “as falhas que repercutiriam nos problemas futuros da indistinção entre o público e o privado, do patrimonialismo brasileiro” e da ausência de condutas éticas que se projetam “da vida privada para a pública” (Sader, 2006, p.213). Assim, formaram-se “dois mundos” latino-americanos distintos, que não se comunicaram: o da herança espanhola e o da herança lusa. A improbabilidade de comunicação continua no século XXI.

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libertadores nacionalistas e independistas, que marcaram nossos vizinhos em sua formação histórica.

Finda a monarquia, a República Velha (1889-1930) é controlada pelas oligarquias rurais, que se caracteriza pela política do café-com-leite – é a alternância no poder central de paulistas e mineiros – iniciada em 1894 com Prudente de Moraes. Antes, apesar da primeira constituição republicana (1891), os anos iniciais são marcados pela Revolta Federalista (1893-95, RS) e pelo conflito de Canudos, reprimido ferozmente em 1897. Algo similar ocorre na guerra do Contestado (1912-1916, PR/SC), envolvendo conflitos de terras. Cabe mencionar as três guerras que marcaram o fim da monarquia e o início da república e que tiveram como foco a questão agrária, além da religião (os três são estudados como “movimentos messiânicos”): a dos Muckers (1866-1874, RS), a de Canudos (1896-97, BA) e a do Contestado (1912-1916, PR/SC). Os conflitos atuais entre latifundiários e MST são insignificantes frente ao sangue humano derramado naquelas guerras (nas três houve massacres e genocídios).

Na década de 1920, a insatisfação de setores militares com os sucessivos governos faz surgir movimentos de insurreição, que explodem no Rio de Janeiro, em 1922, em São Paulo, em 1924, e continuam até 1927, com a marcha de mais de dois anos da Coluna Prestes pelo interior do Brasil (Almanaque Abril 2006, p.189).

Aspectos que já foram manifestados pela sociedade civil no decorrer da Semana da Arte Moderna em São Paulo (1922), uma adoção tardia das idéias modernizadoras.

Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929) e a crise internacional do capitalismo, abala-se a economia brasileira – totalmente dependente da produção e exportação do café – e a crise da política do café-com-leite eclode na revolução de 1930, início de uma mudança estrutural da sociedade brasileira.

No início do século XX a sociedade brasileira era anacrônica ao extremo a tal ponto que a população do Rio de Janeiro revoltou-se contra a campanha de Osvaldo Cruz para debelar a varíola e a febre amarela, conhecida como a Revolta da Vacina (1904, RJ). As reformas urbanas de saneamento no Rio de Janeiro (entre 1903 e 1906), em São Paulo e no Recife foram rejeitadas. A campanha pelo serviço militar obrigatório que visava transformar o Exército Nacional em profissional e vigorosa instituição de defesa do Estado com tarefas civilizadoras (levadas a efeito pelo Marechal Cândido Rondon, entre outros), também foi repelida pela sociedade civil. O Exército brasileiro, após o auge da Guerra do Paraguai, tornava-se uma tropa insignificante, questão que se supera somente na “era Vargas”, quando se constrói o Estado unitário.

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keynesiana; reduz as importações para estimular a industrialização no modelo da substituição das importações; susta o pagamento da dívida externa para negociar com os credores melhores condições de pagamentos; estabelece a jornada de trabalho de oito horas e torna obrigatória a carteira profissional (1934), uma exigência do Ministério do Trabalho, por ele criado; institui as carreiras civis no Estado sob o paradigma weberiano meritocrático; organiza a produção em setores vitais da economia com o Instituto Brasileiro do Café (IBC), o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto do Sal; federaliza e estatiza o comércio exterior; cria a Carteira de Comércio Exterior e a Carteira de Crédito Comercial, vinculados ao Banco do Brasil; desfaz as fronteiras econômicas entre os Estados, anulando os impostos interestaduais e institui o imposto de consumo; unifica o sistema fiscal em nível nacional. Vargas deu um caráter unitário ao Estado brasileiro, além da profissionalização do Exército, cria o Ministério da Aeronáutica e a Força Aérea Brasileira, a base da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que combatem no front da Segunda Guerra Mundial5 (1944-45, Itália). Cabe mencionar que o estatuto do trabalho culminou com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que envolve o aperfeiçoamento da previdência social já existente em várias categorias profissionais (a partir da Lei Chaves de 1923), e a instituição do salário mínimo. Estes elementos constituíram a base do Estado moderno do Brasil, elogiados por muitos e contestados por outros. No aspecto constitucional, os fundamentos estão na Constituição de 1934, inspirados na Constituição da República de Weimar, que cria a Justiça Eleitoral, consolidando o Código Eleitoral (1932) e o direito do voto da mulher. Lamentavelmente, este constitucionalismo – de inspiração democrática – foi interrompido em 1937 com o Golpe de Estado de Vargas ao implantar a ditadura do Estado Novo, outorgando uma constituição de inspiração fascista. Vargas alega, para sustentar a ditadura, os perigos que a nação ainda corria com os dois movimentos revolucionários já dominados: o comunista (1935), de extrema esquerda e o integralista (1936), de extrema direita. Persegue, implacavelmente, suas lideranças prendendo-as e enviando-as ao ostracismo (Sader, 2006).

No entanto, Vargas derruba as velhas oligarquias e promove novas lideranças, construindo a dominação burguesa pelos apoios dados à industrialização como mecanismos de incentivos. Os avanços e recuos no processo de modernização estão muito ligados às grandes oligarquias paulistas, derrotadas em 1930 e 1932 (revolução constitucionalista) e afastadas do poder central, pela Constituinte que formulou a Constituição de 1934. Por outro lado, Vargas também se afastou deste caminho, mostrando seu lado centralizador e autoritário.

5 Um contingente de 25 mil soldados, dos quais 451 morreram em combate. A volta dos soldados causa

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Está vivo na memória histórica do povo brasileiro o legado econômico-estrutural de Vargas: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) de Volta Redonda (privatizada no governo FHC), a Eletrobrás (privatizada no governo FHC), a Petrobrás, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (hoje BNDES), o Banco do Nordeste do Brasil, o Banco da Amazônia, o Conselho Nacional de Pesquisa (hoje CNPq), a Consolidação das Leis do Trabalho, o salário mínimo (e que salário mínimo!) etc. Mesmo assim, Vargas ainda hoje é odiado por aqueles que descendem dos “perdedores” daquela época, seja no campo político-econômico ou no acadêmico, e de gerações de seus simpatizantes; por outro lado, é benquisto e mencionado com entusiasmo por seus seguidores político-ideológicos que vêem com simpatia um Estado proativo, empreendedor e centralizador como o principal agente econômico e político de uma nação, ou seja, um Estado nacional de caráter de bem-estar social (modelo keynesiano).

No plano externo, Vargas, no seu segundo mandato, enfrentou a hegemonia norte-americana, construída mediante a política da Guerra Fria. Quem a contrariava era categorizado como “inimigo da democracia” e Vargas era visto como um “perigo” para a hegemonia norte-americana sustentada pela doutrina Monroe. O ponto crítico passou a ser a Petrobrás, a nacionalização e a estatização do petróleo, que contrariaram o controle do mercado mantido pelas grandes empresas petrolíferas mundiais (as “sete irmãs”)6. Este fato ensejou estímulos para o desenvolvimento de pesquisas próprias o que coloca hoje, a Petrobrás num quadro favorável na concorrência internacional, em prospecção e tecnologia de perfuração e extração.

Entre o fim da ditadura de Vargas (1945) e o Regime Militar (1964) desenrola-se um período democrático, movido pela Constituição de 1946 – que restaura as garantias individuais e a independência dos poderes -, que se caracteriza pelo pluralismo partidário no campo político e pela adoção de uma política econômica regida pelo conjunto de países alinhados à hegemonia norte-americana no período da “guerra fria”. Este “alinhamento” foi, de fato, uma submissão que gerou uma “dependência” dos países capitalistas, modelo fomentado pelo Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral de Tarifas para o Comércio (GATT, hoje OMC), surgidos com o Tratado de Bretton Woods (1944).

O cenário partidário configurava-se em torno de três grandes partidos de porte nacional e de uma dezena de pequenos partidos, com certo vigor regional ou setorial. Os três grandes e suas principais forças eram: Partido Social Democrático (PSD), liderado por

6 O boicote era tal que a Petrobrás somente conseguiu seu primeiro empréstimo externo na década de 1980. Em

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Vargas, seguido por Amaral Peixoto, que congregava latifundiários, empresários e burguesia em geral, etc.; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), liderado por Vargas e depois por Goulart, com apoio de proprietários rurais e com ampla penetração no operariado urbano, para fazer frente ao Partido Comunista do Brasil (PCB); União Democrática Nacional (UDN), liderada por Eduardo Gomes, congregava as forças anti-varguistas, a classe média urbana e parte da intelectualidade brasileira. A coligação PSD-PTB elege Dutra (1946), Vargas (1950) e Juscelino (1956) e a UDN elege Jânio, com seu vice Goulart (do PTB). Dentre os demais, o caráter ideológico de alguns os diferenciava – o Partido Comunista do Brasil (PCB), de extrema esquerda; o Partido de Representação Popular (PRP), de extrema direita; o Partido Libertador (PL) defensor do parlamentarismo – de um quadro partidário poluído por “caciques” e “coronéis” locais ou regionais.

Todos foram extintos (em 1946 o PCB já fora declarado ilegal por Dutra) pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2), em 1965, pelo regime militar. O mesmo ato cria, após cassações e perseguições, dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo o primeiro o defensor do regime e o segundo a “oposição permitida”. Permanecem até 1979, quando se auto-extinguem para iniciar uma nova fase pluripartidária, com a reorganização dos segmentos sociais, políticos e ideológicos do País. Alguns resgatam suas antigas raízes, outros são forças novas como o Partido dos Trabalhadores (PT), surgido do movimento operário.

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Juscelino, elogiado por muitos como desenvolvimentista – inclusive pelo presidente Lula – com o projeto de crescer “cinqüenta anos em cinco” e a “marcha para o Oeste” – que inclui a construção de Brasília e a abertura para a conquista de novas terras agrícolas -, acreditava que o desenvolvimento econômico era suficiente para resolver o problema das desigualdades sociais7. Juscelino, com a vertigem do crescimento econômico, esquece a “questão social” provocada pela industrialização e urbanização, assim como na Velha República – problema então, incipiente, e era tratado como “caso de polícia” – e na “era Vargas” – visto como resolvível com a política econômica nacionalista desenvolvimentista –, postura que revela um sistema político-econômico anacrônico que joga o País nas profundezas das desigualdades e da pobreza no final do século XX. As “reformas de base”8 protagonizadas pelo governo Jango e propostas por Celso Furtado, não foram executadas. Foram, inclusive, uma das causas apontadas pelos militares para o Golpe de Estado de 1964. O País ainda depende deste grande empreendimento político-econômico-estrutural para se tornar uma nação moderna e livre.

A irresolução estrutural desperta movimentos em diversos segmentos sociais: na cultura – a Bossa Nova, na música; o Teatro Arena, no teatro; o Cinema Novo, no cinema, com foco direcionado para os problemas sociais; no ensino – o vigoroso movimento estudantil que luta pelas reformas do País; na área rural – as Ligas Camponesas sacodem o Nordeste arcaico e mexem com a política agrária do País; na área sindical – a nova camada operária paulista e os trabalhadores rurais traçam um novo perfil do trabalhador urbano e rural; na cidade – a classe média estava ávida para consumir etc. etc. A “crise” desembocou no Golpe de Estado de 1964.

Nesta época, a burguesia nacional foi substituída, nos setores vitais da economia, pelo capital transnacional e estatal.

O capital estrangeiro transitou dos serviços de transporte, ferrovias, portos, energia elétrica, telefonia e gás, para a indústria manufatureira. As empresas do Estado ocuparam os lugares-chave na produção dos bens intermediários, como petróleo, ferro, aço, álcalis e energia, além de serviços de anterior propriedade estrangeira que foram estatizadas (Sader, 2006, p.219).

Consolida-se o “modelo do tripé”, tão enaltecido pelo regime militar e seu mago do crescimento econômico9 o então ministro Delfim Netto. O modelo do tripé permite que um

7 É a época em que o conceito de desenvolvimento se restringe ao econômico. Somente na década de setenta se

fala em desenvolvimento social, a partir da ONU, para desembocar na década de noventa, no desenvolvimento

humano com a IDH. No entanto, os críticos deste conceito já apontavam para o desenvolvimento integral e humanizado, na década de 1960, como é o caso do francês J. Lebret.

8 Com destaque para a reforma agrária, a reforma tributária, a reforma previdenciária, a reforma urbana, a

reforma econômica-financeira, a reforma da educação, a reforma política etc. dirigidas pela ação coordenadora do Estado.

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terço da economia esteja sob controle estatal, outro sob controle do capital privado nacional e, o terceiro, sob controle do capital estrangeiro. Ideologicamente, dependendo do ponto de vista, agradaria tanto aos nacionalistas – haveria dois terços de capital nacional – quanto aos liberais privaticistas e mercadistas – haveria dois terços de capital privado. No entanto, houve uma exagerada estatização e privatização desnacionalizante. Já na era do neoliberalismo, a desenfreada privatização de grande parte do patrimônio estatal – setor siderúrgico, setor elétrico, setor das telecomunicações, setor financeiro, setor da petroquímica etc. – significou, acima de tudo, a desnacionalização da economia, aspecto pouco salientado pelos críticos da privatização. Desta forma, no início do século XXI setores estratégicos, logísticos e vitais da economia brasileira estão entregues ao capital transnacional e dominados por corporações globalizadas. Elas geram seus lucros exorbitantes mediante a exploração dos recursos naturais daqui e pela exploração da mão-de-obra do trabalhador brasileiro e, sob a alegação da necessidade da inovação tecnológica, provocam o desemprego estrutural. Além disso, ainda exigem mais proteção e incentivos do governo. Este, por sua vez, muitas vezes concede incentivos fiscais (o que significa renúncia de receita futura) e oferece a infra-estrutura implantada para atrair e manter este capital. Outro iminente risco é a formação de novos monopólios ou oligopólios, deixando o consumidor ao sabor do jogo de interesses destes grupos. O capital estrangeiro é bem-vindo, na condição de se submeter às regras reguladoras aqui existentes e à livre concorrência.

A principal justificativa da privatização foi a de desonerar o Estado e aliviar as contas públicas. Passados mais de quinze anos do início deste processo avassalador (Collor, Itamar, FHC), inspirado no Consenso de Washington (1989), constata-se que o Estado (no caso a União) se “desfez” de muitos empreendimentos, abandonou a educação, abandonou a saúde, abandonou a infra-estrutura etc. e continua sendo o grande sorvedouro dos recursos públicos que o setor produtivo e os cidadãos transferem – através de impostos, de taxas etc. – aos cofres públicos. O Estado continua gastando mais do que arrecada. A “desoneração” do Estado significou a “oneração” dos cidadãos, pois os impostos passaram de 27% do PIB, nos anos noventa, para 38% do PIB em 2006, uma das maiores cargas tributárias do mundo.

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ideológico e geográfico ficou referenciado ao ABCD paulista. Assim, a ruptura peleguista foi conquistada pela autonomia sindical que afetou a relação com a burguesia industrial, na unidade do movimento através da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical. Na área rural, historicamente, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que segue a trilha iniciada pelas Ligas Camponesas, que luta para romper com a hegemonia dos latifundiários, que se “modernizaram” aderindo ao agronegócio, cujo movimento unitário – União Democrática Ruralista (UDR) – fracassou frente aos interesses divergentes no campo de seus negócios (parece que o que mantém o movimento é o estatuto da propriedade privada).

Da mesma forma como os trabalhadores se rearticularam contra o regime e a tutela do Estado, a burguesia também o fez. Os empresários industriais reforçaram seus próprios organismos estaduais e nacionais como o potente Conselho Nacional da Indústria (CNI) ou a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP); na área agropecuária desenha-se o mesmo processo como é o caso da Federasul. Estes organismos se voltam contra as intervenções do Estado, durante o regime militar e muito mais depois. Assim, num primeiro momento, há uma confrontação com o regime militar (que conduz ao movimento das “Diretas Já”) e, depois, contra o próprio Estado que, pelo lado dos empresários, exige-se sua minimalização e, pelo lado dos trabalhadores, uma maior presença do Estado na educação, na saúde, na geração do bem-estar social e na infra-estrutura estratégica.

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renda e de propriedade, um sério obstáculo à implementação de um projeto de desenvolvimento social.

Para Weissheimer10 este é um desafio histórico que se expressa na acentuada disparidade sócio-econômica, na medida em que “os 10% mais ricos da população são donos de 46% do total da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres – ou seja, 87 milhões de pessoas – ficam com apenas 13,3% do total da renda nacional”. Esta desigualdade gera uma série de seqüelas perversas como a permanência de 14,6 milhões de analfabetos, de 30 milhões de analfabetos funcionais etc. Além disso, “da população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola, menos de 70% concluem o ensino fundamental. Na faixa entre 18 e 25 anos, apenas 22% terminaram o ensino médio”. A isso se soma a injusta prática remuneratória do trabalho que discrimina as mulheres e os negros, pois “os negros são 47,3% da população brasileira, mas correspondem a 66% do total de pobres. O rendimento das mulheres corresponde a 60% do rendimento dos homens”, segundo no relata Weissheimer.

Apesar deste cenário nacional significativamente desolador, os estudos do IBGE apontam para um aumento da “massa de renda das famílias” em torno de 29% de 2005 a 2008, um estímulo ao consumo, o que possibilita ao Brasil já ocupar o 5º lugar no ranking mundial de computadores pessoais11, o 3º mercado consumidor de coca cola12 e outras posições avantajadas. No entanto, a expansão do crédito, facilitado por uma série de medidas governamentais que visam ao consumo, está encaminhando, celeremente, o país para um novo ciclo inflacionário.

No cenário latino-americano, os recentes fatos ocorridos pelas medidas estatizantes e nacionalizantes da Venezuela e da Bolívia, atingem diretamente o Brasil no que concerne à importação de gás natural e à exploração do petróleo e de seus derivados naqueles países. Além da questão econômica e comercial criou-se um magno problema diplomático que afeta as relações entre o Brasil e estes países, bem como as posições assumidas nos organismos transnacionais. Somam-se a esta configuração os possíveis desdobramentos que poderão advir das eleições presidenciais paraguaias, ocorridas no dia 20 de abril. Fernando Lugo, vencedor do pleito, consolidou uma oposição composta por doze partidos políticos, que desenvolveu sua campanha com a proposta de um programa de governo para resolver os problemas sociais

10WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: Avanços, limites e possibilidades do programa que está

transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. Editora: Fundação Perseu Abramo, 2006.

11 Com um mercado de 10,7 milhões de computadores em 2007, segundo a consultoria IDC, o Brasil passou a

ocupar o quinto lugar no ranking mundial de PCs, atrás dos Estados Unidos (64 milhões), da China (36 milhões), do Japão (13 milhões) e do Reino Unido (11,2 milhões) e muito à frente da Índia (6,4 milhões, 9º lugar).

http://txt.estado.com.br/editorias/2008/03/02/eco-1.93.4.20080302.1.1.xml

12 Atrás dos Estados Unidos e do México. Já é também o terceiro maior consumidor de cosméticos no mundo e o

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paraguaios e promover a inclusão social das diferentes categorias sociais – os sem terra, os sem teto; os povos indígenas; os demais excluídos etc. – que estão à margem da plutocracia detentora do poder, há mais de seis décadas através do partido Colorado. Neste programa de governo está incluída a reforma agrária – regularização das terras produtivas e havidas de forma irregular (que atinge a muitos brasileiros residentes no Paraguai) e a desapropriação das improdutivas – e a reavaliação do acordo binacional de Itaipu. Lugo propugna a tese de que o Brasil exerce um papel imperialista em relação ao seu País e que o acordo é prejudicial ao Paraguai13. Segundo ele, o Paraguai não pode lançar novos investimentos porque o acordo limita excessivamente a utilização da energia gerada. Por isso, exige a rediscussão do valor pago pela energia, prevista no acordo e, desta forma, obter recursos para novos investimentos.

Com as informações aqui apresentadas é possível olhar para a ainda estreita visão que estamos mantendo em relação à educação e a formação da cidadania em nosso País. Para o Brasil se desenvolver social e economicamente é preciso investir intensamente na educação, na ciência e na tecnologia com ênfase prioritária no Ensino fundamental, para a elevação universal da escolaridade dos brasileiros com vistas à inclusão social e digital; no Ensino médio, para ampliar o quadro técnico de profissionais mais qualificados, com sólida base na formação científica; e, igualmente no Ensino superior, para a formação de quadros de cientistas nas diferentes ciências. Paralelamente ao ensino e à educação, intensificar a pesquisa científica e tecnológica, em especial a da tecnologia de ponta e avançar na proteção à propriedade intelectual e industrial, um desafio crucial para países emergentes, neste caso, para o Brasil.

Referências

ALMANAQUE ABRIL: Enciclopédia de Atualidades 2007. São Paulo: Ed. Abril, 2007. Verbete: Brasil.

SADER, Emir (Coord.). Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.

São Paulo: BoiTempo, 2006. Verbete: Brasil.

WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: Avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. Editora: Fundação Perseu Abramo, 2006.

13 O acordo foi assinado em 1973, quando eram Presidentes o Gal. Médici no Brasil e o Gal. Stroessner no

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