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O perfil do assistente social em intervenção precoce : perspetivas profissionais em modelos colaborativos interdisciplinares e transdisciplinares

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outubro de 2013

Luís Pedro Gomes Correia Dias

UMinho|20 13 Luís P edr o Gomes Corr eia Dias

Instituto de Educação

O Perfil do Assistente Social em Intervenção

Precoce: Perspetivas profissionais em

modelos colaborativos interdisciplinares e

transdisciplinares

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venção Precoce: P er spe tiv as profissionais em modeloscolaborativos interdisciplinares e transdisciplinares

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Dissertação de Mestrado

Área de Especialização em Intervenção Precoce

Mestrado em Educação Especial

Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Ana Maria Serrano

Instituto de Educação

Luís Pedro Gomes Correia Dias

O Perfil do Assistente Social em Intervenção

Precoce: Perspetivas profissionais em

modelos colaborativos interdisciplinares e

transdisciplinares

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os profissionais que colaboraram no presente projeto, cedendo voluntariamente o seu tempo na partilha das suas práticas, muitas vezes abordando questões sensíveis inerentes à sua realidade de intervenção.

À Professora Doutora Ana Serrano pela orientação e apoio durante todo o percurso de formação e investigação, sem o qual não teria sido possível a concretização deste estudo.

À APCB – Associação de Paralisia Cerebral de Braga, seus dirigentes e profissionais pelas aprendizagens diárias e pela disponibilidade e flexibilidade evidenciada em todos os momentos. À ELI Braga Saudável pela partilha de conhecimentos e experiências.

Aos meus pais e a toda a minha família pelo apoio incondicional sempre demonstrado. À Joana pelo exemplo de dedicação e por nunca deixar apagar a luz que ilumina a escuridão.

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RESUMO

A presente dissertação “O perfil do assistente social em Intervenção Precoce: perspetivas profissionais em modelos colaborativos interdisciplinares e transdisciplinares” pretende analisar as funções e competências do assistente social em Intervenção Precoce (IP) à luz do modelo colaborativo de equipa em que se encontra inserido: interdisciplinar ou transdisciplinar.

No contexto português o enquadramento legal da participação dos assistentes sociais em serviços de IP começou por ser enfatizado através do Despacho Conjunto n.º 891/99 que salientou a importância da integração do assistente social como membro das equipas multidisciplinares dos serviços de IP. Esta situação promoveu a integração do assistente social com outros profissionais em equipas nos serviços de IP, realçando a importância da cultura colaborativa de equipa subjacente ao conceito de IP.

Segundo os dados da investigação, o paradigma de intervenção recomendado em IP parte da compreensão do desenvolvimento infantil de uma perspetiva cada vez mais holística, fomentando a ação dos profissionais de IP com base no modelo de equipa transdisciplinar (Serrano, 2007). Situação para a qual, os assistentes sociais pela história da sua profissão já apresentavam várias características que facilitam a integração em serviços de IP (Robertis, 2011; Weber, 2011). Este estudo tem como objetivo analisar o papel dos assistentes sociais em serviços de IP cuja intervenção em equipa se baseie em abordagens transdisciplinares e interdisciplinares, de modo a compreender as competências do assistente social nos serviços de IP, perspetivando o seu contributo nestas tipologias de modelo de equipa, de modo a identificar eventuais simetrias e dissemelhanças no perfil do profissional de serviço social de acordo com o modelo de equipa em que se encontra inserido. O estudo empírico desta investigação incidiu numa abordagem qualitativa, através da recolha de dados com base no inquérito por entrevista a dois assistentes sociais, dois psicólogos e dois terapeutas, sendo que em cada grupo profissional um dos participantes se encontra inserido num serviço de IP a operar com base no modelo transdisciplinar e outro a operar com base no modelo interdisciplinar.

Os resultados empíricos apresentados demonstram que os contextos influenciam o perfil do assistente social, sendo que das duas abordagens em IP (transdisciplinar e interdisciplinar) emergem dois perfis de assistente social.

Palavras-Chave: Serviço Social; Intervenção Precoce; Modelo Transdisciplinar; Modelo Interdisciplinar.

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ABSTRACT

"The profile of the social worker in Early Intervention: Professional perspectives in interdisciplinary and transdisciplinary collaborative models" is a study that aims to analyze the role and characteristics of the social worker in Early Intervention (EI) depending on the type collaborative team (interdisciplinary or transdisciplinary) in which he or she is included.

In the Portuguese legal framework the participation of social workers in EI services was emphasized by the Despacho Conjunto number 891/99, which stressed the importance of including social workers as members of multidisciplinary teams of EI services. This fact promoted the integration of the social worker in teams with other professionals in EI services, underlining the importance of a collaborative culture of teamwork behind the concept of EI.

According to the research data the recommended practices in EI emphasize the understanding of child development from a holistic perspective, which promotes the intervention based on the transdisciplinary model (Serrano, 2007). For this situation social workers already possess, through the history of their profession, several features that facilitate the integration on EI services (Robertis, 2011; Weber, 2011).

This study aims to analyze the role of social workers in EI services based on interdisciplinary and transdisciplinary team approaches in order to understand the skills of the social worker in EI services, presenting their contribution in these team models in order to identify possible symmetries and dissimilarities in the profile of the social worker according to the team model in which he or she is integrated. The empirical study of this research focused on a qualitative approach, collecting data based on interviews with two social workers, two psychologists and two therapists, and in each professional group one of the participants works in a transdisciplinary team and the other works in an interdisciplinary service.

The empirical results demonstrate that contexts influence the profile of the social worker and that from the two approaches in EI (interdisciplinary and transdisciplinary) two profiles emerge for the social worker.

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ÍNDICE Agradecimentos ... iii  Resumo ... v  Abstract ... vii  Introdução ... 15  Problema de investigação... 19 

Capítulo I – Serviço Social ... 21 

1. Génese e emergência da profissão ... 21 

1.1. Das Poor Laws Inglesas ao movimento dos settlements ... 22 

1.2. O contributo de Mary Richmond para o Serviço Social ... 28 

1.3. Jane Addams e o Hull House Settlement de Chicago ... 29 

1.4. O Serviço Social em Portugal: dos movimentos higienistas à emergência do Serviço Social português ... 31 

1.5. Construção e desenvolvimento da identidade profissional no Serviço Social português ... 39 

2. O Serviço Social na sociedade contemporânea ... 44 

2.1. Definição de Serviço Social ... 44 

2.1.1. Críticas e desenvolvimentos da definição ... 46 

2.1.2. Da definição à prática dos assistentes sociais ... 47 

2.1.3. Abordagem tripartida na prática do Serviço Social contemporâneo ... 52 

2.2. O perfil do Serviço Social na sociedade contemporânea ... 55 

2.3. O perfil do Técnico Superior de Serviço Social vs. O perfil do Assistente Social ... 59 

2.4. Perfil do assistente social para o século XXI ... 62 

2.5. As funções do assistente social ... 66 

2.5.1. Especificidades e tipos de funções reconhecidos pelos profissionais ... 66 

2.5.1.1. Funções relacionais ... 68 

2.5.1.2. Funções de acompanhamento ... 68 

2.5.1.3. Funções assistenciais ... 69 

2.5.1.4. Funções políticas ... 69 

2.5.1.5. Funções técnico-operativas e de reflexão ... 69 

2.5.2. Funções compartilhadas e funções específicas ... 70 

2.5.2.1. Gestão de casos em Serviço Social ... 72 

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1. Construção e desenvolvimento das perspetivas atuais sobre Intervenção Precoce ... 79 

1.1. Uma abordagem holística ao desenvolvimento humano... 80 

1.2. Modelo Transacional de Desenvolvimento (Sameroff & Chandler, 1975) ... 82 

1.3. Modelo de Ecologia do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1979) ... 85 

2. A Família no centro da abordagem em Intervenção Precoce ... 87 

2.1. Abordagem Centrada na Família ... 87 

2.2. Modelo de Apoio Social de Dunst e sua evolução ... 90 

2.3. Práticas Contextualmente Mediadas em Intervenção Precoce ... 93 

2.4. Modelo de Desenvolvimento Sistémico em Intervenção Precoce ... 95 

2.5. Evolução do enquadramento legal da Intervenção Precoce em Portugal... 99 

3. Modelos de Prestação de Serviços em Intervenção Precoce ... 102 

3.1. Abordagem Multidisciplinar ... 102 

3.2. Abordagem Interdisciplinar ... 103 

3.3. Abordagem Transdisciplinar ... 103 

3.3.1. Avaliação em arena ... 105 

3.3.2. Interação contínua e prolongada dos elementos da equipa ... 105 

3.3.3. Libertação do papel ... 106 

3.4. A figura do mediador de caso ... 107 

4. O papel do Assistente Social em Intervenção Precoce ... 109 

4.1. Perspetiva evolutiva da presença do assistente social nos serviços de IP ... 110 

4.2. Abordagens tradicionais ... 113 

4.1.1. Avaliação ecológica ... 115 

4.2. Abordagens específicas para a Intervenção Precoce ... 118 

Capítulo III – Metodologia da Investigação ... 121 

1. Natureza de investigação e opções metodológicas ... 121 

2. Procedimentos de recolha de dados ... 121 

2.1.Técnicas e instrumentos de recolha de dados ... 122 

2.1.1. Entrevistas ... 122 

2.1.2. Amostra ... 123 

3. Procedimentos de tratamento de dados ... 124 

4. Questões éticas de investigação ... 125 

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Capítulo IV - Apresentação e Análise dos Dados ... 127 

1. Sistema de categorização dos resultados ... 127 

2. Modelo de Intervenção do serviço de IP ... 132 

3. Organização do serviço de IP ... 148 

4. O papel do assistente social em IP ... 157 

5. Perfis do assistente social em IP: abordagens interdisciplinares e transdisciplinares ... 170 

Conclusões... 173 

Referências Bibliográficas... 177 

Referências Legislativas ... 186 

Anexos ... 187 

Anexo 1 – Guião de Entrevista ... 189 

ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 - Serviço Social clássico vs. Serviço Social alternativo (Amaro, 2012, p.104) ... 38 

Quadro 2 - Construções Históricas de Identidade Profissional (adaptado de Santos, 2009) ... 40 

Quadro 3 - Desenvolvimento da intervenção do Serviço Social português (adaptado de Ferreira, 2011) ... 50 

Quadro 4 - Novas áreas de intervenção do Serviço Social (adaptado de Amaro, 2012) ... 64 

Quadro 5 - Funções e tarefas dos assistentes sociais (Ander-Egg, 1995b) ... 70 

Quadro 6 - Princípios da Gestão de Casos e Funções atribuídas ao Gestor de Caso (adaptado de Almeida, 2013) ... 73 

Quadro 7 - Princípios para Gestão de Casos em Serviço Social (adaptado de NASW, 2013) ... 75 

Quadro 8 - Princípios Centrados na Família para servir as famílias (Brotherson et al., 2008) .... 88 

Quadro 9 - Principais práticas da Abordagem Centrada na Família (Dunst, 1997) ... 89 

Quadro 10 - Diplomas legais no âmbito da educação especial (adaptado de Martins, 2000) .. 100 

Quadro 11 - Áreas profissionais generalistas e especialistas nos serviços de Intervenção Precoce (adaptado de McWilliam, 2010) ... 109 

Quadro 12 - Caracterização geral dos participantes ... 124 

Quadro 13 - Indicadores da categoria Modelo de Intervenção do serviço de IP ... 129 

Quadro 14 - Indicadores da categoria Organização do serviço de IP ... 130 

Quadro 15 - Indicadores da categoria O papel do assistente social em IP ... 131 

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Quadro 17 - Práticas centradas na família ... 135 

Quadro 18 - Intervenção em contextos ... 137 

Quadro 19 - Avaliação em IP ... 140 

Quadro 20 - Plano de intervenção ... 142 

Quadro 21 - Figura do mediador de caso ... 144 

Quadro 22 - Intervenção baseada na investigação ... 145 

Quadro 23 - Articulação com outros serviços ... 147 

Quadro 24 - Regulamentos ... 149 

Quadro 25 - Procedimentos organizacionais ... 151 

Quadro 26 - Objetivos de intervenção quantificáveis ... 154 

Quadro 27 - Produtividade e eficiência ... 156 

Quadro 28 - O assistente social na equipa de IP ... 158 

Quadro 29 - Importância do Serviço Social na IP ... 160 

Quadro 30 - Principais áreas de intervenção ... 162 

Quadro 31 - Partilha de competências ... 164 

Quadro 32 - Papel do assistente social na avaliação ... 165 

Quadro 33 - Formação de base para trabalhar em IP ... 168 

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Definição de Serviço Social (Hare, 2004) ... 46 

Figura 2 - Correntes de influência no Serviço Social (adaptado de Weber, 2011) ... 49 

Figura 3 - As três abordagens do Serviço Social (adaptado de Payne, 2006) ... 54 

Figura 4 - Perfil científico-burocrático: Técnico Superior de Serviço Social (Amaro, 2012, p.127) ... 60 

Figura 5 - Perfil científico-humanista: Assistente Social (Amaro, 2012, p.128) ... 60 

Figura 6 - Projeto societário do Serviço Social – elementos constitutivos (Amaro, 2012, p.189) 64  Figura 7 - Especificidades do Serviço Social (Amaro, 2012, p.144) ... 67 

Figura 8 - Tipos de funções dos assistentes sociais (adaptado de Amaro, 2012) ... 68 

Figura 9 - O processo de gestão de casos (adaptado de Almeida, 2013) ... 78 

Figura 10 - Regulações do desenvolvimento através das transações entre o comportamento do progenitor e da criança (adaptado de Sameroff & Fiese, 2000) ... 83 

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Figura 11 - Processo transacional que parte de expectativas de maus relacionamentos por parte dos progenitores para problemas de comportamento da criança (Sameroff & Fiese, 2000, p.147)

... 83 

Figura 12 - Mesótipo, fenótipo e genótipo como constitutivos mútuos do desenvolvimento individual (Sameroff, 2009, p.15) ... 84 

Figura 13 - Os 3 Rs da intervenção precoce à luz do modelo transacional (Sameroff & Fiese, 2000, p.150) ... 85 

Figura 14 - Modelo da Ecologia do Desenvolvimento Humano (adaptado de Bronfenbrenner, 1979) ... 86 

Figura 15 - Modelo de Apoio Social (adaptado de Dunst, 2000, p.99) ... 91 

Figura 16 - Modelo dos Sistemas Familiares (adaptado de Dunst, 2000, p.100) ... 92 

Figura 17 - Principais componentes de um modelo de intervenção precoce e apoio familiar integrado baseado na evidência (adaptado de Dunst, 2000, p.101) ... 93 

Figura 18 - Componentes principais do modelo das Práticas Contextualmente Mediadas para fornecer às crianças pequenas oportunidades de aprendizagem baseadas em interesses (Dunst et al., 2010, p.77) ... 94 

Figura 19 - Contextos de atividades quotidianas como oportunidades de aprendizagem em meio natural baseadas nos interesses da criança e fomentadoras de competências (Dunst et al., 2010, p.83) ... 95 

Figura 20 - Os três níveis do Modelo de Desenvolvimento Sistémico, ilustrando as suas inter-relações e influências recíprocas, incluindo os efeitos dos fatores de stress no sistema (Guralnick 2011, p.8) ... 96 

Figura 21 - Modelo de Desenvolvimento Sistémico para Intervenção Precoce (adaptado de Guralnick, 2005) ... 97 

Figura 22 - Aspetos do processo de libertação do papel (adaptado de King et al., 2009) ... 107 

Figura 23 - Genograma Familiar Intergeracional ... 116 

Figura 24 - Ecomapa de uma família ... 118 

Figura 25 - Sistema de categorias e subcategorias ... 128 

Figura 26 - Dimensões da intervenção do assistente social (adaptado de Payne, 2006) ... 167 

Figura 27 - Perfil do assistente social transdisciplinar ... 171 

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INTRODUÇÃO

O século XX constituiu-se como o século dos direitos das crianças, tendo esse paradigma conhecido um desenvolvimento contínuo ao longo desse período. Desde a Convenção de Genebra de 1924, passando pela Declaração dos Direitos da Criança de 1959, o estatuto da criança na sociedade foi sofrendo alterações e a sua condição de maior vulnerabilidade foi conhecendo uma consensualização mais vasta. Em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança que veio enfatizar a criança enquanto sujeito de direitos e não somente como beneficiária da assistência do outro, que os anteriores tratados haviam suscitado (Almeida & Fernandes, 2010). Focando especificamente as crianças com atrasos ou alterações de desenvolvimento, o princípio 5º da Declaração dos Direitos da Criança já salientava que “a criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição”. Mais tarde, a Convenção dos Direitos da Criança, no artigo 23º, foi mais a fundo nesta questão salientando que a criança com deficiência tem direito a condições especiais de cuidados, nomeadamente ao nível da educação e formação, no sentido do seu desenvolvimento pleno, em condições dignas e decentes, potenciando ao máximo a sua autonomia, participação e integração social. O mesmo artigo refere que os estados deverão partilhar entre si conhecimentos que proporcionem o desenvolvimento dos cuidados prestados a estas crianças, sendo que, sempre que possível, os mesmos sejam proporcionados de forma gratuita. Portugal, em concordância com a Convenção dos Direitos da Criança, vem reconhecendo a necessidade da sociedade se debruçar sobre as características especiais das crianças com deficiência, criando condições para que estas se desenvolvam de forma harmoniosa e consonante com os seus direitos. É neste enquadramento de direitos fundamentais da criança que surge a relevância da Intervenção Precoce (IP). Com efeito, a missão da IP é proporcionar bem-estar e prosperidade às crianças com atraso ou alterações de desenvolvimento e às suas famílias (Shonkoff & Meisels, 2000).

Do ponto de vista prático, a aplicação destas intenções vai obedecendo a critérios e princípios de intervenção que se vão transformando no sentido de ir ao encontro dos avanços da investigação científica na área do desenvolvimento infantil. Pensando esta questão no enquadramento do ponto 4 do artigo 23º da Convenção dos Direitos da Criança, que preconiza a promoção da “(…) troca de informações pertinentes no domínio dos cuidados preventivos de saúde e do tratamento médico, psicológico e funcional das crianças deficientes, incluindo a difusão de informações

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respeitantes aos métodos de reabilitação” verificamos que os serviços de IP vão sentido a necessidade de evoluírem tecnicamente, de forma a disponibilizar um serviço que respeite os legítimos direitos das crianças com deficiência, exigindo dos seus profissionais uma constante atualização, no sentido do reforço de competências e adoção de intervenções cada vez mais concordantes com os dados evidenciados pela investigação. A investigação dos anos mais recentes, nomeadamente no âmbito da neurociência, vem salientando aspetos determinantes como a neuroplasticidade, bem como a ênfase na existência de períodos críticos para o desenvolvimento em diversas áreas (cognitivo, linguagem e socio-emocional), que vêm aportando dados determinantes que podem induzir alterações aos serviços que prestam cuidados a bebés e crianças na primeira infância. Estes dados demonstraram que o cérebro tem a capacidade de reorganizar as suas estruturas e funções, em resposta a eventos específicos ou perturbações, através das características genéticas e das experiências precoces vivenciadas pelas crianças com o meio ambiente a que pertencem. A neuroplasticidade é uma característica que vai diminuindo de forma abrupta após a primeira infância, pelo que a as experiências precoces constituem a base das futuras aprendizagens, comportamentos e saúde. A título de exemplo, a investigação demonstrou que o nível de sinapses ocorrentes no cérebro de um ser humano na área cerebral relacionada com a linguagem recetiva (área de Broca) conhece o seu pico cerca dos 8 meses de idade, e vai descendo abruptamente ao longo dos primeiros anos de vida, até que por cerca dos 5 anos de idade já desce ao nível de sinapses de um adulto e assim se manterá no restante tempo de vida. Desta forma, experiências precoces positivas irão potenciar o seu desenvolvimento, ao passo que experiências precoces pobres, como negligência, maus-tratos, stress, medo e ansiedade, irão colocar seriamente em causa o seu futuro (Center on the Developing Child at Harvard University, 2011; National Scientific Council on the Developing Child, 2005, 2010a, 2010b, 2012; Shonkoff & Phillips, 2000).

Estes novos conhecimentos vieram corroborar e reforçar os dados anteriormente disponibilizados pela investigação no âmbito das ciências humanas e do comportamento. Autores como Gesell, Watson, Bowlby, Piaget e Vygostsky já haviam enfatizado a questão da interação das crianças com os cuidadores primários e o meio envolvente, como um aspeto determinante e central para o seu desenvolvimento. Nos dias de hoje, o paradigma de intervenção dos serviços de IP centra-se nestes contributos, realçando a necessidade dos serviços se orientarem no sentido da capacitação, quer dos cuidadores primários das crianças, quer dos contextos de vida em que se encontram inseridas, porque são estes que providenciam as experiências e as oportunidades de aprendizagem fulcrais

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para o desenvolvimento infantil das crianças com atraso ou alterações no seu desenvolvimento (Bruder, 2010a; Correia & Serrano, 2000; Dunst, 1997, 2000, 2007; Guralnick, 2001, 2011; McWilliam, 2010; Pimentel, 2005; Serrano, 2007; Shonkoff & Meisels, 2000; Shonkoff & Phillips, 2000; Slee, Campbell & Spears, 2012).

Em Portugal, o desenvolvimento dos serviços de IP vem conhecendo uma história relativamente recente, com os primeiros projetos a serem desenvolvidos nos anos 80, destacando-se a implementação do Modelo Portage para pais pela Direção de Serviços de Orientação e Intervenção Psicológica (DESOIP) e em 1989 o Projeto Integrado de Intervenção Precoce do Distrito de Coimbra (PIIP). Nos dias de hoje, a legislação portuguesa reconhece a especificidade da IP, com a primeira publicação a reportar o ano de 1999 com o Despacho Conjunto 891/99, de 19 de outubro e, posteriormente, a criação em 2009 do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI) com o Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro, recentemente reforçado através da Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro, que instituiu o Programa de Apoio e Qualificação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (PAQSNIPI). Este investimento na IP atesta a orientação da sociedade para a importância de intervir precocemente com as crianças em situações de risco e perigo de desenvolvimento, seja por questões biológicas ou ambientais, no sentido de construir as bases para um projeto social mais próspero para o futuro.

As alterações paradigmáticas e legislativas trazem mudanças também para a prática e para a intervenção desenvolvida pelos profissionais de IP, com implicações nas suas técnicas específicas de intervenção e na estrutura das equipas de IP. Desta forma, o estudo desenvolvido na presente dissertação foca-se na realidade de dois modelos de intervenção de equipas de IP: o modelo interdisciplinar e o modelo transdisciplinar. Pelo que os profissionais que colaboram com o estudo encontram-se inseridos num dos modelos em questão. Pretende-se contribuir com o presente estudo para a construção do perfil de atribuições e competências do assistente social enquanto profissional de IP e conhecer a sua forma de atuação em modelos de trabalho de equipa de IP distintos.

Deste modo, a presente investigação estrutura-se em quatro capítulos, sendo que o capítulo I “Serviço Social” pretende dar a conhecer o contexto no qual surgiu a profissão de assistente social até ao desenvolvimento da construção de identidade no contexto português, de modo a possibilitar uma análise aprofundada sobre as funções e competências do profissional. Através de um percurso histórico, o assistente social demonstrou competências que se foram transformando à

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medida que o contexto se alterou. Como tal, é pertinente compreender quais as funções que estão inerentes ao assistente social, promovendo o questionamento sobre o seu significado em equipas interdisciplinares e transdisciplinares.

No capítulo II “Intervenção Precoce” propõe-se uma abordagem às teorias que estão subjacentes à IP. Para tal exploram-se questões relacionadas com o desenvolvimento humano, dando depois lugar aos modelos de prestação de serviços em IP, de modo a compreender o papel do assistente social nestes serviços, procurando apresentar as recomendações existentes para a IP, bem como os papéis previstos na literatura para o assistente social em contextos de IP.

O capítulo III “Metodologia” contextualiza teoricamente as opções e justificações metodológicas assumidas. Apresenta-se o instrumento de recolha de dados, pormenorizando o processo da sua elaboração e validação, e caracteriza-se a amostra que serve de base à investigação realizada. O capítulo IV “Análise e discussão de resultados” contém a apresentação e a respetiva discussão dos dados surgidos no inquérito por entrevista, que, recorrendo-se à análise de conteúdo, permitiu explanar o conteúdo significativo obtido através da técnica de recolha de dados. Assim, problematizam-se, questionam-se e interpretam-se os dados apresentados à luz da contextualização teórica do presente estudo, contribuindo para o seu esclarecimento.

O presente estudo termina com as Conclusões, onde se apresentam as principais considerações do estudo, tendo em conta as suas limitações e são apontadas questões para futuros estudos que incidam nesta temática.

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PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO

A participação dos assistentes sociais em serviços de IP e as expectativas relativamente ao seu desempenho vêm sofrendo alterações no decorrer do tempo, sejam motivadas pelos avanços científicos na área, seja através da legislação emanada pela tutela sobre a matéria. Cada vez mais a literatura e a legislação portuguesa no âmbito da IP se alinham no mesmo sentido, tendo mesmo mais recente diploma lavrado sobre o tema (Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro), sublinhado a pertinência do trabalho transdisciplinar nos serviços de IP. Importa, portanto, entender em que medida estas alterações paradigmáticas que se têm vindo a sentir no nosso país impactam no dia-a-dia dos profissionais e no serviço por estes prestado às famílias e às crianças, com especial incidência para os assistentes sociais.

Se tradicionalmente o assistente social assumiu um papel de retaguarda no apoio à intervenção direta dos profissionais de IP, a abordagem transdisciplinar prevê que esse papel se reconfigure no sentido de dar resposta ao desafio da libertação do papel tradicional de assistente social e assunção do papel de intervencionista precoce (King et al., 2009). A abordagem transdisciplinar nos serviços de IP é um desafio para toda a equipa de IP passando o assistente social a assumir o papel de elemento que transfere conhecimentos da sua área e o papel de elemento recetor de conhecimentos transmitidos pelos colegas de equipa. Na abordagem interdisciplinar, por seu turno, não se prevê que o assistente social assuma este duplo papel, focando-se no seu papel especializado em colaboração informada com os restantes elementos da equipa, no sentido de dar resposta às necessidades de cada família. Neste sentido, surgem como questões a investigar: • Que competências e saberes específicos do assistente social são aplicáveis aos serviços

de IP?

• Quais as perspetivas dos diferentes profissionais de IP relativamente ao papel do assistente social nos serviços de IP?

• Existem diferenças nas perspetivas dos profissionais relativamente ao papel do assistente social em função do modelo de equipa existente nos serviços de IP?

• Quais os saberes específicos que o assistente social pode transferir num modelo de equipa de IP transdisciplinar?

• Existem diferenças nos papéis do assistente social em função do modelo de equipa de IP em que se encontra inserido?

• Que potencialidades e limitações perspetivam os profissionais de IP relativamente à participação do assistente social como prestador de serviços transdisciplinares?

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A partir destas questões, construíram-se os seguintes objetivos:

• Caracterizar as funções e competências do assistente social nos serviços de IP;

• Estudar as perspetivas dos diferentes profissionais de IP relativamente ao contributo do assistente social em modelos de equipa interdisciplinares e transdisciplinares;

• Identificar eventuais diferenças nas funções e competências do assistente social em IP, consoante o modelo de equipa em que se encontre inserido.

O estudo foca-se na realidade de dois modelos de intervenção de equipas de IP, pelo que os profissionais que colaboram com o estudo encontram-se inseridos num dos modelos em questão: interdisciplinar ou transdisciplinar.

Com base nos objetivos propostos foi delineado um estudo de natureza qualitativa, optando pelo inquérito por entrevista a profissionais de IP (n = 6) como técnica de recolha de dados. Foi desenhado, validado e aplicado um guião de entrevista semiestruturada com o objetivo de identificar o contexto de intervenção onde se encontra inserido o assistente social nos serviços de IP, a estrutura organizativa desses serviços e efeitos que essas características poderão induzir nos profissionais. As entrevistas foram realizadas a profissionais inseridos em serviços de IP, sendo que utilizou-se um rácio de 50% de profissionais de IP que operam com base no modelo interdisciplinar e 50% de profissionais de IP que operam com base no modelo transdisciplinar. Para aproximação das perspetivas genéricas de uma equipa de IP sobre os objetivos do estudo, foram entrevistados dois assistentes sociais, dois psicólogos e dois terapeutas. As entrevistas foram tratadas através da análise de conteúdo, de modo a afunilar os dados dos participantes do estudo.

Pretende-se contribuir com o presente estudo para a construção de uma perspetiva contemporânea do assistente social enquanto profissional de IP e conhecer a sua forma de atuação em modelos de trabalho de equipa de IP distintos, dado a escassez de investigação em Portugal específica neste tema (Martins, 2012; Medeiros, 2012).

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CAPÍTULO I–SERVIÇO SOCIAL

1.GÉNESE E EMERGÊNCIA DA PROFISSÃO

Profundamente alicerçado na prática, o Serviço Social profissionaliza-se primeiramente em Inglaterra e nos Estados Unidos da América com a institucionalização da assistência social, a criação das primeiras escolas e a abertura dos primeiros locais de trabalho para assistentes sociais nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX (Hare, 2004; Martins, 1999; Soydan, 2012). Esta emergência da profissão surge relacionada com a questão social decorrente dos fenómenos da industrialização, urbanização, proletarização, emergência das classes médias e individualização da sociedade, que levaram à emergência da necessidade de intervenção face a problemas sociais de cariz distinto dos anteriormente existentes. Ainda hoje, volvidos mais de 100 anos, a profissão de Serviço Social continua ser definida de forma pouco consensual, uma vez que a prática em si implica a afetação de conhecimentos de várias áreas do saber e o seu objeto de intervenção encontra-se em permanente mudança, quer sejam os indivíduos ou a estrutura social. Neste vasto referencial teórico multidisciplinar não existe uma linha científica que se destaque como suporte teórico de base para a profissão que se debruça sobre a relação do sujeito com a sociedade, intervindo com o objetivo de facilitar a mudança em ambos (Iamamoto, 1999; Kisnerman, 2001; Santos, 2009; Soydan, 2012).

Apesar da emergência e institucionalização da profissão ter ocorrido no século XIX, outras formas de ajuda já existiam, mas sem o cariz técnico, específico e reconhecido pela sociedade que o Serviço Social obteve pela forma como se demarcou da caridade, da filantropia ou da assistência. Na procura da linha ancestral do Serviço Social moderno, Ander-Egg (1995a) parte do conceito de caridade, destacando que esta nem sempre foi encarada como um aspeto positivo nas civilizações da antiguidade clássica. Através da disseminação do Cristianismo, a caridade começou a ser entendida como a principal virtude cristã e daí a sua difusão como prática social nas sociedades cristianizadas. O Judaísmo e o Islamismo, também defendem no seu enquadramento moral a caridade como prática a ser levada desenvolvida pelos seus seguidores. Fora da esfera religiosa, as manifestações laicas deste interesse pelo bem-estar do próximo aproximam-se mais do conceito de filantropia. Este conceito foi inicialmente introduzido pela corrente filosófica do Estoicismo no século IV, tendo posteriormente sido recuperada durante o período do Iluminismo. Comparativamente com a caridade, que se manifesta mais em ações individualizadas, a filantropia caracteriza-se por uma intervenção ao nível coletivo.

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Posteriormente, no século XIX, surgiu a assistência, como uma manifestação do desenvolvimento da caridade e da filantropia. A assistência incidiu sobre os problemas sociais inerentes ao processo de industrialização na sociedade ocidental – também denominada de questão social. O nível de intervenção da assistência é diverso, adaptando-se à realidade de cada situação problema. Para alguns casos o apoio é individualizado e noutras situações é desencadeada uma resposta coletiva, sempre com o objetivo de promover a coesão social, combater a pobreza, a exclusão e a marginalidade. O seu enquadramento normativo pode ser de cariz legislativo, semipúblico ou desenvolvido por associações particulares. Ao passo que a filantropia e a caridade dependiam em larga medida da disponibilidade de quem prestava o apoio, a assistência surgiu revestida de regulamentação que obedecia a critérios previamente estipulados (Ander-Egg, 1995a).

O desenvolvimento da assistência veio dar lugar à assistência social, que para além de se constituir como uma organização de processos administrativa mais complexa e completa, passou a intervir em áreas do social mais abrangentes, como é o caso da saúde, da habitação, da educação e das prestações sociais. Tal como a assistência, a assistência social também podia ser desenvolvida por organismos públicos e privados. Com o surgimento da Segurança Social, a junção da assistência social com este novo organismo veio criar o conceito de serviços sociais, como sendo uma forma plural de englobar todas as formas de apoios sociais disponibilizados aos cidadãos, quer por entidades públicas, quer por entidades particulares (Ander-Egg, 1995a).

O processo de emergência e institucionalização do Serviço Social foi, consequentemente, decorrente do desenvolvimento histórico dos problemas sociais e da forma como a sociedade os perspetivava e procurava dar resposta. No ponto seguinte descreve-se o desenvolvimento dessa resposta social por parte da sociedade ocidental, com especial relevância para os países anglo-saxónicos, pioneiros no campo do Serviço Social.

1.1. Das Poor Laws Inglesas ao movimento dos settlements

Em Inglaterra, no início do século XVI e até cerca de 1562, a pobreza tinha como grande foco as grandes parcelas de territórios destinadas para o pastoreio de gado ovino para a produção de lã. Esta atividade levou ao deslocamento de parte significativa da população para essas áreas agrícolas, onde as pessoas procuravam trabalho e abrigo. Ao longo deste período de mais de 200 anos, verificou-se um aumento da população em cerca de 25% nestas áreas rurais, que conjugado por diversas vagas de fome, levou ao aumento da pobreza em larga escala, tornando-a impossível de ser contrariada somente através das tradicionais iniciativas de caridade individuais. Assim, no

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sentido de combater a degradação social e o crescimento exponencial da miséria e da pobreza, que poderiam levar à revolta e à desobediência social, foram criadas em 1563 as Poor Laws Inglesas, revistas ainda em 1572, 1576, 1597 e 1601, que se constituíram como uma das primeiras grandes medidas políticas de ação social (Glicken, 2011).

As primeiras Poor Laws de 1563 realizaram uma divisão dos pobres em duas categorias distintas: os merecedores de apoios sociais e os não merecedores, que deveriam ser punidos pelo seu comportamento. Os merecedores eram compostos pela população idosa, pelas crianças, pelas pessoas doentes e pelas famílias que se encontravam numa situação financeira impeditiva de alterar a sua condição pelos próprios meios. Os não merecedores eram constituídos pela população que se dedicava ao furto e ao crime para sustentar a sua vida, pelos migrantes que se deslocavam pelo país à procura de trabalho e pelos indivíduos que se dedicavam à mendicidade. A primeira alteração às Poor Laws surge em 1572 com a introdução de uma taxa local de apoio aos pobres, cujo cariz demonstrava que a responsabilidade de apoiar os pobres pertencia às comunidades locais, numa crescente filosofia de apoio mútuo e responsabilidade social entre os cidadãos (Glicken, 2011).

Em 1576 nasce o conceito de workhouse reformulado posteriormente em 1597 e 1601 que se constituiu como a resposta instituída pelas Poor Laws até 1834. As workhouses inglesas foram criadas para estimular a criação de uma ética de trabalho nas pessoas mais pobres, providenciando simultaneamente, comida, abrigo, roupas e cuidados de saúde. No entanto, a realidade vivenciada nas workhouses era diferente da prevista legalmente, uma vez que as condições eram bastante precárias. As infraestruturas sanitárias eram rudimentares e o facto de serem partilhadas por muitas pessoas tornavam-nas um foco de doenças e de mal-estar. A entrada

da worhouse da Birmingham Union era conhecida como a Arcádia das Lágrimas, em alusão à

conotação negativa que as workhouses foram construindo ao longo dos anos. Durante a sua estadia numa workhouse, o indivíduo assistido e capaz de trabalhar, aprendia novas competências através do trabalho dentro da workhouse e poderia posteriormente tornar-se um artífice ou outro profissional capaz de subsistir autonomamente fora da proteção institucional da workhouse. A saída do internato dependia do parecer das autoridades locais responsáveis por cada workhouse que tinham poder para definir quando um indivíduo estava capacitado para sair ou não, ou se seria expulso para uma casa de correção por comportamento inadequado ou não ser merecedor de ajuda (Glicken, 2011).

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Depois de 1834 a legislação das Poor Laws Inglesas foi novamente revista, passando a responsabilidade administrativa de cada workhouse das autoridades locais para toda a comunidade envolvente, que se podia reunir no sentido de prestar ajuda aos mais carenciados. No entanto, as condições nas workhouses não melhoraram muito mais com o passar dos anos. A entrada de um indivíduo nas workhouses só se dava quando este não encontrava outra alternativa na sociedade. Uma vez entradas nas workhouses as pessoas eram divididas e segregadas por idade e género, sendo separados casais, mesmo os mais idosos, de forma a impossibilitar a existência de nascimentos dentro das workhouses. As pessoas que não conseguissem trabalhar por incapacidade eram mantidas todas juntas durante dia e noite sem qualquer tipo de atividade recreativa ou de lazer (Glicken, 2011).

Esta realidade vivenciada dentro das workhouses difundiu-se cada vez mais junto da comunidade intelectual burguesa britânica, tornando-se motivo de apreensão e crítica acérrima às Poor Laws em vigor, conduzindo à emergência de um tipo de resposta que efetivamente fizesse face às necessidades da população mais carenciada, numa lógica de capacitação e autonomização dos indivíduos. Um dos primeiros movimentos organizados da comunidade foi a instituição da Charity

Organization Society (COS) em 1869, que tinha como objetivo coordenar as atividades

desenvolvidas nas diversas organizações de caridade do país. A COS assegurava a autonomia financeira e administrativa de cada organização que a integrava, servindo essencialmente de ponto de intercâmbio de conhecimentos na área e divulgação de atividades, tendo também passado a organizar todo o processo de assistência providenciado. Este elemento organizador trouxe consigo debate e questionamento relativamente ao tipo e qualidade das práticas desenvolvidas pela assistência. Deste processo surgiram necessidades de formação de profissionais, a que a COS procurou dar resposta, nomeadamente através de conferências e trabalhos práticos. Posteriormente, em 1903 foi criada a London School of Sociology para trabalhadores sociais, cuja formação era predominantemente de teor sociológico. O diretor desta escola era Charles Stewart Loch, que cumulativamente era o secretário-geral da COS. A influência e o destaque do trabalho desenvolvido pela COS fizeram com que esta organização se espalhasse rapidamente pelos outros países anglo-saxónicos e de tradição protestante (Glicken, 2011; Martins, 1999).

Paralelamente à atividade desenvolvida pelas COS, em 1884 inicia-se o movimento dos

settlements, que também se constituiu como um marco essencial da história do Serviço Social.

Um dos mais notabilizados settlements surgiu na zona leste da cidade de Londres, com o nome

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jovem padre inglês. O nome Toynbee Hall foi escolhido em homenagem a Arnold Toynbee, uma figura de relevo em Oxford, que escolhera uma vida humilde e de defesa da aproximação entre classes sociais, integrando-se em bairros de trabalhadores pobres no distrito londrino de Whitechapel, cujo exemplo influenciara os criadores do primeiro settlement, nomeadamente Barnett, que desenvolvia funções aciprestais na igreja de Whitechapel. Barnett caracterizava o

Toynbee Hall como um local privilegiado de contacto entre diferentes classes sociais, onde não

existia um plano ou plataforma predefinida para a intervenção. Os seus membros não tinham como intenção fazer caridade, mas sim educar pela permeabilidade, ou seja, defendiam que o principal agente para a mudança era o contacto direto e prolongado entre indivíduos de estratos socioeconómicos diversos, cuja interação iria conduzir ao desenvolvimento comum (Lengermann & Niebrugge-Brantley, 2002; Myers, 2011).

Apesar do Serviço Social contemporâneo possuir as suas raízes diretas do movimento dos

settlements, na Europa continental as ideias de desenvolvimento comunitário através de

instituições já haviam surgido antes da criação do Toynbee Hall. De acordo com Weber (2011), o pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi ainda no século XVIII, defendia as mesmas premissas do movimento dos settlements. Pese embora ser considerado como o pai da pedagogia moderna, Pestalozzi também se assume como uma referência indireta, mas próxima, para o Serviço Social. Um exemplo que sustenta esta ideia prende-se na criação em 1769 de uma empresa agrícola –

Neuhof – para crianças desfavorecidas, cujo objetivo visava proporcionar a cada criança os meios

económicos para a sua autonomia, recusando qualquer tipo de assistencialismo, vulgarmente existente nessa época. Posteriormente, Pestalozzi criaria outra instituição semelhante, mas para a vertente industrial. Em ambos os casos a experiência seria condenada ao insucesso, uma vez que após receberem a formação, as crianças eram retiradas das instituições pelos familiares, no sentido de colocar as crianças ao serviço dos interesses das famílias. Anos mais tarde, Pestalozzi viria a fundar um instituto de formação de educadoras de infância. Em todo o caso, na sua ação verifica-se um primazia pelos conceitos de autonomia e liberdade do individuo que envolvem transversalmente toda a obra de Pestalozzi, bem como uma perspetiva construtivista da realidade, defendendo que o indivíduo faz as circunstâncias, ao mesmo tempo que estas fazem o indivíduo e, neste sentido, emerge a sua conceptualização de autonomia, como sendo uma construção feita pelo ser humano dos seus próprios limites na interação com o outro. Ressalve-se que a contemporaneidade da abordagem de Pestalozzi com a de Rousseau, Diderot e Haüy fazem com que se insira na corrente humanista contextualizada com a Declaração dos Direitos do Homem e

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do Cidadão de 1789. A metodologia educativa de Pestalozzi procurou favorecer a autonomia das crianças através da aprendizagem da leitura e da escrita, pelo que Weber (2011, p. 25) classifica-o cclassifica-omclassifica-o sendclassifica-o “(…) classifica-o precursclassifica-or, nãclassifica-o só da pedagclassifica-ogia mclassifica-oderna, da educaçãclassifica-o e dclassifica-o trabalhclassifica-o sclassifica-ocial, mas também do desenvolvimento humano.”. De facto, Brendtro (1990) salienta diversos aspetos do trabalho desenvolvido por Pestalozzi com crianças institucionalizadas, que para além de se constituir como um esforço consciente da necessidade de apoiar os mais carenciados, também se fundamenta em princípios de parceria, responsabilidade e inclusão. As crianças com mais dificuldades de aprendizagem eram colocadas a trabalhar juntamente com crianças com mais capacidades, para que trabalhassem em conjunto e se ajudassem mutuamente, transferindo competências entre elas.

No entanto, a industrialização iniciada no final do século XVIII veio mudar a estrutura social das sociedades ocidentais, e nesse sentido, o Serviço Social contemporâneo surge associado a essa mudança de modelo social, pelo que é pouco comum existirem associações diretas entre Pestalozzi e a emergência e institucionalização do Serviço Social. Por outro lado, o movimento dos

settlements iniciado pelo Toynbee Hall emerge precisamente do efeito negativo deste novo modelo

social para as populações mais fragilizadas, pelo que a literatura traça a linha ancestral do Serviço Social contemporâneo diretamente a partir da experiência inglesa e norte-americana (Glicken, 2011; Weber, 2011).

A industrialização também trouxe consigo uma realidade social profundamente marcada pela imigração massiva de europeus para o continente norte-americano, em busca de trabalho e de melhores condições de vida, fugindo aos danos sociais provocados pela industrialização na Europa. Nova Iorque era o ponto privilegiado de entrada destes imigrantes, sendo Ellis Island (uma pequena ilha localizada junto à Estátua da Liberdade) o local de escrutínio individual de cada imigrante, no sentido de aferir se possuíam alguma doença contagiosa ou incapacidade física e/ou intelectual que os impossibilitasse de trabalhar. Em caso de não reunirem as condições necessárias, era vetada a entrada desses indivíduos que teriam de regressar à Europa. Os que recebiam visto de entrada nos Estados Unidos da América tinham à sua espera uma cidade de Nova Iorque multicultural e em pleno crescimento económico, em que ao mesmo tempo que a bolsa de Wall Street se desenvolvia, também a pobreza entrava em escalada. A resposta social providenciada era garantida por iniciativas privadas de associações e sociedades de socorro mútuo, das quais se destacam os diversos polos locais da COS norte-americana e por políticas sociais insuficientes e baseadas no modelo das Poor Laws inglesas. No entanto, a constatação por

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parte da burguesia nova-iorquina da proliferação de flagelos sociais como a prostituição, a mendicidade, a escravatura e a pobreza infantil, bem como a fusão de Nova Iorque com a cidade dormitório de Brooklyn, foco de exclusão social, levou a que a partir de 1890 começassem a surgir as primeiras ações legislativas modernas sobre a proteção social (Glicken, 2011; Myers, 2011; Weber, 2011).

No entanto, até ao surgimento da Segurança Social norte-americana em 1935, foi a iniciativa privada a dar resposta às necessidades sociais das franjas mais desfavorecidas e neste contexto surgiu em Nova Iorque a primeira escola de Serviço Social norte-americana – Summer School in

Philantropic Work – a 20 de junho de 1898, por iniciativa de Robert W. Forest, presidente da COS

norte-americana e Mary Richmond, fundadora e docente da escola de Nova Iorque. Foi identificado por Mary Richmond a necessidade de ser criada uma formação de base em que os voluntários de ação social estudassem todos os aspetos fundamentais comuns nas práticas de Serviço Social, através de um sistema que combinasse aspetos teóricos com a prática, pelo que os cursos de verão vieram dar resposta a essa necessidade (Branco, 2010; Kam, 2012; Mouro, 2001; Glicken, 2011).

Podiam-se inscrever no curso de verão diplomados de universidades recomendados pelos seus formadores, bem como pessoas com trabalho filantrópico relevante realizado. O currículo do curso de verão compreendia temas relacionados com o apoio domiciliário, a entrevista, apoio à procura de emprego, cuidados à família afetada pela doença, delinquência juvenil, absentismo laboral, etc. Os conteúdos expostos aos alunos eram desenvolvidos por profissionais envolvidos no apoio social e por professores. Posteriormente, em 1904, o curso passa a ter duração anual e os primeiros alunos assumem um papel importante na formação dos seguintes. A escola passou a ser denominada de New York School of Philantropy, e ofereceu aos seus alunos uma dupla perspetiva de aprendizagem, caracterizada, por um lado, pela experiência prática de trabalho junto da população desenvolvido pela COS e, por outro lado, as investigações sociais, as reformas legislativas e o surgimento das ciências sociais. É estabelecida uma das principais características do Serviço Social moderno: a conjugação da realidade empírica da profissão com os dados provenientes da investigação científica. A Universidade de John Hopkins, sedeada em Baltimore, foi um parceiro fundamental neste processo, contrapondo o trabalho prático da COS com a investigação desenvolvida no âmbito das ciências sociais. Os estudantes, orientados pelos investigadores das ciências sociais, eram enviados para o terreno onde recolhiam dados através de observação direta. Neste ponto, a investigação já se havia disseminado por toda a costa leste

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dos Estados Unidos da América com Zilpha Smith na cidade de Boston, Anna Dawes em todo o estado do Massachussets e Mary Richmond nos estados de Maryland e Pensilvânia a desenvolverem trabalho de campo apoiadas por Amos Warner que na Universidade de John Hopkins estabelecia a ligação da prática com a teoria. Desta dinâmica surgiram duas obras incontornáveis do Serviço Social: American Charities de Amos Warner em 1894 e Friendly Visiting

Among the Poor de Mary Richmond em 1899, que ainda hoje têm uma influência marcada na

prática dos assistentes sociais (Agnew, 2010; Branco, 2010; Kisnerman, 2001; Weber, 2011). Desde a sua génese, o Serviço Social assumiu de imediato uma dupla corrente, com Mary Richmond a destacar-se no Serviço Social individual, através da abordagem caso a caso, e Jane Addams a destacar-se no Serviço Social de grupos/comunitário (Branco, 2010).

1.2. O contributo de Mary Richmond para o Serviço Social

Presente na fase de emergência do Serviço Social, Mary Richmond assumiu um papel central na legitimação da profissão nas suas primeiras décadas de existência, cujo contributo ainda hoje se encontra marcado na intervenção desenvolvida pelos assistentes sociais. A já referida obra intitulada Friendly Visiting Among the Poor de 1889 divide-se em dez capítulos que se debruçam sobre as temáticas do apoio à família, apoio domiciliário, a mulher doméstica, a infância, as despesas e as poupanças familiares, o lazer, a igreja e os visitantes que apoiam as famílias no seu contexto natural. Apesar de possuir mais de um século de existência, a obra de Richmond aprofunda questões que se mantêm pertinentes, não só em Serviço Social, mas também na Intervenção Precoce (IP), como por exemplo, a integração do pai no processo de ajuda face a questões da vida da família e dos cuidados às crianças, questões escolares, cuidados médicos, etc. Com a obra What is Social Casework de 1922, Richmond criou a metodologia casework (Serviço Social de casos), que procura integrar o indivíduo dentro da rede de ligações sociais em que se encontra inserido, perspetivando-o em diferentes níveis, seja enquanto trabalhador, vizinho e cidadão, seja enquanto elemento de uma família nuclear. Richmond refere que independentemente das características das dificuldades sentidas pelo indivíduo, este está inserido num contexto e deverá ser nesse contexto que os profissionais devem trabalhar desenvolvendo uma relação de proximidade e de parceria, enfatizando a necessidade de trabalhar tanto com a pessoa como com o seu contexto de pertença (Agnew, 2010; Branco, 2010; Mouro, 2001; Kisnerman, 2001; Weber, 2011). Não deixa de ser interessante verificar a aproximação destes conceitos com as perspetivas ecológicas e sistémicas que levaram ao surgimento de teorias como

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o Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner e o Modelo Transacional de Sameroff e Chandler, ambos surgidos na década de 1970 e que tanto influenciam a IP contemporânea. Apesar do casework ter sido criado por Richmond, desenvolvimentos posteriores aportam-nos outras características que o aproximam novamente da IP e das práticas centradas na família, onde é salientado que no casework o cliente estabelece as suas próprias escolhas, decidindo a sua própria vida, preferindo não ser forçado ou manipulado pelo profissional, esperando deste conselhos profissionais e não ordens (Agnew, 2010; Serrano, 2007; Weber, 2011).

Também central para o desenvolvimento da legitimação do Serviço Social enquanto profissão destaca-se a obra Social Diagnosis, de 1917, também de Mary Richmond que serviu de referência fundamental para intervenção dos assistentes sociais anglo-saxónicos ao longo de várias décadas, conferindo um cunho positivista de caráter inequivocamente científico à profissão de Serviço Social, em linha com a corrente de pensamento então vigente nas ciências sociais (Mouro, 2001; Weber, 2011).

1.3. Jane Addams e o Hull House Settlement de Chicago

Contemporânea da realidade vivenciada em Nova Iorque, metade da população da cidade de Chicago em 1900 era constituída por imigrantes, e tal como na realidade nova-iorquina, em Chicago proliferavam problemas sociais devido à industrialização exponencial aí sentida. A sociedade encarava os problemas como pobreza, os bairros degradados, delinquência juvenil, conflitos e violência étnica, racismo e criminalidade, fazendo crescer dentro de alguns núcleos sociais intelectualizados (juristas, médicos, padres, professores, etc.) movimentos que visassem combater estes flagelos. O movimento reformador Progressive Era constituiu-se como um importante impulsionador de medidas legislativas que protegessem as franjas mais carenciadas da população, e dentro deste movimento encontravam-se várias mulheres diplomadas em ciências sociais, nomeadamente em Serviço Social. No entanto, as ações sociais iam para além desse movimento. Chicago caracterizou-se pela abordagem comunitária com que enfrentou os problemas sociais, tendo surgido na cidade vários social settlements à imagem dos que já existiam em Londres, com destaque para o Toynbee Hall. Os settlements edificaram-se pela forte influência do radicalismo e do feminismo, sendo caracterizados por uma população pobre, excluída e desfavorecida. Dentro do movimento dos settlements de Chicago, o mais conhecido, e indubitavelmente uma referência para o Serviço Social moderno, foi o Hull House Settlement

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criado em 1889 por Jane Addams, jovem diplomada em ciências sociais. O Hull House Settlement inseria-se num bairro construído numa zona pobre da cidade de Chicago, com ruas sujas, escolas em número insuficiente, desrespeito pela legislação sanitária da época, pouca iluminação pública nas vias e pavimento muito degradado ou inexistente nas ruelas e caminhos mais pequenos. Apoiada pela sua colega Ellen Starr, Jane Addams criou o Hull House Settlement que se constituiu como uma resposta social com serviços sociais como jardim-de-infância, biblioteca, museu do trabalho, ações de formação, etc., destinados aos imigrantes carenciados que residiam nessa zona pobre da cidade. É indiscutível o caráter inovador e vanguardista da iniciativa de Addams, em tudo semelhante às respostas sociais dos dias de hoje, mais de 100 anos volvidos (Agnew, 2010; Branco, 2010; Weber, 2011).

No entanto, Addams não criou somente a estrutura da resposta social, introduziu também a premissa de que para dar uma resposta eficaz às necessidades das pessoas, os assistentes sociais deveriam imergir-se no seio das comunidades pobres, para melhor compreender as suas dificuldades do dia-a-dia. O facto de Addams ter efetuado a sua formação superior na Europa, onde teve a oportunidade de trabalhar diretamente no Toynbee Hall de Londres, foi um fator importante e uma fonte de inspiração para a sua atividade em Chicago no Hull House Settlement. A intervenção social de Addams não se limitava à formação das classes mais pobres com conhecimentos e perspetivas provenientes da elite social que aí desenvolvia a intervenção comunitária. Pelo contrário, Addams encorajava as pessoas a “(…) adquirirem o controlo da sua própria existência e a desenvolverem o seu próprio percurso (…)”, ideia muito próxima ao conceito

de empowerment tão presente no Serviço Social e na IP, que valoriza e enfatiza as competências

que os indivíduos possuem. O Hull House Settlement tinha como missão “(…) disponibilizar um centro para uma vida social e de cidadania mais elevadas; instituir e manter projetos educativos e filantrópicos, estudar e melhorar as condições de vida nos bairros industriais de Chicago.”. Como exemplo deste princípio, no segundo ano de existência do Hull House Settlement, um operário inglês criou o Working People’s Social Science Club, que se reuniu semanalmente durante sete anos, onde se debateram temas como as condições económicas e sociais, por pessoas mais e menos instruídas. Este grupo emergido dentro do Hull House Settlement era a concretização de valores centrais para a ideologia de Addams, tais como a liberdade de expressão, a igualdade, a justiça social e a aceitação da diversidade e pluralidade de ideias (Branco, 2010; Kam, 2012; Weber, 2011, p. 37).

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Todo o percurso de Addams é caracterizado pela luta por melhores condições laborais para os trabalhadores da indústria, pela melhoria da educação, pela resolução dos problemas dos imigrantes, pela intervenção materno-infantil, pelo combate ao racismo e à delinquência juvenil, valorizando as pessoas não apenas do ponto de vista material, mas também do ponto de vista cultural. Um exemplo evidente deste ativismo é o museu do trabalho do Hull House Settlement que foi buscar toda a riqueza e diversidade cultural dos operários imigrantes da cidade, expondo uma miríade de profissões e técnicas artesanais de todo o mundo. Outro exemplo foi a aquisição por parte do Hull House Settlement de terras de cultivo fora da metrópole de Chicago, para que os imigrantes do sul de Itália, que durante toda a vida cultivaram a terra no seu país, pudessem aportar toda a sua experiência e conhecimentos no novo país (Weber, 2011).

Todo o ativismo do Hull House Settlement contagiou-se por toda a cidade e em vários bairros começaram a surgir cada vez mais movimentos de ação social comunitária. Esta riqueza social, característica do Melting Pot norte-americano, constituiu-se como um pano de fundo para a realização de diversos inquéritos e investigações sociais que contribuíram para todo o conhecimento científico que a Escola de Chicago veio trazer para a Sociologia e as ciências sociais em geral, através de investigadores como Robert Park, Ernest Burgess, Louis Wirth e Nels Anderson, entre outros (Soydan, 2012; Weber, 2011).

Addams prosseguiu o seu trabalho no Hull House Settlement durante vários anos, no sentido de, em conjunto com a população que procurava apoiar e capacitar, defender a igualdade, a justiça e a implementação de reformas sociais, sempre integrados em movimentos ideológicos pacifistas e feministas. É com as mulheres de Chicago que Addams se tornou na primeira presidente da

Women’s International League for Peace and Freedom, advogando pelos direitos de igualdade

entre homens e mulheres, nomeadamente o direito ao voto. Em 1931 Addams vê reconhecido internacionalmente todo o seu contributo e pioneirismo na construção do conceito atual de

empowerment, da intervenção comunitária e de grupos, sendo galardoada com o Prémio Nobel

da Paz (Branco, 2010; Weber, 2011).

1.4. O Serviço Social em Portugal: dos movimentos higienistas à emergência do Serviço Social português

Em Portugal a questão da mortalidade infantil afigurava-se como um problema social central no século XIX, em que mais de metade das crianças nascidas em Lisboa não atingia os cinco anos de idade, fruto das parcas condições sanitárias, deficientes sistemas de saneamento e falta de

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higiene na via pública, que deixavam em crianças em graves situações de carência. A Misericórdia assistia as crianças abandonadas e as mães pobres, protegendo-as no período do puerpério com refeições e apoio para não necessitassem de trabalhar para subsistir. Existiam também asilos que acolhiam crianças abandonadas e proporcionavam instrução primária. Para as crianças filhas de famílias com mães operárias e empregadas criaram-se as primeiras creches no Porto (1852) e posteriormente em Lisboa (1875). A resposta social portuguesa mantinha um cunho baseado em ações de voluntariado, mas com fraca participação por parte da comunidade, levando a um escasso número de voluntários e a uma resposta ineficaz. Se nos Estados Unidos da América surgiu em 1898 o primeiro curso de formação de assistentes sociais, em Portugal recorreu-se à reorganização do curso de enfermagem para dar resposta aos problemas sociais da população. A formação da enfermagem começou progressivamente a laicizar-se e a especializar-se, tendo surgido as primeiras enfermeiras-visitadoras com a criação de postos específicos na saúde pública para essas funções (Martins, 1999; Weber, 2011).

As primeiras respostas vanguardistas em Portugal assemelharam-se ao tipo de resposta desencadeada nos países francófonos, com um tipo de apoio descentralizado e focado nas características específicas de cada indivíduo e dos seus contextos de pertença. Neste sentido, tal como em França, Portugal iniciou o movimento de assistência no domicílio como uma resposta às carências de condições de salubridade relacionadas com doenças infectocontagiosas, como a peste e a tuberculose, que afetavam, com especial relevância, as camadas mais pobres da população. Assim, surgiu o movimento higienista, em que os médicos e as enfermeiras visitantes destacaram-se pelo apoio desenvolvido junto desta população. Destes movimentos, em Portugal, destacam-se a Liga Nacional contra a Tuberculose e a Assistência Nacional aos Tuberculosos. Pese embora este apoio ser um ato de saúde desenvolvido após diagnóstico médico da situação, a realidade social existente exigia que a intervenção desenvolvida pelas enfermeiras-visitantes não se circunscrevesse ao aspeto clínico da situação, mas sim uma abordagem mais ampla que fizesse frente aos problemas sociais encontrados que muitas vezes eram a génese ou consequência da situação de saúde. Essa abordagem aos problemas sociais encontrados foi fortemente influenciada pela abordagem do casework de Mary Richmond, cujo livro fora traduzido para a língua francesa em 1926. Esta obra tornou-se um marco importante para o Serviço Social francês, uma vez que constituiu o fundamento teórico que permitiu que os profissionais de Serviço Social se demarcassem das pessoas que desenvolviam ações de caridade, que muitas vezes não tinham em linha de conta os aspetos relacionados com a autonomização, capacitação e empowerment

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das populações alvo da sua ação. Richmond dividiu o método do casework em três fases sucessivas: o inquérito (análise), a apreciação (diagnóstico) e o tratamento (terapêutica), servindo de estrutura de base para a intervenção dos movimentos higienistas europeus. No entanto, ressalve-se que a aplicação da metodologia do casework adaptou-se ao modelo europeu, em que as enfermeiras-visitantes dedicavam-se exclusivamente à componente do tratamento (terapêutica), cabendo ao médico o inquérito (análise) e a apreciação (diagnóstico) de cada caso. Os fatores históricos assumiram um peso determinante para que esta abordagem clínica se mantivesse durante um período mais longo devido à Segunda Guerra Mundial e aos efeitos que este flagelo trouxe para as populações, nomeadamente as condições sanitárias e de higiene público, visto que a mortalidade infantil e a tuberculose eram a principal preocupação dos assistentes sociais nessa fase. No pós-guerra, a influência norte-americana na Europa assumiu um papel cada vez mais relevante em vários aspetos da sociedade e, no caso do Serviço Social, o casework de Mary Richmond saiu ainda mais reforçado. As necessidades da população no pós-guerra tornaram ainda mais premente a utilização da metodologia do casework para fazer face às características específicas de cada indivíduo, pelo que à medida que os profissionais se empenhavam na crescente legitimação da profissão, cada vez mais esta se aproximava das questões sociais e da elaboração e implementação de legislação específica, e ia-se afastando do modelo clínico anteriormente vigente (Martins, 1999; Robertis, 2011).

O movimento de institucionalização do Serviço Social sucedeu-se um pouco por toda a sociedade ocidental, em concomitância com o crescente paradigma económico do capitalismo e desigualdades sociais inerentes a este modelo. Num processo semelhante ao decorrido nos Estados Unidos, no continente europeu começaram a surgir os primeiros cursos de Serviço Social em vários países, nomeadamente em Inglaterra e na Alemanha no ano de 1908, em França em 1911, na Bélgica em 1920 e em Espanha em 1932. Destaque-se, também, a realização do Iº Congresso Internacional de Serviço Social em Milão, no ano de 1925, e da primeira Conferência Internacional de Serviço Social em Paris, em 1928 (Martins, 1999; Mouro, 2001).

Por seu turno, o surgimento do Serviço Social português foi um fenómeno lento e fortemente influenciado pelos poderes de ordem social vigentes nos diferentes momentos na sociedade portuguesa. O primeiro contraste face à realidade norte-americana refere-se ao facto de em Portugal o processo de industrialização e urbanização ter sido bastante mais lento, o que fez com que as preocupações da sociedade face às desigualdades entre os indivíduos que a constituem surgissem somente com mais premência no final do século XIX e princípio do século XX. A resposta

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social para estas questões até essa fase resumia-se às ações de caridade e beneficência promovidas pelas Misericórdias portuguesas e algumas organizações particulares, cujas características impossibilitavam a capacidade de responder adequadamente aos novos desafios sociais que o modelo de sociedade industrial acarretou (Martins, 1999; Santos, 2008).

O segundo contraste importante comparativamente com a realidade anglo-saxónica residiu na influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa, ao contrário da tradição do Protestantismo existente em Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Esta questão religiosa influenciou em grande medida a tipologia das respostas sociais acionadas para fazer face aos problemas sociais. Se nos países anglo-saxónicos a perspetiva laica e positivista era uma importante alavanca para a institucionalização do Serviço Social baseado nas ciências sociais e na investigação, nos países católicos a influência social da Igreja junto da população e do poder político era tal, que esse Serviço Social emancipador e científico encontrava fortes resistências para se implementar. Não obstante o movimento republicano português ter-se aproximado dos valores anglo-saxónicos de laicização e liberalismo, a instauração do Estado Novo através do golpe militar de 28 de maio de 1926 veio desviar essa laicização e tornar o Serviço Social português um reforço do poder conjunto do Estado e da Igreja sobre a população. Após a instauração da ditadura em Portugal foram reorganizados os serviços de saúde pública, reconhecendo os atrasos que o país apresentava ao nível da higiene pública, com especial ressalva para a mortalidade infantil. Neste sentido, e para lhe fazer face, foram criados os Dispensários de Higiene Social e Postos de Proteção à Infância em Lisboa e no Porto, sendo integradas nestes as visitadoras contra as doenças infeciosas, cuja formação era da responsabilidade da Direção-Geral de Saúde. Os primeiros cursos realizaram-se me 1929 e em 1930, tendo a duração de seis meses, com uma estrutura curricular que versava as áreas da puericultura, higiene (geral, pré-natal e alimentar) e profilaxia de doenças transmissíveis. Nessa fase surgiu legislação específica que tornou esta atividade de visitadora como uma nova profissão. Posteriormente, em 1931, surgiram nas faculdades de medicina de Lisboa, Porto e Coimbra o curso de Enfermeira Visitadora, cuja duração era de um ano letivo, ao que se somavam seis meses de estágio em dispensários de puericultura e de luta contra a tuberculose e a sífilis (Martins, 1999, 2009; Mouro, 2001).

Nesta fase, apesar de todos os ensaios de cariz científico provenientes de diversas referências na área em Portugal, nomeadamente os médicos Pacheco de Miranda, Branca Rumina, Sara Benoliel e José Lopes Dias, que visavam a estruturação de cursos de Serviço Social à imagem do já praticado nos Estados Unidos e Inglaterra, o Estado Novo planificou a criação de escolas de Serviço

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Figura 1 – Definição de Serviço Social (Hare, 2004)
Figura 2 - Correntes de influência no Serviço Social (adaptado de Weber, 2011)
Figura 3 - As três abordagens do Serviço Social (adaptado de Payne, 2006)
Figura 4 - Perfil científico-burocrático: Técnico Superior de Serviço Social (Amaro, 2012, p.127)
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Referências

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