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O TRISTE FIM DE LIMA BARRETO E AS IDEALIZAÇÕES DE POLICARPO E O TRISTE FIM DE POLICARPO E AS IDEALIZAÇÕES DE LIMA BARRETO

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Alumni

Revista Discente da UNIABEU

O TRISTE FIM DE LIMA BARRETO E AS IDEALIZAÇÕES DE POLICARPO E O TRISTE FIM DE POLICARPO E AS IDEALIZAÇÕES DE LIMA BARRETO

Samanta Samira Nogueira Jurkiewicz (UNIABEU) Anderson Figueredo Brandão (UNIABEU)

RESUMO

Este artigo apresenta uma abordagem do romance Triste fim de Policarpo Quaresma através de um olhar sobre a descontinuidade entre a ideologia de alguns personagens e suas respectivas atuações no universo ficcional. Seguirá também uma análise dos teóricos literários Alfredo Bosi e Álvaro Marins acerca das influências possíveis da vida do autor Lima Barreto em sua obra literária.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura brasileira; Ideologia; Crítica literária.

A arte literária se apresenta com um verdadeiro poder de contágio que a faz facilmente passar de simples capricho individual, para traço de união, em força de ligação entre os homens, sendo capaz, portanto, de concorrer para o estabelecimento de uma harmonia entre eles, orientada para um ideal imenso em que se soldem as almas, aparentemente mais diferentes, reveladas, porém, por ela, como semelhantes no sofrimento da imensa dor de serem humanos.

Lima Barreto1 INTRODUÇÃO

Quando lemos uma obra literária corremos o risco de automaticamente relacionar o conhecimento que temos sobre a vida do autor com sua composição. Essa relação pode acontecer de forma a pensarmos que ações e questões expostas na obra são reflexos da vida do autor em sua criação.

Nosso objeto de abordagem para a problematização desta questão seguirá com

uma breve descrição de alguns fatos da vida do autor Lima Barreto2 e com algumas

considerações acerca de seu romance, Triste fim de Policarpo Quaresma3 que será posto

em questão sob as concepções ideológicas ligadas ao principal personagem, o Major Policarpo Quaresma.

1 – LIMA BARRETO - UMA BREVE BIOGRAFIA

Nascido no Rio de Janeiro, no final do século XIX, sob o contexto histórico da abolição da escravatura no Brasil e da proclamação da República, Afonso Henriques de

1

Fragmento de "O Destino da Literatura" - Revista Souza Cruz, Rio de Janeiro, ns. 58-59 - outubro e novembro de 1921.

2

1881 - 1922

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Lima Barreto ficou órfão de mãe quando criança. Sua mãe era professora primária e seu pai tipógrafo da Imprensa Nacional. Seu pai perdeu o cargo que ocupava e foi trabalhar como almoxarife em uma colônia de alienados na Ilha do Governador, bairro do Rio de Janeiro. Esse fato fez com que Lima Barreto, seu pai e seus irmãos fossem morar em uma casa dentro dos domínios do hospício e lá residiram por quase dez anos.

Lima Barreto era afilhado de batismo de Afonso Celso, o Visconde de Ouro Preto, ilustre figura daquela época e ministro do Império. Devido a essa proximidade conseguiu melhores oportunidades de acesso à educação. Foi aluno do já conceituado Colégio Pedro II (antes Ginásio Nacional), o que era uma exceção se compararmos aos demais jovens mestiços e de família humilde daquele tempo. Como estudava em regime de internato, só ia para casa aos fins de semana. De um lado a vida na escola, de outro e simultaneamente, a inevitável experiência com a vida no hospício, dois mundos totalmente diferentes.

Após alguns anos de trabalho na colônia de alienados, seu pai enlouqueceu e isso levou Lima Barreto a um direto contato com a loucura. Em decorrência desse fato, o autor que a essa altura já cursava engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, teve que se afastar dos estudos para ajudar sua família. Assim, além de escrever alguns artigos para a imprensa estudantil, candidatou-se e ingressou (em segundo lugar) através

de concurso público para aSecretaria da Guerra.

Tal trabalho garantiu o sustento de sua família que passou a residir no bairro de Todos os Santos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi nesse cenário que teve início a literatura limabarretina, inclusive a produção dos artigos publicados no Jornal Correio da Manhã. Lima Barreto estudou as grandes obras literárias realistas de seu tempo e para isso utilizava a Biblioteca Nacional.

Por volta dos trinta anos de idade Lima Barreto estava cada vez mais dependente do álcool e isso, somado às crises de depressão o levou a duas internações em um hospício. Lima Barreto não era louco, mas as crises nervosas em conseqüência do excesso de álcool fizeram com que sua família, talvez por falta de (re)conhecimento que tal problema é uma doença, o excluísse do convívio social com a internação.

Os relatos dessa experiência estão no livro Diário do hospício, datado de 1920, porém com publicação póstuma. Sobre a internação, Lima Barreto viveu a mesma experiência de seu personagem, o Major Policarpo Quaresma do romance Triste fim de

Policarpo Quaresma que será abordado mais adiante. Dizemos a mesma experiência

que o personagem, pois o romance Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado anos antes de tais atribulações. Cabe, porém ressaltar que as alucinações do personagem Major Policarpo Quaresma não são frutos do alcoolismo, conforme o relato de Lima Barreto em seu Diário.

No Diário encontramos as memórias de Lima Barreto sobre sua infância, bem como seus relatos e inquietudes sobre as duas internações. O autor declara-se consciente de seus problemas acarretados pela dependência alcoólica e tenta justificá-la em razão das dificuldades que havia passado no decorrer de sua vida, chegando a admitir, de vez em quando, sinais de loucura. Sua chegada ao hospício é assim relatada pelo autor:

Certo dia, a minha alucinação foi tão forte, que resolveram levar-me para a casa de um parente, para ver se melhorava; foi pior. Mandaram-me para o hospício. No mesmo dia que lá cheguei, no pavilhão, nada sofri. (BARRETO, 2001, p.1388)

No decorrer do diário de internação Lima Barreto fala sobre loucura, chegando a

classificá-la como um espetáculo, um triste espetáculo possível de ser visto por qualquer

pessoa que estiver disposta a parar para refletir sobre ele. Um espetáculo não olhado pela individualidade, mas por toda aquela população de internados. (idem, p.1458)

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Para os não dispostos a olhar para o universo implícito na dita loucura, não aconteceria nenhum efeito, nada além de indiferença, mas para Lima Barreto, até os

ridículos das coisas que o cercavam suscitavam a necessidade deescrever, ou descrever

aquela realidade, de reproduzi-la “no papel”. (Ibidem, p. 1403)

O diferente olhar de Lima Barreto sobre tais circunstâncias surpreende em determinadas observações narradas em seu Diário, bem como sua vivência e suas opiniões e reflexões acerca do meio em que se encontrara e as causas de sua estada no hospício.

Suas impressões acerca do que o álcool fizera (ou não) com seu corpo? Segundo o autor em questão, o médico se impressionou com os poucos danos aparentes, dessa forma, Lima Barreto relatou em seu Diário que viu “bem o mal da bebida”, pois ela não o tinha destruído, apenas provocava alucinações e isso fazia com que ele incomodasse as outras pessoas e assim elas o conduziam ao hospício, mas somente isso, pois ele “renascia, voltava e assim levava uma vida insegura”. Coisas de alguém que apenas bebia, nada mais que isso. (BARRETO, 2001, p.1484)

Vítima de complicações no coração, Lima Barreto faleceu no Rio de Janeiro, então capital da República, no ano de 1922 com apenas quarenta e um anos. Alguns meses antes de sua morte fora reconhecido pelos artistas representantes da Semana de Arte Moderna como alguém que nas artes literárias, escreveu antecipadamente conforme os ideais do movimento de 1922, um precursor do modernismo.

2 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DE TRISTE FIM DE POLICAPO QUARESMA Escrito em um período de três meses, publicado inicialmente em folhetins pelo Jornal do Comércio e no jornal Gazeta da Tarde, no ano de 1911 e em livro em 1915,

Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance que transita entre dois períodos

literários, o Realismo e o Pré-Modernismo. Nas obras desses períodos encontramos características como a objetividade na forma de escrever e certo racionalismo que é expresso através de realidades que são retratadas longe das idealizações do Romantismo.

São evidentes nas obras com essas características algumas críticas à sociedade dominante da época. Entretanto, para entendermos tal período não nos basta apenas traçar suas características, mas sim contextualizar tal estética com o cenário histórico.

O mundo passava por mais uma fase da revolução industrial e por grande aceleração no desenvolvimento das ciências humanas. Havia uma fé de que os estudos científicos poderiam solucionar determinados problemas da sociedade. Quanto mais o homem se relacionava com a ciência, mais crítico e próximo à realidade ele ficava. Aquele sentimentalismo exacerbado que encontramos no Romantismo, gradualmente deu espaço a uma valorização cada vez maior do saber científico e racional.

Assim, tanto as características citadas, quanto essas transformações estão presentes no romance Triste fim de Policarpo Quaresma, objeto deste estudo, através do personagem principal, o Major Policarpo Quaresma, considerado um dos maiores tipos da literatura brasileira e chamado por alguns teóricos da literatura, como Alfredo Bosi (2006), de o grande Dom Quixote nacional. (BOSI, 2006, p. 318)

Com um fanatismo nacionalista em decorrência dos primeiros anos da República, o personagem que tinha como ocupação profissional o cargo de subsecretário do Arsenal de Guerra, se dedica ao estudo do violão - instrumento que até então não era bem visto pela sociedade por ser associado à imagem do malandro. Policarpo Quaresma faz pesquisas folclóricas e a isso se deve sua preferência pelo referido instrumento, pois através de seu estudo constata que é o mais genuíno instrumento nacional. As pesquisas do Major Quaresma o levam a defender o Tupi como língua oficial do país.

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O romance está dividido em três partes (primeira, segunda e terceira) e cada uma representa uma questão ideológica buscada por Policarpo Quaresma que pensava o tempo inteiro no que poderia fazer para ajudar no desenvolvimento de seu país, questão essa que é presente até hoje em muitos brasileiros.

Triste fim de Policarpo Quaresma será aqui exposto através dessas questões, que

como veremos não se concretizam. O patriotismo é manifestado pelo personagem de uma forma quase que fantasiosa e sua realização é, portanto, impossível.

3 – TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA SOB A ÓTICA DAS QUESTÕES IDEOLÓGICAS

A Vida é só loucura Entre um encontro E uma procura Se o coração não pensa Revolução não há por quê, Diz a razão que não compensa Quem sonha mais um pouco Os que não mudam Chamam de louco Mas é por loucos ideais Que a vida não parou Quem muda o mundo é o sonhador4

Carlos Lyra Entender a literatura de forma crítica e considerar a ideologia implícita ou explícita nas produções literárias são formas de compreender o papel significativo dessa área do conhecimento que está diretamente ligada às mudanças na realidade de uma sociedade.

Em Triste fim de Policarpo Quaresma, objeto desse estudo, três são as questões ideológicas sustentadas e buscadas pelo personagem principal no decorrer da narrativa. Passaremos aqui por cada uma delas, considerando o contexto histórico do cenário do romance, ou seja, os primeiros anos de República, juntamente com a busca do personagem Policarpo Quaresma, que lutava pela consolidação de uma identidade nacional, pela ideia de tornar o Brasil um país mais brasileiro. Nos três momentos abordados a seguir, marcados por três projetos do Major Policarpo Quaresma - cultural, agrícola e político - veremos que a questão nacionalista é o foco ideológico de toda a narrativa e também que em nenhum de seus projetos o personagem terá êxito.

Analisar essas questões e pensar a possível influência da biografia do autor na composição de sua obra nos ajudará a entender o universo exposto na narrativa limabarretina aqui discutida.

Patriota, sonhador e grande estudioso da cultura nacional, o Major Policarpo Quaresma toma como ideal a luta pela oficialização do Tupi-guarani como língua padrão no Brasil. Seus colegas de repartição chegaram a apelidá-lo de Ubirajara,

personagem do romance pertencente à tríade indianista5 de José de Alencar,

provavelmente pela questão da negação da cultura europeia.

No seguinte fragmento temos o requerimento feito pelo Major Policarpo Quaresma. Sua petição solicitando que o tupi-guarani fosse oficializado como língua padrão no Brasil nos dá a dimensão de como era esse personagem que vivia os primeiros momentos da recente República:

4

Da trilha sonora do filme “Policarpo Quaresma, herói do Brasil” (1998 - Riofilme).

5

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Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma - usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. (BARRETO, 2007, p.36)

Encontrar um personagem que estuda e luta pela oficialização do tupi-guarani é algo que nos pode causar um efeito de estranhamento por considerar tal questão algo utópico. Abriremos um parêntese aqui para um breve apanhado sobre a história da língua no Brasil, pois até o século XVIII não tínhamos a língua portuguesa como principal forma de comunicação, mas sim o nheengatú (ainda falado em algumas poucas regiões do Brasil), a até então língua geral brasílica, o tupi-guarani. (BESSA FREIRE, 1983)

Desde o século XVI os filhos dos colonos portugueses com as mulheres indígenas tinham como língua materna o nheengatú. As primeiras gramáticas e instrumentos para a catequese eram produzidos nessa língua, o que permitia a comunicação inclusive entre indígenas de outros troncos do tupi-guarani. (IDEM)

A expansão da língua geral brasílica está diretamente ligada às conquistas territoriais e em determinado momento tal facilidade na comunicação passou a ser um empecilho em tais conquistas. Chegamos até aqui para citar que o uso dessa língua

como língua geral teve seu fim com a proibição por Marquês de Pombal6 (CRUZ, 2011.

p.35)

Esse quadro histórico nos mostra que Policarpo Quaresma não era louco, mas considerado como tal por tentar ir contra os interesses de um sistema dominante através da luta por não apenas a instituição do tupi, mas sim pelo resgate de uma língua que pelo menos por durante dois séculos foi falada inclusive pelos portugueses.

A luta de Policarpo Quaresma foi em vão e além de ter seu pedido desconsiderado, vê sua vida sofrer uma grande transformação. O Major que é descrito na narrativa como um homem discreto, calado e totalmente envolvido com seu mundo em razão de seus estudos, teve seu papel na sociedade transformado pelo que todos entenderam de seu requerimento: uma sandice. Passou então de homem sério e respeitado a motivo de escárnio e risos por todos os lugares. Nem mesmo seus colegas o pouparam. Justamente Policarpo Quaresma, que jamais

sofrera críticas, nunca se atirou à publicidade, vivia imerso no seu sonho, incubado e mantido vivo pelo calor dos seus livros. Fora deles, ele não conhecia ninguém; e, com as pessoas com quem falava, trocava pequenas banalidades, ditos de todo o dia, cousas com que a sua alma e o seu coração nada tinham de ver. (BARRETO, 2007, p. 37)

Como rotina de seu trabalho, Major Policarpo Quaresma redige um ofício na repartição em que trabalhava, porém por distração e provavelmente em decorrência de tanto estudar a língua que se empenhou para tornar oficial, escreve tal ofício em Tupi e isso se torna inaceitável para seus superiores. Tal distração, somada à grande revolta que causou entre os demais e ao “absurdo” requerimento, o faz ser apontado como louco e isso ocasiona sua estada por algum tempo em um hospício.

6

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Após seis meses no hospício, Policarpo Quaresma é aconselhado e convencido por sua afilhada Olga a vender a casa em que moravam no bairro de São Cristóvão e comprar um sítio. Olga o induz à venda com o objetivo de afastá-lo de todo aquele meio que tanto o maltratou e que ultimamente servia de clausura para o padrinho, pois depois que Policarpo voltou pra casa e após o sofrimento em decorrência das brincadeiras sobre sua sanidade mental e suas ideias, ficou impossibilitado de retornar à sua rotina passando inclusive a olhar para todos como inimigos.

E o pavor do doce Quaresma? Um pavor de quem viu um cataclismo, que o fazia tremer todo, desde os pés à cabeça, e enchia-o de indiferença para tudo mais que não fosse o seu próprio delírio. A casa, os livros e os seus interesses de dinheiro andavam à matroca. Para ele, nada disso valia, nada disso tinha existência e importância. [...] Quaresma viveu lá, no manicômio, resignadamente, conversando com os seus companheiros, onde via ricos que se diziam pobres, pobres que se queriam ricos, sábios a maldizer da sabedoria, ignorantes a se proclamarem sábios [...] (BARRETO, 2007, p. 45, 46 e 54)

Policarpo tinha sido aposentado após um recurso que sua afilhada conseguiu

juntamente com seu amigo Ricardo7, a fim de evitar sua demissão da repartição. A ideia

de Olga era tão somente levar o padrinho para longe daquele cenário e suscitar nele novos interesses, fazer com que Policarpo (re)começasse a viver.

Olga não imaginava que tal intenção despertaria em seu padrinho algo bem maior que um simples interesse em afastar-se das recentes decepções. Policarpo Quaresma vê essa mudança como uma nova chance de contribuir para o desenvolvimento de seu país e dessa vez economicamente, através da agricultura. Estudioso de todos os assuntos que envolviam o Brasil, Policarpo acreditava que as férteis terras brasileiras poderiam lhe ser rentáveis.

- É verdade, minha filha. Que magnífica idéia tens tu! Há por aí tantas terras férteis sem emprego... A nossa terra tem os terrenos mais férteis do mundo... [...] A moça esteve quase arrependida da sua lembrança. Pareceu-lhe que ia atear no espírito do padrinho manias já extintas. [...] Tu irás ver as minhas culturas, a minha horta, e meu pomar - então é que te convencerás como são fecundas as nossas terras! A idéia caiu-lhe na cabeça e germinou logo. (BARRETO, 2007, p. 55)

Porém, mais uma vez o grande novo sonho de Policarpo não é concretizado. Sua plantação foi atingida por pragas e a criação de animais por uma peste que a reduziu pela metade.

Após tanto estudar em seus livros sobre a fertilidade das terras brasileiras, Policarpo vê-se decepcionado e desamparado diante de tanta teoria e nenhuma prática. Nesse momento, mostra seu descontentamento e seu drama ao descrever sua terra como um lugar plenamente capaz de abrigar escolas e dessa forma contribuir para o conhecimento, mas em contrapartida as pessoas que tinham acesso a tal oportunidade não eram capazes de retribuir isso por não conseguirem combater as pragas que lhe causaram tamanho prejuízo e

não havia quem soubesse curar. Numa terra cujo governo tinha tantas escolas que produziam tantos sábios, não havia um só homem que pudesse reduzir com as suas drogas ou receitas aquele considerável prejuízo. (BARRETO, 2007, p.91)

7

Ricardo Coração dos Outros, um seresteiro contratado para ensinar Policarpo a tocar violão e que se tornaria seu grande amigo.

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Sua maior decepção, dizemos a maior, pois essa não foi vista como uma decepção aos homens e às circunstâncias naturais e sim em razão da pátria em que Policarpo tanto acreditava e se dedicava, foi a que ocorreu em torno da questão política.

Mesmo sem experiências em guerras, Policarpo Quaresma resolve se alistar para

lutar pela República8.Com o fim da revolta, Policarpo vira carcereiro e nessa posição

acompanha as matanças por policiais a marinheiros que estavam presos. “Policarpo aceitou com repugnância o papel de carcereiro [...] De resto, todo o sistema de idéias que o fizera meter-se na guerra civil se tinha desmoronado.” (BARRETO, 2007, p.142)

Mesmo as duas frustradas experiências não fizeram com que Policarpo Quaresma perdesse a ingenuidade e isso o leva a escrever uma carta ao presidente Marechal Floriano denunciando e protestando contra as atrocidades cometidas pelos militares através do fuzilamento dos presos que eram recolhidos no meio da noite para serem mortos. Para surpresa e decepção de Policarpo, que acreditava que o presidente não sabia de tais torturas e que, portanto, ajudaria com suas denúncias. Sua carta é tomada como traição à pátria e isso ocasionou sua prisão e posteriormente a condenação à morte.

Traição à pátria. Policarpo fora acusado de trair a tão querida pátria, à qual se dedicou inteiramente e que o fez enlouquecer (ou ser apontado como louco) por tamanha adoração a sua terra. Encontramos no final da obra um Policarpo Quaresma amargurado, pois

desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas cousas de tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir, havia. (Ibidem, p. 145)

Nesse momento não há aquele homem sonhador do início da narrativa, com ideais e disposição para estudar e contribuir com eles. Como exposto no fragmento acima, no final da vida (e do romance) Policarpo se diz um homem que perdeu grande parte de seus anos lutando por um “encadeamento de decepções”, pois nem um dos valores em que acreditava existia. (BARRETO, 2007, p. 145)

Três partes em um livro, três questões ideológicas e três frustrações. O primeiro projeto de Policarpo o levou ao prejuízo moral. O segundo projeto o conduziu ao prejuízo econômico e o terceiro o levou à decepção com a ordem que tanto defendeu.

Cultura, economia e política, três pilares transformadores e possíveis de ser transformados por qualquer sociedade. Ler Triste fim de Policarpo Quaresma nos conduz a reflexão do que é morar no Brasil e do que é ser brasileiro. Mais ainda, nos

possibilita refletir sobre ospadrões impostos pela sociedade dominante de qualquer

época, pois como vimos na breve abordagem dessa obra de Lima Barreto, o que foge a esses padrões está condenado à marginalização.

8

Revolta promovida por unidades da Marinha do Brasil contra o governo do Marechal Floriano Peixoto, supostamente apoiada pela oposição monarquista à recente instalação da República.

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4 – POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS DE LIMA BARRETO EM SUA OBRA

Escrevendo estas linhas hoje e percorrendo na lembrança toda a minha vida passada, causa-me assombro de que, em face de todos esses episódios, a minha atitude fosse de completo alheamento. Mais do que os grandes acontecimentos, na nossa vida, são os mínimos que decidem o nosso destino; e esses pequenos fatos encadeados, aparentemente insignificantes, vieram influir na minha existência, para a satisfação e para o desgosto.

Lima Barreto in Cemitério dos vivos De acordo com Terry Eagleton (2011), a literatura e todas as outras artes são formas complexas de manifestação de concepções ideológicas do mundo. Tais concepções são manifestadas na literatura de forma que nos permitem encontrar verossimilhanças com a realidade, nos possibilitando relacionar o contexto social, a obra e conhecimentos acerca da vida do autor.

Como o foco de nossa abordagem é o autor Lima Barreto e sua obra Triste fim

de Policarpo Quaresma, uma questão se coloca para discussão: olhar o romance como

uma espécie de autobiografia de Lima Barreto ou como algo produzido apenas sob a ótica de alguém que passou pelos processos relatados na narrativa?

Seguirá aqui uma abordagem com base nas teorias dos autores Alfredo Bosi

(2006) e Álvaro Marins (2004) acerca de suas opiniões sobre a possível influência da

vida de Lima Barreto em suas obras literárias.

Triste fim de Policarpo Quaresma é composto por dois focos, um narrativo e um

crítico; neste, o autor trabalha com a questão ideológica, naquele, com a narrativa dos “percalços do brasileiro em sua pátria”. Para Bosi (2006), na narrativa em questão “afloram tanto as revoltas do brasileiro marginalizado em uma sociedade onde o capital já não tem pátria, quanto a própria consciência do romancista [...]”. (BOSI, 2006, p. 318 e 319)

Alfredo Bosi (2006) descreve algumas características de Lima Barreto e diz que a xenofobia do autor está exposta em suas obras por ter direta relação com seu instinto natural de defesa étnica. Em Triste fim de Policarpo Quaresma, encontramos essa contrariedade aos estrangeirismos no personagem Policarpo Quaresma que além de lutar pela valorização de tudo que fosse genuinamente nacional, mostra-se totalmente intolerante com o mínimo que fosse “de fora”.

Um exemplo de tamanha intolerância de Policarpo Quaresma está no seguinte fragmento com o relato de Adelaide, irmã do Major Quaresma a seu amigo:

O Senhor Ricardo há de nos desculpar, disse a velha senhora, a pobreza do nosso jantar. Eu lhe quis fazer um frango com petit-pois, mas Policarpo não deixou. Disse-me que esse tal petit-pois é estrangeiro e que eu o substituísse por guando. Onde é que se viu frango com guando? (BARRETO, 2007, p.13)

Na análise de Alfredo Bosi (2006) acerca de um diálogo entre as obras literárias de Lima Barreto e sua biografia existem algumas contradições, mas para o teórico a vida do autor “explica o húmus ideológico de sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de jornalista pobre e de pobre amanuense, aliadas à viva consciência da própria situação social [...].” (p.315)

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A vida humilde no subúrbio carioca e a questão racial vivida por Lima Barreto não foram impedimentos para que ele configurasse em Policarpo Quaresma “com bastante clareza o ridículo e o patético do nacionalismo tomado como bandeira isolada e fanatizante”. (IDEM, p.316)

Se por um lado o teórico Alfredo Bosi relaciona algumas características da vida de Lima Barreto em suas obras incluindo o romance Triste fim de Policarpo Quaresma, objeto da presente abordagem, por outro lado, o autor Álvaro Marins (2004) vai contra essa teoria e alerta, não para a vida de Lima Barreto, mas para uma visão geral do contexto social de sua época.

A questão racial tão abordada como causa de repressão na vida de Lima Barreto é irrelevante para Álvaro Marins, que nos lembra que ser negro não era uma minoria, que a maioria da população tinha origem negra e indígena e, portanto, não tivemos uma sociedade “com esmagadora maioria de origem europeia branca”, dessa forma, não é concebível “associar cada exemplo de discriminação presente nos livros de Lima Barreto à recriação pura e simples de uma situação pessoal vivida pelo escritor”. (MARINS, p.129)

O teórico acima defende ainda que, pensar as obras de Lima Barreto como formas de expressão e confissão de amarguras através de uma ótica que nos leve a considerar os meios de vida do autor do romance ao fazer uma análise de sua produção

literária tornou-se “chavões da fortuna crítica ficcionista” (p.129) e ressalta que

desconsidera tais análises, pois o escritor não era movido pelo egocentrismo.

Um fato inegável é que ambos, Lima Barreto e seu Policarpo Quaresma, tiveram a experiência de viver entre o que chamamos de “centro” e “margem” da sociedade. A questão é a relação que estabelecemos ao lermos uma obra literária.

Por esse motivo, Álvaro Marins (2004) afirma que conceber as obras de Lima Barreto como uma forma de autobiografia pode gerar uma dualidade nas análises literárias, pois temos os dois extremos, o da crítica e o da defesa.

O autor considera que Lima Barreto é desfavorecido por essa visão, pois se escrevesse de forma mais impessoal teria sua obra engrandecida da mesma forma que aconteceu com o também mestiço e de família humilde, Machado de Assis. Mesmo as considerações sobre o valor social nas obras de Lima Barreto não impediram que ele fosse posto em “segundo plano”. Ao contrário da literatura machadiana que dissimulava alguns estigmas, as características biográficas de Lima Barreto estão impregnadas em sua obra. (Idem, p.127 e 129)

De acordo com Bosi (2006), a pessoalidade que une a vida do escritor e sua obra está explícita em Recordações do Escrivão Isaías Caminha, primeiro romance de Lima Barreto, publicado em 1909, obra em que consta no primeiro capítulo uma nota autobiográfica, dando um total ar de pessoalidade, explicitamente marcada por questões de raça e classe social, o que não é tão claro em Triste fim de Policarpo Quaresma, pois ao contrário de “Recordações”, Lima Barreto não projeta amarguras pessoais. (BOSI, 2006, p. 319)

CONCLUSÃO

Tais análises nos apontam no romance em questão, Triste fim de Policarpo

Quaresma, um personagem completamente envolvido pelo sentimento nacionalista dos

primeiros anos de República e no decorrer da narrativa o abismo cada vez maior entre as questões ideológicas sustentadas pelo personagem e a realidade retratada pelo autor.

Lima Barreto tem em sua biografia a perda da mãe, a infância dividida entre a vida no colégio e a vida nos domínios do hospício devido ao trabalho de seu pai e

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posteriormente pela internação de seu pai no mesmo hospício. Somando a isso o envolvimento com o álcool e a questão de ser negro, de origem humilde e morador do subúrbio, algo que, como vimos na análise dos teóricos, pode ser ou não considerado relevante. Questões defendidas pelo autor Alfredo Bosi como marcas presentes nas obras de Lima Barreto, mas alertadas pelo autor Álvaro Marins, posto que, pelo contexto social, Lima Barreto não era uma exceção à regra, cabendo, portanto, essas características também a outro autor da literatura brasileira: Machado de Assis.

Álvaro Marins não nega possíveis influências da vida do autor em sua obra, mas defende que fazer das obras de Lima Barreto um espelho de sua vida pode gerar problemas em suas interpretações.

No que se refere às questões ideológicas, o autor Terry Eagleton as defende com base nas relações possíveis entre o pensamento marxista e a produção literária. Dessa forma, cita Karl Marx e enfatiza que a consciência não determina a vida de um homem, ocorre o contrário, é a vida do homem na sociedade que determina sua consciência. Desse modo, podemos então olhar para as obras literárias como uma forma específica de vermos o mundo em contextos sociais específicos.

As questões abordadas no decorrer deste trabalho podem ser objetos para futuras abordagens acerca da literatura e das questões ideológicas nela expostas. Assim, tais análises sobre a vida e obra do autor Lima Barreto, bem como o comportamento do personagem Policarpo Quaresma no romance aqui abordado e a possível influência da vida do autor em suas obras nos suscitam a seguinte reflexão: é possível olhar para a literatura como um instrumento que reflete (ou reproduz) uma realidade social? Dessa forma, podemos aventar a possibilidade de entendermos, juntamente com o contexto histórico, os pensamentos de uma determinada época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Ciranda Cultural, 2007.

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THE SAD END OF LIMA BARRETO AND IDEALIZATIONS OF POLICARPO AND THE SAD END OF POLICARPO AND THE IDEALIZATIONS OF LIMA

BARRETO ABSTRACT

This article presents an approach to the novel Triste Fim de Policarpo Quaresma

through a look at the discontinuity between the ideology of some characters and their

performances in the fictional universe. It will also follow an analysis of literary theorists Alfredo Bosi and Alvaro Marins about the possible influences of the life of the author Lima Barreto in his literary work.

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