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Análise da constitucionalidade da suspensão de segurança prevista na Lei 12.016/2009 frente aos princípios do acesso à justiça e paridade de armas

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA GUILHERME BUFFARA COSTA

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA PREVISTA NA LEI 12.016/2009 FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À

JUSTIÇA E PARIDADE DE ARMAS

Tubarão 2011

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GUILHERME BUFFARA COSTA

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA PREVISTA NA LEI 12.016/2009 FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À

JUSTIÇA E PARIDADE DE ARMAS

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade.

Orientador: Professor Lester Marcantonio Camargo, Me.

Tubarão 2011

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GUILHERME BUFFARA COSTA

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA PREVISTA NA LEI 12.016/2009 FRENTE AOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À

JUSTIÇA E PARIDADE DE ARMAS

E Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do

título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão/SC, 23 de novembro de 2011.

________________________________________________ Professor e Orientador Lester Marcantonio Camargo, Me.

Universidade do Sul de Santa Catarina

________________________________________________ Professor Fábio Zabot Holthausen, Me.

Universidade do Sul de Santa Catarina

________________________________________________ Professor Marcelo Rocha Cardozo, Esp.

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Com incomensurável gratidão, dedico este trabalho monográfico, fruto de árduos momentos de abnegação, a meu pai Humberto, personificação da honra e justiça; à minha mãe Rosemari, exemplo da boa vontade humana e de absoluta serenidade, as quais, inevitavelmente, contagiam a todos; à minha namorada Daniela, pelo amor, força e paciência incondicionais sempre dispensados a mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre guiando meus caminhos.

A meus pais, Humberto e Rosemari, pela educação, apoio, carinho e, especialmente, pela liberdade de escolha que sempre me foi proporcionada. A eles, meu eterno amor e gratidão.

À minha namorada Daniela, pelo amor, apoio e compreensão incondicionais, pelos sonhos e objetivos compartilhados – alguns já realizados –, meu muito obrigado.

Ao meu orientador, professor Lester, pela integral receptividade nesse período de orientação e pelas sempre excelentes e pertinentes sugestões.

Aos colegas da nobre instituição Polícia Civil, pelos ensinamentos de vida e experiências que somente nesse labor eu poderia experimentar. Por provar que é possível alcançar a excelência mesmo com a brutal falta de recursos humanos e materiais e pelo total desleixo do Estado para com a segurança pública.

Ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por me proporcionar mistas emoções, como alegria e satisfação, decorrentes da aprovação e convocação em concurso público recente.

Aos professores e colegas que conheci e que se fizeram presentes durante toda a minha trajetória acadêmica, o meu muito obrigado, pela certeza do total aproveitamento e pelo auxílio na concretização desse objetivo.

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“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?” [...] (Renato Russo).

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RESUMO

Objetivo: o presente trabalho monográfico tem por escopo analisar a constitucionalidade do instituto da suspensão de segurança utilizado pelo Poder Público nas ações de mandado de segurança, bem como verificar se o manejo de tal instituto está em consonância com os mandamentos constitucionais do acesso à justiça e paridade de armas. Método: o método de pesquisa adotado foi o dedutivo, partindo-se de premissas universais com o fito de encontrar uma conclusão específica. O tipo de pesquisa foi o exploratório e bibliográfico, por serem estes os mais apropriados e adequados ao objetivo almejado. Resultado: o incidente de suspensão de segurança é considerado instituto controverso pela doutrina especializada, todavia, é amplamente aceito pelas cortes superiores. Verificou-se que diversos aspectos atinentes ao mesmo merecem ser revisitados pelo legislador e flexibilizados pelo Poder Judiciário para que, assim, o instituto possa realmente tutelar os interesses públicos autênticos, sem ferir os princípios do acesso à justiça e paridade de armas. Conclusão: a suspensão de segurança tem o condão de sustar a eficácia de pronunciamento judicial favorável ao impetrante em sede de mandado de segurança, sendo que o pedido deve estar munido de provas robustas de risco de grave lesão à ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas. Ainda que o objeto do instituto seja genuinamente coletivo, não restam dúvidas de que, com o passar do tempo, ele começou a ser utilizado visando a outros valores que não necessariamente o puro interesse público. Nesse aspecto é que reside a inconstitucionalidade do incidente, pois demonstra claramente o desvirtuamento de sua nobre missão precípua, a proteção de interesses públicos legítimos, visando ao bem comum.

Palavras chave: Acesso à justiça. Igualdade perante a lei. Incidente processual. Mandado de segurança. Processo civil.

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ABSTRACT

Objective: The main scope of this monograph is to analyze the constitutionality of the suspension security institute used by the Government in writ of mandamus actions, and to verify if the management of that institute is on basis of the constitutional provisions on access to justice and equality of arms. Method: This research was developed based on deductive method, starting from the universal premises to find a specific conclusion. It was developed an exploratory and bibliographic research, once they are more appropriate and suitable for the intended objective. Result: the suspension of security incident is considered controversial by the institute specialized doctrine, however, is widely accepted by the superior courts. It was found that various aspects pertaining to that fact must be revised by the legislature and provided by Judiciary so that the institute can really protect the authentic public interests, without offending the principles of access to justice and equality of arms. Conclusion: the suspension of security has the power to stop the effectiveness of judicial pronouncement in favor of the plaintiff in place of an injunction, and the request should be accompanied by robust evidence of risk of serious injury to the order, health, safety and/or public economy. Although the object of the institute is genuinely collective, there is no doubt that, over time, it began to be used aiming other values, not necessarily pure public interest. And the unconstitutionality of the incident can be seen in that aspect, once it clearly shows the distortion of its noble primary mission, the protection of legitimate public interests, for the common good.

Key words: Access to justice. Equality before the law. Procedural issue. Writ of mandamus. Civil process.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... ...10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... ...10

1.2 OBJETIVOS ... ...11

1.2.1 Objetivo geral ... ...12

1.2.2 Objetivos específicos ... ...12

1.3 JUSTIFICATIVA ... ...12

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... ...13

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 14

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ESPÉCIE ... ...16

2.1 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO ... ...17

2.2 ACESSO À JUSTIÇA ... 19

2.3 ISONOMIA ... 24

2.3.1 Paridade de armas ... ...26

3 MANDADO DE SEGURANÇA ... 30

3.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ... 30

3.2 PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS ... 33

3.3 COMPETÊNCIA ... 37

3.4 PETIÇÃO INICIAL E NOTIFICAÇÃO ... 39

3.5 LIMINAR ... 40

3.6 INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA ... 42

3.7 SENTENÇA ... 44

3.8 RECURSOS ... 46

4 SUSPENSÃO DE SEGURANÇA ... 49

4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ... 49

4.2 PRESSUPOSTOS ... 53

4.3 COMPETÊNCIA ... 58

4.4 LEGITIMIDADE ... 59

4.5 PROCEDIMENTO ... 61

4.6 O RECURSO DE AGRAVO NO INCIDENTE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA .. 63

4.7 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA ... 65

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1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem por escopo discutir a constitucionalidade afeta ao instituto denominado suspensão de segurança, previsto para as ações de mandado de segurança, essencialmente no artigo 15 da Lei 12.016/2009, a partir dos princípios processuais constitucionais do acesso à justiça e paridade de armas, por constituir elemento fundamental a guarnecer os direitos daqueles que invocam o Poder Judiciário em posição de inferioridade em relação ao Poder Público, visando-se sempre ao ideal maior de justiça.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O tema de pesquisa delimita-se a analisar a constitucionalidade do instituto suspensão de segurança previsto para as ações de mandado de segurança, conforme o artigo 15 da Lei 12.016/2009, frente aos princípios processuais civis do acesso à justiça e da paridade de armas.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, garantiu-se a todos os cidadãos brasileiros uma gama enorme de direitos, sendo os mais imprescindíveis chamados direitos e garantias fundamentais (liberdades públicas), elencados no artigo 5º da Carta Magna. Todos esses direitos possuem aplicação imediata, conforme prevê o §1º do artigo 5º. E dentre esse rol de garantias o legislador constitucional previu a ação do mandado de segurança, no artigo 5º inciso LXIX, que tem como objeto proteger direito líquido e certo contra uma ilegalidade ou abuso de poder, sendo o responsável por tal ato o Poder Público ou algum agente que o represente.

O remédio constitucional era regulamentado no ordenamento jurídico pela Lei 1.533/1951 e ao longo dos anos foi sendo aperfeiçoado, até chegar à redação da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. Dentre todo o disposto na nova lei, chama especial atenção o estatuído no artigo 15, tratando do instituto conhecido como suspensão de segurança.

A suspensão dos efeitos da segurança concedida, em sede de mandado de segurança, surgiu no ordenamento pátrio de maneira mais restrita no artigo 13 da Lei 1.533/1951 e de forma mais ampla no artigo 4º da Lei 4.348/1964, sendo posteriormente revogadas expressamente pelo artigo 29 da Lei 12.016/2009. Mas, quando o legislador

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ordinário aprovou a nova lei do mandado de segurança, ele renovou as forças desse dispositivo de duvidosa constitucionalidade.

A norma que trata da suspensão de segurança determina que para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, poderá a pessoa jurídica de direito público interessada ou o Ministério Público requerer ao presidente do Tribunal ao qual couber conhecer do respectivo recurso, suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença. Entretanto, percebe-se que o remédio heróico, a princípio, não pode de maneira alguma sofrer restrições por parte do legislador infraconstitucional a fim de suspender, paralisar ou retirar a eficácia de um provimento jurisdicional favorável ao impetrante, seja ele em sede liminar ou de sentença.

Dito isto, verifica-se que dentre o extenso rol de princípios norteadores do processo civil existem dois que merecem especial atenção no que tange ao mandado de segurança e sua eficácia. Os princípios do acesso à justiça e paridade de armas (isonomia) são aplicáveis a todos e em qualquer processo judicial, seja a parte integrante da Administração Pública e/ou um administrado. Observa-se que o famigerado instituto em comento vem sendo usado a descontento do que ensinam os princípios citados.

A partir do momento em que o legislador infraconstitucional criou um instituto inibidor dos efeitos do mandado de segurança apenas a favor do Estado, a despeito de fundamentos tão vagos como a garantia da ordem pública, e que denota-se que o Poder Público vem se locupletando dessa previsão legal para suprimir direito líquido e certo do cidadão, pode-se dizer que os princípios do acesso à justiça e da paridade de armas estão sendo violados brutalmente. Diante da notória evolução das garantias conquistadas pelos jurisdicionados, conclui-se, em uma primeira análise, ser inadmissível que ainda persista no ordenamento jurídico pátrio instituto tão controverso que não justifica mais sua vigência como outrora.

Ante ao exposto, pergunta-se: diante da evolução do direito processual civil brasileiro, sustentado pelos princípios do acesso à justiça e da paridade de armas, é constitucional a vigência do instituto da suspensão de segurança previsto para as ações de mandado de segurança, conforme estatui o artigo 15 da Lei 12.016/2009?

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1.2.1 Objetivo geral

Analisar a constitucionalidade do instituto suspensão de segurança previsto para as ações de mandado de segurança, disposto no artigo 15 da Lei 12.016/2009, frente aos princípios do acesso à justiça e da paridade de armas.

1.2.2 Objetivos específicos

Conceituar, discutir e descrever os princípios constitucionais que interessam ao mandado de segurança e se mostram imprescindíveis à discussão acerca do instituto suspensão de segurança contido no bojo da Lei 12.016/2009.

Conceituar e analisar os aspectos gerais da ação do mandado de segurança.

Analisar e discutir o instituto da suspensão de segurança previsto no artigo 15 da Lei 12.016/2009, a fim de verificar a constitucionalidade frente aos princípios basilares do acesso à justiça e da paridade de armas.

1.3 JUSTIFICATIVA

Com a constante e ininterrupta evolução do direito processual civil brasileiro garantiu-se aos cidadãos um processo que não é um fim em si mesmo, mas um processo que possui um fim social, buscando a concessão da prestação jurisdicional às partes, sempre tendo em vista os inúmeros princípios que regem o ordenamento, com destaque especial ao magno devido processo legal.

Quando particulares discutem em juízo alguma questão não resolvida ou controversa, o Estado, através da Constituição Federal e das leis ordinárias garante uma gama de regras e princípios a serem observados pelas partes, a fim de dar condições ao Estado-juiz de sentenciar da forma mais justa, sempre respeitando, especialmente, os princípios da paridade de armas (isonomia) e do acesso à justiça. Entretanto, quando o Estado está em juízo, seja no pólo ativo ou passivo, tem-se a impressão de se encontrar em posição superior,

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em razão das diversas benesses concedidas pela lei. A título de exemplo citam-se: os prazos diferenciados para contestar e recorrer e o reexame necessário, tendo outras desigualdades processuais a seu favor que não convém ilustrar no presente momento, em razão do objeto do estudo.

Destarte, pode-se dizer que na contramão da notória evolução dos direitos e garantias fundamentais, ainda persiste no ordenamento pátrio a vigência do instituto conhecido como suspensão de segurança, que sofre, em uma primeira análise, de flagrante inconstitucionalidade e violação aos princípios do acesso à justiça e paridade de armas. Por isso, é necessário realizar o estudo para verificar se realmente há a inconstitucionalidade, reforçando ou não a primeira impressão que tem-se do dispositivo em comento.

O interesse pelo tema da pesquisa originou-se da identificação do acadêmico com o ramo do Direito Constitucional, mormente pelos direitos e garantias fundamentais e ações constitucionais típicas. Além disso, a obscuridade da suspensão de segurança para muitos acadêmicos e talvez para alguns operadores do direito demonstra a utilidade e oportunidade de realizar o presente estudo para analisar o citado instituto. Nas palavras de Dinamarco (2001, p. 613), tem-se que “tal instituto permanece às sombras dos ricos progressos da doutrina brasileira do mandado de segurança e ainda constitui, para todos nós intérpretes, uma verdadeira ilha de mistérios a desvendar”. Dito isto, o presente estudo tem a pretensão de analisar o que vem sendo discutido pela doutrina e jurisprudência acerca do instituto.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O método científico indica qual a direção a ser trilhada na pesquisa. Para Leonel e Motta (2007, p. 66) os métodos de abordagem estão atrelados ao projeto de pesquisa, ao encadeamento lógico que se estabelece como matriz de investigação que busca analisar o problema de pesquisa. Para a realização deste estudo e trabalho monográfico será empregado o método dedutivo, pois este se mostra o mais adequado a servir como matriz de pesquisa. Isto é, o ponto de partida serão os princípios e o mandado de segurança e em momento posterior será analisado mais detidamente o problema de pesquisa, ou seja, analisar a constitucionalidade do instituto da suspensão de segurança frente aos princípios do acesso à justiça e paridade de armas. Partir-se-á de proposições gerais para, após, alcançar uma específica.

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A pesquisa a ser desenvolvida nesta monografia será do tipo exploratória e bibliográfica. A pesquisa exploratória foi eleita a fim de que se possa proporcionar maior conhecimento do problema de pesquisa, diante da necessidade de apresentar problema e hipótese de pesquisa bem definidos. O citado método se mostra o mais eficiente, no presente caso, pois propende a contribuir na indagação dos atributos essenciais da variável que se deseja investigar. Será bibliográfica, pois se valerá, no momento da investigação da problemática, de documentos, fontes secundárias, como anais, enciclopédias, doutrinas, livros, artigos, entre outros.

O presente estudo, que iniciou com o projeto de pesquisa, será desenvolvido a fim de analisar os contornos do mandado de segurança e seus princípios constitucionais e processuais, para que ao final se tenha condições de realizar uma análise mais detida ao instituto da suspensão de segurança, previsto na Lei 12.016/2009, perante os princípios do acesso à justiça e paridade de armas. A coleta de informações dar-se-á pela leitura e estudos dos ensinamentos doutrinários acerca do tema, evidenciando assim a realização da pesquisa bibliográfica.

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O desenvolvimento do presente trabalho monográfico estrutura-se em três capítulos. O primeiro aborda a discussão acerca de quatro princípios constitucionais, quais sejam: supremacia da Constituição, acesso à justiça, isonomia e paridade de armas, sendo este último tratado como decorrência do terceiro princípio analisado. Foram eleitos apenas tais princípios em virtude da conveniência e imprescindibilidade, considerando-se a delimitação do tema da pesquisa desenvolvida.

O segundo capítulo do desenvolvimento aborda o mandado de segurança, ação eminentemente constitucional, em seus principais aspectos: conceito, natureza jurídica, pressupostos constitucionais, competência, petição inicial, notificação, liminar, informações da autoridade coatora, sentença e recursos.

Por derradeiro, o terceiro capítulo analisa detidamente os itens de maior relevância e necessidade para a compreensão do tema de pesquisa, vinculados diretamente ao instituto da suspensão de segurança: conceito, natureza jurídica, pressupostos, competência, legitimidade, procedimento e recurso de agravo. Ao final, tem-se o tópico que talvez seja o

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mais interessante e atraente, por abordar o foco primordial desta monografia: a discutível constitucionalidade da suspensão de segurança, prevista na Lei 12.1016/2009.

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2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ESPÉCIE

Inicialmente, é importante salientar que a análise da constitucionalidade da suspensão de segurança exige que se faça previamente um estudo principiológico da Constituição da República Federativa do Brasil. Para tanto, torna-se necessária a definição do termo princípio. Existem diversas acepções para tal, sendo que mesmo na significação empregada nas ciências jurídicas, pode assumir outras feições, no sentido de ser norma que conduz regras universais ou específicas. Os princípios orientam os valores mais primordiais de um Estado, como também guiam regras procedimentais do processo judicial.

Sob uma análise histórica, percebe-se que, inicialmente, os princípios, por serem dotados de atributos amplos e abstratos, foram de certo modo separados da norma jurídica positiva, ocupando a posição de metanorma. “Passaram, então, a fazer parte do ordenamento jurídico, principalmente em razão de sua importante função de integração da norma jurídica, notadamente no caso de lacunas de previsão legal para regrar o caso concreto” (MEDEIROS, 2007, p. 251).

Os princípios1 cumprem papel fundamental de orientação à hermenêutica jurídica. Hodiernamente, o intérprete do Direito deve aproximar-se cada vez mais deles para não se ver distante de conceitos basilares a qualquer ordenamento jurídico, como a justiça e a igualdade, conforme ressalta Reale (1986, p. 312):

princípios, são pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos. Ordenados em um sistema de conceitos a dada porção da realidade. Às vezes, também evidentes ou resultantes de evidências, são assumidos como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos como seus pressupostos necessários.

Dentre todos os princípios que regem o Direito, mostram-se mais relevantes aqueles erigidos pela Constituição Federal, ante ao status de lei fundamental do Estado ostentado pela Carta Política. Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 57) corroboram o pensamento afirmando que é especialmente nos princípios constitucionais que se “embasam todas as disciplinas processuais, na Lei Maior a plataforma comum que permite a elaboração de uma teoria geral do processo”. Afinal, ainda de acordo com os autores citados, “é inegável

1Interessante também é o conceito adotado por Martins (2011, p. 29), acerca dos princípios, os quais “são as proposições básicas que informam as ciências, orientando-as. Para o Direito, o princípio é seu fundamento, a base que irá informar e orientar as normas jurídicas. São os princípios como as vigas ou alicerces que dão sustentação ao edifício. Este é o ordenamento jurídico, que é subdividido em tantos andares quantos são seus ramos”.

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o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime constitucional em que o processo se desenvolve” (2010, p. 84).

Os princípios não são utilizados com função meramente auxiliadora, ou seja, o intérprete não deve se socorrer a eles somente quando as normas por si sós não trouxerem uma solução plausível ao caso concreto. Isto é, eles não possuem esse atributo auxiliador tão restrito, pois são dirigidos a normas universais e específicas, conforme explicitam Wambier, Talamini e Almeida (2008, p. 80), que os princípios são normas que servem de verdadeiro alicerce a todo sistema jurídico. Asseveram ainda que, “os princípios jurídicos são também normas jurídicas. Mesmo quando implícitos2, não expressos, os princípios jurídicos são obrigatórios, vinculam, impõem deveres, tanto quanto qualquer regra jurídica”.

A análise detida dos princípios jurídicos é imprescindível para fundamentar qualquer trabalho monográfico, contudo, ante à extensão variada deles no ordenamento jurídico e à dimensão própria deste estudo, torna-se necessário eleger apenas os que apontam, realmente, data venia, contribuições mais relevantes sobre o tema.

Adotando tal direção, é pertinente debater neste estudo os seguintes princípios constitucionais aplicáveis à espécie: supremacia da Constituição, acesso à justiça, isonomia e paridade de armas – afinal, são os essenciais para a devida compreensão do mandado de segurança e da sua suspensão.

2.1 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

Inicialmente, antes de adentrar à questão principiológica da supremacia da Constituição, é aconselhável a conceituação de alguns aspectos. O termo Constituição, notadamente nas ciências jurídicas, tem como significado o conjunto de normas que regem um sistema legal; é a lei fundamental de um Estado. Seria então a Constituição, para Silva (2008, p. 37), a organização dos seus elementos essenciais:

um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado,a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. [...] A constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado (grifo do autor).

2Bueno (2010c, p. 150) cita como exemplos de princípios consagrados de forma implícita no texto constitucional o da imparcialidade e o duplo grau de jurisdição. Cita, ainda, o princípio ou “regra de proporcionalidade”, construção desenvolvida pela doutrina, com base no texto constitucional, a fim de “solucionar os impasses de preponderância dos diversos princípios jurídicos em cada caso concreto”.

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Como visto acima, a carga normativa que a Carta Política de um Estado carrega em si é de importância fundamental a qualquer nação, pois traz em seu bojo os seus principais identificadores sociais e políticos. Outro aspecto relevante a ser levantado é o modo exigido pela Constituição para efetivar alguma mudança substancial em seu conteúdo. Muitas delas, no direito comparado, exigem certa rigidez no tocante às reformas constitucionais, sejam mais ou menos profundas3. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 demonstra um bom exemplo de rigidez constitucional, pois exige, para sua reforma, um procedimento legislativo mais rigoroso, se comparado ao rito procedimental para aprovação das leis infraconstitucionais4.

A rigidez constitucional está intrinsecamente ligada ao princípio da supremacia da Constituição, como bem explica Moraes (2009, p. 699): “nas constituições rígidas5 se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária”. No mesmo sentido, discorre Silva (2008, p. 45): “a rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal”.

Por ser rígida, a Constituição é posta em um pedestal, no mais alto patamar das normas integrantes do ordenamento jurídico. Em decorrência da posição normativa em que se encontra, exerce supremacia absoluta sobre as demais normas infraconstitucionais. Conforme explica Ubaldo (2007, p. 100), “em virtude dessa proeminente posição, todas as normas que

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Neste aspecto, manifesta-se Bonavides (2008, p. 83), citando inclusive que quase todos os Estados modernos, especialmente os do espaço atlântico, possuem Constituições rígidas; entretanto, cita a Inglaterra como local onde perdura o modelo constituinte flexível.

4As leis infraconstitucionais exigem, para sua aprovação, apenas o quórum de maioria simples, enquanto as emendas à Constituição exigem quórum qualificado; já as leis complementares necessitam de maioria absoluta de votos no Congresso Nacional. Neste sentido, estabelecem os artigos constitucionais a seguir transcritos: “Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta” (BRASIL, 2011b, p. 32). 5

As Constituições são classificadas levando-se em consideração diversos aspectos. Um deles diz respeito, segundo Silva (2008, p. 46), à estabilidade, definindo-as como rígidas, flexíveis ou semi-rígidas. Para o autor, “rígida é a constituição somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis ordinárias ou complementares. Ao contrário, a constituição é flexível quando pode ser livremente modificada pelo legislador segundo o mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Na verdade, a própria lei ordinária contrastante muda o texto constitucional. Semi-rígida é a constituição que contém uma parte rígida e outra flexível, como fora a Constituição do Império do Brasil, à vista de seu art. 178” (grifo do autor). Ou, simplesmente, pode-se dizer com Bonavides (2008, p. 83) que são “rígidas as [Constituições] que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. [...] Constituições flexíveis são aquelas que não exigem nenhum requisito especial de reforma”.

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lhe são inferiores devem guardar, conformidade ou compatibilidade vertical, sob pena de declaração de inconstitucionalidade6” (grifo do autor).

Portanto, pode-se concluir, que da rigidez constitucional emana, como efeito essencial, o princípio da supremacia da Constituição, que nada mais é do que a posição que a Constituição ostenta no ordenamento jurídico como vértice de todo o sistema legal. Neste sentido, explica Silva (2008, p. 45), que a Constituição é a “[...] lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas” (grifo do autor).

A Constituição de um Estado, por mais simples que seja, cumpre a função de pedra fundamental sustentáculo de todo ordenamento jurídico, devendo-se observar os preceitos insculpidos – expressos e tácitos – na Carta Política, sob o risco de ser inválida e, assim, não produzir efeitos. A lei ou ato eivado em seus aspectos material ou formal7 não deve existir no plano jurídico e/ou afetar relações jurídico-sociais; por isso deve ser extirpada do ordenamento legal. Afinal, segundo Bonavides (2008, p. 298), “as constituições existem para o homem e não para o Estado; para a Sociedade e não para o Poder”.

2.2 ACESSO À JUSTIÇA

6Acerca da declaração de inconstitucionalidade de lei infraconstitucional que não obedece aos mandamentos insculpidos na Carta Política, verifica-se interessante ementa de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ACREANA N. 1.618/2004. REGRAS QUE PROÍBEM O CORTE RESIDENCIAL DO FORNECIMENTO DE ÀGUA E ENERGIA ELÉTRICA PELAS CONCESSIONÁRIAS POR FALTA DE PAGAMENTO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. AFRONTA AOS ARTS. 22, INC. XII, ALÍNEA B, 30, INC. I E V E 175 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE” (BRASIL, 2011f).

7“Essa incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos etc.) com a constituição é o que, tecnicamente, se chama inconstitucionalidade das leis ou dos atos do Poder Público, e que se manifesta sob dois aspectos: (a) formalmente, quando tais normas são formadas por autoridades incompetentes ou em desacordo com formalidades ou procedimentos estabelecidos pela constituição; (b) materialmente, quando o conteúdo de tais leis ou atos contraria preceito ou princípio da constituição” (SILVA, 2008, p. 52 – grifo do autor). Pode-se simplesmente dizer que o aspecto formal da inconstitucionalidade relaciona-se com o procedimento de formação da lei; já o aspecto material diz respeito especificamente ao conteúdo da lei, que não se coaduna com o estabelecido pela Constituição Federal.

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O princípio do acesso à justiça, consagrado pela Constituição Federal de 1988, estatuído no artigo 5º, inciso XXXV8, obteve status de supraprincípio, pois dele decorre uma série de outros princípios imprescindíveis ao processo civil, tais como a efetividade, devido processo legal e economia processual. Entretanto, pela própria delimitação do presente estudo e por questões metodológicas, será abordado mais profundamente, dentre os citados, apenas o princípio do acesso à justiça.

Assim, desde que o Estado avocou a responsabilidade de promover a paz social dirimindo os litígios de seus jurisdicionados, o direito fundamental do acesso à justiça foi cada vez mais invocado pelas sociedades modernas. Entre os anos de 1950 e 1960, na época dos episódios pós-guerra, surgiu um forte movimento encetado pelos juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Os autores realizaram estudo que deu origem à visionária obra “Acess to Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective. A General Report”, defendendo a existência das célebres “três ondas de acesso à justiça” ou “ondas renovatórias do acesso” que visam à busca do real propósito do processo, o legítimo acesso à ordem jurídica justa e efetividade global.

De forma extremamente concisa, pode-se dizer que a primeira onda renovatória9 visa ao efetivo acesso à justiça com a concessão da assistência judiciária gratuita aos pobres; a segunda10, leciona que aos interesses das massas deve ser viabilizado o efetivo acesso à

8“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 2011b, p. 11).

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Ao comentar acerca desta primeira onda renovatória de acesso à justiça, Cappelletti e Garth (1988, p. 31), afirmam que “os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentraram-se, muito adequadamente, em proporcionar serviços jurídicos para os pobres. Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar a assistência judiciária àqueles que não a podem custear são, por isso mesmo, vitais. Até muito recentemente, no entanto, os esquemas de assistência judiciária da maior parte dos países eram inadequados”. Neste diapasão, verifica-se que, no Brasil, foi editada, em 1950, a lei 1060, regulando a assistência judiciária e gratuidade judiciária. Já a defensoria dativa foi regulamentada pelo artigo 134 da Constituição Federal de 1988.

10Acerca da segunda onda renovatória, discorrem Cappelletti e Garth (1988, p. 49) anunciando que “centrando seu foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de reformas forçou a reflexão sobre noções tradicionais muito básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. [...] A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema”. No ordenamento brasileiro, foi possível perceber a influência de tal onda a partir da edição da Lei 7.347/1985, tratando acerca da ação civil pública, destinada a tutelar precipuamente os interesses difusos e coletivos. Ainda, com a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público, de acordo com os artigos 127 e 129, ganhou especial destaque no cenário jurídico, ficando incumbido de tutelar os direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis. Após, ainda que de forma tardia, a lei 12.016/2009 regulamentou, pela primeira vez, o mandado de segurança coletivo, garantia já insculpida no texto constitucional desde 1988.

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justiça, através da tutela dos direitos difusos e coletivos; e a terceira11, aplica um enfoque misto das duas primeiras ondas renovatórias resultando no aperfeiçoamento da máquina estatal a fim de facilitar o acesso dos jurisdicionados, por intermédio de um processo mais condizente com a realidade, trazendo caminhos inclusive extrajudiciais para solução dos conflitos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 31).

O acesso à justiça foi concebido no ordenamento jurídico brasileiro como razão de ser do Direito pela sua importância e essência, no qual a não aplicação resulta em afronta aos direitos humanos fundamentais mais básicos, conforme refletem Cappelletti e Garth (1988, p. 11):

de fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

O princípio fundamental do acesso à justiça transcende a simples letra da lei, sendo imprescindível para a sua profunda compreensão empreender um viés filosófico, por estar previsto dentre o rol dos direitos fundamentais. Acerca dessa magnitude, assevera Müller (2007, p. 647):

e para bem compreender a amplitude, eficácia e função de um direito fundamental, é necessário partir da análise da norma que o assegura, destacando que esta é extraída do significado de um ou mais enunciados normativos, ou mesmo de nenhum deles, com a adição de inúmeros elementos que cercam a pessoa do intérprete e o ambiente que se encontra inserido.

Nesse diapasão, a contenda acerca do acesso à justiça não se limita, portanto, somente à seara jurídica. Hoje os juristas devem “ampliar sua pesquisa para mais além dos tribunais e utilizar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas”. O acesso à justiça, além de ser direito social fundamental, é também, “o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe

11“Essa „terceira onda‟ de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos „o enfoque do acesso à Justiça‟ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67 – grifo dos autores). Como exemplos de influência no cenário brasileiro, pode-se citar a emenda constitucional n. 45/2004, que tratou acerca da reforma no Poder Judiciário, a fim de otimizar o serviço prestado, criando-se órgãos como o Conselho Nacional de Justiça, sendo que o objetivo deste é fiscalizar e aperfeiçoar a prestação jurisdicional, impondo metas de atuação. Houve, ainda, por intermédio da citada emenda, modificações legislativas a fim de garantir a efetividade processual, com a criação e aperfeiçoamento de mecanismos como a penhora on-line, súmula vinculante, bem como regras para evitar a proliferação de recursos repetitivos. Ainda, cita-se a Lei 9.307/1996 que tratou da arbitragem, método extrajudicial de composição de conflitos.

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um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 13; FERRAZ, 2002, p. 755).

O debate sobre o princípio em comento é acalorado não só dentre operadores do Direito no País, mas também dentre a comunidade jurídica internacional que utiliza a obra acima exposta como base. No cenário brasileiro, um dos expoentes é Bueno (2010c, p. 134), que defende que o significado do mandamento constitucional preconiza que qualquer pretensão, ou seja, afirmação de direito, possa ser levada ao Poder Judiciário a fim de ser solucionada12. Ainda de acordo com o autor, levando o jurisdicionado sua pretensão ao Estado-juiz, este tem o dever de conceder àquele que o provocou uma resposta, mesmo que seja negativa no sentido de que não existe direito a ser tutelado, ou, menos ainda, uma resposta que diga que sua pretensão não tem as mínimas condições de ser analisada. Na mesma esteira de pensamento, ensina Nery Junior (2009, p. 175), que

podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação13. A realização de um direito subjetivo é alcançado quando se consegue o objeto desse mesmo direito. [...] Como o objeto do direito de ação é a obtenção da tutela jurisdicional do Estado, deve entender-se por realização o direito subjetivo de ação assim que pronunciada a sentença, favorável ou não ao autor (grifo do autor).

Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 39) afirmam que o princípio do acesso à justiça ultrapassa o puro e simples ingresso ao Poder Judiciário, de modo que o real significado do princípio em comento venha a ser intitulado pela recente doutrina como acesso a uma ordem jurídica justa ou efetividade de direitos sociais. No mesmo sentido, Rodrigues (apud PORTANOVA, 2008, p. 112), afirma que o acesso à justiça “partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano” (grifo do autor).

Sob outra nuance, Marinoni (2008, p. 186), sustenta que o ingresso ao Poder Judiciário é sinônimo de acesso à justiça, pois a efetivação de tal direito é inerente à própria forma de Estado Democrático de Direito, “vez que não há como pensar em proibição da tutela

12Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 149), definem jurisdição como um monopólio do Estado, pois “podemos dizer que é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). Que ela é uma função do Estado e mesmo monopólio estatal [...], resta agora, a propósito, dizer que a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade” (grifo dos autores).

13Ação, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 271), pode ser conceituada como “[...] o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez provoca-se exerce através daquele complexo de atos que é o processo” (grifo dos autores).

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privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário”.

Pertinente trazer ao presente estudo o ensinamento de Nery Junior (2009, p. 172):

além do direito ao processo justo, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio [do acesso à justiça]. [...] Quando a tutela adequada para o jurisdicionado for medida urgente, o juiz, preenchido os requisitos legais, tem de concedê-la, independentemente de haver lei autorizando, ou, ainda, que haja lei proibindo a tutela urgente (grifo do autor).

Em relação ao explanado, pode-se citar, a título de exemplo, a vedação de concessão de liminar e tutela antecipada estabelecida na nova lei do mandado de segurança14, em alguns casos15. Sem muito esforço, analisando-se à luz do princípio do acesso à justiça, constata-se facilmente a flagrante inconstitucionalidade do artigo de lei exposto.

A questão do acesso à justiça não diz respeito somente àquele que procura o Poder Judiciário para concessão de uma resposta jurisdicional, mas também àquele que é chamado a se defender no processo, o réu. Portanto, a problemática do acesso é referente a quem litiga em juízo e não apenas a quem o procura, imaginando ser o titular do direito. Para Marinoni (2008, p. 308), “o direito de acesso à jurisdição [...] é um direito à uma prestação estatal imprescindível para a efetiva participação do cidadão na vida social, e assim não pode ser visto como um direito formal e abstrato – ou como um simples direito de propor a ação e de apresentar defesa” [...].

Cappelletti e Garth (1988, p. 28), ainda alertam, de modo indireto, sobre o prejuízo que o jurisdicionado sofre quando é obrigado a recorrer ao Poder Judiciário e litigar contra o Estado, para não ter seu direito prejudicado, ou até mesmo, extinto. Esse prejuízo se explica pelo fato de o Estado estar altamente preparado para a lide, vez que está habituado com os Tribunais, seja figurando como autor ou réu e de modo que sua estrutura possui recursos financeiros e humanos para atuação em juízo. Sobre o tema expressam os autores

14“Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...]

§ 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

§ 5o As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil” (BRASIL, 2011c, p. 1869).

15Há muito há entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça de que não pode haver deferimento de medida liminar em relação à compensação de créditos tributários, o que acabou sendo confirmado com a edição da Lei n. 12.016/2009. Neste sentido, veja-se a súmula n. 212 do Superior Tribunal de Justiça: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória” (BRASIL, 2011e, p. 1914).

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supracitados: “as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus próprios interesses”.

Em contrapartida, existe posicionamento ferrenho, a exemplo do autor Brandão (2007, p. 760), no sentido de que a negação do acesso à justiça seria a não admissão da própria jurisdição16, partindo-se do pressuposto de que mesmo que a petição inicial não atenda às condições da ação previstas no Código de Processo Civil, ainda assim o mérito deve ser apreciado pelo juízo a fim de se garantir o acesso à justiça17.

Transpondo tal discussão ao tema desta monografia, mandado de segurança, cabe mencionar que apesar das nítidas peculiaridades vantajosas conferidas a esta ação constitucional, como um dos instrumentos de efetividade do acesso à justiça, esta, aparentemente, é posta em dúvida quando do outro lado da balança o Estado tem à sua exclusiva disposição a suspensão de segurança, obstruindo o verdadeiro e completo acesso à justiça ao cidadão integrante do Estado Democrático de Direito, conforme será discutido no terceiro capítulo do desenvolvimento deste trabalho.

Diante do exposto, é propenso verificar, a princípio, que a garantia constitucional do mandado de segurança tem íntima ligação com o princípio ora em comento. O remédio visa tutelar direito primordial do cidadão e, para tanto, o ordenamento jurídico faz alguns ajustes de cunho processual – a prioridade na tramitação, inexistência de honorários advocatícios, prazos exíguos e procedimento simplificado – a fim de que a resposta do Poder Judiciário seja efetiva. Justamente pelo objeto que o mandamus visa tutelar é que ele está guarnecido de mecanismos e vantagens processuais, como os ora expostos.

2.3 ISONOMIA

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Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 30), o “Estado moderno exerce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais. O poder Estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo decisões” (grifo dos autores). No mesmo sentido discorre Gonçalves (2010a, p. 42): “a jurisdição é exercida em relação a uma lide, que o interessado deduz perante o Estado-juiz, inerte por natureza. Ao ser acionado por um dos interessados, ele, por meio de um processo, irá aplicar a lei ao caso concreto, buscando dar solução ao conflito”. Sobre um dos elementos da jurisdição, o processo, Carnelutti (2006, p. 43), exara interessante opinião: “no fim das contas, a necessidade do processo se deve à incapacidade de alguém para julgar, por si, sobre o que deve e o que não deve ser feito. [...] O processo serve, pois, em uma palavra, para estabelecer juízo dente (sic) aqueles que não o tem”. 17Vale salientar que tal posicionamento é bastante particular e destoa daquele adotado pelo Código de Processo Civil, o qual foi influenciado pela teoria de Liebman. Esta teoria, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 275), “dá especial destaque às condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam), colocadas como verdadeiro ponto de contato entre a ação e a situação de direito material”.

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O terceiro princípio constitucional a ser estudado no presente trabalho trata de preceito fundamental sem o qual o processo não alcança o justo resultado. O princípio da isonomia é consagrado desde a Constituição Imperial de 1824 e de forma cada vez mais enraizada foi sendo insculpido nas Constituições que se sucederam. Hodiernamente, está inicialmente estatuído no texto preambular18 e, após, no artigo 5º inciso I da referida Carta19.

O princípio em comento, que tem como sinônimo a igualdade, assim como o acesso à justiça, deve ser analisado sob um viés filosófico sem que se apegue somente à visão aristotélica de que a lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, para assim encontrar o ponto de equilíbrio (MOURA, 2005, p. 37).

Em complemento ao pioneirismo de Aristóteles, é fundamental saber que existem três teorias que examinam o conteúdo, não puramente jurídico, do princípio da igualdade:

a concepção nominalista reconhece entre os homens desigualdades naturais, concebendo ao princípio uma conotação apenas nominal, pois a desigualdade é o substrato da existência humana. Os adeptos da concepção idealista têm nos homens seres essencialmente iguais, sendo que as desigualdades surgem a partir do convívio social. Já a concepção realista prega a coexistência da igualdade e da desigualdade. Vê os homens iguais em essência, mas diferentes num contexto social. Não há como negar a esta concepção um conteúdo mais satisfatório, uma vez que entende o homem igual como ser humano, mas diferentes nas relações sociais. (MOURA, 2005, p. 36)

A concepção realista é a eleita pela autora como a mais satisfatória, pois os homens estão inseridos na sociedade de formas diferentes – homens e mulheres, negros e brancos, ricos e pobres. Entretanto, essas diferenças nada tem a ver com o âmago da pessoa humana, “que deve ser respeitado em sua dignidade” [...] (MOURA, 2005, p. 36). Para Moraes (2009, p. 37),

a igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade [com os valores supremos da Constituição Federal]. A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de norma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas.

18“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (BRASIL, 2011b, p. 9).

19“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” [...] (BRASIL, 2011b, p. 9).

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O preceito de igualdade contido no bojo da Carta Cidadã tem como destinatário principal o legislador, pois este produz a lei, isto é, a lei deve estar em conformidade com a diretriz de igualdade emanada pela Constituição Federal20. Caso contrário, ela nem deve vir ao plano jurídico, como bem assevera Medeiros (2007, p. 254): “a função, pois, do preceito instituído da isonomia (art. 5º caput), é a de um princípio que informa e condiciona todo o resto do Direito. É a linha mestre a ser seguida”. Ao ser violado o princípio da isonomia, irremediavelmente ocorrerá o afastamento entre Estado Democrático de Direito, os seus fundamentos21 e os objetivos fundamentais22, fundantes da República Federativa do Brasil.

2.3.1 Paridade de armas

Pelo explanado no tópico anterior, infere-se que o princípio da isonomia manifesta diversas facetas. Foi originariamente discutido nos primórdios da era filosófica, estando intrinsecamente ligado ao conceito de justiça. Hodiernamente, tem-se que uma das ditas facetas assumidas pelo princípio em comento destina-se exclusivamente à seara processual, adotando o termo específico “paridade de armas” ou “igualdade processual”. Por tais motivos, entendeu-se ser adequado tratar a paridade de armas como subprincípio constitucional do magno princípio da isonomia.

20Mello (2010, p. 9), sustenta que o alcance do princípio da isonomia “não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela sujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.[...] Assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da cláusula constitucional da igualdade perante a lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em conseqüência, a legislação; por mais discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra no princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações”. 21“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2011b, p. 9).

22“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2011b, p. 9).

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Acerca da correlação com outros princípios constitucionais, Nery Junior (2009, p. 240), destaca que a paridade de armas é uma cláusula geral processual, de modo que o juiz, no caso concreto que lhe é submetido, deve dar a devida aplicação ao preceito, definindo o que significa paridade de armas na hipótese. E comenta sobre a interdisciplinariedade entre os princípios:

a importância da igualdade das armas no processo tem sensibilizado a doutrina de tal sorte que se chega a destacá-la do princípio do contraditório, conferindo-lhe autonomia e independência como princípio processual, mas reconhecendo que é manifestação, no processo, dos princípios constitucionais da igualdade, do contraditório e do direito ao justo processo (grifo do autor).

A paridade de armas nada mais é do que o tratamento dispensado às partes litigantes pelo Estado-juiz, de forma que elas possam dispor dos mesmos mecanismos processuais23. Acerca do tema, discorre Didier Junior (2011, p. 65), merecendo transcrição:

os sujeitos processuais devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo a que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso paridade de armas: o procedimento deve proporcionar às partes as mesmas armas para a luta.

O processo é uma luta. A garantia da igualdade significa dar as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta etc. “Como explica Chiavario, essa paridade de armas entre as partes não implica uma identidade absoluta entre os poderes reconhecidos às partes de um mesmo processo e nem, necessariamente, uma simetria perfeita de direitos e obrigações. O que conta é que as diferenças eventuais de tratamento sejam justificáveis racionalmente, à luz de critérios de reciprocidade, e de modo a evitar, seja como for que haja um desequilíbrio global em prejuízo de uma das partes”.

De acordo com o pensamento acima exposto, o litígio entre partes desiguais, em termos de demanda, resulta em um desequilíbrio de forças perante o Estado-juiz. Por tal motivo, a lei tem o dever de reajustar o peso dos litigantes para evitar prejuízos a qualquer das partes, visando à constante busca da verdade real do processo. Vislumbrando a situação no caso específico do tema proposto a este trabalho, em que pese a necessidade de se equilibrar os sujeitos processuais por intermédio de instrumentos diversificados, parece que a suspensão de segurança não se coaduna com tal propósito, pois acaba por fortalecer demasiadamente a Fazenda Pública perante o cidadão, o qual, normalmente, constitui o pólo mais fraco da

23Sobre o assunto, encontra-se precedente na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE E OUTRAS COMINAÇÕES. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO QUE ARGUI CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL REQUERIDA PELA DEMANDADA, DEFERIDA E NÃO REALIZADA. OITIVA APENAS DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO AUTOR. SENTENÇA EM QUE O MAGISTRADO AFIRMA QUE A RÉ NÃO PROVOU O FATO MODIFICATIVO DO DIREITO DO AUTOR. EVIDENTE QUEBRA DE PARIDADE DE ARMAS E VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENÇA CASSADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. Se num processo complexo, o magistrado ouve apenas as testemunhas arroladas por uma das partes, omitindo-se com relação às arroladas pela outra, e depois afirma que esta não provou fato impeditivo ao direito daquela, patente o cerceamento de defesa, a quebra da paridade de armas e a violação do princípio constitucional do devido processo legal” (SANTA CATARINA, 2011b – grifo nosso).

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relação jurídica sem, contudo, possuir instrumento de tal aporte a seu favor. A análise do princípio aqui comentado é fundamental ao desfecho desta monografia, conforme será demonstrado no terceiro capítulo do desenvolvimento.

Ainda acerca da paridade de armas, pode-se dizer, com Bueno (2010c, p. 161) e Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 60), que a legislação processual civil tem diversos exemplos que criam condições desiguais beneficiadoras de uma parte ou outra no decorrer do processo judicial, a exemplo da assistência judiciária gratuita, inversão do ônus da prova nos litígios envolvendo relações de consumo, dentre outros24. Entretanto, o que cumpre questionar é se essas desigualdades consagradas pelo Poder Legislativo estão em conformidade com a Constituição Federal, isto é, ao princípio da paridade de armas. Segundo a doutrina, o simples tratamento desigual, por si só, não ofende, obrigatoriamente, a isonomia constitucional. O que justifica a desigualdade legal é o motivo por detrás da lei que resulta nesse ilusório desequilíbrio; a razão deve ser suficientemente devida e adequada para harmonizar perante o Estado-juiz as forças litigantes do processo. É, no mínimo, complicada a tarefa do legislador de buscar o reequilíbrio substancial das partes, pois esse remanejamento de forças não pode criar novos desequilíbrios privilegiadores a pretexto de dirimir desigualdades. Sendo assim, é possível concluir que a paridade de armas é respeitada quando a disposição do tratamento desigual corresponde à exata medida da desigualdade combatida.

Não basta garantir a paridade formal de armas, visto que o princípio opera no sentido de que seja assegurada a igualdade de armas do ponto de vista substancial, efetivo. (NERY JUNIOR, 2009, p. 240). Cappelletti e Garth (1988, p. 15), ao iniciar a discussão acerca dos entraves ao acesso à justiça, comentam a correlação existente entre o papel que a paridade de armas toma no processo e a efetividade:

embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo,

24Neste sentido, verifica-se ementa de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aplicando o princípio da isonomia:

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. PRAZO DE CONVOCAÇÃO ULTRAPASSADO. PERDA DO DIREITO DE CONCORRER ÀS VAGAS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. I - No edital de abertura do concurso público para preenchimento de vagas de deficiente físico, erigiu-se critério segundo o qual o candidato seria convocado a comprovar a deficiência, dentro do horário determinado na convocação. II - O impetrante compareceu no horário determinado, todavia, não tendo sido comprovada a deficiência, saiu para obter laudo médico para este fim, retornando após o encerramento do horário estabelecido, com o referido laudo. III - Os critérios para comprovação da deficiência física não são passíveis de análise pelo Judiciário por não importarem em nenhuma supressão de direitos ou violação à norma legal, restando claro seu caráter regulamentador, in casu, determinando a todos os candidatos, dentro do período previsto, a comprovação das deficiências que davam ensejo à inscrição no concurso. IV - Não tendo o impetrante comparecido dentro do horário previsto com a comprovação da deficiência, em face do que previa o edital do concurso, tem-se de rigor a perda do direito de concorrer à vaga. Aplicação do princípio da isonomia. V - Segurança denegada” (BRASIL, 2009b).

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poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas” – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos.

Há muito tem-se falado na supremacia do interesse público como base fundamental justificadora do protecionismo exacerbado concedido à Fazenda Pública. Segundo Bueno (2010c, p. 162), a natural superioridade do Estado adicionada ao tratamento diferenciado que recebe em juízo em decorrência da supremacia do interesse público resulta em um injusto desequilíbrio de forças25. Discorre: “[...] nada justifica que, no plano do processo, o Estado tenha prerrogativas (privilégios) que as outras partes não têm. Mais ainda quando é a Constituição Federal, que determina a atuação eficiente da Administração Pública” [...] (grifo do autor). Atualmente, não é mais razoável o entendimento absoluto de que o Estado figura como representante dos direitos e interesses de uma coletividade e que, em decorrência disso, mereça tratamento diferenciado em juízo. Seguindo esse raciocínio, afirma o mesmo autor que “estar-se-ia criando uma imunidade à atuação do Estado, um protecionismo não autorizado pela Constituição”. No mesmo sentido, discorre Pinheiro (1999, p. 168), “não se pode tolerar, sob hipótese alguma, que haja antagonismo de normas, pois, se uma delas garante a igualdade, a outra não pode trazer privilégios, o que por si só torna uma parte inferior à outra”. Os entes estatais possuem vantagens processuais e, assim, oficializa-se a desigualdade em detrimento da Carta Cidadã, “que é a viga mestra da estrutura jurídica do Estado organizado”.

Por todo o ventilado, entende-se que a lei não deve ser fonte de desigualdades, pois seu objetivo precípuo é trazer harmonia à vida social, isto é, tratar de forma equitativa todos os cidadãos. Portanto, pode-se dizer, a princípio, que tanto o legislador26 como a autoridade judiciária27 devem fazer uma profunda reflexão a fim de verificar se estão cumprindo seu mister, político e jurídico, em consonância com a Constituição Federal.

25O princípio ora em comento ainda recebe análise de Theodoro Júnior (2010, p. 27) e Portanova (2008, p. 163) no aspecto atinente ao contraditório. Tradicionalmente, o contraditório é visto em correlação com a igualdade formal das partes. Todavia, em uma análise crítica, o contraditório não possui apenas correspondência pura e simples com a igualdade. Possui íntima ligação, pois opera objetivando a redução das desigualdades processuais entre as partes. O contraditório é tido como a principal conseqüência do tratamento igualitário dos litigantes e é absoluto entre os princípios, não admitindo sua supressão em momento processual algum sob risco de nulidade do ato judicial que não honrar com o mandamento constitucional.

26“O legislador, no exercício da sua função jurisdicional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal” (MORAES, 2006, p. 87 – grifo do autor).

27“O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalte-se que, em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas” (MORAES, 2006, p. 87 – grifo do autor).

Referências

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