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Legislar sobre "mulheres" : relações de poder na Câmara Federal

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Academic year: 2021

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MAÍRA KUBÍK TAVEIRA MANO

LEGISLAR SOBRE “MULHERES”:

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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

MAÍRA KUBÍK TAVEIRA MANO

LEGISLAR SOBRE “MULHERES”: RELAÇÕES DE PODER NA CÂMARAFEDERAL

Orientadora: Profa. Dra. Maria Lygia Quartim de Moraes

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do Título de Doutora em Ciências Sociais.

Esse exemplar corresponde à versão final da tese, defendida pela aluna Maíra Kubík Taveira Mano orientada pela Profa. Dra. Maria Lygia Quartim de Moraes e aprovada no dia 06/02/2015.

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Resumo

Nessa tese, investigo a atuação da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados na 54a Legislatura (2011-2014). Considero as parlamentares que a integram como sujeitos posicionados do mesmo lado da divisão sexual do trabalho e que se agrupam para fazer uma oposição sistemática à sua inferioridade hierárquica socialmente construída. São também, contudo, um coletivo heterogêneo. Dessa maneira, debruço-me sobre sua atuação para compreender suas convergências, divergências e limitações.

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Abstract

In this thesis, I investigate the activities of the “Bancada Feminina” of the House of Representatives in the 54th Legislature (from 2011 to 2014). I believeparliamentarian womenare positioned on the same side of the sexual division of labor and that they formed this group to make a systematic opposition to its socially constructed hierarchical inferiority. They are, however, a heterogeneous collective. Therefore, I researchtheir actions in order to understand their similarities and differences, as well as their limitations.

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 1

PROBLEMATIZAÇÃO ... 3

OBJETO, OBJETIVOS E HIPÓTESES ... 13

METODOLOGIA ... 16

“MULHERES” ... 20

TRADUÇÃO DOS CONCEITOS ... 27

PARTE I ...29

CAPÍTULO 1 ...31

UMA HISTÓRIA DAS MULHERES NA POLÍTICA INSTITUCIONAL BRASILEIRA ...31

1.1ENTRE O PATRIARCADO E A PATRONAGEM ... 34

1.2.A LUTA PELO SUFRÁGIO ... 40

1.3.O DIREITO CONQUISTADO ... 46

1.4.ANOS DE CHUMBO ... 53

1.5.REDEMOCRATIZAÇÃO E O LOBBY DO BATOM ... 62

1.6.CONSOLIDAÇÃO DA BANCADA FEMININA E A PRESIDENTA ... 72

1.7.ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ... 76

CAPÍTULO 2 ...79

PRÁTICAS SOCIAIS E GÊNERO NO LEGISLATIVO...79

2.1.VOZES INSISTENTES, VOZES REPETITIVAS ... 82

2.2.MATERNIDADE E FAMÍLIA ... 85

2.3.A DISCRIMINAÇÃO NOS PARLAMENTOS ... 98

2.4.QUEM MANDA AQUI? ... 101

2.4.1. Mesa Diretora da Câmara Federal ... 102

2.4.2. Colégio de Líderes... 103

2.4.3. Comissões ... 105

2.4.5. Frentes parlamentares e bancadas ... 115

2.5.ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ... 119

PARTE II ... 122

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3.2.3. A coordenação ... 142

3.2.4 – Uma nova formatação: a Secretaria da Mulher ... 145

3.2.5. Assento no Colégio de Líderes ... 156

3.3–OS LIMITES DA UNIDADE BIOLOGIZANTE ... 160

3.3.1 – Onde elas concordam ... 160

3.3.2 – Onde elas discordam ... 179

3.4–ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ... 187

CAPÍTULO 4 ... 190

O AMÁLGAMA CONJUGAL SOB A ÓTICA DO LEGISLATIVO: TRÊS CASOS EM ESTUDO190 4.1.AS AMARRAS SOCIAIS, ECONÔMICAS E PSÍQUICAS DO AMÁLGAMA CONJUGAL ... 193

4.1.1. A conscientização sobre a violência ... 197

4.1.2. Os meios para apropriação do corpo feminino ... 203

4.1.3. Em busca de uma saída ... 212

4.1.4. A frente ideológica ... 221

4.2.AS AMARRAS RELIGIOSAS DO AMÁLGAMA CONJUGAL ... 225

4.2.1. As oscilações ideológicas ... 230

4.3.AS AMARRAS DE CLASSE E “RAÇA” DO AMÁLGAMA CONJUGAL ... 243

4.3.1. Trabalho reprodutivo durante o Brasil escravocrata ... 245

4.3.2. Unanimidade? ... 250 4.3.3. A perda da mucama ... 259 4.4.ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ... 263 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 266 BIBLIOGRAFIA ... 278 ANEXOS ... 290

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Para as feministas, por todos os ensinamentos, bravura e caminhos abertos.

Para a tia Zony, cujas atitudes cotidianas de coragem também contribuíram para um futuro sem opressões.

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Agradecimentos

À Maria Lygia, que pacientemente orientou essa jornalista pelos caminhos das Ciências Sociais.

À Jules, pela leitura atenta, a crítica sincera e o exemplo de empenho político. À CAPES, pelo financiamento a essa pesquisa.

Ao NEILS (Núcleo de Estudos e Ideologias em Lutas Sociais), pela coerência permanente, em especial à Renata Gonçalves e Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida.

Axs amigxs que durante esses anos de pesquisa se mantiveram presentes, mesmo com todas as minhas ausências: Adriana Fernandes, Agnes Tymoszczenko,Ana Claudia Mielke, Ana Maria Straube, Bia Pasqualino, Henrique Costa, José Erasmo Campello, Juliana Sada,Lívia Nascimento,Luciana Fukui (e ao Glauco e ao Pedroca), Maíra Soares, Mariana Pires, Patricia Cornils, Rodrigo Valente e Tamara Menezes.

Ao meu núcleo soteropolitano do coração: Fabrício Souza, Jalusa Arruda e Luis Antonio Costa.

Ao núcleo parisiense, minha morada durante parte da tese: Adriana Azevedo, Carolina Arantes, David Rosier, Fernanda Sucupira, Gissela Mate, Julián Fuks, Juliano Ribeiro Salgado,Melissa Chagoya, Paula Scarpin, Tais Viudes e Rodolfo Vianna. Um brinde! À Mariana Martins, Rodolfo Cabral e Rogério Tomaz pelo alojamento – e acolhimento – em Brasília durante os períodos de trabalho de campo.

Ao pai Idelson, pela proteção.

À Liana, Newton e Carol, pelos pães de queijos, massagens e almoços de domingo.

À Maruska, minha mãe, e ao Vinicius, meu pai, por toda a força, o incentivo epor não me deixarem esmorecer. Essa tese não teria sido possível sem vocês.

Ao Felipe, meu companheiro, que desde o primeiro momento segurou a minha mão e me incentivou durante todo esse percurso. Não foi fácil, mas foi uma delícia viver essa

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Confira Tudo que respira Conspira (Paulo Leminski)

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Lista de tabelas

TABELA 1.COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS ... 110

TABELA 2:FRENTES PARLAMENTARES PRESIDIDAS POR MULHERES ... 116

TABELA 3:FREQUÊNCIA DAS DEPUTADAS FEDERAIS EM REUNIÕES DA BANCADA FEMININA ... 138

TABELA 4:ESPECTRO POLÍTICO PARTIDÁRIO BRASILEIRO... 144

TABELA 5:MORTES DE MULHERES NO BRASIL (A CADA 100 MIL HABITANTES) ... 200

TABELA 6.PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO APRESENTADAS PELA CPMI ... 213

Lista de gráficos

GRÁFICO 1:HOMENS E MULHERES CANDIDATOS/AS NAS ELEIÇÕES DE 2014 ... 5

GRÁFICO 2:HOMENS E MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS ELEITOS/AS EM 2014 ... 6

GRÁFICO 3.EVOLUÇÃO DAS MULHERES NAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS ESTADUAL E FEDERAL 1974-2006. ... 72

GRÁFICO 4:PROPORCIONALIDADE NAS PRESIDÊNCIAS DE COMISSÕES ... 108

GRÁFICO 5:PROPORCIONALIDADE NAS VICE-PRESIDÊNCIAS DAS COMISSÕES. ... 109

Lista de imagens

IMAGEM 1:ESTRUTURA DA SECRETARIA DA MULHER ... 152

IMAGEM 2 –ORGANOGRAMA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ... 157

IMAGEM 3:CAPA DO LIVRETO “MULHER,TOME PARTIDO!”, PRIMEIRA PUBLICAÇÃO DA SECRETARIA DA MULHER DA CÂMARA FEDERAL ... 167

IMAGEM 4:PUBLICAÇÃO DO CFEMEA EM PARCERIA COM A ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS (AMB) . 168 IMAGEM 5:DEPUTADAS DA BANCADA FEMININA ACOMPANHAM MARA RÚBIA (DE ÓCULOS AO CENTRO) EM SEU TESTEMUNHO NO PLENÁRIO DA CÂMARA FEDERAL ... 172

IMAGEM 6:“NENHUMA DE NÓS MERECE SER ESTUPRADA”. ... 219

IMAGEM 7:BERNARDI, ENTRE A CRUZ E CALDEIRINHA ... 236

IMAGEM 8:EXTRATO DE ASSINATURAS APRESENTADAS NA CARTA ENTREGUE PELAS REPRESENTANTES DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS À ANC. ... 249

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Siglas

CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

PDT - Partido Democrático Trabalhista PT - Partido dos Trabalhadores

DEM – Democratas

PCdoB - Partido Comunista do Brasil PSB - Partido Socialista Brasileiro

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PTC - Partido Trabalhista Cristão

PSC - Partido Social Cristão

PMN - Partido da Mobilização Nacional PRP - Partido Republicano Progressista PPS - Partido Popular Socialista

PV - Partido Verde

PTdoB - Partido Trabalhista do Brasil PP - Partido Progressista

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PHS - Partido Humanista Da Solidariedade PTN - Partido Trabalhista Nacional

PSL - Partido Social Liberal

PRB - Partido Republicano Brasileiro PSOL - Partido Socialismo e Liberdade PR - Partido da República

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Introdução

Em um país onde cerca de 800 mil interrupções voluntárias de gravidez1 são realizadas por ano, boa parte delas em condições sanitárias precárias, por que o aborto não é legalizado? Como combater a violência contra as mulheres diante de dados tão aterradores como o de cinco espancamentos acada dois minutos no Brasil2? Se os homens recebem 30% a mais para ocupar as mesmas funções que as mulheres3, como sanar as disparidades salariais de gênero?

Essasquestões, para lá de inquietantes, movem essa pesquisa.Longe de procurar respondê-las, a tese é uma tentativa de agregar elementos que possam contribuir tanto para uma análise crítica da posição hierarquicamente inferior das mulheres em nossa sociedade, quanto para a possibilidade de transformá-la.

Uma das trincheiras políticas para manutenção da desigualdade, é, ironicamente, aquela que afirmou que todas as pessoas são iguais perante a lei ao redigir a Constituição Brasileira de 1988: o Parlamento. Falar sobre o Poder Legislativo é refletir diretamente sobre a regulamentação da nossa vida cotidiana. É de lá que saem as principais normas que determinam, para o conjunto da sociedade, o que nos é permitido – por exemplo, a disparidade salarial de gênero – e o que não se pode tolerar – como a legalização do aborto.

1SUWWAN, Leila. “País tem quase 2 abortos ilegais por minuto”. Folha de S. Paulo. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1012200406.htm>. Acesso em 23/12/2014.

2

Mapa da Violência, São Paulo: Instituto Sangari, 2010.

3ATAL, Juan Pablo et. al. New Century, old disparities : gender and ethnic wage gaps in Latin America.

(24)

O Parlamentoparticularmente me interessa porque minha militância está vinculada ao pertencimento a um partido político – o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), localizado à esquerda no espectro político brasileiro – e à participação direta e regular em suas campanhas para o Legislativo, que tem como uma das preocupações a proximidade com a agenda feminista. Anteriormente, até 2005, eu integrava o Partido dos Trabalhadores (PT), que ao longo da escritura dessa tese, esteve na Presidência da República e tinha maioria no Congresso Nacional.A história da saída de algumas correntes que faziam parte do PT nesse período – e que eu acompanhei – é também um pouco da história das perspectivas de mudança social no Brasil ou da ausência delas, o que afetaria diretamente os movimentos feministas e a concretização de suas reivindicações.

O feminismo, para escolher apenas uma das suas definições possíveis, se apoia no reconhecimento de que as mulheres são oprimidas específica e sistematicamente e que essa opressão não está inscrita na natureza, colocando a possibilidade política de sua transformação4. Nessa perspectiva, as leis, como tecnologias de estabelecimento de hegemonia e poder5, podem ser um dos alvo de sua luta política6. Como aponta Sylvia Walby, as conquistas advindas da cidadania política impactaram diretamente a vida das mulheres: ela cita a lei do divórcio para exemplificar como esta foi a base da mudança na relação social entre homens e mulheres, tirando-as do domínio exclusivamente privado. Segundo Walby, ainda que a desigualdade permaneça, “sem essas vitórias políticas, nem a cidadania civil nem a cidadania social seriam possíveis”7

. Por outro lado, a nova expansão

4

MATHIEU, Nicole-Claude. L’anatomie politique. Donnemarie-Dontilly: Éditions iXe, 2013, p. 125.

5PICHARDO, Rosa Ynés (Ochy) Curiel. “El régimen heterosexual de la nación”. 2010. 144f. Dissertação

(Mestrado) em Antropologia. Facultad de Ciencias Humanas, Departamento de Antropología. Universidad Nacional de Colombia. Bogotá. p. 16.

6

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 124.

7 WALBY, Sylvia. “La citoyenneté est-elle sexuée?”. In: SGIER, Lea et. al. Genre et politique. Paris:

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mundial das relações capitalistas traz em seu bojo “leis sangrentas” (Bloody Laws), sublinha Silvia Federici. Algumas delas contra imigrantes, uma porcentagem significativa deles constituída por mulheres do care8. Jules Falquet também ressalta como os discursos da cidadania, da democracia e da ética do care, em um contexto de relações entre colonização, escravidão, políticas migratórias e privatizações de direitos, formam um novo modelo pós-social democrata que busca legitimar-se9.

Problematização

O sujeito hegemônico da política institucional brasileira é o homem, branco, heterossexual e com alta renda. As presença das mulheres é baixa – elas nunca conseguemultrapassar o patamar de 14% de representantes parlamentares nas esferas municipal, estadual e federal10, números que fazem do Brasil um dos países do mundo com menor participação das mulheres no Legislativo11. Como afirma Eleni Varikas, há “incapacidade manifesta, apesar da instituição da igualdade do direito e do sufrágio universal, de integrar, no quadro da democracia representativa, uma metade dos

8 FEDERICI, Silvia. Caliban et la Sorcière. Genebra/Paris: Entremonde, 2014. p. 18.

9 FALQUET, Jules. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal.

Mediações. v. 13, n.1-2, p. 121-142, Jan/Jun e Jul/Dez. 2008, p. 129.

10 Números relativos às últimas três décadas, após a redemocratização. ALVES, José Eustáquio Diniz;

CAVENAGHI, Suzana Marta. “Mulheres sem espaço no poder”. IPEA, 2010. Disponível em:

http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/09_03_17_MulherPolitica_Ipea_Jeda_Smc.pdf Acesso em 12/04/2013; “Número de mulheres eleitas em todo Brasil registra recorde”. Portal Terra. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/eleicoes/numero-de-mulheres-eleitas-em-todo-brasil-registra-recorde,82b81cc32a55b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acesso em 10/03/2013.

11

Ver, por exemplo, os relatórios do Global Gender Gap – World Economic Forum (2014), onde o país ocupa a 123a posição de 142 países, e da Inter-Parlamentary Union (2010), onde está em 106o lugar de 187 Estados analisados.

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cidadãos”12 .

Na academia, a baixa presença de mulheres na política institucional tem sido objeto de diversas investigações científicas que alertam para sua intrincada complexidade. Destacam-se, entre outras, as pesquisas de Clara Araújo, José Eustáquio Diniz Alves, Céli Regina Jardim Pinto, Rachel Meneguello, Bruno W. Speck e Teresa Sacchet – com estes três últimos, desenvolvi, entre 2011 e 2012, um estudo exploratório sobre a participação de mulheres e negros na política e que considero um pré-campo para a tese13. Em termos de práticas sociais, encontramos a desigualdade de gênero materializada em uma série de obstáculos tais como a dificuldade das mulheres obterem legenda e financiamento de campanha, a distribuição desigual do fundo partidário e do tempo de propaganda em rádio e televisão14 e a acumulação das jornadas de trabalho são alguns deles.

Desde 1995, o Brasil adota a lei de cotas paracandidaturas a cargos proporcionais – inicialmente, a Lei nº. 9.100 previa cota mínima de 20% e, em 1997, foi ampliada para 30% por meio da Lei nº. 9.504. Porém, até 2012 ela não havia sido cumprida para a eleição de vereadoras/es e apenas em 2014 ela foi atingida para os cargos de deputada/o estadual e federal15. Nota-se que para os governos estaduais e o Senado, que são

12 A autora faz sua análise no contexto da aprovação da Lei da Paridade, na França, mas sua interpretação

também cabe ao cenário brasileiro. VARIKAS, Eleni. “Une représentation en tant que femme? Réflexions Critiques sur la Demande de la Parité entre les Sexes”. Lausanne: Nouvelles Questions Féministes, v. 16, n. 2, 1995, p. 82. É importante destacar que Varikas não tem nesta sua principal área de atuação.

13

MENEGUELLO, Rachel; SPECK, Bruno; SACCHET, Teresa; MANO, Maíra Kubík T.;SANTOS, Fernando Henrique; GORSKI, Caroline. Mulheres e negros na política: estudo exploratório sobre o

desempenho eleitoral em quatro estados brasileiros. Campinas: UNICAMP, Cesop, 2012. 14

Em 2009 foi feita uma mini reforma política onde incorporou-se à lei 9.096 (1995), que dispõe sobre os partidos políticos, o seguinte item no artigo 44, referente à aplicação dos recursos do fundo partidário: “na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total”.

15 Seria necessário fazer uma análise mais aprofundada desse pleito. É possível que parte das candidaturas de

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cargos majoritários e, portanto, onde não há exigência de cotas, as mulheres não ultrapassaram 20% das candidaturas.

Gráfico 1: Homens e mulheres candidatos/as nas eleições de 2014

SPECK; MANO, 2014, op.cit.

Passado o escrutínio, constatou-se pouca alteração em relação aos pleitos anteriores e a consequência é que, entre os eleitos, continua a haver uma maioria de homens, brancos, pouco representativa do corpo político16. Para ilustrar o exemplo, em 2015 as mulheres passaram para 51 deputadas federais entre 513 representantes, um aumento de 1%, chegando a 10% do total, em relação à legislatura 2011-2014 da Câmara

campanha para elegê-las. MANO, Maíra Kubík T.; SPECK, Bruno W. “Quem está disputando a eleição?”. CartaCapital, 04/09/2014. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/quem-esta-disputando-a-eleicao-7784.html>. Acesso em 05/09/2014.

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dos Deputados, em que havia 91% de deputados federais e 9% de deputadas federais. Não à toa, o nome da Câmara dos Deputados está no masculino plural.

Gráfico 2: Homens e mulheres na Câmara dos Deputados eleitos/as em 2014

Diante de tal cenário de baixo sucesso eleitoral, existe hoje um discurso naturalizado17 sobre a necessidade de ampliar o número de mulheres nos cargos eletivos, tanto no poder Executivo quanto no Legislativo. Esse discurso articula-se com determinadas práticas e instituições ganhando, por meio destas, densidade material18.

17 FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 (1969). 7ª ed., p.

35-37.

18 LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy - Towards a Radical Democratic Politics. Londres/Nova York: Verso, 2001 (1985). 2ª ed., p. 109.

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Traduzido e exemplificado, vislumbro ele: 1) nos pronunciamentos da presidenta da República, Dilma Rousseff, a primeira a ocupar esse cargo, que colocava-se na posição de “abrir portas para que muitas outras mulheres, também possam, no futuro, ser presidenta”19

; 2) nas diferentes sondagens com o eleitorado20, representantes de partidos políticos e pessoas eleitas21, que acreditam que uma maior participação das mulheres na política institucional poderia trazer “mudanças positivas” para a democracia brasileira; 3) em movimentações da sociedade civil, como a Marcha Mundial de Mulheres, que em 2014 reivindicou, juntamente com outros movimentos sociais e organizações não-governamentais, um plebiscito popular para uma constituinte exclusiva do sistema político em que uma das propostas a ser discutida era lista fechada com alternância de sexo; 4) em campanhas publicitárias como a “Mulheres na política”, promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SPM), do governo federal, para “incentivar as mulheres a participar da política do país, candidatando-se aos cargos eletivos”22

; e 5) nos projetos apresentados no Congresso Nacional, como a Proposta de Emenda à Constituição que prevê reserva de vagas na mesa diretora da Câmara, do Senado e nas comissões (PEC 590/06).

Um debate semelhante ocorre em função do baixo sucesso eleitoral de negros e negras na política institucional e ambos estão imbricados por outras relações estruturantes

19

“Leia íntegra do discurso de posse de Dilma Rousseff no Congresso”. Folha de S. Paulo, 01/01/2011. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/poder/853564-leia-integra-do-discurso-de-posse-de-dilma-rousseff-no-congresso.shtml>. Acesso em 08/03/2013.

20

Na pesquisa Barômetro Global de Otimismo, feita pelo IBOPE Inteligência e a Worldwide Independent Network of Market Research, divulgada em 2014, 41% da população brasileira acredita que “se os políticos fossem em sua maioria mulheres, o mudo seria um lugar melhor”. A média mundial é 34% (IBOPE, 2014).

21 MENEGUELLO et al. op.cit., nota 13. 22

TSE lança no Congresso Nacional campanha que convoca mulheres para a política. Tribunal Superior

Eleitoral. 19/03/2014. Disponível em:

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da sociedade, em especial as de “raça” e classe social, formando um nó2324

. Tais propostas para ampliar a participação dos grupos ditos minoritários põem em xeque a legitimidade das democracias liberais e, de certa maneira, estão presentes desde seu princípio, como demonstram as críticas à exclusão das mulheres da cidadania na irrupção das revoluções democráticas do final do século XVIII feitas por feministas pioneiras como Olympe de Gouges, na Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne, e como Mary Wollstonecraft em A Vindication of the Rights of Woman25.

Será que esse déficit democrático de gênero têm consequências diretas na quantidade de propostas legislativas que contribuiriamcom a diminuição das hierarquias sociais?

Trabalharei com a ideia de que existem localizações sociais diferenciadas para os/as oprimidos/as, entre os/as quais as mulheres, repletas de história e vida social, e que podem trazer contribuições distintas à atuação na política institucional, como sugere certa epistemologia feminista.Em 1985, Nicole-Claude Mathieu “refletiu muito sobre o que ela chama de a „consciência‟ e que outros mais recentemente denominaram „ponto de vista situado‟”26

. Em seu conhecido artigoQuand céder n’est pas consentir, Mathieu analisa, entre outras questões, a crítica que Derek Freeman faz sobre o trabalho de Margaret Mead em Samoa. Freeman afirma que Mead, então com 23 anos e descrita por ele como uma

23

SAFFIOTI, Heleieth I. B. “Ontogênese e filogênese do gênero”. FLACSO-Brasil, junho de 2009, p. 19.

24 Danièle Kergoat também usa a imagem de nó ao propor seu conceito de co-substancialidade: “as relações

sociais [rapports sociaux, no original, expressão para a qual não há tradução no português] são co-substanciais: elas formam um nó que não pode ter uma sequência no nível das práticas sociais (...) e eles são co-extensivos: (...) as relações sociais de classe, de gênero e de „raça‟ se reproduzem e se co-produzem mutuamente”. KERGOAT, Danièle. Se battre, disent-elles... Paris: La Dispute, 2012. p. 126-127.

25 SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida – Feminismo e Ciências Sociais. São Paulo: Editora

Unesp, 2003, p. 26.

26FALQUET, Jules. Pour une anatomie des classes de sexe : Nicole-Claude Mathieu ou la conscience des

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“jovem liberada”, não percebeu a cultura do estupro que estava instaurada ali e teria se enganado27. Porém, o mesmo Freeman avaliou como “esquizofrênica” uma sociedade que, por um lado, estimulava que os jovens violassem, e por outro, valorizava a virgindade das meninas, sem compreender que tudo fazia parte da mesma opressão vivenciada pelas mulheres durante a corte. Mathieu utiliza esse exemplo para demonstrar que o dominante conhece os meios de exploração e de dominação, mas que não conhece a vivência da opressão, ou seja, o outro lado. “É por isso que as „explicações‟ dadas e as noções que as acompanham são, frequentemente, decepcionantes”28

.

Trata-se, afinal, do difícil exercício de manter a compreensão de que as mulheres não existem naturalmente e, ao mesmo tempo, de reconhecer a existência material de um conjunto de opressões que historicamente atinge uma parte específica da população mundial. Ou seja, da possibilidade de existência de posições coletivas de sujeitos ao mesmo tempo que de experimentações subjetivas individuais29.

Patricia Hill Collins viu nas experiências das mulheres negras uma maneira de situar os sujeitos30. Collins denominou “as forasteiras de dentro” (outsiders within) aquelas que, ao cuidar de crianças de famílias brancas e trabalhar como empregadas domésticas viam, por um lado, o white power a partir de dentro, desmistificando-o e percebendo que “não era o intelecto, talento e humanidade dos seus empregadores que sustentava o seu estatuto superior, mas na maioria das vezes apenas a vantagem do racismo”31; mas que, por

27Para Mathieu, Mead, ao contrário do que supõe Freeman, não era liberada porque não tinha conhecimento

da realidade cotidiana do estupro em numerosas sociedades, entre as quais a sua. MATHIEU, 2011, p. 135,.

28

Ibidem, p. 136.

29

BOURDIEU, Pierre. Un Art moyen. Paris: Ed. de Minuit, 1970 (1965), 2ª ed., p. 18.

30 SARDENBERG, Cecilia Maria Bacellar. “Da Crítica Feminista à Ciência a uma Ciência Feminista?”.

Versão revisada da intervenção feita à Mesa “Crítica Epistemológica Feminista”, que teve lugar durante o X Encontro da REDOR, NEIM/UFBA, Salvador, 29 de outubro a 1 de novembro de 2001.

31 COLLINS, Patricia Hill. “Learning from the Outsider Within: The Sociological Significance of Black

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outro lado, apesar de terem um grande envolvimento com esse mundo, nunca conseguiam pertencer a ele. Voltando-se para George Simmel e Karl Mannheim, ela afirma que as pessoas com status de “forasteiras de dentro” podem potencialmente beneficiar-se tanto de uma objetividade, que seria “composição peculiar entre proximidade e distanciamento”, quanto da habilidade de enxergar padrões que talvez sejam mais difíceis de serem vistos por aqueles que estão imersos em determinadas situações32. Assim, ao deparar-se com a Sociologia, o black feminist thought pode ver o “pensamento sociológico usual” como contraditório e questionar suas receitas, marcadas pelas observações e interpretações do homem branco inserido no grupo dominante33. Segundo Collins, uma variedade de indivíduos poderia aprender com as experiências das mulheres negras: “homens negros, trabalhadores, mulheres brancas, outras pessoas de cor, religiões e minorias sexuais e outros indivíduos que (…) nunca se sentiram confortáveis com concepções dadas como certas”34

.

A partir das observações de Collins, penso que as mulheres parlamentares, como sujeitos que historicamente estiveram na política institucional em um número muito inferior ao dos homens – quando não inexistente –,podem conseguir enxergar situações que estes não veem, em especial aquelas que dizem respeito às próprias posições de sujeito dasmulheres.

Ao mesmo tempo, é preciso levar em consideração que o estímulo a uma maior participação das mulheres e negros/as pode ser uma maneira de dar alguma credibilidade a um sistema político representativo que cai cada vez mais em descrédito35. As manifestações

32 Ibidem, p. S15.

33 Ibidem, p. S27. 34

Ibidem, p. S29.

35 VARIKAS, ibidem, p. 83, nota 12. Varikas utiliza essa análise para os altos índices de abstenção nas

(33)

de junho de 2013 no Brasil, que levaram milhões de pessoas às ruas, assim como uma série de movimentos e mobilizações que têm ocorrido pelo mundo – Praça Taksim, na Turquia; Praça Tahrir, no Egito; Puerta del Sol, na Espanha; Occupy Wall Street, nos Estados Unidos – trouxeram como uma das pautas a transformação da estruturação política da vida “contra a governança exclusiva, oligárquica e consensual de uma aliança de elites tecnocratas, políticas e econômicas determinadas a defender a ordem neoliberal de qualquer maneira”36

.

No Brasil, essa conjuntura ganha contornos muitoinstigantes porque quem está há mais de 12 anos na Presidência da República e na liderança do Congresso Nacional é o Partido dos Trabalhadores (PT). Fundado em 1980, durante a ascensão das mobilizações sociais e o final da ditadura civil-militar, o PT tinha como vetores significativos para a sua formação as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o movimento sindical37 e alguns agrupamentos de esquerda que atuaram na resistência ao regime, que tinham como representantes pessoas oriundas do movimento estudantil e do funcionalismo público. No horizonte, o socialismo.Disputou a eleição de 1989 à Presidência da República com o metalúrgicoLuiz Inácio Lula da Silva como candidato. Apesar da derrota, o PT saiu do pleito como o mais importante partido de esquerda do país38. Porém, afastou-se dos movimentos sociais e foi perdendo militantes ao longo de seu processo de institucionalização como oposição, primeiro a Collor, vitorioso em 1989, e depois a Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1994-2002), cujo governo era de orientação neoliberal.

De acordo com Lincoln Secco, “a militância pode ter se retraído por razões de

36 SWYNGEDOUW, Eric; WILSON, Japhy. The Post-Political and its Discontents: Spaces of Depoliticization, Spectres of Radical Politics. Edimburgo: University of Edinburgh Press, 2014. Introdução. 37 SECCO, Lincoln. A história do PT. Cotia: Ateliê Editorial, 2012, 3a ed., p. 49.

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burocratização e profissionalização internas ao PT. Mas elas só adquirem sentido quando são correlacionadas com as mudanças externas”39

. As mudanças externas a que o autor se refere são o avanço do individualismo, transformação no mundo do trabalho – entre 1981 e 1990, desapareceram no Brasil 43% dos empregos industriais, e entre 1990 e 1997, outros 39% do que havia restado de postos – e o enfraquecimento dos sindicatos – que receberam tratamento bastante desfavorável durante o governo FHC. Além disso, houve um crescimento das igrejas evangélicas e, dentro da Igreja Católica, da “Renovação Carismática”, grupo que40

inseriu novos elementos litúrgicos mesmo nas CEBs e uma certa “Teologia da Prosperidade” sancionou o desejo de ascensão social e o individualismo em contraposição a formas comunitárias que animaram o PT e o MST nas suas origens. Em 1994, os evangélicos eram 14% da população e em 2010, chegaram a 25%.

A última campanha de massa militante que o Brasil e particularmente o PT experimentaram, afirma Secco, foi o impeachment de Collor, em 1992. Depois disso, ela foi substituída pelos cabos eleitorais pagos.

Ao finalmente vencer as eleições, em 2002, com Lula, o PT já havia se transformado em um “partido socialdemocrata, reformista e aberto a um amplo arco de alianças político-eleitorais”41.A “Carta ao Povo Brasileiro”, lançada pelo então candidato petista para tranquilizar o mercado financeiro – apelidada pela esquerda partidária de “Carta aos Banqueiros” –, foi o “coroamento” desse processo de moderação ideológica do partido.

É com a expectativa de trazer mais elementos a esse debate que emerge o

39

SECCO, op.cit, p. 179, nota 37.

40 Ibidem, p. 181. 41 Ibidem, p. 200.

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seguinte problema: como as parlamentares atuam, enquanto grupo oprimido, na política institucional brasileira, em pautas relacionadas às mulheres, durante uma legislatura com maioria capitaneada pela centro-esquerda, historicamente vinculada aos movimentos feministas?

Objeto, objetivos e hipóteses

À luz do problema levantado, escolhi, entre as instituições do Poder Legislativo que poderiam ser analisadas, a Câmara dos Deputados – a “Casa do povo” no sistema político brasileiro. É lá onde podemos ver nitidamente as consequências de ter um governo federal de centro-esquerda – nas assembleias estaduais e câmaras de vereadores, a conjuntura nacional fica mais diluída – e, ao mesmo tempo, é onde as mulheres parlamentares, há algumas décadas, se agrupam entorno da Bancada Feminina.

Durante o pré-campo, nas entrevistas realizadas com parlamentares que integravam o Congresso Nacional, houve repetidas menções à Bancada Feminina da Câmara dos Deputados. Ainda no levantamento preliminar de material, constatei que sua atuação ganhou visibilidade no processo da Constituinte de 1988, quando fora chamada de “Bancada do batom” – destaco as pesquisas de Doutoramento de Salete Maria da Silva42 e de Rita Luzia Occhiuze dos Santos43 especificamente sobre esse momento da Constituinte, mas também, acerca das mulheres e a política institucional nos anos 1980, os trabalhos de

42

SILVA, Salete Maria. A Carta que elas escreveram: participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. 2011. 321 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre as Mulheres, Gênero e Feminismo, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador.

43

SANTOS, Rita Luzia Occhiuse dos Santos. A participação da mulher no Congresso Nacional Constituinte de 1987 a 1988. 2004, 287 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade de Campinas, Campinas.

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Fanny Tabak e Sonia Alvarez. Abordarei essa literatura no capítulo 1. Trata-se de um marco, pois em seu artigo 5o a nova Constituição trouxe a conquista da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, até então inexistente no ordenamento jurídico brasileiro44. Nos anos 1990, porém, a Bancada experimentou uma certa estagnação e voltou a ter em um momento de maior destaque nas últimas duas legislaturas (2006-2014), quando foi criada, em 2009, a Procuradoria da Mulher, e em 2013, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Esses dois órgãos contribuíram para a institucionalização da Bancada Feminina, que ganhou funcionários e uma sede, o que poderia ser uma nova maneira de articular as deputadas federais. Diante disso, traço três objetivos:

1) Identificar quais são as estratégias da Bancada Feminina para atuar em assuntos prioritariamente relacionados às mulheres enquanto “classe de „sexo‟”;

2) Traçar linhas de convergência e de divergência entre elas;

3) Analisar quais são os resultados dessa atuação à luz da conjuntura de uma maioria governista na Câmara dos Deputados e com o PT na Presidência da República.

Defino, como hipótese central da tese, que o advento da Secretaria de Mulheres reforçou a articulação política já existente entre as parlamentares da Bancada Feminina, mas que essa atuação conjunta tem limitações em função de orientações partidárias e de outras relações sociais estruturantes – “raça” e classe –, assim como a religião.Haveria também um limite em função do arco de alianças feito pelos/as governistas, que teriam se distanciado de bandeiras históricas dos movimentos feministasem prol do apoio de setores mais conservadores.Trata-se de uma hipótese de relação recíproca, cujas variáveis

44 RODRIGUES, Almira; CORTÊS, Iáris (org). Os direitos das mulheres na Legislação brasileira pós-Constituinte. Brasília: LetrasLivres/CFEMEA, 2006, p. 12.

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interagem e reforçam-se mutuamente45.

Para formulá-la, apoio-me no trabalho de Maxine Molyneux sobre a participação das mulheres nicaraguenses no processo revolucionário para depor o ditador Anastasio Somoza e o período imediatamente posterior, quando os sandinistas assumem o Estado. Apesar de ser uma conjuntura distinta, ela discute, nesse estudo, a impossibilidade de as mulheres terem interesses comuns devido à múltipla natureza de sua opressão e a extrema variação de suas formas de existência através das classes e nações46. “Porque as mulheres estão posicionadas em suas sociedades através de meios diferentes – entre eles, classe, etnia e gênero – os interesses que elas têm como grupo são moldados de maneira complexa e, por vezes, conflitantes”, afirma Molyneux. Além de interesses “de mulheres”, ela também discute “interesses estratégicos de gênero” e “interesses práticos de gênero”. O primeiro parte da análise “da subordinação das mulheres e da formulação de um arranjo alternativo, mais satisfatório do que o que existe”; o segundo, “emerge de condições concretas” a partir do posicionamento das mulheres “na divisão de gênero do trabalho”47

. Anne Phillips aponta algo semelhante ao afirmar que “interesses de grupo” têm um caráter escorregadio, ainda que48

possam estar relacionados ao gênero, sem qualquer implicação que todas as mulheres compartilhem o mesmo tipo de interesse; minorias raciais e étnicas podem ter uma forte noção de si mesmos como um grupo social distinto, mas isso pode coincidir com uma igualmente forte divisão sobre metas políticas; minorias territoriais podem ver seus próprios interesses e preocupações ignorados pela comunidade mais ampla, mas ainda têm que digladiar-se com sua diversidade interna. (...) Eu tenho tratado isso como

45

GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 2008 (6a ed.), p. 45.

46 MOLYNEUX, Maxine. “Mobilization without Emancipation? Women‟s Interests, the State and Revolution

in Nicaragua”. Feminists Studies, v. 11, n. 2, p. 227-254, 1985. p. 231-232.

47 Ibidem, p. 233.

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parte da dinâmica entre ideias e presença, argumentando que qualquer asserção simplista de um grupo unificado de interesse subestima a importância do debate político.

Trabalharei com a hipótese secundária de que as integrantes de partidos de esquerda e centro-esquerda adotarão posicionamentos mais próximos àqueles ligados à agenda feminista, mesmo que o arco de alianças governista comprometa sua possibilidade de atuação.

Além dos já mencionados trabalhos sobre a Constituinte, ressalto também como relevante estudo na áreaa dissertação de mestrado de Luana Simões Pinheiro49, impressa pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal (SPM), sobre o pós-Constituinte. Luana Pinheiro analisa as trajetórias políticas das deputadas federais e traça um perfil de sua produção em quatro legislaturas (48ª, 49ª, 50ª e 51ª). Ela, contudo, não estuda a Bancada Feminina e as articulações entre essas parlamentares. Outra pesquisa que encontrei relacionada ao tema foi adissertação de mestrado de Marina Brito Pinheiro50, que se debruça sobre as diversas bancadas e frentes parlamentares que compõem a Câmara dos Deputados. O espaço reservado à Bancada Feminina, porém, é bastante restrito. Dessa maneira, compreendo que não há estudo semelhante no Brasil ao que proponho com esta tese.

Metodologia

49 PINHEIRO, Luana Simões. Vozes femininas na política: uma análise sobre mulheres parlamentares no pós-Constituinte. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2007. (Série Documentos). 50

PINHEIRO, Marina Brito. OS DILEMAS DA INCLUSÃO DE MINORIAS NO PARLAMENTO BRASILEIRO: A atuação das frentes parlamentares e bancadas temáticas no congresso nacional. 2010. 199f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Ciência Política.UFMG, Belo Horizonte.

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Tendo em vista os objetivos e as hipóteses da pesquisa, optei por combinar as metodologias qualitativa e quantitativa. A metodologia quantitativa foi utilizada para obter o diagnóstico de um aspecto da divisão sexual do trabalho na Câmara Federal: a presença de mulheres na mesa diretora, na presidência ou relatoria das comissões permanentes. Os dados foram levantados a partir de material da própria instituição, por meio do site http://www.camara.leg.br.

Já a metodologia qualitativa foi utilizada para analisar a Secretaria da Mulher e a Bancada Feminina e foi dividida em:

1) Pesquisa documental, com análise do acervo da Secretaria da Mulher e também da Câmara Federal, tais como atas de reuniões, listas de presença, notas taquigráficas, anais, materiais produzidos para o público em geral e discursos na tribuna;

2) Entrevistas de caráter semi-estruturado com funcionárias/os da Secretaria da Mulher e deputadas federais.

Porém, preocupada em não “particularizar” a Bancada Feminina, a pesquisa não aborda apenas ela – capítulo 3 –, mas também sua relação com a legislatura 2011-2014 – o que Heleieth Saffioti denominaria ironicamente como a “descoberta de um pleonasmo”51

. Mathieu alerta para os riscos de restringir o estudo52:

se os trabalhos sociológicos sobre „as mulheres‟ têm a vantagem metodológica de tender mais ao rigor científico, constituindo-as cada vez mais em categoria sociológica, e não mais em uma mistura fisiológica-psicológica-sociológica, se eles têm também o mérito de colocar em evidência as realidades que até aqui permaneceram sob silêncio, eles correm, contudo, o risco – contrário à sua proposta – de serem

51 SAFFIOTI, Heleieth. op. cit. p. 9, nota 23. 52 MATHIEU, 2011, p. 36.

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reintegrados e reapropriados pelo sistema de pensamento da sociedade global em que um dos mecanismos fundamentais é justamente a particularização das mulheres.

Para tanto, inspiro-me no trabalho de Debra Dodson sobre o Congresso estadunidense, em que ela compara o comportamento de parlamentares em diferentes áreas de policy making53. Três projetos pareceram-me particularmente propícios para analisar as diferentes posições, articulações e embates, tanto dos/as deputados/as quanto da Bancada Feminina, no que diz respeito às mulheres: a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Violência contra Mulher; a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas (478/2010), que equipara os direitos trabalhistas de empregadas/os domésticas/os aos dos trabalhadores formais; e o Projeto de Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (PL 60/99).

Acrescento, então, aos métodos já descritos:

1) Para contextualizar o processo de aprovação da PEC e do PL e das atividades da CPMI, utilizo a análise pragmática da narrativa jornalística. Segundo Luiz Gonzaga Motta, “ao estabelecer sequências de continuidade (...), as narrativas integram ações no passado, presente e futuro, dotando-as de seqüenciação”54. Esse método também possibilita identificar conflitos presentes nos episódios narrados, que por vezes podem não aparecer nas entrevistas. Foram escolhidos os dois maiores jornais impressos de circulação nacional, a Folha de S.Paulo e O Globo, cujas sedes também são nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente (Instituto Verificador de Circulação, 2014). Busquei, entre 01/01/2011 e 01/07/2014, as notícias a partir das palavras-chave “CPMI+Violência”; “Domésticas”; e “Profilaxia” – este último, o ponto mais debatido do

53

DODSON, Debra. The impact of women in Congress. Oxford: Oxford University Press, 2006, p. 20.

54 MOTTA, Luiz Gonzaga. “Análise pragmática da narrativa jornalística”. In: BENETTI, Marcia; LAGO,

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PL 60/99.

2) Pesquisa documental sobre os processos de tramitação do PL e da PEC, assim como o relatório final da CPMI da Violência contra a Mulher;

3) Entrevistas caráter semi-estruturado com representantes da sociedade civil que tenham acompanhado um ou mais casos analisados.

Acredito que a comparação do material das entrevistas com o que está nos registros da Câmara Federal e na imprensa é uma maneira de garantir a vigilância epistemológica. Como aponta François Simiand, quando estudamos instituições, “documentos não são tratados mais como algo subjetivo, mas como indícios a partir dos quais o questionamento científico pode constituir objetos de estudo específicos, costumes, representações coletivas, formas sociais”55.

Fiz dois campos em Brasília, no Congresso Nacional, onde pude visitar a Secretaria da Mulher, ter acesso ao seu acervo e entrevistar a equipe de funcionários/as, além da deputada Benedita da Silva (PT/RJ) e Jolúzia Batista, do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). A deputada Jô Moraes (PCdoB/MG), coordenadora da Bancada Feminina, foi entrevistada em São Paulo, assim como Rachel Moreno (Articulação Mulher e Mídia e Conselho Nacional dos Direitos da Mulher). Já as deputadas Keiko Ota (PSB/SP), Rosane Ferreira (PV/PR), Luiza Erundina (PSB/SP), Lilian de Sá (PROS/RJ) e Érika Kokay (PT/DF) foram entrevistadas pelo telefone, assim como a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Oliveira, que reside em Salvador/BA. Realizá-las à distância implica em recolher uma menor quantidade de informações e não poder descrever as circunstâncias nas quais as entrevistas foram

55BOURDIEU, P.; CHAMDOREDON, J.C.; PASSERON, J.C. Le métier de sociologue. Paris: EHESS, 1983

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feitas56. Porém, como as deputadas federais têm acesso bastante restrito, na maioria dos casos foi a única maneira de ter contato com elas.

Pela lista, é também possível perceber que privilegiei as entrevistas com mulheres. O intuito foi escutá-las como protagonistas prioritárias.

“Mulheres”

Antes de avançar, porém, faz-se necessário definir “mulheres” como categoria de análise tal como será considerada nessa tese: a partir da perspectiva do feminismo materialista, ou seja, da compreensão de que elas compartilham, enquanto grupo, o “mesmo lado” na divisão sexual do trabalho, “ainda que entre elas existam, simultaneamente, grandes diferenças sociais e políticas”57

. Tal divisão, como aponta Danièle Kergoat, é modelada histórica e socialmente e se baseia em dois princípios: 1) o princípio da separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres); 2) e o princípio da hierarquia (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher)58

. Dessa maneira, os homens ocupam majoritariamente funções com forte valor social agregado, como a política, e as mulheres são responsáveis pela realização dos trabalhos doméstico, de procriação, psicológico/de cuidado e sexual59, acumulando o trabalho produtivo e o reprodutivo. A divisão sexual do trabalho cria as “classes de sexo”, como aponta Jules Falquet, e as relações sociais estruturantes de “sexo” – no vocabulário francês, rapports sociaux de sexe,

56

GIL, op. cit., p. 133, nota 45.

57

FALQUET, Jules. Division sexuelle du travail révolutionnaire: réflexions à partir de la participation des femmes salvadoriennes à la lutte armée (1981-1992). Cahiers d’Amérique Latine, Paris, n. 40, p. 109-128, 2003, p. 110.

58

KERGOAT, Danièle. “Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo”. In HIRATA, Helena et. al.

Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora Unesp, 2009 [2001], p. 67. 59 TABET, Paola. La grande arnaque. Paris: Harmatann, 2004.

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sem tradução possível no português60 – se organizam de maneira antagônica a depender da posição que cada classe ocupa na divisão do trabalho61.

Seguindo a explicação de Kergoat62,

Esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de legitimação – a ideologia naturalista –, que relega o gênero ao sexo biológico e reduz as práticas sociais a “papeis sociais” sexuados, os quais remetem ao destino natural da espécie. No sentido oposto, a teorização em termos de divisão sexual do trabalho afirma que as práticas sexuadas são construções sociais, elas mesmas resultados de relações sociais.

A ideologia naturalista citada por Kergoat foi esmiuçada por outra pesquisadora francesa, Colette Guillaumin, no artigoPratique du pouvoir et idée de Nature. Nesse texto, ela propõe que os rapports sociaux de sexe têm dois efeitos simultâneos, um no campo da superestrutura e outro da infraestrutura, influenciando-se mutuamente:

1) o efeito ideológico, onde a “natureza” supostamente explica o que são as mulheres. Constrói-se um enunciado em que “uma mulher é uma mulher porque ela é uma fêmea”63, e não o contrário, anteriormente colocado por Simone de Beauvoir (“não se nasce mulher, torna-se”64). As mulheres seriam o “sexo” inteiro, enquanto os homens possuiriam um sexo. “Mulher”, portanto, não seria apenas mais um qualificativo entre outros, mas sim sua definição social65:

60 A tradução usual de “rapports” para o português é “relações” (de classe, “raça”, sexo etc.), mas ela não é

suficiente para explicitar a intenção da autora. Em francês, “rapports” trata das ligações estruturais da sociedade, em nível macro, enquanto a expressão “relations”, que também é traduzida “relações”, diz respeito às relações cotidianas, em nível micro. Assim, “rapports”, conceitualmente, não é sinônimo de “relações”.

61

FALQUET, Jules. Habilitation à diriger des recherches. “Les mouvements sociaux dans la mondialisation néoliberale: imbrication des rapports sociaux et classe de sexe”. Capítulo 5 - extratos. 2012, p. 2.

62 KERGOAT, op.cit., p. 68, nota 58.

63 GUILLAUMIN, Colette. Sexe, Race et Pratique du pouvoir - L’idée de Nature. Paris: Côté-Femmes, 1992,

p. 51.

64 BEAUVOIR, Simone. El segundo sexo. Buenos Aires: 1999, Editorial Sudamericana, p. 207. 65 GUILLAUMIN, ibidem, p. 15, nota 63.

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Diante de um patrão, há sempre uma „mulher‟, diante de um „politécnico‟, há uma „mulher‟, diante de um operário há uma „mulher‟. Mulheres nós somos, não é um qualificativo entre outros, é nossa definição social. Tolas as que acreditam que é apenas um traço físico, uma „diferença‟ – e que a partir desse „dado‟ múltiplas possibilidades nos seriam abertas. (…) Não é o começo de um processo (uma „partida‟, como acreditamos), é o fim, é o fechamento. (…) Uma mulher é sempre uma mulher, um objeto intercambiável sem outra característica que a feminilidade, onde a característica fundamental é pertencer à classe de mulheres.

A definição dada por Guillaumin é particularmente útil para analisar a política institucional uma vez que as eleitas são, antes de tudo e sobretudo, mulheres.

2) O segundo efeito é uma relação de poder onde há a apropriação das mulheres pela classe de “sexo” dos homens, que ocorre de maneira física e direta, por meio do monopólio não só da sua força de trabalho, mas da “máquina-de-força-de-trabalho” (“machine-à-force-de-travail”), ou seja, seu corpo. A autora acredita que esse tipo de apropriação, denominada por ela de relação de “sexagem”, assemelhe-se apenas à escravidão e, em alguma medida, à servidão, ainda que nessa última as pessoas sejam apropriadas por estarem vinculadas à terra, portanto indiretamente. De acordo com Guillaumin, sua expressão concreta ocorre pela 1) apropriação do tempo – no casamento, não há dias de descanso remunerado; 2) apropriação dos “produtos” do corpo – bebês, leite etc.; 3) pela obrigação sexual; 4) por encarregar-se fisicamente da saúde dos membros do grupo – marido, crianças, idosos. Os meios pelos quais essa apropriação da classe de mulheres ocorre seriam o mercado de trabalho; o confinamento doméstico; o uso da força; o constrangimento sexual por meio de assédio, estupro e provocações; e o arsenal jurídico.

Com sua definição de “relação social de sexagem”, Guillaumin parece-me sintetizar o que Saffioti buscana “soma/mescla de dominação e exploração”, que ela entende como “opressão” num regime em que as mulheres são “objetos da satisfação sexual

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dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras”. Em um de seus últimos textos, Saffioti afirma que66:

se Marx construiu uma teoria da dominação-exploração de classe, ninguém se dispôs, até o momento e até onde alcançam as informações da autora deste paper, uma teoria coerente e rigorosa da opressão feminina. Desta sorte, usa-se e abusa-se do termo opressão sem que deste processo, ou desta relação, haja sequer uma definição. Isto basta para questionar o rigor de suas(seus) utilizadoras(es). Eis porque se recusa a usar este termo sem expressar aquilo que se entende por seu significado. Voltando-se ao sistema que oprime a categoria mulheres, não há como deixar de retomar a discussão dele próprio e do conceito que lhe corresponde.

Não encontrei informações que Saffioti tenha entrado em contato com o trabalho de Guillaumin, ainda que conhecesse as pesquisas das feministas materialistas francesas, em especial Kergoat e Mathieu.

Mathieu argumenta que utilizar a palavra “oprimida” tem também uma dimensão simbólica67

As palavras por si só estão longe de serem comuns entre o opressor e o oprimido. Nota-se que se do lado do pensamento dominante (homens e mulheres) fala-se de vontade de dominação (e de consentimento), do lado dos movimentos de mulheres fala-se sobretudo de opressão (e de cooperação, ou mesmo de “colaboração”). A palavra “dominação” leva a atenção para aspectos relativamente estáticos: de “posição acima”, tal qual a montanha que domina; de “autoridade” e de “maior importância”. Enquanto o termo opressão implica e insiste sobre a ideia de violência exercida, de excesso, de sufocamento – o que não tem nada de estático.

Concordo ainda com Iris Young quando ela diz que o uso de “opressão” não está relacionado à decisão de uns poucos tiranos, como fora em outras épocas, mas com

66 SAFFIOTI, op.cit., p. 10, nota 23, grifo meu. 67 MATHIEU, 2011, p. 207, nota 4.

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desvantagens e injustiças que aparecem nas práticas cotidianas de nossas sociedades. A opressão é estrutural, afirma Young, em vez do resultado da escolha ou das políticas de algumas pessoas. “Suas causas estão incorporadas em normas não questionadas, hábitos e símbolos, em premissas subjacentes às regras institucionais e nas consequências coletivas de seguir essas regras”68

.

Dentro dessa chave teórica, analisar a atuação das parlamentares a partir da divisão sexual do trabalho significa não só pesquisar os fenômenos ligados à sua reprodução, mas também suas possibilidades de deslocamentos e rupturas, “bem como a emergência de novas configurações que podem questionar a existência mesma dessa divisão”69

, inscrevendo-a, portanto, em uma abordagem dialética.

Contudo, estar do mesmo lado da divisão sexual do trabalho não significa opor-se sistemática e conscientemente a ela. Assim como as clasopor-ses sociais, entendo que as classes de sexo possam ter posições internas a elas distintas em função de critérios político-ideológicos e econômicos, e formarem frações70– Guillaumin cita brevemente frações, porém sem defini-las.

De acordo com Chantal Mouffe, ao analisar o pensamento de Antonio Gramsci, há dois métodos para uma classe se tornar hegemônica – e aqui penso nos homens, que são também burgueses e brancos: transformismo (absorção e neutralização das massas) e hegemonia expansiva (consenso ativo, direto, resultante da adoção genuína dos interesses das classes de baixo pela classe hegemônica)71. Dado o tempo histórico em que há uma hegemonia da classe dos homens – pelo menos 7 mil anos –, penso que podemos

68 YOUNG, Iris Marion. Justice and the Politics of Difference. Princeton: Princeton University Press, 1990, p.

41.

69

KERGOAT, op.cit., p. 68, nota 58.

70 POULANTZAS, Nicos. “As classes sociais”. Estudos Cebrap, no3, p.6-39, 1973, p. 21-22.

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la “expansiva”.

Mouffe ressalta que a hegemonia não é apenas a articulação das demandas da classe fundamental com as demais, mas envolve a criação de uma síntese maior, para que todos os seus elementos se fundam em uma vontade coletiva que se torna a nova protagonista da ação política72. É por meio da ideologia que essa vontade coletiva é formada, já que sua própria existência depende da criação de uma unidade ideológica que vai servir de argamassa.

Gramsci formula sua definição de ideologia como o terreno no qual alguém se move, adquire consciência de sua posição e luta. É um campo de batalha, uma luta contínua, já que a aquisição de consciência na ideologia não vem individualmente, mas sempre por meio do terreno ideológico, onde os dois princípios hegemônicos se confrontam (a direção política depende de liderança intelectual e moral).Os sujeitos não são dados, mas produzidos pela ideologia, por meio de um determinado campo ideológico e a subjetividade é sempre produto das práticas sociais. Segundo Mouffe, em sua descrição de Gramsci, a ideologia tem uma existência material. Organiza as ações. E as visões de mundo são resultado da vida em comum em um bloco social de ideologia orgânica (alta filosofia, alto grau de abstração e filosofia das ruas, senso comum). É isso que organiza as massas humanas e serve como princípio formativo de todas as atividades individuais e coletivas. “Isso permite a Gramsci fazer a equação filosofia = ideologia = política. A ideologia cria os sujeitos e os faz agir, produzindo subjetividades”73

.

Nicole-Claude Mathieu comenta sobre o campo de consciência dos dominantes e a fragmentação e contradições no campo das “dominadas”, as mulheres74:

72

Ibidem, p. 184.

73 MOUFFE, op.cit., p. 186, nota 71. 74 MATHIEU, 2011, p. 130, grifo meu.

(48)

Não há, no que diz respeito às relações estruturais de sexo, a “posição de consciência” dos homens e a posição de consciência das mulheres, mas a posição dos homens (com variações mais ou menos sutis) e as posições das mulheres. Há um campo de consciência estruturado e dado para os

dominantes, e de toda forma coerente diante da mínima ameaça contra seu poder; e diversas modalidades de fragmentação, de contradição, de

adaptação ou de recusa… mais ou menos (des)estruturadas do lado das/os dominadas/os, modalidades cujo entendimento parece particularmente difícil para um dominante.

Assim, sendo o sujeito hegemônico da política institucional o homem, branco, heterossexual, as mulheres podem fazer parte da síntese maior que legitima essa posição superior ou adquirir diferentes níveis de consciência que permitam combatê-lo. A classe hegemônica, diz Mouffe, para exercer hegemonia deve levar em consideração interesses e tendências de grupos sobre os quais ela será aplicada. Ou seja, fazer alguns sacrifícios75, mas não a ponto de prejudicar seus próprios interesses.

Debruçar-me-ei sobre a atuação da Bancada Feminina para buscar compreender se ela consegue disputar hegemonia com a classe de homens ou, pelo contrário, se mantém-se no bloco hegemônico, aceitando alguns acordos que podem significar pequenos avanços, mas que não contribuem para modificar a estrutura da desigualdade.

Outro ponto relevante a ser definido ainda na caracterização do problema é minha escolha em não descartar o conceito “gênero”, mesmo tendo como referencial teórico principal o feminismo materialista francês, que utiliza mais comumente a expressão “rapports sociaux de sexe”. Como mencionado acima, não há tradução para o português de “rapport social” uma vez que não se trata simplesmente de uma “relação”, mas de nomear as ligações estruturais da sociedade, em nível macro. Contudo, não é apenas de uma questão de estrangeirismo. Afinal, no Brasil, assim como na França, também houve uma

75 MOUFFE, ibidem, p. 182.

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dificuldade semântica inicial em aceitar o conceito “gender” (gênero) vindo do inglês. Como afirma Maria Lygia Quartim de Moraes:

enquanto que, em inglês, gender é um substantivo que designa exatamente a condição física e/ou social do masculino e do feminino, a palavra “gênero”, em português, é um substantivo masculino que designa uma classe que se divide em outras, chamadas de espécies76.

“Gênero” ganha força a partir dos anos 1980 vindo de uma perspectiva culturalista, o que não coincide com a literatura utilizada nessa tese. Porém, concordando com Moraes77,

gênero pode ser incorporada ao marxismo, assim como à psicanálise. Inversamente, por ser uma categoria meramente descritiva, o gênero não sobrevive sem o sustentáculo das teorias sociais e/ou psicanalíticas.

Tradução dos conceitos

Parte significativa do referencial teórico dessa tese éestrangeiro e sem tradução disponível para a língua portuguesa, o que para mim representa um contato riquíssimo com teorias produzidas alhures, mas, ao mesmo tempo, étambém motivo de preocupação. Como observa a indiana Tejaswini Niranjana78,

a tradução cultural não assume a priori qualquer simetria entre linguagens marcando o contexto da tradução, mas parte da premissa de que qualquer processo de descrição, de interpretação e de disseminação de ideias e

76 MORAES, Maria Lygia Quartim de. “Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças. Crítica Marxista, no

11, p. 89-97, São Paulo, outubro/2000, p. 96.

77

Ibidem, p. 97.

78NIRANJANA, Tejaswini. Siting Translation: History, Post-structuralism, and the Colonial Subject.

Berkeley: University of California Press, 1992. apudCOSTA, Claudia de Lima. “As teorias feministas nas Américas e as políticas transnacionais de traduções”. Rev. Estud. Fem. Vol. 11, no1, Florianópolis, p.

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perspectivas está inevitavelmente entrelaçado nas relações de poder e assimetrias entre linguagens, regiões e povos.

Tentarei seguir os passos da também indiana Gayatri Spivak, para quem a pessoa que faz a tradução deve conseguir discriminar o terreno de onde parte o texto original. Contudo, não tenho expectativas de que isso seja suficiente para que eu deixe de “falar as línguas imperiais”79

ao utilizar conceitos produzidos pelo Ocidente.

Levarei em consideração também os questionamentos de Chandra Mohanty sobre a dificuldade em utilizar categorias generalizantes forjadas no Ocidente, sob uma perspectiva colonialista, para analisar a complexidade do chamado Terceiro Mundo. De acordo com Mohanty, “apenas a análise dos contextos locais particulares permitirá estabelecer se a divisão sexual do trabalho significa uma desvalorização do trabalho das mulheres”80

.

Estruturação

A tese está dividida em duas partes. Na primeira, subdividida em dois capítulos, apresento um diagnóstico das condições de acesso e permanência das mulheres na Câmara dos Deputados. Na segunda parte, estudo a maneira como as deputadas federais se agrupam em torno da Bancada Feminina e como elas agiram nos casos distintos já citados – CPMI, PEC e PL.

79

SPIVAK, Gayatri. Outside in the Teaching Machine. Nova York/Londres: Routledge, 1993, p. 190.

80 MOHANTY, Chandra Talpade. “Sous le regard de l‟Occident: recherche féministe et discours colonial”. In:

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Capítulo 1

Uma história das mulheres na política institucional brasileira

Esse capítulo inicial tem dois objetivos. O primeiro é contextualizar historicamente a participação das mulheres na prática democrática brasileira, prática esta que é relativamente recente e intercalada por períodos de interrupção. O segundo é verificar a permanência de algumas de suas reivindicações na agenda pública, em especial do Legislativo, tais como a ampliação de seus espaços de participação política, de direitos sexuais e reprodutivos e de direitos trabalhistas, o que pode indicar pouco sucesso em propor medidas que tivessem efeito na transformação de sua posição hierarquicamente inferior na sociedade.

As críticas das mulheres à sua própria ausência no que viria a se configurar como a “democracia representativa ocidental” têm início ainda nos períodos de revoluções dos séculos XVII e XVIII81, na transição do Antigo Regime para a Modernidade. Se o ideal iluminista valorizava a ciência, o progresso e a modernização, criou também um descompasso evidente: a igualdade política proposta não era, ao menos concretamente, estendida à toda a população, pois além da não participação das mulheres, a escravidão e a colonização permaneciam82.

Talvez as duas feministas avant-garde mais simbólicas desse período sejam a francesa Olympe de Gouges e a inglesa Mary Wollstonecraft. Gouges tem uma trajetória

81

Marie de Gournay publica, na França, em 1622, Égalite des hommes et des femmes.

82 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República – Momentos decisivos. 8. ed. São Paulo: Unesp,

Referências

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