• Nenhum resultado encontrado

Percursos e percalços = o fim da história da arte segundo Hans Belting

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Percursos e percalços = o fim da história da arte segundo Hans Belting"

Copied!
138
0
0

Texto

(1)

D

ANIELLE

R

ODRIGUES

A

MARO

P

ERCURSOS E

P

ERCALÇOS

:

O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE SEGUNDO

H

ANS

B

ELTING

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestre em Artes. Área de Concentração: Artes Visuais.

Orientadora: Profa. Dra. Claudia Valladão de Mattos

(2)

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Título em inglês: “Paths and pitfalls: the end of the history of art by Hans Belting.”

Palavras-chave em inglês (Keywords): Belting, Hans, 1935- ; Art - history ; Art- historiography.

Titulação: Mestre em Artes. Banca examinadora:

Profª. Drª. Claudia Valladão de Mattos. Profª. Drª. Sheila Cabo Geraldo.

Prof. Dr. Jens Michael Baumgarten.

Profª. Drª. Letícia Coelho Squeff. (suplente) Prof. Dr. Paulo Mugayar Kühl. (suplente) Data da Defesa: 31-08-2010

Programa de Pós-Graduação: Artes. Amaro, Danielle Rodrigues.

Am13p Percursos e percalços: o fim da história da arte segundo Hans Belting. / Danielle Rodrigues Amaro. – Campinas, SP: [s.n.], 2010.

Orientador: Profª. Drª. Claudia Valladão de Mattos.

Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Belting, Hans, 1935- 2. historia. 3. Arte-historiografia. I. Mattos, Claudia Valladão de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

(em/ia)

(3)
(4)

Para Jurandir e Roseny, por “seus olhos embotados de cimento e lágrima” Para Fernando, por quem “queimei meus navios”

(5)

AGRADECIMENTOS

À minha família, natural e agregada.

À minha orientadora,

Professora Dra. Claudia Valladão de Mattos, pelo acolhimento, pelo rigor, pela delicadeza.

Aos professores que participam deste processo. Dr. Jens Baumgarten e Dr. Paulo Mugayar Kühl,

pelas considerações fundamentais na minha qualificação. Dra. Letícia Coelho Squeff e Dra. Lygia Arcuri Eluf,

por participarem, mesmo que indiretamente, da minha qualificação. Dra. Sheila Cabo Geraldo,

por ontem e por hoje.

Dr. Roberto Luís Torres Conduru, pela generosidade.

Dr. Norval Baitello Junior

(6)

“Pode a história da arte continuar no mesmo sentido quando o seu objeto rejeita todas as respostas esperadas?”

(7)

RESUMO

Percursos e percalços: o fim da história da arte segundo Hans Belting propõe uma reflexão sobre a tese do fim da história da arte desenvolvida ao longo de duas décadas pelo historiador da arte, o alemão Hans Belting (1935). Tendo em vista o contexto no qual emerge, seus pontos fundamentais e, particularmente, a recepção dessa tese no contexto brasileiro, o estudo apresenta-se a partir de três eixos. O primeiro deles é uma análise do lugar do discurso, contextualizando a tese de Hans Belting não apenas com a conjuntura histórica na qual estava imerso, mas iluminando-a com a tradição germânica historiográfica da arte da qual é herdeiro. O segundo eixo pretende analisar a tese a partir de pontos que se consideram fundamentais para a compreensão de sua obra: a história da arte como um enquadramento; a história da arte como produto moderno; a crise da história da arte como ciência européia. Por fim, pretende-se mapear a recepção da obra de Belting especificamente no contexto brasileiro, relacionando tal recepção com o atual estado da história da arte no Brasil.

(8)

ABSTRACT

Paths and pitfalls: the end of the history of art by Hans Belting proposes a reflection about the theory of the end of art history developed over two decades by the art historian, German Hans Belting (1935). Given the context in which it emerge, its crucial points and particularly the reception of this thesis in Brazilian context, the study will be presented from three axes. The first is an analysis of the place of the speech, contextualizing that thesis of Hans Belting not only with the historical context in which they were immersed, but illuminating it with the Germanic traditional art historiography. The second axis aims to examine the thesis from points which are considered fundamental to understanding his work: the history of art as a framework, the history of art as modern product, the crisis in the history of art as a science in Europe. To finish, we intend to map the reception of the work of Belting in Brazilian context, relating this reception with the current state of art history in Brazil.

(9)

Sumário

INTRODUÇÃO... 1

CAPÍTULO 1. O PRINCÍPIO DO “FIM”... 5

1.1.O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE: ANÚNCIOS E REVISÕES... 5

1.2.O LUGAR DO DISCURSO... 9

1.2.1. “Sua língua nativa é o alemão”... 9

1.2.2. Hans Belting e a história da história da arte ... 18

1.2.3. O caso Hans Sedlmayr: arte, história e posicionamento político... 24

1.3.MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE: O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE E A CRISE DAS CIÊNCIAS HUMANAS.. 34

CAPÍTULO 2. O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE SEGUNDO HANS BELTING...39

2.1.AS VERSÕES DO “FIM”... 39

2.2.A TESE DO “FIM” EM TRÊS ATOS... 49

2.2.1. A história da arte como um enquadramento ... 49

2.2.2. A história da arte como produto moderno ... 56

2.2.3. A crise da história da arte como ciência européia ... 62

CAPÍTULO 3. A RECEPÇÃO DE O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE NO BRASIL .73 3.1. TRADUÇÕES E PUBLICAÇÕES... 73

3.2.INDICADORES DE RECEPÇÃO... 78

3.2.1. Resenhas ... 78

3.2.2. Pesquisas acadêmicas ... 81

3.3.A HISTÓRIA DA HISTÓRIA DA ARTE NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS... 95

3.3.1. Graduações em História da Arte no Brasil... 95

3.3.2. O debate historiográfico no Brasil ... 110

CONCLUSÃO...113

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ...119

(10)

Introdução

Percursos e percalços: o fim da história da arte segundo Hans Belting propõe-se a um debate a respeito da tese do fim da história da arte desenvolvida pelo historiador da arte, o alemão Hans Belting (1935). A pesquisa concentra-se nas obras O fim da história da arte? (1983), O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois (1995)1, A história da arte após o modernismo (2003). Com o espaço de aproximadamente uma década entre cada uma das publicações, todas elas tem sua gênese em uma aula inaugural que ministrara na Universidade de Munique (onde Belting lecionou entre os anos de 1980 e 1992) no mesmo ano da primeira publicação (1983). Sendo assim, as obras explicitam um percurso intelectual, o amadurecimento de idéias que se desenvolveram ao longo de duas décadas.

Hans Belting é hoje uma das referências fundamentais na pesquisa científica, não apenas no âmbito das artes visuais, mas da produção imagética compreendida mais amplamente. Nascido em Andernach (Alemanha) em 7 de julho de 1935, estudou história da arte, arqueologia e história em Mainz (Alemanha) e Roma (Itália), doutorando-se na primeira em 1959. Foi professor-visitante da Universidade de Harvard no Dumbarton Oaks Institute, em Washington (EUA), importante centro de estudos bizantinos. Regressando à Alemanha, lecionou nas universidades de Hamburgo (1966), de Heidelberg (1970-1980) e de Munique (1980-1992). A partir de 1992 (até sua aposentadoria, em 2002), atuou no programa de doutoramento em Ciência da arte e teoria das mídias na Escola Superior de Criação, em Karlsrushe. De outubro de 2004 a setembro de 2007, Belting dirigiu o Centro Internacional de Investigações em Estudos Culturais em Viena.

Descendente de uma tradição alemã em história da arte que tem suas origens no estabelecimento da disciplina enquanto ciência desde o século XIX, apesar das investigações empreendidas afim de um questionamento da tradição teórica e metodológica da história da arte, seus estudos anteriores refletiam sobre a produção visual européia

(11)

artística. No entanto, torna-se possível perceber que as pesquisas realizadas pelo historiador em direção a produção de imagens anterior à nomeada “era da arte” tem uma relação recíproca com o posterior questionamento da história da arte e com o despertar da necessidade de uma “história das imagens”, que incorpore em seu discurso não somente a produção estritamente “artística”, mas que amplie o horizonte com relação a esse repertório. Daí justifica-se a relevância da sua obra e a escolha dela como tema desta pesquisa, pensando que Belting é um (dentre outros) teórico cuja leitura de seus estudos são fonte de pesquisa obrigatória para os profissionais deste campo científico hoje.

Neste sentido, este trabalho se constrói a partir de três eixos: 1. Análise do lugar do discurso; 2. Análise da tese; 3. Análise da recepção da tese de Hans Belting no contexto brasileiro.

No primeiro momento, pretende-se a contextualização do objeto de pesquisa, realizando uma análise do lugar do discurso do historiador em relação à tradição germânica de história da arte, a partir do entrelaçamento de fatos históricos (de ordem social, política, cultural, artística, etc.). Assim, o Capítulo 1: O princípio do “fim” divide-se nas seguintes partes: 1. O fim da história da arte: anúncios e revisões: constitui-se de uma breve apresentação cronológica das publicações da tese do “fim da história da arte” de Hans Belting, desde 1983 até 2003, de forma a introduzir o objeto de pesquisa; 2. O

lugar do discurso: a fim de compreender o lugar da fala do historiador, contextualizando

às especificidades históricas e culturais, intenta-se reconstituir os caminhos da tradição alemã em história da arte, desde a fundação da Escola de Viena, relacionando com a resposta de Belting a esta mesma tradição; 3. Modernidade e Pós-Modernidade: o fim

da história da arte e a crise das ciências humanas: a partir do esclarecimento da

conjuntura histórica da qual emerge o anúncio do “fim da história da arte” (compreendendo que não é um caso isolado, mas pertencente a uma trama mais ampla) pretende-se contextualizá-lo com a crise das ciências humanas, de forma a traçar um plano geral histórico, relacionando a necessidade de epílogos com a crise do projeto moderno e o despontar da pós-modernidade.

(12)

O segundo momento da pesquisa é o de análise da tese do fim da história da arte, de modo a discuti-la criticamente a partir de seus pontos fundamentais. Deseja-se, então, situar a tese na trajetória intelectual de Hans Belting, relacionando-as com outras obras que auxiliem seu entendimento. Divide-se, assim, o Capítulo 2: O fim da história da arte segundo Hans Belting: 1. As Versões do “fim”: objetiva-se traçar, em linhas

gerais, os percalços da tese ao longo do percurso dessas duas décadas, considerando os créditos e débitos angariados no passar dos anos; 2. A tese do “fim” em três atos: a tese, apesar de se tecer complexamente por vários caminhos, considera-se que pode ser compreendida fundamentalmente a partir de três aspectos: a história da arte como um enquadramento; a história da arte como produto moderno; a crise da história da arte como ciência européia.

Por fim, a terceira parte da pesquisa se concentra numa análise da recepção da tese do fim da história da arte de Hans Belting no contexto brasileiro. Pretende-se, com isso, não apenas fazer um levantamento de resenhas e trabalhos a respeito de sua publicação, mas como o projeto de ruptura com uma determinada tradição historiográfica se verifica em um lugar discursivo que não é herdeiro filial desta mesma tradição. Objetiva-se levantar onde, por quem e como Belting tem sido publicado, recebido, compreendido, interpretado. Com isso, o Capítulo 3: A recepção de O fim da história da arte no Brasil se dividirá em três pontos: 1. Traduções e Publicações: pretende-se

mapear as obras do historiador que foram traduzidas e publicadas parcial ou integralmente; 2. Indicadores de recepção: deseja-se levantar o que tem sido exposto a respeito das obras (traduzidas ou não) de Hans Belting, sendo de grande relevância, neste sentido, resenhas e artigos publicados tanto pelo meio científico, como também fora dela, além do levantamento de dissertações e teses que tratem de O fim da história da arte como objeto de pesquisa ou que se apropriam da obra como fundamento teórico da pesquisa; 3.

A história da arte nas universidades brasileiras: pretende-se traçar um plano geral

sobre o desenvolvimento da história da arte no Brasil, de forma a compreender a recepção da obra de Bething a partir da problematização do contexto que a recebe.

(13)

Capítulo 1. O princípio do “fim”

1.1. O FIM DA HISTÓRIA DA ARTE: ANÚNCIOS E REVISÕES

Em 1983, o historiador da arte, o alemão Hans Belting (1935), publica pela primeira vez O fim da história da arte?2. Segundo Belting, as idéias desenvolvidas nesse trabalho têm sua origem em uma aula inaugural que ministrara na Ludwig-Maximilians – Universidade de Munique (ou LMU) no mesmo ano da publicação. A saber: o historiador lecionou como Professor de História da Arte na LMU entre os anos de 1980 e 1992, onde ocupou a cadeira anteriormente pertencente à Heinrich Wölfflin (1864-1945) e Hans Sedlmayr (1896-1984). Justifica tal empreitada como um “gesto de revolta contra as tradições falsamente geridas”, uma resposta à experiência que vivenciara nos primeiros anos de exercício docente na dada universidade. Em 1984, é publicada a segunda edição de O fim da história da arte?3, a qual já sofre revisões, segundo afirmação do historiador4.

Nos anos que se seguem, as idéias são divulgadas em outros países. Além da tradução para a língua inglesa e francesa (respectivamente em 19875 e 19896), em 1985, Hans Belting publica um pequeno ensaio (uma versão resumida das idéias desenvolvidas em O fim da história da arte?) na Revista da Arte7, importante periódico publicado sob o

2

BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte? Munique: Deutscher Kunstverlag, 1983.

3

BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte? Munique: Deutscher Kunstverlag, 1984. 2ª ed.

4

Não houve ainda oportunidade de comprovar tal afirmativa. Até o momento, infelizmente, não foi encontrada a primeira publicação alemã, datada de 1983. Teve-se acesso ao longo desta pesquisa apenas à tradução para a língua inglesa da 2ª edição, publicada pela Universidade de Chicago.

5

BELTING, Hans. The end of history of art? Chicago: The University of Chicago Press, 1987. Segundo nota presente na ficha catalográfica: “A presente edição é revisada e traduzida a partir da segunda edição, Deutscher Kunstverlag, 1984.”

6

BELTING, Hans. L'histoire de l'art est-elle finie? Histoire et archéologie d'un genre. Paris: Gallimard, 1989.

7

(14)

patrocínio do Comitê Francês de História da Arte. O ensaio, intitulado O fim de uma tradição?8, é assim introduzido pelo editorial:

O estudo recentemente publicado pelo Professor Hans Belting da Universidade de Munique, é típico das novas preocupações que emergem especialmente na universidade alemã e conduzem ao questionamento do “formalismo puro” da tradição acadêmica. Estamos gratos por ter exposto a essência do seu ponto de vista “revisionista” para nossa Revista. (CHASTEL, 1985: p.4)

Belting narra que uma série de mal-entendidos foi provocada com relação ao título (e continuam a provocar). Esclarece, ainda na primeira versão de O fim da história da arte?, que o termo alemão Kunstgeschichte caracteriza-se por uma denotação ambígua. Sendo assim, refere-se não apenas a história da arte enquanto narrativa dos fenômenos artísticos, mas igualmente à pesquisa acadêmica, à história da arte como disciplina científica. O título do trabalho que parece sugerir o anúncio da extinção da produção artística ou da área de estudos, no entanto, não reclama nem uma coisa nem outra. E prossegue:

O título pretendia motivar, em vez disso, duas possibilidades, ou seja, que a arte contemporânea na verdade manifesta uma consciência de uma história da arte, mas já não a leva adiante, e que a disciplina acadêmica da história da arte já não dispõe de um modelo obrigatório de tratamento histórico. Tais problemas comuns tanto a arte contemporânea e aos estudos de arte contemporânea serão tema deste ensaio. (BELTING, 1987: p.3.)

Evidencia, por exemplo, a irritação do público causada pela descrição da disciplina realizada no primeiro ensaio, apesar de não ter sido seu objetivo “uma crítica abrangente da ciência ou do método”. No entanto, Belting afirma que o ensaio pretendia ser uma avaliação da disciplina e de suas práticas, considerando seus antigos e novos problemas, iluminadas pela experiência artística contemporânea. Como uma das tentativas de driblar tais mal-entendidos, destaca-se a mudança ocorrida com relação ao título para a

8

(15)

tradução em língua italiana, publicado em 1990: O fim da história da arte, ou a liberdade da arte9. Belting explica que a complementação do título visava esclarecer a idéia de oposição a uma história da arte linear.

Mas é entre 1994 e 1995, pouco mais de uma década depois, que o primeiro ensaio sofre uma reforma profunda. A começar pelo título: de O fim da história da arte? se altera para O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois10. Salienta o historiador, no prefácio da edição revisada, a notável diferença averiguada entre a primeira e a segunda publicação: a supressão do sinal de interrogação.

A oportunidade de publicar hoje esse ensaio numa versão inteiramente reformulada (...) convida-me a traçar um balanço crítico e a atualizar o argumento (...). O resultado da revisão, para abreviar as coisas, consiste em que hoje o antigo ponto de interrogação do título não tem validade. O fim da história da arte não significa que a arte e a ciência da arte tenham alcançado o seu fim, mas registra o fato de que na arte, assim como no pensamento da história da arte, delineia-se o fim de uma tradição, que desde a modernidade se tornara o cânone na forma que foi confiada (BELTING, 2006: p.23).

Hans Belting esclarece que aquilo que se apresentara anteriormente como uma indagação, confirmou-se com o passar dos anos e a aproximação da virada do século XX para o XXI: o que outrora se manifestava como um terreno arenoso e selvagem a qualquer tipo de asserção, dez anos depois se apresentava de forma mais confiante. Se antes Belting afirmara que estava convencido de que somente afirmações provisórias ou fragmentadas, incompletas seriam possíveis (BELTING, 1987: p.xii), uma década depois reitera: “não se trata de algumas palavras de ordem convincentes, mas de juízos e observações que precisam de espaço onde se desenvolver e que, além disso, são tão provisórias como, afinal, é provisório tudo o que hoje vem à baila” (BELTING, 2006: p.9). Inclusive o próprio ensaio por ele apresentado, o qual desde sua primeira publicação vem sendo estendido e modificado. Sendo assim, no que tange a possibilidade de revisar as idéias formuladas e

9

BELTING, Hans. La fine della storia dell'arte o la libertà dell'arte. Turim: Einaudi, 1990

10

BELTING, Hans. Das Ende der Kunstgeschichte: eine Revision nach zehn Jahren. Munique: Beck, 1995.

(16)

publicadas, Hans Belting afirma que tal fato favoreceu maior lucidez a respeito do tema: o distanciamento temporal criou condições que esclareceram aquilo que antes apenas se tateava. Belting considera que este distanciamento temporal (da primeira formulação e do anúncio da tese do fim da história da arte) clarificou as questões apresentadas anteriormente, permitindo estabelecer um balanço dos débitos e créditos a partir da compreensão da situação presente em total contraste com a chamada modernidade. Declara ainda que a aproximação do fim do século oportunizou não apenas um novo exame da arte, como também de todas as narrativas com que a representamos, a descrevemos, de forma a empreender um exercício arqueológico não apenas da disciplina mas também da sua própria tese, formulada nos anos iniciais que passou em Munique. Esse distanciamento permitiu também fundamentar questões de maneira mais satisfatória: o próprio processo histórico evidenciou tais questões, elucidando-as em seu conjunto, o que possibilitou uma discussão melhor fundamentada sobre a tese.

Em 2003, a Universidade de Chicago publica uma nova versão do texto revisado de 1995. Além do enxerto de alguns capítulos e fragmentos, o titulo é novamente modificado: Belting nomeia-o A história da arte após o modernismo11. Considera, inclusive, o novo título como mais apropriado que os anteriores ao estabelecer mais incisivamente a descontinuidade existente entre o discurso moderno e pós-moderno. No prefácio desta mais recente publicação da tese do fim da história da arte, Belting esclarece a relevância do modernismo, não apenas tendo em vista a produção artística, mas também a configuração da escrita da arte, do campo científico da história da arte, compreendendo ambos (arte e história) como empreendimentos modernos. Mostra, por conseqüência, o quanto é determinante a falência do projeto moderno para os caminhos e descaminhos da história da história da arte após o modernismo.

Um dos pontos fundamentais do pensamento de Belting é a lucidez de que o romper com a modernidade não possui um significado restrito à produção artística. Significa igualmente romper com uma grafia, com uma maneira de escrever (e de

11

(17)

representar) a história da arte que se estabeleceu enquanto tradição desde a inauguração da jovem disciplina acadêmica na aurora da modernidade.

Um fato muito importante a ser salientado é que Hans Belting revisa e reelabora a tese justamente quando se desliga da Universidade de Munique, para criar o programa de doutoramento Ciência da Arte e Teoria das Mídias na recém-fundada Escola Superior de Criação, em Karlsrushe, na qual se aposentará em 2002. Tal afastamento foi bastante significativo na trajetória do historiador. Sua relevância, no entanto, será melhor averiguada posteriormente, no decorrer do próximo tópico. Mas, antes, se reconstituirá aqui o contexto, o enquadramento, o lugar do qual discursa Hans Belting.

1.2. O LUGAR DO DISCURSO

1.2.1. “Sua língua nativa é o alemão”

Erwin Panofsky (1892-1968), historiador da arte alemão, em suas “impressões de um europeu transladado” para os Estados Unidos na década de 1930, afirma que apesar de pertencer a uma tradição que remonta à Antiguidade Clássica e à Renascença italiana, a história da arte, enquanto análise e interpretação histórica de objetos feitos pelo homem, atribuindo-lhes valores, “é um membro relativamente recente da família das disciplinas acadêmicas”. “Sua língua nativa é o alemão”, Panofsky parafraseia “um estudioso americano”.

Foi nos países de língua germânica que, pela primeira vez, foi reconhecida como um Fach12 plenamente desenvolvido, que foi cultivada com particular intensidade e exerceu influência visivelmente crescente sobre domínios adjacentes, inclusive sobre a irmã mais velha e mais conservadora, a arqueologia clássica (PANOFSKY, 1976: p.413).

12

(18)

Panofsky afirma ainda que “na época do Grande Êxodo, por volta de 1930, os países de língua germânica ainda ocupavam a posição dominante em questões de História da Arte”, condição esta que, segundo o historiador, se altera “a partir da Primeira Guerra Mundial (cujo terminus post quem é obviamente da maior importância)” quando os Estados Unidos começaram “a ameaçar a supremacia, não apenas dos países de língua germânica, mas também de toda a Europa” (PANOFSKY, 1976: pp.413; 415).

Destacam-se os Estados Unidos neste quadro entre guerras particularmente por uma de suas características mais significativa (outrora considerada um ponto fraco): a distância cultural e geográfica do Velho Mundo. O distanciamento da Europa decaída e fragmentada (econômica, geográfica e politicamente) em função dos conflitos que nela se travavam e a sua condição econômica superior, resultado de uma economia bem menos atingida pelos efeitos da guerra, tendo fundos disponíveis para viagens, pesquisas, publicações, transforma os Estados Unidos em um pólo importante da produção das pesquisas em história da arte no século XX (PANOFSKY, 1976: p.419-424).

Nenhum estudioso europeu – sobretudo os alemães e austríacos que, por mais que se diga contra eles, temiam menos a literatura estrangeira que os italianos e franceses – poderia permanecer indiferente ao fato de que os Estados Unidos tinham surgido como uma força maior na História da Arte; e que, inversamente, a História da Arte havia assumido uma fisionomia nova e distinta nos Estados Unidos (PANOFSKY, 1976: p.417).

Todavia, se a história da arte nos Estados Unidos desponta na primeira metade do século XX, como verificado na fala de Panofsky, deve-se, sobretudo, ao legado europeu (em especial, germânico) do qual se torna herdeiro com o “Grande Êxodo” de intelectuais para países livres do nazismo. Parte da efervescência que contagiava as jovens academias alemãs de história da arte, onde fora gerada e se institucionalizara enquanto ciência é então transplantada e se cria distante de um convulso mundo germânico com um panorama diverso de outrora, o qual justamente propiciou a instituição da disciplina.

Retomando assim as condições históricas para a instituição da história da arte primeiramente nas academias germânicas, Kultermann refere-se especificamente à cidade de Viena do contexto pré-guerras como o centro de “uma determinada evolução

(19)

histórico-artística, cujas implicações alcançam o presente”. Entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, a Universidade de Viena passou a desempenhar papel preponderante na investigação científica da histórica da arte.

Tal como Kultermann, Bazin refere-se à Áustria como o ponto de origem do impulso ao movimento de aprofundamento do campo de investigação da obra de arte. Considera Viena como um dos pólos da cultura européia, sendo tal quadro alterado pela grande “catástrofe” que viria “transformar a capital do império austro-húngaro numa cidade de província”.

Nessa cidade vai surgir um celeiro de historiadores de arte.

(...) Esse feixe de talentos prosperaria ao lado de músicos, artistas, arquitetos e escritores fecundos, afirmando a vitalidade desse império austro-húngaro, que se acreditava em plena decadência, e a importância para o equilíbrio da Europa desse centro polivalente da Mitteleuropa que a guerra iria exterminar (BAZIN, 1989: pp.127-128).

É importante que se esclareça para fins de contextualização das questões e da discussão que se deseja construir nesta pesquisa que Mitteleuropa, a que se refere Bazin na passagem anterior, é um termo alemão equivalente a “Europa Central”, expressão dotada não apenas de um sentido geográfico, mas igualmente político e cultural. Mitteleuropa era composta pelos estados modernos da Alemanha, Áustria, Croácia, República Tcheca, Hungria, Liechtenstein, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Suíça, Lituânia, Letônia, Estônia e, parcialmente, pela Itália, Sérvia, Romênia e Ucrânia. Delanty, no entanto, elucida sobre a dificuldade de uma tradução adequada do termo que (com o traslado não apenas de uma língua para outra, mas igualmente de um contexto para outro) não transmitiria “a mesma conotação da palavra alemã Mitteleuropa, a qual sugere certa mística histórica”. Assim, considerado por Delanty como um conceito cultural, Mitteleuropa deve ser entendida em relação intrínseca com o fim de século em Viena e em Berlim (mais particularmente), já que o termo revela o desejo pela unificação da Europa Central sob a liderança de um só governo, encabeçado pela Alemanha e pela Áustria. Logo, é notório que se relaciona intimamente com as ambições do movimento pangermânico. E acrescenta:

(20)

Embora nunca tenha sido exclusivamente uma ideologia de guerra, era mais próximo da guerra do que da paz. Um conceito contestado fundamentalmente, ele tem sido chamado como “um grande território de perguntas não respondidas e de contradições não resolvidas” (DELANTY, 1995: p.101).

Afirma Delanty que a “Mitteleuropa não é apenas uma expressão geográfica referindo-se à região imutável que poderia ser descrita como situada a leste da Europa ocidental e a oeste da Europa Oriental”: associada a uma construção político-ideológica, a idéia é relacionada a um projeto de construção de identidade germânica. Neste sentido, Delanty argumenta que a idéia histórica e culturalmente inscrita no termo Mitteleuropa não pode ser separada do fascismo e do anti-semitismo.

A história cultural alemã do século XIX, segundo Argan, tal qual a história política, é profundamente atormentada pelo turbulento processo de unificação nacional, alcançada em 1871, após a Guerra Franco-Prussiana ou Franco-Germânica (1870-1871). Considera o historiador que, da mesma forma que as invasões napoleônicas contribuíram para o surgimento do patriotismo alemão (enquanto reação), “o problema da unidade nacional alemã é a busca de um princípio de coesão espiritual entre povos do mesmo tronco étnico e lingüístico, porém politicamente divididos, com crenças religiosas, tradições populares e hábitos sociais diversos” (ARGAN, 1992: 168).

Nasce assim o Império Alemão (Segundo Reich), segundo Bortulucce, “lançando o início de um grande debate interno, fundamental para a compreensão dos rumos tomados pela sua arte até a primeira metade do século XX: a questão da unidade nacional germânica”.

No final do século XIX, está estabelecida no Reich a idéia da nação germânica como aquela que possui uma missão histórica para o futuro, e, diante desta enorme responsabilidade, é necessário que a nação cresça em sólidas bases políticas, econômicas e culturais. É preciso desenvolver a indústria e a tecnologia, ambicionar a hegemonia alemã. (BORTULUCCE, p.29)

Retomando a importância peculiar de Viena para o estabelecimento da história da arte enquanto campo acadêmico autônomo, Kultermann afirma ser a cidade um “terreno apropriado para a nova formação desta ciência”. E assim justifica:

(21)

O gosto pela precisão histórica se uniu nos historiadores da arte vienenses com o empenho de entrar em contato direto com os originais, de modo que pode considerar-se como principal contribuição dos representantes da escola de

Viena13 a associação renovada dos dois componentes da palavra História da Arte, do especificamente artístico com o especificamente histórico. A isto se adiciona uma estreita relação com a conservação dos monumentos e o desejo de ampliar os horizontes para além das fronteiras da História da Arte. (KULTERMANN, 1996: 213)

O termo “escola de Viena” que aparece na citação é usado para designar o grupo de historiadores da arte atuantes na Universidade de Viena entre os séculos XIX e XX, responsáveis por assentar os alicerces metodológicos do campo científico então recém-fundado.

A primeira cátedra dedicada à história da arte em Viena foi fundada, em 1852, por Rudolf Eitelberger von Edelberg (1817-1885), o qual foi o primeiro presidente do nascente Instituto de História da Arte da Universidade de Viena. O Instituto seria responsável pela formação da primeira geração de historiadores da arte que formaram a conhecida Escola de Viena de História da Arte. Eitelberger fundou ainda o Museu Austríaco Imperial e Real de Arte e Indústria (hoje conhecido como Museu Austríaco de Artes Aplicadas e Arte Contemporânea), do qual foi o primeiro diretor. Deve-se ressaltar que Eitelberger iniciou na Escola de Viena a tradição de considerar museu e universidade como âmbitos análogos, aliança que permaneceu nas gerações posteriores a ele e que se mostrou bastante fecunda. Segundo Kultermann, “para escapar do palavreado abstrato, as aulas e os seminários sempre estavam unidos à observação direta dos objetos nas coleções e museus” (KULTERMANN, 1996: p.216). Inclusive, Baumgarten, ao apontar a contribuição imprescindível da Escola de Viena para o estabelecimento da história da arte como disciplina universitária autônoma no âmbito das ciências humanas, afirma que este deve ser lido de forma interligada à inauguração dos museus no século XIX e à instituição de equipamentos estatais ocupados com a pesquisa e preservação do patrimônio nacional (BAUMGARTEN, in: DVOŘÁK, 2008: pp.19-20;22).

13

(22)

A segunda cátedra de história da arte foi criada em 1873, cujo fundador foi Moritz Thausing (1835-1884). Importante salientar que Thausing teve como alunos e, posteriormente, como assistentes: Franz Wickhoff (1853-1909) e Alois Riegl (1858-1905), nomes fundamentais da (primeira) Escola de Viena. Referindo-se a Wickhoff e Riegl, Lima afirma que “a experiência desses estudiosos da arte reunia uma trajetória prática em museus e a especulação teórica advinda de sua atuação universitária” – herdeiros do legado de Eitelberger. E prossegue:

Daí a força de suas idéias, que pretendiam comprovar a intrínseca relação entre desenvolvimento histórico e formas artísticas. Disposto a afastar o perigo do dogmatismo estilístico, que tanto prejudicava o reconhecimento do verdadeiro valor das obras de arte do passado, Riegl investigava a evolução das formas artísticas e defende seu caráter autônomo. Suas especulações afastavam a idéia de decadência na arte, comprovando que as formas se transformam constantemente, metamorfoseando-se, segundo o que Riegl define como

Kunstwollen. Motivações essencialmente artísticas provocariam, portanto, as

alterações da forma registradas ao longo do tempo, nas mais diversas localidades (LIMA, in: DVOŘÁK, 2008: pp.11-12).

Revela-se na fala de Lima o que seria uma das maiores contribuições da Escola de Viena para a constituição da história da arte enquanto ciência moderna: o interesse na obra de arte como fato estético concreto ao potencializar o valor das formas como linguagem. Arenas compreende este interesse formal da história da arte neste primeiro momento de constituição e configuração da história da arte como uma “reação dialética contra o determinismo positivista que intenta explicar a arte desde o meio ou desde as condições materiais do mesmo objeto estético” (ARENAS, 1986: p.89).

Baumgarten acrescenta que a Escola de Viena se insere em um contexto de ruptura e mudança de paradigma, que desde 1885 colocou-se de forma decisiva desde os primeiros passos da autônoma jovem disciplina. Entre essas mudanças, destacam-se: a ruptura com a história cultural (que construiu e definiu o “clássico” como critério das artes); a ruptura com a idéia do artista enquanto indivíduo genial; e, a ruptura com a distinção entre o “bonito” e o “feio” no sentido de um juízo valorativo dependente de critérios estéticos subjetivos. Essas descontinuidades favoreceram a ampliação do campo

(23)

de pesquisa, tornando mais abrangente o recorte de objetos de interesse científico, como aponta Baumgarten:

Até esse momento, épocas como a “antiguidade tardia” ou o “barroco” haviam sido denunciadas como feias ou até mesmo como não sendo arte. A partir de então passaram a se desenvolver como temas centrais da pesquisa. Além disso, uma outra distinção também perdeu a sua importância: a diferenciação entre artes “maiores” e artes “aplicadas”. Com a renúncia dos citados juízos valorativos, tornou-se possível tomar algumas épocas isoladas como novos objetos de investigação (BAUMGARTEN, in: DVOŘÁK, 2008: p.23).

Tendo em vista a denúncia e renúncia daqueles juízos de valor citados por Baumgarten, uma personagem histórica fundamental é Alois Riegl (considerado por Baumgarten como o membro mais importante da primeira Escola de Viena), especialmente pelo desenvolvimento do conceito de Kunstwollen.

O conceito riegliano Kunstwollen (o qual é traduzido por Baumgarten como “volição14 da arte”) se configuraria como uma via diversa daquela que explicava tradicionalmente a origem da arte a partir da “imitação, materialidade ou técnica”, as quais não eram consideradas suficientes para Riegl. Em substituição, este propõe a idéia de continuidade e desenvolvimento de formas artísticas a partir de leis estilísticas. No entanto, Riegl ainda expandirá a dinâmica do Kunstwollen para outras formas de expressão humana.

Já em 1901 Riegl observou que o “Kunstwollen” é um processo “simplesmente idêntico às outras formas principais da expressão humana, manifestando-se assim na religião, na filosofia, na ciência, no estado e na justiça” (BAUMGARTEN, 2008: p.25)

Como aponta Arenas, Riegl acredita que a mudança das formas artísticas em sua superfície supõe igualmente uma profunda mudança das idéias. O “querer artístico” é

14

Conforme verifica no dicionário Houaiss, a palavra volição denota a idéia de um ato em que a vontade (por escolha e decisão) é determinante, o que se define pelo arbítrio. Faz referência ainda ao uso do termo na psicologia: “capacidade, sobre a qual se baseia a conduta consciente, de se decidir por uma certa orientação ou certo tipo de conduta em função de motivações; “um dos três tipos de função mental (as funções mentais dividem-se em afeto, cognição e volição)”.

(24)

uma manifestação coletiva (o que “desaloja a vontade individual do artista criador” e o “relega a simples intérprete e executor dessa vontade estilística coletiva”) relacionada intrinsecamente a determinadas condições históricas e culturais, sendo assim, variáveis a cada tempo e lugar.

Cada mudança de estilo tem sua raiz na mudança da ideologia de um grupo de pessoas. Os estilos, portanto, são variáveis dependendo dos princípios “estruturais” pelos quais se configura a obra de arte (ARENAS, 1986: p.93)

A compreensão riegliana de que cada época tem sua própria estrutura, sua própria visão de mundo significa igualmente a inexistência de uma época melhor que outra: são apenas e absolutamente distintas. No entanto, a dificuldade está em justamente o Kunstwollen de cada momento: “estas coletividades podem identificar-se com um grupo étnico (nórdicos, germanos, italianos)” (ARENAS, 1986: p93). Este será um ponto ao qual Warburg e seus herdeiros se oporão veementemente.

Arenas considera ainda como influências para a configuração da história da arte na modernidade a invenção da fotografia (a qual permite, em virtude de sua reprodutibilidade característica, a comparação visual: uma revolução na produção de imagens) e o despontar das vanguardas artísticas (que contribuíram para o “descobrimento” de certas formas consideradas decadentes, contribuindo para elevá-las à categoria de verdadeiras formas artísticas) (ARENAS, 1986: p.90).

No entanto, há de se ter em vista que, apesar de objetivar a delimitação do campo a partir do estabelecimento de uma metodologia própria, para assim incluir a história da arte no corpo das ciências humanas, a Escola de Viena destaca-se ainda pelo fato de nunca ter formulado um programa claramente definido ou objetivos homogêneos. Diferentemente daquela de Hamburgo, liderada por Aby Warburg (1866-1929) – a qual será retomada adiante.

Ao contrário do que o uso do termo “escola” possa sugerir (parecendo remeter a uma idéia de unidade de pensamento), ela não descreve um grupo dogmaticamente unificado. A Escola de Viena de História da Arte não pode ser considerada uma instituição

(25)

defensora de certo cânone científico para a história da arte, a partir do momento que seus membros possuíam visões particulares (e, por vezes, divergentes). A história da Escola de Viena é marcada por uma série de desavenças teórico-metodológicas e que, por vezes, reverberavam em insultos pessoais.

Sobretudo a delimitação pronunciada pela Nova Escola de Viena (Hans Sedlmayr, Otto Pächt e Guido Kaschnitz von Weinberg) contra a Antiga Escola (Franz Wickhoff, Alois Riegl, Max Dvořák e Julius von Schlosser) demonstra esta heterogeneidade. O vínculo dá-se, antes, através da unidade institucional, através do Instituto da História da Arte da Universidade de Viena e o Instituto de Pesquisas Históricas da Áustria, para quais o Denkmalpflege15 tinha um papel importante (BAUMGARTEN, in: DVOŘÁK, 2008: p.22).

Diametralmente oposta à Escola de Viena, a Escola de Warburg, orientada pela Iconologia (termo que apareceu pela primeira vez na obra warburguiana em 1912), ou também denominada “o método Warburguiano”, ampliava ainda mais o campo de pesquisa da história da arte. Warburg idealizava uma ciência da cultura ampla, transdisciplinar, interessando-se pela questão da sobrevivência de formas. Os objetos de investigação warburguiana seriam as constantes de pensamento, de imagens e símbolos. Sua concepção histórica e cultural estava para além das considerações geograficamente localizadas, apartadas assim das idéias de povo, nação, tão em voga na época por conta dos ideais pangermanistas. Em suma: uma resposta às abordagens formais da história da arte, as quais não o satisfaziam. Segundo Mattos,

Warburg desenvolveu (...) uma teoria da história calcada em temporalidade não linear, em que as imagens, portadoras de memória coletiva, romperiam com o

continuum da história, traçando pontos entre o passado e o presente. (...)

Warburg conceberia as imagens como símbolos condensadores de uma memória coletiva, que circulam através do tempo, reativando-se e modificando-se ao inserir-se em momentos históricos específicos. (MATTOS, 2007: p.133)

Ao se referir à Escola de Viena, Belting afirma que esta, desde que assume ao fim do século XIX a direção da disciplina, “colocava tudo aquilo com que se ocupava

15

(26)

(desde a “indústria da arte romana tardia” até a modernidade) sob o axioma de que uma história da arte única é testemunha da existência de uma arte universal”. Acrescenta que tal universalismo tem relação com a pretensão de hegemonia da monarquia real e imperial austríaca, “que no Leste se estendia afinal para além das fronteiras culturais” (Belting, 2006: p.183).

1.2.2. Hans Belting e a história da história da arte

Em entrevista concedida à revista Lier & Boog: Série de Filosofia da Arte e Teoria da Arte no ano de 1998, Belting, ao ser questionado sobre a razão que levou-o a reescrever O fim da história da arte?, afirma que o fato de ter se desligado da Universidade de Munique e estar na Escola Superior de Criação, em Karlsrushe, coloca-o em uma situação muito diferente de outrora. Retomando: em Munique, onde lecionara história da arte por pouco mais de uma década, ocupara a cadeira de Henrich Wölfflin e Hans Sedlmayr. Em 1993, no entanto, deixa a universidade para atuar na Escola Superior de Criação, em Karlsrushe, na qual se aposentará em 2002.

Inaugurada em 1992, a Escola centra-se na investigação e ensino interdisciplinar em New Media e New Media Art. Segundo o professor Dr. Peter Sloterdijk (1947), reitor da escola desde 2001,

(...) o programa da Escola Superior de Criação não se fixa em determinadas tendências ou direcionamentos da prática e da teoria das Artes, ou tampouco em conceitos de estilo. A estrutura democrática da sociedade, assim como o moderno sistema de comunicação, exclui essas determinações e dogmatismos. Abertura pluralista é a base do aprendizado da Escola Superior de Criação.16

A Escola foi concebida e fundada em conjunto com o Centro de Arte e Mídia. Escola e Centro formam um complexo, um importante centro de discussão, produção e exposição de arte contemporânea e de mídias tecnológicas emergentes, onde se combinam

16

(27)

ensino, pesquisa e exposição17.

No entanto, foi em Munique que Belting começou a escrever o que viria a ser a tese O fim da história da arte?, devido a insatisfação que o contagiava em virtude de uma apresentação demasiadamente cerimonial da história da arte. Um contexto no qual, segundo o historiador, somente os velhos heróis eram reconhecidos como sagrados e as novas idéias mal recebidas. Pretendia, assim, criticar o seu próprio domínio de atuação, questionando as práticas que envolviam a disciplina. A tentativa do historiador era de “virar de cabeça para baixo” todo o domínio da história da arte, questionando a ordem instituída canonicamente. Sua intenção era a de colocar em discussão que em qualquer contexto considerado acadêmico tem de haver progressos. Belting observa, com muita clareza, que se há progresso, mudanças, há também algo que chega ao fim, algo que tem que “acabar”. Caso contrário, nada de novo é possível.

Eu só disse, acorda, porque não se pode continuar a lidar com as experiências de hoje usando os métodos de Wölfflin, Panofsky e todos os outros heróis. Eles foram maravilhosos em sua própria época, mas também temos de ser maravilhosos em nosso tempo. (BELTING, 1998: p.23)

Segundo Kultermann, Wölfflin promoveu uma sistematização de tipo conceitual da obra de arte ao concentrar-se em sua natureza formal, fazendo uso de “esquemas abstratos para a caracterização e esclarecimento das relações artísticas”. Em 1915, quando então catedrático em Berlim, publica uma de suas obras mais conhecidas: Conceitos fundamentais da história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente (1915). A partir do confronto entre Renascimento e Barroco, ela se baseia no confronto de pares conceituais: linear-pictórico, superfície-profundidade, obra fechada-obra aberta, pluralidade-unidade, claridade-ambiguidade (ou obscuridade) (KULTERMANN, 1996: p.241-246).

17

Maiores informações a respeito da Escola Superior de Criação e do Centro de Arte e Mídia Tecnológica se encontram disponíveis nos sites oficiais de ambos, sendo respectivamente: http://www.hfg-karlsruhe.de/ e http://www.zkm.de/ . Acessados em 15 de outubro de 2009.

(28)

Panofsky, cujas obras surgiram em polêmica direta com Wölfflin e Riegl, prolonga em suas investigações o legado de Aby Warburg. Ao contrário de uma historiografia com viés formal, Panofsky acreditava que a análise formal da obra deve acontecer conjuntamente a um conhecimento do conteúdo, fator que contribui de forma decisiva para a compreensão da obra. Essencialmente, Panofsky se volta para os valores de significação do artístico, os valores simbólicos, através do método iconológico. Kultermann, no entanto, observa que

Panofsky seguiu sendo consciente de que, assim como a análise formal foi uma ferramenta de trabalho necessária em uma determinada fase da historiografia da arte, também a Iconologia era somente um método, uma ferramenta que necessitava um complemento, mas que foi necessária para iluminar âmbitos, ante os quais se havia passado distante durante bastante tempo (KULTERMANN, 1996: pp.298-301).

Em O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois, Belting considera que a metodologia implementada por Heinrich Wölfflin levou a uma redução das obras aos estilos e às formas, radicalismo que viabilizou o desenvolvimento de teorias e metodologias diametralmente tão opostas como a de Erwin Panofsky (iconologia), que, de acordo com Belting, foi “a modalidade mais bem-sucedida da disciplina conhecida pelo século XX” (BELTING, 2006: p.205).

No entanto, em relação à crítica estilística e ao formalismo de Wölfflin, a iconologia de Panofsky se mostrou igualmente em menos condições “para escrever uma história da arte” (BELTING, 2006: pp.205-206).

À medida que interrogava conteúdos em vez de obras, também perdia os suportes anteriores e os eventos de uma história da arte, aproximando-se de uma ‘história da arte como história das idéias’. Também era obrigado a consultar todas as fontes de imagens possíveis que estivessem fora do espectro da assim chamada arte, abandonando dessa maneira os limites da disciplina. A relação entre ‘arte pura’ e a tradição imagética, no seu sentido mais amplo, sempre gerou problemas quando se quis resguardar a história da arte metodologicamente, sem ao mesmo tempo restringi-la a um pequeno território. (...) Essas operações agitadas nas fronteiras da arte denunciam os esforços em lidar com os problemas de uma história da arte pura no meio do mundo histórico (BELTING, 2006: p.207).

(29)

Segundo Belting, entre os problemas metodológicos específicos da obra de Wölfflin destaca-se a redução de tipos ideais da arte a normas atemporais da percepção humana. “Os famosos ‘conceitos fundamentais’ de Wölfflin constituem um catálogo de ‘leis universalmente válidas’ que parecem nascidas com a arte e pretensamente refletem constantes da visão da forma, no sentido fisiológico (e mesmo psicológico)” (BELTING, 2006: p.209). O problema é atribuir a essas poucas “categorias de visão” uma validade universal: para Belting, o olhar sobre a arte está intimamente relacionado às convenções de visão particulares a determinados contextos e, assim, não pode ser reduzido somente a uma capacidade fisiológica da visão.

O que Wölfflin simplesmente pressupõe como constantes da percepção humana está submetido, mais do que gostaríamos, à modificação da nossa consciência, que filtra por sua vez nossa percepção histórica, que exclui do nosso lado todo entendimento ingênuo. Com efeito, não são vistas formas puras e sim aquelas que já estão preenchidas de sentido vital, e, tal como toda expressão do homem, possui uma constituição psicológica (BELTING, 2006: p.209).

Belting reconhece que os métodos de pesquisa estilística foram “a variedade mais útil e bem sucedida da disciplina” no momento em que esta se estabiliza como campo científico, “embora se restringisse a criar a matéria-prima para uma história da arte, ainda que operasse com “seqüências de estilo” (BELTING, 2006: p.204), tornando-se procedimentos metodológicos formalistas, abordando a arte e isolando o conteúdo artístico.

A história da arte escrita como argumento científico é produto da modernidade. Segundo Hans Belting, a história da arte “começou com um conceito de história e completou-o com o conceito de estilo”. E intera afirmando que o conceito de história foi parte da herança do século XIX. Já o de estilo, “uma nova aquisição na virada do século” (BELTING, 2006: p.41).

Estilo deve ser entendido, segundo o historiador, como um atributo da arte para o qual se queria demonstrar uma história ou um desenvolvimento em conformidade com a lei. Neste sentido, a idéia de estilo funda uma perspectiva história a partir da qual o fenômeno artístico seria interpretado a partir de seus aspectos formais, isolando o conteúdo

(30)

artístico do resto do mundo. A obra fundadora desta jovem ciência da arte que se volta para a forma pura é Questões de estilo (1893), de Alois Riegl (1858-1905). A partir da idéia do querer artístico, volição da arte, a dinâmica histórica se configura a partir de uma perspectiva de explicação estilística. A arte passa então a ser concebida como portadora de uma “história interna”, a “história do estilo”, que se dá desde sempre, como se as formas estivessem em uma contínua evolução. A noção de estilo estabelece uma norma, um ideal de arte, sendo a obra de arte individual uma etapa do caminho, com a qual uma norma da arte era cumprida.

O conceito de estilo servia para denominar as fases isoladas dos acontecimentos e ordená-las ciclicamente em torno das condições do clássico. Foi assim que a apresentação histórica da arte começou como teoria da arte aplicada e, consequentemente, nessa forma original também terminou onde essa teoria perdeu a sua validade (BELTING, 2006: p.187).

Igualmente, há de se mencionar novamente a publicação posterior de Conceitos Fundamentais da História da Arte, de Heinrich Wölfflin, ao qual acompanha o significativo subtítulo “o problema da evolução dos estilos na arte mais recente”. Além da sistematização da história da arte em esquemas abstratos, há ainda outros pontos graves na obra de Wölfflin. A “arte mais recente” a que se refere Wölfflin no subtítulo da obra, trata do período do Renascimento e do Barroco. Este, no entanto, é apenas um exemplo das contradições que se instauraram no contexto da jovem disciplina. Apesar de seu surgimento enquanto campo científico se dar na modernidade, ao contrário do que se possa pressupor, não procurava o seu objeto no presente: o encontrou no passado e “nele as suas regras científicas para lidar essencialmente com a arte” (BELTING, 2006: p.42). O grande paradoxo na instituição da história da arte é que apesar de ser uma ciência moderna, seu objeto de estudo não é contemporâneo a ela, não é moderno, mas está no passado: “a ciência da arte moderna orientava todas as suas energias para a arte passada” (BELTING, 2006: p.42). Tal resistência inclui a rejeição de estudos científicos sobre arte moderna. A modernidade artística, afirma Belting, por longo tempo não seria tematizada.

(31)

Há de se ter em vista, no entanto, que o discurso historiográfico formalista ou estilístico moderno, apesar distanciar-se em sua prática da produção moderna de arte, dos movimentos artísticos modernos, igualmente com eles se afinava. É inegável que ambas, história e arte, tenham em comum a reivindicação da autonomia do campo, de forma a explicar história e arte a partir de linhas internas.

A arte moderna, ao contrário de se aproximar da história, se distância dela na medida em que deseja romper com qualquer aspecto que se refira à tradição. A história da arte, apesar de ciência moderna, não se aplicava à arte moderna, mas buscava seu objeto científico no passado. Enquanto empreendimentos modernos, a história da arte e a vanguarda artística se baseavam na autonomia do campo, fosse da produção artística, fosse da ciência da arte. No entanto, a história da arte não poderia apoiar e se apoiar nessa produção artística tendo em vista que não sabia se poderia continuar a exercer o seu papel diante da arte moderna: não poderia endossar uma coisa que colocasse sua integridade em risco. A modernidade artística fundamenta-se na ruptura entre arte e história da arte, entre vanguarda e tradição. Tal ruptura se revela não apenas nas obras de arte, mas igualmente em inúmeros manifestos. Apresenta-se aqui, como exemplo, um trecho de “Fundação e manifesto do futurismo” (1908), cujo autor é Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944).

É da Itália que lançamos ao mundo este manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.

(...) Queremos libertá-la dos incontáveis museus que a cobrem de cemitérios inumeráveis.

Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos matadouros de pintores e escultores que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes!

(...) Em verdade eu vos digo que a freqüentação cotidiana dos museus, das bibliotecas e das academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registros de lances truncados!...) é, para os artistas, tão ruinosa quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens embriagados por seu engenho e vontade ambiciosa. Para os moribundos, para os doentes, para os prisioneiros, vá lá: o admirável passado é talvez um bálsamo para os seus males, já que para eles o futuro está barrado... Mas nós não queremos saber dele, do passado, nós, jovens e fortes futuristas!

(32)

Bem-vindos, pois, os alegres incendiários com seus dedos carbonizados! Ei-los! Ei-los!... Aqui! Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais para inundar os museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva rasgadas e descoradas sobre as águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas (MARINETTI, in: CHIPP, 1996: pp.291-292).

Como poderia a história da arte, por exemplo, apoiar movimentos modernos como o Futurismo, o qual proclamava em seus manifestos o desejo pela destruição dos museus, das bibliotecas, das academias de todo o tipo?

Belting demonstra enfaticamente ao longo do argumento de O fim da história da arte como o projeto da antiga história da arte estava relacionada à modernidade artística, obstinada e paradoxalmente. Inclusive indica que “a verdadeira fisionomia da modernidade” dá-se a conhecer através do par conceitual história e estilo, “à qual hoje se repreende por ter possuído uma imagem unilateral da história e uma vontade de estilo tirânica que não podia ser contestada” (BELTING, 2006: p.43). E acrescenta mais adiante: “estilo e história receberam então, rapidamente, uma marca não apenas polêmica, mas mesmo militante, que se torna facilmente inofensiva num olhar retrospectivo deturpador” (BELTING, 2006: p.44). A modernidade é assim apontada como uma época de grandes contrastes e conflitos. Neste contexto, se envolvem e se chocam arte e história, em seus diversos e confusos cursos.

1.2.3. O caso Hans Sedlmayr: arte, história e posicionamento político.

Sobre o historiador Hans Sedlmayr, do qual Belting assume subsequentemente a cadeira em Munique, será referenciado por Kultermann como um dos mais conhecidos representantes da especialidade na Alemanha nos primeiros anos após a Segunda Guerra. Austríaco, formou-se primeiramente sob a tradição da Escola de Viena.

Surgida entre o final da década de 1920 e o início da década de 1930, em meio à crise do Instituto anos após a morte de Max Dvořák (1874-1921), a segunda (ou nova) Escola de Viena se tece em torno de Hans Sedlmayr e Otto Pächt (1902-1988). Segundo Wood, ambos os jovens professores universitários “eram formalistas radicais que insistiam na independência da imaginação simbólica, na intradutibilidade da obra de arte, e na

(33)

inutilidade de qualquer reconstrução empirista do processo artístico”. Wood completa ainda que Sedlmayr e Pächt argumentavam que a leitura correta de uma única obra de arte poderia revelar “a estrutura profunda do mundo que a produziu” (WOOD, 2000: p.9). Verifica-se, então, o legado riegliano aí manifestado.

A ascensão do regime nazista alemão, no entanto, deu novos rumos para a Escola de Viena. Numerosos estudiosos foram obrigados a emigrar, principalmente para a Inglaterra e os Estados Unidos. Entre eles, Otto Pächt, o qual forçadamente transferiu-se para a Inglaterra. Já Hans Sedlmayr, nazista declarado, coordenou o Instituto de História da Arte da Universidade de Viena durante a guerra. Ao fim do conflito, a carreira de Sedlmayr nesta instituição do mesmo modo chegou ao fim.

Após mudar-se para a Alemanha, em 1951, Sedlmayr começa “a conhecida atividade docente” na Universidade de Munique, “que teve uma influência duradoura na geração mais jovem de historiadores da arte alemães” (KULTERMANN, 1996: pp.324-325). Já Belting irá a ele se referir enquanto uma “voz conservadora” diante da ruptura moderna: um “opositor da modernidade”.

Belting afirma que a entrada da modernidade no início do século XX causou dois tipos muito distintos (e, ao mesmo tempo, complementares) de reações. De um lado, os “guardiões da história” viam aproximar-se o fim da arte, o que ameaçava igualmente o seu campo científico. Por outro, os partidários da modernidade negavam a grande ruptura, na medida em que a explicavam como mera etapa no longo e contínuo caminho da arte. No entanto, ao contrário do que pressupunha os pessimistas, a arte não acabou, mas encontrava-se em um novo caminho – o caminho da modernidade.

O rompimento com todos os gêneros acadêmicos de arte acarretou a perda do antigo ideal artístico que fora representado simbolicamente por eles. Os chamados abstratos pareciam perder de vista a imagem do mundo, o dadá revoltava-se contra o conceito de arte enquanto tal e os ready-made de Duchamp desmascaravam esse conceito como uma ficção da sociedade burguesa (BELTING, 2006: p.249).

(34)

A noção de que o novo não precisava de uma fundamentação histórica, distanciando-se da tradição, configurava-se como o grande temor da história da arte pelo novo. A disciplina recém-nascida não poderia igualmente avaliar, diante da modernidade artística, se a história da arte poderia e deveria continuar a ser escrita:

Vozes conservadoras, como Henry Thode e Hans Sedlmayr (grifo nosso), que lamentavam nas universidades alemãs o abandono da herança histórica, utilizavam a tradição decorrida como um espelho no qual a arte moderna podia oferecer apenas uma imagem distorcida (BELTING, 2006: p.250).

Ao contrário dos progressistas que vislumbravam “o novo como conseqüência da evolução da tradição, a qual, de um ponto de vista moderno, reinterpretavam rapidamente como pré-história do novo” (BELTING, 2006: p.250).

Segundo Belting, a luta travada no início do século XX entre a produção artística e a história da arte foi menos sentida na primeira do que na segunda, manifestando-se no embate entre o demanifestando-sejo de posmanifestando-se da ciência da arte do objeto, das leis do objeto e a perda dos jovens parâmetros daquela ciência da arte recém-estabelecida, “que não queria permitir o questionamento dos seus próprios resultados pela evasão dos artistas de um terreno comum” (BELTING, 2006: p.250).

Como apontado anteriormente, com o fim da Segunda Guerra e a queda do regime nazista, Sedlmayr é afastado do seu posto na Universidade de Viena. Nos anos que se seguem, publica a polêmica obra A perda do centro (1948), segundo Wood, um “enorme sucesso popular”, traduzido para as línguas inglesa (1957), espanhola (1959), japonesa (1965) e italiana (1967).

Em 1951, pouco depois da publicação de A perda do centro, Sedlmayr assume cadeira na Universidade de Munique, situação fortemente contestada por muitos historiadores da arte alemãos, já que olhavam com suspeição para o historiador.

Vozes importantes da história da arte alemã do pós-guerra – por exemplo, Werner Hofmann, Willibald Sauerländer, Max Imdahl, Martin Warnke e Hans Belting

(35)

arrogância interpretativa, e a desatenção ao fato histórico por parte de Sedlmayr (WOOD, 2000: p.13).

Em A perda do centro, Sedlmayr articula, de maneira bastante peculiar, o que ele chama de “perda do centro” na arte com o afastamento desta do homem, da humanidade, do que considera como sendo a justa medida. No entanto, tal afastamento releva uma realidade ainda mais nociva à condição humana: o humano aparta-se do divino. Sedlmayr acredita que o homem não pode ser autônomo em relação ao divino, da mesma forma que não pode haver arte, arquitetura, pintura autônomas.

Em 1955, publica A Revolução da Arte Moderna. Em ambas as obras, Sedlmayr se ocupou dos problemas da arte moderna. De um ponto de vista negativo, “argumentava que a arte moderna difundia a imagem do homem moderno sem Deus e que a Arte apenas é possível de acordo com uma atitude universal homogênea e religiosa” (KULTERMANN, 1996: p.325).

Em A Revolução da Arte Moderna, Hans Sedlmayr introduz e conclui o estudo com a mesma questão “que é arte moderna?”. Nas primeiras linhas da obra, o historiador chama a atenção de que, “mesmo sendo usada no sentido de elogio ou de refutação”, a expressão “arte moderna”:

(...) em qualquer momento do “nosso tempo” surgiu na arte, e graças a ele, algo “complemente novo”, algo que diferencia esta “arte moderna”, e apenas a ela, de toda a “arte antiga”. Esta novidade, mais sentida na sua essência que realmente conhecida, tem sido apaixonadamente exaltada e da mesma forma combatida, tem sido compreendida e mal compreendida, não sendo precisamente os partidários da arte moderna os que melhor a compreendem (SEDLMAYR, 1960: p.9).

Adverte mais a frente que entre os dois opostos, plantam-se latentemente as questões: “em que consiste realmente esta arte que a si mesma se chamou moderna? O que é que a diferencia da outra arte do nosso tempo que não é moderna? Tem, pois, sentido falar “da” arte moderna quando nela são possíveis contradições do tipo da pintura ‘abstrata’ e do Surrealismo?” (SEDLMAYR, 1960: p.9).

(36)

No prólogo de A Revolução da Arte Moderna (1955), Sedlmayr afirma que sua obra anterior, A perda do centro, “tratou daquilo que a arte de estes últimos séculos torna evidente acerca do destino do espírito humano nesta época e, apenas de passagem, daquilo que é”. Sendo assim, em contrapartida, A Revolução da Arte Moderna “trata do que esta arte – cujos extremos se colocam entre 1905 e 1925 – é no fundo, o que com ela aconteceu e, igualmente só de passagem, como surgiu”. Sedlmayr inclui que apenas será possível a tentativa de escrever uma história da arte moderna quando forem respondidas estas questões. Para finalizar, o historiador afirma, sobre as poucas ilustrações presentes no livro que estas “não mostram obras-primas da arte moderna, mas sim obras em que se pode afirmar que aparecem ampliadas as suas tendências típicas” (SEDLMAYR, 1960: p.7). O interessante, contudo, é perceber o que Sedlmayr não considera uma “obra prima” da arte moderna. Na lista estão: Marcel Duchamp (1887-1968), Hans Arp (1886-1966), Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806), Constantin Brancusi (1876-1957), Wassily Kandinsky (1866-1944), Paul Klee (1879-1940), Max Bill (1908-1994), Robert Delaunay (1885-1941), Piet Mondrian (1872-1944), Ivan Léonidov (1902-1959), Antoine Pevsner (1886-1962), Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), Alexander Archipenko (1887-1964), Salvador Dalí (1904-1989) e Alexander Calder (1898-1976).

Hodin considera Sedlmayr como um dos historiadores que causou o maior impacto sobre o ponto de vista alemão da arte moderna, no contexto Pós Segunda Guerra. Numa crítica incisiva materializada em artigo escrito poucos anos depois da publicação da polêmica obra de Sedlmayr, afirma que sem ao menos realizar um exame aprofundado das obras modernas e do modernismo como um todo, o dado historiador realiza “apenas uma dissecação pseudo-filosófico, pseudo-teológico da natureza problemática da arte hoje”.

Sr. Sedlmayr, com os olhos fixos na idade hierática de arte, afirma que devido à falta de uma concepção moderna do divino, o único centro em torno do qual a grande arte pode cristalizar, arte moderna é sinal e símbolo de um processo de decomposição, do caos e das tendências anti-humano (HODIN, 1958: pp.373-374).

Referências

Documentos relacionados

8- Bruno não percebeu (verbo perceber, no Pretérito Perfeito do Indicativo) o que ela queria (verbo querer, no Pretérito Imperfeito do Indicativo) dizer e, por isso, fez

A Sementinha dormia muito descansada com as suas filhas. Ela aguardava a sua longa viagem pelo mundo. Sempre quisera viajar como um bando de andorinhas. No

5- Bruno não percebeu (verbo perceber, no Pretérito Perfeito do Indicativo) o que ela queria (verbo querer, no Pretérito Imperfeito do Indicativo) dizer e, por isso, fez

Numa corrida rápida, de velocidade, teria as minhas hipóteses, mas dar cinco voltas ao recinto enlameado da escola era mais apropriado para o Mário e o Xavier, por exemplo,

As amostras foram encaminhadas ao Laboratório da Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa para Contagem Bacteriana Total (CBT), Contagem de

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Este estágio de 8 semanas foi dividido numa primeira semana de aulas teóricas e teórico-práticas sobre temas cirúrgicos relevantes, do qual fez parte o curso

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o