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O DIREITO DE ADESÃO AOS PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL POR PARTE DOS REFUGIADOS RESIDENTES NO BRASIL.

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O DIREITO DE ADESÃO AOS PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL POR PARTE DOS REFUGIADOS RESIDENTES NO BRASIL.

Carolina Scherer Procuradora Federal

Procuradora-Chefe junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.

O presente artigo tem como propósito discorrer sobre a possibilidade jurídica de amparo aos refugiados residentes no país pelo governo brasileiro, através da concessão de benefícios e da sua inserção em programas sociais, em face da precária situação sócio-econômica dos mesmos.

O reconhecimento da condição de refugiado apenas permite a sua permanência legal no país, não lhe garantindo condições de subsistência. A maioria dos que procuram refúgio no Brasil tem um perfil de baixa escolaridade que, somado à questão da língua, gera uma situação de dificuldades para a inserção no mercado de trabalho e na própria vida social.

Este assunto merece uma análise mais profunda, em razão da difícil situação em que se encontram os refugiados no Brasil, sendo que a melhora da situação destas pessoas demonstra-se plenamente necessária e, como se verificará ao longo deste estudo, juridicamente possível.

A questão primordial a ser discutida trata da possibilidade legal dos refugiados serem inseridos nos programas sociais de âmbito federal, como, por exemplo, o Programa Bolsa Família, bem como usufruírem dos benefícios assistenciais existentes, entre eles o Benefício de Prestação Continuada – BPC, em face da condição jurídica a qual estão submetidos.

Primeiramente, cabe ressaltar que o Brasil tem demonstrado muita preocupação com a questão dos direitos humanos, tendo sido parte dos principais instrumentos jurídicos internacionais de proteção dos direitos humanos, participando ativamente de foros internacionais, entre eles a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, no qual é um dos membros do Comitê Executivo.

Além disso, a Constituição Federal de 1988 elencou a prevalência dos direitos humanos como um dos princípios que devem reger as relações internacionais da República Federativa do Brasil, assim como a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (artigo 4º, incisos II e IX).

A Carta Magna, também, atribuiu status constitucional aos direitos e garantias contidos nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que não tenham sido incluídos no artigo 5º da Constituição, conforme parágrafos 2º e 3º, do referido artigo.

Ainda em âmbito constitucional, há a previsão de ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, incisos II e III), sendo um de seus objetivos fundamentais o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV).

Em nível infraconstitucional, especificamente em relação aos refugiados, foi promulgada, através do Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro, de 1961, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951. A Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, definiu mecanismos para a implementação do Estatuto.

A Lei nº 9.474, de 1997, definiu no artigo 1º como sendo refugiado todo indivíduo que:

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I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Conforme o artigo 3º da mencionada Lei, excluem-se da condição de refugiado os indivíduos que:

I – já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismos ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR;

II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro;

III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participação de atos terroristas ou tráfico de drogas;

IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

O Capítulo II, da Lei supracitada, trata da “Condição Jurídica de Refugiado”, estabelecendo, no artigo 5º, que o refugiado gozará de direitos e estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil.

Tendo status jurídico de estrangeiro, cabe demonstrar os direitos a serem usufruídos e os deveres a que devem se submeter.

O artigo 5º da Constituição Federal, de 1988, determina:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (grifo nosso)

A melhor doutrina tem entendido com relação aos direitos fundamentais dos estrangeiros que:

A declaração de direitos fundamentais da Constituição abrange diversos direitos que radicam diretamente no princípio da dignidade do homem – princípio que o art. 1º, III, da Constituição Federal toma como estruturante do Estado democrático brasileiro. O respeito devido à dignidade de todos os homens não se excepciona pelo fator meramente circunstancial da nacionalidade. Há, portanto, direitos que se asseguram a todos, independentemente da nacionalidade do indivíduo, porquanto são considerados emanações necessárias do princípio da dignidade da pessoa humana.1

E, ainda:

A qualquer estrangeiro encontrável em seu território – mesmo que na mais fugaz das situações, na zona de trânsito de um aeroporto – deve o Estado proporcionar a garantia de certos direitos elementares da pessoa humana: a vida, a integridade física, a prerrogativa eventual de peticionar administrativamente ou requerer em juízo, o tratamento isonômico em relação a pessoas de idêntico estatuto. É possível afirmar, à luz de um quadro comparativo, que na maioria dos países a lei costuma reconhecer

1 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Saraiva, 2007.

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aos estrangeiros, mesmo quando temporários, o gozo dos direitos civis[...]2.

A inserção dos refugiados nos programas sociais do governo federal vai ao encontro dos princípios existentes na Lei Orgânica da Assistência Social – Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, previstos no artigo 4º, entre eles:

[...]

II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

[...]

IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais

[...]

Referida Lei não faz nenhum tipo de diferenciação em relação à nacionalidade dos destinatários da assistência social, nem poderia ser diferente, tendo em vista os dispositivos constitucionais já citados. Ademais, no artigo 203 da Constituição Federal, de 1988, que trata da Assistência Social, não consta nenhuma referência à nacionalidade dos beneficiários, havendo, ao contrário, a previsão de que a assistência social deve ser prestada a todos os necessitados.

Se os programas sociais do governo federal fossem destinados apenas aos brasileiros, estaria havendo uma afronta à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, que em seu artigo 23, acerca da Assistência Pública, dispõe:

Art. 23 Os Estados Contratantes darão aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos que é dado aos seus nacionais.

Assim, conclui-se que os refugiados devem ter acesso aos programas sociais desenvolvidos pelo governo federal, mas não se pode perder de vista a necessidade do cumprimento das exigências legais para a inserção em tais programas, do preenchimento de todos os requisitos exigidos e do porte dos documentos necessários.

Além disso, para permanecerem nos programas deverão cumprir com as chamadas “condicionalidades”, quando exigidas.

Apenas para citar um exemplo, o Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Ao entrar no Programa Bolsa Família, as famílias assumem compromissos sociais nas áreas de saúde e educação, cujo objetivo é ampliar o acesso dos cidadãos aos seus direitos sociais básicos. Assim as famílias deverão, no âmbito da saúde: levar as crianças até sete anos para vacinação e manter atualizado o calendário de vacinação; levar as crianças para pesar, medir e ser examinadas, conforme calendário do Ministério da Saúde, entre outras exigências; e, no âmbito da educação: deverão matricular as crianças e adolescentes na escola; garantir a freqüência mínima de 85% das aulas de cada mês, além de outros deveres.

Assim, em que pese os refugiados terem direito a participar dos programas sociais do governo, a eles devem ser proporcionados, também, o acesso à saúde e à educação, para que possam cumprir com as chamadas condicionalidades e continuar usufruindo do benefício.

Quanto ao recebimento do Benefício de Prestação Continuada - BPC, da mesma forma, demonstra-se juridicamente possível.

Poder-se-ia argumentar no sentido da impossibilidade da concessão do supracitado Benefício aos refugiados, pois o Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, que

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regulamenta o BPC, trata apenas do brasileiro naturalizado (artigo 7º), acabando por excluir o estrangeiro, pois não prevê procedimentos para esses.

Não compactuamos com tal entendimento, pois entendemos que a possibilidade de gozo do Benefício de Prestação Continuada – BPC por aqueles que detêm a condição jurídica de refugiado, não deve ser verificada em face da omissão da legislação reguladora do referido programa3 em relação a estas pessoas, mas sim em face dos princípios constitucionais e da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados.

Poder-se-ia, ainda, afirmar que há um conflito normativo entre o art. 7º do Decreto nº 6.214, de 2007, e o artigo 23 da Convenção de 1951, Relativa ao Estatuto dos Refugiados4.

Para aclarar o eventual conflito suscitado, cabe transcrever os dispositivos supracitados, in verbis:

Art. 7º do Decreto nº. 6.214, de 2007:

O brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil, idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos neste Regulamento, que não perceba qualquer outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica, é também beneficiário do Benefício de Prestação Continuada.

Art. 23 da Convenção de 1951, Relativas ao Estatuto dos Refugiados:

Os Estados Membros darão aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos que é dado aos seus nacionais.

Inicialmente, cabe ressaltar que a previsão contida no art. 7º do Decreto nº. 6.214, de 2007, é desnecessária e inócua, tendo em vista o contido no § 2º do art. 12 da Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, em que: “A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.”

Como a concessão de benefício assistencial não se enquadra nas exceções5 previstas na Constituição Federal, de 1988, não se pode diferenciar o tratamento dado aos nacionais e aos naturalizados nessa questão, razão pela qual a previsão contida no art. 7º do Decreto supracitado não apresenta valor significativo, senão o de aclarar aquilo que a própria Constituição Federal, de 1988, já determina.

O que se pretende deixar claro é que a disposição contida no art. 7º do Decreto nº 6.214, de 2007, não precisava existir.

Por outro lado, não há, e nem poderia haver previsão legislativa expressa, tanto na Lei nº 8.742, de 1993 – LOAS, quanto no Decreto que regulamenta o BPC, tratando da impossibilidade dos estrangeiros residentes no país e, conseqüentemente, dos refugiados, serem titulares do Benefício de Prestação Continuada.

Ademais, o fato da LOAS e do Decreto referido não tratarem do estrangeiro expressamente, não conduz à conclusão de que estes não podem ser titulares do benefício em tela.

Portanto, não há conflito entre o Decreto nº 6.214, de 2007, e a Convenção de 1951, Relativa ao Estatuto dos Refugiados, uma vez que aquele não exclui os estrangeiros residentes no país, bem como os refugiados, das suas previsões.

Ainda que se concluísse pela ocorrência de conflito entre o Decreto e a Convenção mencionados, esta última prevaleceria.

3 Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.

4 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 11, de 07 de julho de 1960; Promulgada pelo Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961. 5 A diferenciação poderá ser feita somente nas hipóteses taxativamente previstas na Constituição, quais sejam: art. 5º, LI; art. 12, § 3º, art.

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Com relação ao status normativo assumido por uma Convenção Internacional cabe tecer algumas considerações, sendo que, ao final, concluir-se-á pela sua prevalência sobre os demais atos normativos infraconstitucionais, quando a mesma versar sobre direitos humanos.

Conforme ensina Pedro Lenza6:

O processo de incorporação no ordenamento jurídico interno dos tratados internacionais passa por quatro fases distintas, a saber: a) celebração do tratado internacional (negociação, conclusão e assinatura) pelo Órgão do Poder Executivo (ou posterior adesão [terceira etapa], art. 84, VIII – Presidente da República); b) aprovação (referendo ou “ratificação” lato sensu), pelo Parlamento, do tratado, acordo ou ato internacional, por intermédio de decreto legislativo, resolvendo-o definitivamente (Congresso Nacional, art. 49, I); c) troca ou depósito dos instrumentos de ratificação (ou adesão caso não tenha tido prévia celebração) pelo Órgão do Poder Executivo em âmbito internacional; d) promulgação por decreto presidencial, seguida da publicação do texto em português no Diário Oficial. Neste momento, o tratado, acordo ou ato internacional adquire executoriedade no plano do direito positivo interno, guardando estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias.

Apesar de nossa opinião pessoal diferente, a maior parte da doutrina e pacificamente os tribunais (salvo alguns juízes do 1º TACSP), inclusive, de forma majoritária, o STF, entendiam que os tratados internacionais de qualquer natureza, mesmo sobre direitos humanos, ingressam no ordenamento interno com o caráter de norma infraconstitucional, guardando estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro (RTJ 83/809 e Informativo STF n. 73 – DJ 30.5.97), podendo, por conseguinte, ser revogados (ab-rogação ou derrogação) por uma norma posterior e ser questionada a sua Constitucionalidade perante os tribunais, de forma concentrada e difusa.” Esse tema, porém, assumiu novo contorno a partir da Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004) que acrescentou um § 3º ao art. 5º da Constituição, nos seguintes termos: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

A partir desta inovação constitucional, há que se distinguir os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos dos tratados e convenções internacionais de outra natureza.

Feita a discriminação, apresenta-se o seguinte quadro:

a) tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados por 3/5 dos votos de seus membros, em cada Casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação (conforme. art. 60, § 2º, e art. 5º, § 3º): equiparam-se às emendas constitucionais;

b) tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados pela regra anterior à Reforma que não forem confirmados pelo quorum qualificado: de acordo com a jurisprudência até então predominante do STF7, guardam relação de paridade normativa com as leis ordinárias, podendo ser objeto de controle de constitucionalidade. Porém, no bojo do RE nº 466.343/SP, percebe-se que o posicionamento do STF está se modificando. O Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes proferiu seu voto no sentido de que os tratados e convenções internacionais acerca de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação, ou seja, estão abaixo da Constituição, mas

6 ANDRADE, Joaquim Alves de. Direito Constitucional Esquematizado. 8. ed. Método. São Paulo, 2005. p. 110-111.

7 Neste sentido: RTJ 149/479; RTJ 136/230; RTJ 135/111; RTJ 121/270; RTJ 84/724; RTJ 82/129; RT 739/290; RT 733/254; RT 727/102; RT 724/330, HC n. 68582; HC n. 69254; HC n. 70625, ainda Informativo do STF n. 48 e o precedente da ADIn 1.480-DF, Rel. Min. Celso de Mello (RTJ 174/335-336, Rel. Min. Celso de Mello.)

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acima da legislação infraconstitucional. Já o Min. Celso de Mello, em seu voto, diverge apenas para considerar outro grau hierárquico aos tratados, mas com efeitos práticos semelhantes, pois entende que os mesmos teriam hierarquia constitucional.

c) tratados e convenções internacionais de outra natureza: possuem força de lei ordinária.

Necessário o detalhamento da situação explicitada na alínea “b” supra, uma vez que a Convenção de 1951, Relativa ao Estatuto dos Refugiados, enquadra-se nessa situação, qual seja: a de convenção internacional sobre direitos humanos aprovada pela regra anterior à Reforma.

Mesmo com a posição até então adotada pelo STF, no sentido de atribuir natureza de lei ordinária às convenções internacionais aprovadas segundo as regras anteriores à Emenda n. 45/2004, muitos constitucionalistas já defendiam a tese de que, mesmo nesses casos, elas assumiriam caráter de norma constitucional.8

Conforme já mencionado, o STF está consolidando uma nova posição acerca do assunto, conforme decisões já proferidas no Habeas Corpus nº 466.343/SP.

Em face dos votos já emitidos (oito Ministros já se pronunciaram), percebe-se que os tratados internacionais sobre direitos humanos assumirão estatura, no mínimo, de norma supralegal.

Mesmo que perdure a divergência quanto ao grau hierárquico dos tratados e convenções internacionais (natureza supralegal ou constitucional), conforme acima relatado, parece que a paridade dos mesmos com a legislação ordinária será descartada, alterando-se a posição até então firmada pelo Supremo.

Como decorrência desta nova interpretação, a conseqüência para o caso específico dos refugiados é a de que os mesmos têm direito ao gozo de benefícios sociais concedidos pelo governo brasileiro, através dos programas sociais criados.

A Convenção de 1951, Relativa ao Estatuto dos Refugiados, quando ratificada9 pelo Congresso Nacional, no ano de 1960, através do Decreto-Legislativo nº 11, segundo a posição até então adotada, assume natureza de legislação ordinária10, sendo que, segundo o novo entendimento a ser firmado pelo Supremo Tribunal Federal, assume, no mínimo11, estatura de norma supralegal, estando acima da legislação interna naquilo que com ela conflitar, o que sobreleva a aplicação da Convenção Relativa aos Refugiados ao caso em tela, em detrimento de toda a legislação infraconstitucional em vigor no país.

Ante todo o exposto, deve prevalecer, no presente caso, a Convenção de 1951, Relativa aos Refugiados, em face de sua natureza normativa especial.

Assim, àqueles que adquirem a condição de refugiados pode-se conceder o Benefício de Prestação Continuada, em face dos motivos acima analisados, quais sejam:

a) a não vedação pela legislação brasileira atinente ao BPC de gozo pelos estrangeiros residentes no país e, conseqüentemente, pelos refugiados que, ao assumir tal condição, passam a ser considerados estrangeiros; e

b) em razão da previsão encontrada no art. 23 da Convenção de 1951, Relativa aos Refugiados, cuja natureza normativa atribuída à mesma é especial e sobrepõe-se à legislação interna, conforme amplamente explanado acima. Não se pode perder de vista, entretanto, a necessidade de cumprimento de todos os requisitos exigidos pela legislação pertinente ao Benefício de Prestação Continuada – BPC, para que os refugiados possam ser contemplados.

8 Entre eles podemos citar: Pedro Lenza; Flávia Piovesan e José Carlos Francisco.

9 O termo “ratificação” é usado de forma genérica e quer dizer aprovação pelo Parlamento por intermédio de decreto-legislativo, resolvendo-o definitivamente (Congresso Nacional, art. 49, I, da CF, de 1988).

10 Não podendo um Decreto conflitar com a legislação ordinária. 11

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O BPC é um benefício da política de assistência social, não contributivo, previsto na Constituição Federal, de 1988, e regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social nº 8.742, de 1993.

Referido Benefício tem como objetivo garantir um salário mínimo mensal às pessoas idosas e pessoas com deficiência, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família.

O público-alvo do mesmo são pessoas com deficiência, incapacitadas para o trabalho e para a vida independente e idosos com 65 anos ou mais.12 Em ambos os casos, a renda familiar per capita dos beneficiários tem que ser inferior a ¼ do salário mínimo.

Há que se ressaltar, ainda, a existência de previsão legal versando sobre a impossibilidade de acumulação do benefício com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

Por fim, visando facilitar a vida dos refugiados, os órgãos responsáveis devem empreender esforços para que os mesmos adquiram a naturalização brasileira, atendendo-se, assim, ao disposto no art. 34 da Convenção de 1951, Relativa aos Refugiados, que assim dispõe:

Art. 34 Os Estados Membros facilitarão, na medida do possível, a assimilação e a naturalização dos refugiados. Esforçar-se-ão notadamente para acelerar o processo de naturalização e reduzir, na medida do possível, as taxas e despesas desse processo.

Assim, conclui-se pela possibilidade dos refugiados serem beneficiários dos programas sociais do governo federal, bem como titulares do Benefício de Prestação Continuada - BPC, desde que cumpridos os requisitos legais.

Referências

ANDRADE, Joaquim Alves de. Direito Constitucional Esquematizado. 8. ed. Método. São Paulo, 2005. p. 110-111.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Saraiva, 2007.

REZEK, Francisco . Direito Internacional Público. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 262.

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