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RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, RAÇA /ETNIA E CLASSE: a condição das mulheres na formação sócio-histórica brasileira

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Academic year: 2021

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RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, “RAÇA”/ETNIA E CLASSE: a condição das mulheres na

formação sócio-histórica brasileira

Gabrielle Chaves1 Kissia Wendy Silva de Sousa2 Mayra Hellen Vieira de Andrade3 Luana Farias de Oliveira4 Luanna de Oliveira Cavalcanti5

RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a realidade das mulheres no período da formação sócio-histórica brasileira, a partir da perspectiva da consubstancialidade das relações sociais de sexo, “raça”/etnia e classe que estruturam a sociedade patriarcal-racista-capitalista. Para isso, utilizamos pesquisa bibliográfica e nos ancoramos no Feminismo Materialista Francófono, a partir de uma análise dialética das relações sociais que pretende explorar as múltiplas formas de dominação e exploração sobre as mulheres no Brasil.

Palavras-chave: Mulheres. Patriarcado. Relações sociais de

sexo, “raça”/etnia e classe. Consubstancialidade.

ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the reality

of women in the period of Brazilian socio-historical formation, from the perspective of the embolied of the social relations of sex, race / ethnicity and class that structure the patriarchal-racist-capitalist society. For this, we use bibliographical research anchored in the Francophone Materialist Feminism, based on a dialectical analysis of social relations that intends to explore the multiple forms of domination and exploitation of women in Brazil.

Keywords: Women. Patriarchy. Sex, “race”/ethnicity and class

social relations. Consubstantiality.

1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: gabichavees@gmail.com

2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: kissiawendy@hotmail.com

3 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: mayra-hellen@hotmail.com

4 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia. E-mail: fdoluana@gmail.com

5 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: luu.koc@gmail.com

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1 INTRODUÇÃO

Para compreender a formação sócio-histórica das mulheres na sociedade brasileira, é necessário considerar que não há uma realidade homogênea — mas, ao contrário, múltiplas especificidades, construídas a partir das relações sociais de sexo (incluindo sexualidade), “raça”/etnia e classe. Deste modo, é imprescindível analisar o patriarcado indissociável da formação colonialista, racista e capitalista, a fim de não universalizar a realidade das mulheres.

Compreendemos que há várias realidades no tocante às mulheres que dependem das relações sociais que as permeiam. No caso das mulheres negras, há toda uma estrutura que as direciona para um espaço de subalternidade na dinâmica social, sendo isso uma expressão da formação sócio-histórica do Brasil que foi construída a partir do patriarcado e racismo. Deste modo, foi a partir da colonização que as primeiras marcas de dominação e exploração foram forjadas contra as mulheres, principalmente negras e índias, sendo expressões presentes até a contemporaneidade, com suas marcas reatualizadas constantemente.

Neste artigo, defendemos a importância de discutir a realidade das mulheres na formação sócio-histórica do Brasil a partir de uma unidade dialética que trata das relações sociais de sexo, “raça”/etnia e classe de maneira consubstancial (CISNE, 2014). Dessa forma, entendemos que patriarcado e racismo são sistemas de dominação e exploração sobre os quais o capitalismo se estruturou e deles depende para o seu máximo funcionamento. Destarte, de acordo com Saffioti (2015), forma-se a fusão patriarcal-racista-capitalista com dinâmica e movimento próprio que estruturam as relações sociais.

O presente artigo objetiva discutir a formação sócio-histórica das mulheres na sociedade brasileira a partir de pesquisa bibliográfica, ancorada no feminismo materialista francês. Tendo isso em vista, utilizamos a categoria de análise da consubstancialidade, pois entendemos que as relações sociais de poder não são somáveis ou sobrepostas, mas sim co-formadas (FALQUET, 2008) e estruturam-se de forma consubstancial e coextensivas (CISNE, 2014). Defendemos, também, que o uso do patriarcado é importante para explicitar o vetor da dominação-exploração dos homens às mulheres, de modo a historicizar e desnaturalizar a opressão das mulheres na sociedade capitalista (SAFFIOTI, 2015).

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O artigo aqui apresentado é resultado das contribuições do Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Serviço Social e Política Social na Contemporaneidade (GEPSS), com ênfase na linha de pesquisa Serviço Social e Políticas Públicas para Mulheres, bem como a disciplina Tópicos Especiais em Política Social: Gênero, ambos vinculados à graduação de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba.

2 A CONSUBSTANCIALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, “RAÇA”/ETNIA E CLASSE

Antes de aprofundar a discussão acerca da formação histórica do sistema capitalista-patriarcal-racista, que estrutura as relações sociais e localiza as próprias mulheres — brancas e negras, do norte global e fora dele, ricas e pobres — em condição não homogênea, mas sim, profundamente desigual, faz-se necessário situar político e teoricamente a construção deste trabalho, bem como justificar a escolha das categorias de análise aqui assumidas.

A leitora ou o leitor identificará que não utilizamos a palavra “gênero” como categoria de análise das relações entre homens e mulheres ou, simplesmente, das mulheres, mas sim, “relações sociais de sexo”. A escolha requer algumas explicações prévias. O presente artigo norteia-se no Feminismo Materialista Francófono (FMF), corrente antinaturalista surgida na década de 1970, na França, em meio às mobilizações feministas do país e em direto diálogo com o marxismo. Desde seu surgimento, o FMF centra-se na análise da divisão sexual do trabalho para a sua construção teórica, como a desnaturalização da heterossexualidade — que, para esta vertente, constitui um regime político onde as relações sociais estão estruturadas e delas é indissociável, e não práticas sexuais individuais — e a própria desnaturalização de homens e mulheres (ABREU, 2018).

Para esta corrente, não há a divisão entre um sexo biológico e um sexo construído posteriormente (comumente chamado de gênero), pois entende-se que mesmo a biologia é socialmente construída. Assim, a utilização de “sexo” pelo FMF refere-se sempre à construção social de homens e mulheres — que, por sua vez, são chamados de “classes de sexo” como forma de evidenciar o conflito e o antagonismo entre os dois sexos socialmente construídos (FALQUET, 2013).

Por último, o uso de “relações sociais de sexo” pelo Feminismo Materialista Francófono concerne explicitamente a relações estruturais, desiguais e hierárquicas entre as classes de sexo homens e mulheres, e não interpessoais. “Relações”, aqui, é traduzido da palavra

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francesa rapport, que se refere a relações estruturais enquanto a palavra relation, também francesa, diz respeito a relações individuais (CURIEL; FALQUET, 2014). Além disso, na tradição marxista, o emprego de relações sociais envolve conflito, hierarquia e antagonismo. Ainda sobre a preferência da utilização de relações sociais de sexo em detrimento de gênero, concordamos com Heleieth Saffioti quando a autora afirma que gênero é “um conceito por demais palatável, porque é excessivamente geral, a-histórico, apolítico e pretensamente neutro” (2015, p. 148), com grande grau de extensão, mas baixo nível de compreensão.

Ademais, utilizamos a categoria da consubstancialidade por compreender que capitalismo, racismo e patriarcado organizam-se dialética e mutuamente, de modo imbricado e coextensivo, não sendo possível a análise isolada. Entendemos, também, que é nesta imbricação que o poder é organizado, impondo experiências hierarquicamente desiguais a homens e mulheres, negras/os e brancas/os, colonizadores e colonizadas etc. A formulação pioneira em defesa da simultaneidade das opressões foi realizada pelo coletivo de lésbicas negras e estadunidenses Combahee River Colective, em 1977. A perspectiva do documento se tornou um marco por sua mudança de paradigma, impactando a teoria crítica e o método investigativo feminista (CURIEL, 2013).

2.1 Patriarcado, família e reprodução social

A base material da construção sócio-histórica do Brasil, a partir da colonização, é sustentada pelo antagonismo de classes, além do racismo6 e do patriarcado. Estas formas de

dominação-exploração7 se expressam de forma contínua, se reatualizando cotidianamente de

diversas formas e em diversos âmbitos sociais, com um peso maior para as mulheres negras. De acordo com Saffioti (2015), o processo de instauração do patriarcado e sua consolidação datam entre os anos de 3100 a.C a 600 d.C sendo, portanto, muito anterior ao capitalismo. Para a autora, “há uma estrutura de poder que unifica as três ordens - de gênero,

6 Para Almeida “o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento,

e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (2018, p. 25). Nessa perspectiva é que negras e negros são afetadas/os por um processo de subvalorização e superexploração.

7De acordo com Saffioti “a dominação-exploração constitui um único fenômeno, apresentando duas

faces” (2015, p. 113), ou seja, não há em uma esfera apenas a dominação das mulheres e em outra, a exploração; ambos se misturam e se expressam concomitantemente.

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de raça/etnia e de classe social -, embora as análises tendam a separá-las” (SAFFIOTI, 2015, p. 134).

Desta forma, patriarcado, racismo e capitalismo passam a funcionar de modo imbricado, com dinâmica e mobilidade própria, estruturando as relações sociais do modo de produção capitalista, como nos explica Saffioti (2015, p. 133-134):

O importante é analisar estas contradições na condição de fundidas e enoveladas ou enlaçadas em um nó. [...] Não que cada uma destas condições atue livre e isoladamente. No nó, elas passam a apresentar uma dinâmica especial, própria do nó. Ou seja, a dinâmica de cada uma condiciona-se à nova realidade. De acordo com as circunstâncias históricas, cada uma das contradições integrantes do nó adquire relevos distintos. E esta motilidade é importante reter, a fim de não tomar nada como fixo, aí inclusa a organização social destas subestruturas na estrutura global, ou seja, destas contradições no seio da nova realidade – novelo patriarcado – racismo – capitalismo – historicamente constituída.

A partir das afirmações de Saffioti (2015), compreendemos que as opressões advindas do patriarcado, racismo e capitalismo não atuam de forma isolada, nem compõem apenas relações superpostas ou adicionais. Desta forma, entendemos que trata-las de forma “adicional” é cair na segmentação positivista, sendo necessário entendê-las como um “nó”, de maneira consubstancial, para se fazer uma análise dialética.

Para Delphy (2009, p. 173), “o patriarcado designa uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens”. Dessa forma, a partir do patriarcado, as formas de produção e reprodução da vida social são regidas através de formas de dominação e exploração sobre as mulheres, expressando-se através de uma hierarquização do que é socialmente atribuído aos homens, tornando as mulheres subalternizadas, bem como as suas representações.

De acordo com Saffioti (2015), duas características marcaram as bases da constituição do patriarcado: 1. A produção do excedente econômico, assim como da propriedade privada e da constituição da família monogâmica, através da qual a mulher perde sua autonomia e passa a existir em função da família. 2. A descoberta dos papéis dos homens no ato da fecundação, já que antes consideravam um poder das mulheres e, por conta disso, elas eram vistas como seres poderosos e mágicos.

O desenvolvimento e fortalecimento do sistema patriarcal possui base material e econômica, havendo dessa forma uma relação de simbiose com a passagem da forma de organização coletiva da sociedade para a forma de organização ancorada na propriedade privada, regulando e mantendo a distribuição desigual das necessidades humanas.

É neste mesmo cenário que se institui a monogamia como uma forma de controle da mulher. A regra da monogamia vem “para assegurar a fidelidade da mulher e, por conseguinte,

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a paternidade dos filhos” (ENGELS, 2012, p. 79), já que um dia essas/es filhas/os herdarão os bens da família, representando uma lógica privada e individualista. Além disso, a monogamia também surge com a necessidade de garantir mais força de trabalho, contribuindo para a produção de riquezas das famílias.

[...] os membros da classe dominante perseguem as suas sobrevivências com o individualismo que caracteriza a propriedade privada [...]. Ninguém quer pagar os custos da alimentação, da educação, da criação dos filhos dos outros. Por isso, quando a exploração do homem [e da mulher] pelo homem se instaura e a concorrência passa a predominar na vida social, não é mais possível que a criação e a educação das crianças, que a preparação dos alimentos e da moradia, etc. permaneçam como atividades coletivas (LESSA, 2012, p. 26).

Portanto, a família monogâmica tecida através de controle, violência e divisão sexual do trabalho contribuiu para a consolidação do controle sexual sobre as mulheres, principalmente no tocante a regulamentação da procriação para fins de herança e sucessão. Outro fato que é importante salientar, trata que a partir da constituição da família patriarcal e monogâmica, a heterossexualidade foi colocada como única opção e a homossexualidade, pela primeira vez, foi vista como um fenômeno a ser condenado (OKITA, 2007).

Deste modo, como o principal objetivo da família monogâmica era a manutenção da propriedade privada, qualquer sexualidade que não tivesse como finalidade central a reprodução, será negada e recriminada socialmente. Com isso, a heterossexualidade passa a ser compulsória, sendo essa uma das bases estruturantes do sistema patriarcal.

Essa análise histórica é importante para identificarmos as características do patriarcado a fim de não o naturalizarmos. Como o patriarcado foi socialmente construído, significa que poderá ser superado e, para isso, é importante conhecermos as suas bases históricas.

No Brasil, o patriarcado fez-se presente a partir da colonização, juntamente com o racismo, agindo mais fortemente nas mulheres negras e indígenas. No próximo tópico, iremos discutir as bases da formação sócio-histórica do Brasil a partir do patriarcado e do racismo, bem como os seus rebatimentos para as mulheres.

3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA

No Brasil, foi através da colonização – constituída a partir do modelo escravista e patriarcal - que as primeiras marcas de dominação e exploração foram forjadas contra as

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mulheres, no caso as índias e negras, ao serem escravizadas. Estas marcas foram consideravelmente mais elevadas do que as dos índios e negros, pelo fato dessas mulheres serem vistas pelos seus “proprietários” como “de sexo bom para fornicar, de braço bom de trabalhar, de ventre fecundo para prenhar” (RIBEIRO, 1995, p. 48), sendo as primeiras expressões da divisão sexual e racial no país.

[...] o patriarcalismo estabeleceu-se no Brasil como uma estratégia da colonização portuguesa. As bases institucionais dessa dominação são o grupo doméstico rural e o regime da escravidão. A estratégia patriarcal consiste em uma política de população de um espaço territorial de grandes dimensões, com carência de povoadores e mão de obra para gerar riquezas. A dominação se exerce com homens utilizando sua sexualidade como recurso para aumentar a população escrava (AGUIAR, 2000, p. 308).

Ao serem escravizadas, as mulheres negras e índias não eram vistas como humanas, mas como propriedades e objetos, ou seja, “meras” reprodutoras da força de trabalho que quando era lucrativo para seus senhores, eles as exploravam como se fossem homens, mas quando as explorações, punições e repressões só cabiam às mulheres, elas eram reduzidas apenas às suas próprias condições de fêmeas (DAVIS, 2016).

Deste modo, Davis8 afirma que aos olhos dos seus “proprietários”, as mulheres

escravizadas ao serem exploradas sexualmente, eram vistas como “‘reprodutoras’ - animais cujo valor monetário podia ser calculado com precisão a partir de sua capacidade de se multiplicar. [...] suas crianças poderiam ser vendidas e enviadas para longe” (Ibidem, p. 19) ou se somarem as/aos escravas/os dos seus senhores, aumentando a força de trabalho para acumulação.

Já com relação às mulheres brancas, as tarefas que lhes eram atribuídas consistiam no cuidado com a família e do lar, bem como a dedicação às questões religiosas. Essas mulheres eram dóceis às imposições masculinas, seja na condição de filha ou de esposa e eram condicionadas à lógica da família patriarcal, monogâmica e heterossexista, a fim de garantir a sucessão dos bens e a legitimidade das/os filhas/os. De acordo com Saffioti (2013, p. 241):

As mulheres brancas da época escravocrata apresentavam os requisitos fundamentais para submeter-se, sem contestação, ao poder do patriarca, aliando à ignorância uma imensa imaturidade. Casavam-se, via de regra, tão jovens que aos 20 anos eram praticamente consideradas solteironas. Era normal que aos 15 anos a mulher já estivesse casada e com um filho, havendo muitas que se tornavam mães aos 13 anos. Educadas em ambientes rigorosamente patriarcal, essas meninas-mãe

8 Angela Davis é mulher negra, professora e filósofa dos Estados Unidos, sendo uma pesquisadora na

área de racismo e sexismo. Apesar de partir de uma realidade norte-americana, a autora traz aspectos que são marcas da escravidão brasileira, apresentando, desse modo, formas de dominação e exploração comuns à condição de mulheres que foram escravizadas.

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escapavam ao domínio do pai para, com o casamento, caírem na esfera do domínio do marido.

Portanto, torna-se evidente que quando se trata de patriarcado, sua abrangência se expressa no controle sobre o corpo, bem como a sexualidade, a vida e o trabalho de mulheres de todas as “raças”/etnias e camadas sociais. Inclusive, vale destacar que “o poder hegemônico do patriarcado nas relações sociais vigentes permite que o mesmo se efetive até na ausência do homem, uma vez que as mulheres, também, incorporam-no e o reproduzem” (CISNE, 2013, p. 126), mostrando-se como um poderoso sistema de apropriação sobre as mulheres.

Os impactos das imposições patriarcais e racistas não se restringem ao período escravocrata, mas reatualizam-se e ganham novas dimensões na sociedade capitalista, de forma que a exploração e a dominação das mulheres, sobretudo as negras da classe trabalhadora, são essenciais para a manutenção deste modo de produção.

Escravos [e escravas] e libertos eram transformados em ‘negros’ e ‘pretos’ numa perspectiva racial de classificação estigmatizantes das novas hierarquias sociais do século XX. A abolição não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem terras, educação e direitos civis plenos aos descendentes de escravos libertos. Pelo contrário, políticas públicas urbanas e higienistas refundaram as diferenças sob novas bases sociais e étnicas (PAIXÃO; GOMES, 2010, p. 47).

O período pós-abolição marca a passagem para o modo de produção capitalista, caracterizado por elevar ao máximo as contradições presentes no universo de todas as formações econômico-sociais assentadas na apropriação privada dos meios de produção (SAFFIOTI, 2013). Consequentemente, as dimensões das relações sociais de sexo e “raça”/etnia são incorporadas pela sociedade capitalista como uma estratégia capaz de garantir a permanência das desigualdades dessas relações, na medida em que as formas de dominação e exploração operam na manutenção dos privilégios dos homens brancos e ricos - e em sua maioria heterossexuais - detentores dos meios de produção.

Assim, a abolição não acabou com as desigualdades de sexo, classe e, mais especificamente, “raça”/etnia. Pelo contrário! No período pós-escravidão, as mulheres negras foram relegadas a ocupação dos trabalhos mais precários possíveis, majoritariamente doméstico, informal e de serviços gerais, sendo uma expressão fortemente presente até os dias de hoje.

Pelo fato de apresentarmos uma trajetória histórica de dominação e exploração por parte de outros povos, a base material da construção e desenvolvimento do país, a partir da colonização, é sustentada pela sociedade patriarcal e racista. Deste modo, compreendemos que a relação entre racismo e patriarcado é histórica e extrapola o sistema capitalista em que

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vivemos, "ainda que tenham sido incorporados por ele, mas, nem surgiram tampouco se esgotam nele” (CISNE, 2014, p. 61).

Assim, como pretendeu-se mostrar nesse artigo, através do sistema capitalista e a sua apropriação de outras relações de poder, a exemplo do patriarcado e racismo, há uma legitimação e reforço dos papéis construídos socialmente que inferiorizam e subalternizam as mulheres, principalmente as negras da classe trabalhadora. Deste modo, é necessário conhecermos a formação sócio-histórica da construção das mulheres no Brasil, de forma a desnaturalizar essas opressões que possuem fortes rebatimentos em todas as esferas da vida social, para irmos em busca de uma nova sociedade sem dominação e exploração.

4 CONCLUSÃO

A partir deste trabalho, nos propusemos a fazer uma reflexão crítica que pudesse contribuir com os estudos sobre as mulheres no Brasil, bem como suas especificidades de “raça”/etnia e classe, sem hierarquizar nenhuma dessas formas de dominação-exploração, mas sim fazendo uma análise consubstancial da realidade.

Fizemos nossa análise partindo da colonização, expondo as formas de opressão sobre as mulheres negras e índias e, em menor medida, das brancas, levando em conta que o patriarcado e o racismo são elementos importantes para compreendermos a realidade do país, que carrega consigo as marcas da colonização e escravidão até os dias de hoje. Dessa forma, entendemos que não dá para analisar a realidade das mulheres sem levarmos em consideração as bases de poder que estruturam a sociedade: patriarcado, racismo e capitalismo.

Infelizmente, as expressões da colonização e da escravidão, como falamos anteriormente, não se esgotaram no período escravocrata. Pelo contrário, as opressões foram incorporadas pela sociedade capitalista e se reafirmam cotidianamente para o máximo funcionamento do capital, recaindo mais fortemente sobre as mulheres negras e da classe trabalhadora. Apesar de haver alguns avanços na sociedade, eles foram pouco significativos no sentido de romper com as injustiças históricas e sociais, alimentando desigualdades que se expressam na cultura, economia e na vida social.

Porém, é preciso que superemos os limites impostos às mulheres e, também, às mulheres e aos homens negras/os, além da classe trabalhadora como um todo, já que as relações sociais de sexo, “raça”/etnia e classe não são indissociáveis, sendo necessário seu

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enfrentamento de forma consubstancial e coletiva, não individual, pois trata-se de formas de opressões advindas de bases que estruturam a sociedade. Deste modo, torna-se necessário intensificarmos as discussões, debates e demais elaborações para fundamentarmos as nossas práticas, buscando romper com o passado e construirmos uma nova ordem societária sem dominação e exploração de qualquer tipo.

REFERÊNCIAS

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