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MYRIAN KATIA ISER TEIXEIRA
AVALIAÇÃO DE EFEITO E SEGURANÇA DA TOXINA
BOTULÍNICA TIPO A NA INDUÇÃO DE PTOSE
PALPEBRAL TEMPORÁRIA EM GATOS DOMÉSTICOS
CAMPINAS
2015
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
MYRIAN KATIA ISER TEIXEIRA
AVALIAÇÃO DE EFEITO E SEGURANÇA DA TOXINA BOTULÍNICA
TIPO A NA INDUÇÃO DE PTOSE PALPEBRAL TEMPORÁRIA
EM GATOS DOMÉSTICOS
Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Ciências Médicas, área de concentração em Ciências Biomédicas.
ORIENTADOR: PROF. DR. JOSÉ PAULO CABRAL DE VASCONCELLOS
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO
ALUNO MYRIAN KATIA ISER TEIXEIRA, E ORIENTADO PELO PROF. DR. JOSÉ PAULO CABRAL DE VASCONCELLOS. ___________________________________________________
CAMPINAS
2015
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Título em outro idioma:(YDOXDWLRQRIWKHHIIHFWDQGVDIHW\RIERWXOLQXPWR[LQW\SH$WR LQGXFHWHPSRUDU\SDOSHEUDOSWRVLVLQGRPHVWLFFDWV Palavras-chave em inglês: &DWV %OHSKDURSWRVLV %RWXOLQXPWR[LQV7\SH$ Área de concentração:&LrQFLDV%LRPpGLFDV Titulação:0HVWUDHP&LrQFLDV0pGLFDV Banca examinadora: -RVp3DXOR&DEUDOGH9DVFRQFHOORV>2ULHQWDGRU@ (QLR)HUUHLUD &DUORV(GXDUGR/HLWH$ULHWD Data de defesa: Programa de Pós-Graduação:&LrQFLDV0pGLFDV
vii
RESUMO
Objetivo: Avaliar o efeito e a segurança da toxina botulínica tipo A quando
aplicada na região do músculo elevador da pálpebra superior, para a indução de ptose palpebral protetora em gatos domésticos. Métodos: Neste estudo do tipo longitudinal, série de casos com intervenção, um total de 10 gatos foram submetidos à quimiodenervação do músculo elevador da pálpebra superior esquerdo, através da aplicação transpalpebral de 10 unidades de toxina botulínica do tipo A. Alterações sistêmicas, mobilidade ocular, função visual, pressão intraocular, o aparecimento, grau e duração da ptose foram avaliados antes da aplicação, diariamente, durante os sete primeiros dias e, posteriormente, nos dias 14, 21 e 28 após a aplicação. A mensuração da fenda palpebral foi realizada também no olho contralateral que funcionou como controle. Resultados: O início do efeito clínico foi observado entre os dias 1 e 4 após a aplicação; a ptose máxima foi observada entre o quinto e o sétimo dia e a duração média de ação da toxina foi de 21 dias. O tempo máximo para recuperação da ptose foi de 28 dias. A porcentagem média de redução da fenda palpebral foi de 39,66% (16,55% – 59,64%). A análise qualitativa demonstrou que duas gatas (20%) apresentaram cobertura corneal maior que 50%, sete gatas (70%) obtiveram cobertura corneal entre 25 e 49% e uma gata (10%) mostrou cobertura corneal menor que 25%. Os valores da pressão intraocular permaneceram dentro dos limites de normalidade. A toxina botulínica não causou efeitos adversos nos gatos desse estudo.
Conclusão: O uso de toxina botulínica tipo A no músculo elevador da pálpebra
superior foi seguro e promoveu ptose palpebral temporária parcial nos gatos desse experimento.
ix
ABSTRACT
Purpose: To evaluate the effect and safety and of botulinum toxin A for the induction of palpebral ptosis in felines. Methods: In this prospective interventional study, a total of 10 cats underwent transpalpebral chemodenervation of levator palpebral superioris with 10 units of botulinum toxin type A in the left eye. The systemic changes, ocular mobility, visual function, intraocular pressure, and the onset, degree and duration of ptosis were evaluated before application, on a daily basis during the first seven days and on days 14, 21 and 28 after application.The palpebral edge of the contralateral eye was also measured. Results: A clinical effect was observed beginning between the first and fourth days after botulinum toxin A administration. The extent of ptosis was maximal between the fifth and seventh days after administration, and ptosis was observed for a mean duration of 21 days. The maximum time for recovery of ptosis was 28 days. The palpebral edge was reduced by an average of 39.6% (16.55% - 59.64%). Qualitative analysis showed that two cats (20%) had greater than 50% coverage corneal, seven cats (70%) achieved corneal coverage between 25 and 49% and one cat (10%) showed corneal coverage less than 25%. Intraocular pressure values were within normal limits. Botulinum toxin did not cause undesirable effects. Conclusions: The use of botulinum toxin A in the levator palpebrae superioris muscle was safe and provided transient, partial palpebral ptosis in all of the studied cats.
xi
SUMÁRIO
Pág.
1- INTRODUÇÃO... 1
2- REVISÃO DE LITERATURA... 3
2.1- Revisões anatômicas e funcionais... 3
2.1.1- Pálpebras... 3
2.1.2- Terceira pálpebra... 6
2.1.3- Córnea... 7
2.2- Ceratites no paciente felino... 8
2.2.1- Características das ceratites felinas... 8
2.2.2- Ceratites ulcerativas felinas... 9
2.3- Recobrimento protetor... 11
2.3.1- Flap de terceira pálpebra... 11
2.3.2- Tarsorrafia temporária... 13
2.3.3- Desvantagens dos recobrimentos cirúrgicos... 14
2.4- Toxina botulínica... 15
2.4.1- Introdução... 15
2.4.2- História... 16
2.4.3- Estrutura... 17
2.4.4- Mecanismo de ação... 18
2.4.4.1- Ligação ao terminal nervoso colinérgico... 20
xii
2.4.4.3- Inibição da exocitose... 21
2.4.4.4- Resposta da junção neuromuscular ao bloqueio... 22
2.4.5- Farmacologia... 23
2.4.6- Antigenicidade da toxina botulínica... 24
2.4.7- Toxina botulínica nas ciências médicas... 24
2.4.7.1- Efeitos adversos... 25
2.4.7.2- Toxina botulínica na oftalmologia... 26
2.4.8- Toxina botulínica tipo A na produção de ptose temporária 27
2.4.9- Uso terapêutico da toxina botulínica tipo A na veterinária 28 3- JUSTIFICATIVA... 31 4- OBJETIVOS... 33 5- HIPÓTESES... 35 6- MATERIAL E MÉTODOS... 37 6.1- Amostra... 37 6.1.1- Critérios de inclusão... 37 6.1.2- Critérios de exclusão... 37 6.2- Seleção e ambientação... 38 6.2.1- Exame físico... 38 6.2.2- Exames laboratoriais... 38 6.2.3- Exame oftalmológico... 39 6.2.4- Ambientação... 39 6.3- Fase experimental... 40 6.3.1- Avaliação clínica... 40
xiii
6.3.1.1- Exame físico... 40
6.3.1.2- Exame oftalmológico... 40
6.3.2- Aplicação da toxina botulínica tipo A... 41
6.3.3- Seguimento dos pacientes... 42
6.4- Aspectos éticos da pesquisa... 45
7- RESULTADOS... 47 8- DISCUSSÃO... 55 9- LIMITAÇÕES DO ESTUDO... 61 10- CONCLUSÃO... 63 11- PERSPECTIVA... 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 67 ANEXOS... 77
xv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos gatos, seres tão especiais, e verdadeiros inspiradores profissionais.
xvii
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelas bênçãos que recebo a cada dia.
Aos meus pais e avós, pelo exemplo, dedicação, carinho e amor. Com certeza vocês construíram meu alicerce com muita maestria.
Às minhas tias, Fanny e Deinha, por acreditarem nos meus sonhos e por, literalmente, serem as minhas mães queridas, sempre presentes em oração, apoio, dedicação e carinho.
Ao Cristiano, pelo exemplo profissional e de fortaleza, assim como pelo incomensurável apoio ao meu crescimento na profissão. Caminhar juntos significa escolha e exige maestria, companheirismo, dedicação e amor.
À Fabiana, pelo inestimável apoio e amizade.
À Maura, pela amizade ou melhor dizendo, pela irmandade. Obrigada pela oportunidade, por toda a ajuda e por encher a minha vida de alegrias. Você é uma pessoa muito especial.
Ao meu orientador, Prof. Dr. José Paulo Cabral de Vasconcellos, por ter aberto as portas para mais uma etapa tão importante na minha vida e por ter me recebido com tanta generosidade.
À Marcinha, por estar sempre pronta para ajudar.
À professora Heloísa Justen, pela amizade e pelo exemplo e pioneirismo e amor à Medicina Felina.
Por fim, aos gatos, minha grande paixão. Fonte de inspiração e aprendizado de vida e profissional.
xix
"O menor dos felinos é uma obra-prima" Leonardo Da Vinci
xxi
LISTA DE FIGURAS
Pág. Figura 1 Músculo orbicular (indicado pela seta), responsável pelo
fechamento palpebral... 4
Figura 2 Músculo elevador da pálpebra superior do gato (indicado pela seta), responsável pela abertura palpebral (visão dorsal)... 4
Figura 3 Músculo elevador da pálpebra superior do gato (indicado pela seta), responsável pela abertura palpebral (visão lateral)... 5
Figura 4 Dissecação do músculo elevador da pálpebra superior do gato... 5
Figura 5 Terceira pálpebra do gato (indicada pela seta)... 6
Figura 6 Corte histológico da córnea felina normal, mostrando epitélio, estroma, membrana de Descemet e endotélio... 8
Figura 7 Úlcera de córnea corada pela fluoresceína em gato... 9
Figura 8 Úlcera dendrítica em gato causada por herpesvírus felino... 10
Figura 9 Flap de terceira pálpebra... 12
Figura 10 Tarsorrafia temporária... 14
Figura 11 Estrutura da toxina botulínica... 18
xxii
Figura 13 Ligação da toxina botulínica à célula nervosa... 20
Figura 14 Processo de internalização e translocação da toxina
botulínica... 21 Figura 15 Ação catalítica da toxina botulínica, evitando a exocitose da
acetilcolina... 22 Figura 16 Resposta da junção neuromuscular ao bloqueio... 23
Figura 17 Gata 6 em gatil individual com vista externa e
enriquecimento ambiental... 40 Figura 18 Aplicação da toxina botulínica no paciente felino... 42 Figura 19 Mensuração da abertura palpebral... 43
Figura 20 Evolução do grau de ptose da gata 4 ao longo do
experimento... 47 Figura 21 Gata 1: A- Dia 6 - ptose máxima (16,55%). B- Dia 21 -
recuperação total da ptose... 49 Figura 22 Gata 5: A- Dia 5 - ptose máxima (59,64%). B- Dia 21 -
25,54% de ptose... 50 Figura 23 Gata 5 apresentando ptose satisfatória (59,64%)... 50 Figura 24 Gata 8 apresentando ptose incompleta (35,16%)... 51 Figura 25 Gata 1 apresentando ptose insatisfatória (16,55%)... 51
xxiii
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELAS
Pág. Tabela 1 Porcentagem de redução da fissura palpebral... 48 Tabela 2 Comparação entre PIO e TLS antes e após aplicação da
TBA no MEPS... 52
GRÁFICO
Pág. Gráfico 1 Desenvolvimento e recuperação da ptose... 49
xxv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Ach Acetilcolina
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ARVO Association for Research in Vision and Ophthalmology
BO Bulbo ocular
CEUA Comitê de Ética no Uso de Animais
CL Cadeia leve
CP Cadeia pesada
DL50 Dose intraperitoneal letal média F
FeLV FIV
Fêmea
Leucemia viral felina
Imunodeficiência felina a vírus
FDA Food and Drug Administration
G Gauge
Hc Cadeia pesada subdomínio c
Hn HVF-1
Cadeia pesada subdomínio n Herpesvírus felino tipo 1
kDa Quilodalton
Kg Quilograma
MEPS Músculo elevador da pálpebra superior
Ml Mililitro
xxvi
mm/min Milímetro por minuto
mmHg Milímetro de mercúrio
MO Músculo orbicular
MRS Músculo reto superior ng
NTB
Nanograma
Neurotoxina botulínica PIO Pressão intraocular
SNARE Soluble N-ethylmaleimide-sensitive fusion attachment protein
receptor
TB Toxina botulínica
TBA Toxina botulínica do tipo A
U Unidade
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
% °C
Por cento Grau Celsius
1
1- INTRODUÇÃO
A toxina botulínica (TB) é um complexo proteico purificado de origem biológica, produzido pela bactéria anaeróbica gram-negativa Clostridium botulinum. Essa neurotoxina possui uma potente ação biológica e seu mecanismo de ação consiste em inibir a transmissão neuromuscular através do bloqueio da liberação exocitótica de acetilcolina, resultando em uma quimiodenervação temporária do músculo e consequente paralisia flácida. A TB tem várias utilidades nas ciências médicas e um de usos na oftalmologia humana é a produção de ptose palpebral, fornecendo assim um recobrimento corneano protetor temporário
(1-7).
As ceratites ulcerativas são bastante frequentes no atendimento oftalmológico de gatos. Essas ceratites podem ser de origem traumática como nos casos de brigas, de origem infecciosa, principalmente quando causadas pelo herpes vírus felino tipo 1, assim como podem estar vinculadas a anormalidades palpebrais ou a injúrias térmicas ou químicas(8). As úlceras de córnea podem ser
classificadas de acordo com a sua profundidade. As ulcerações superficiais envolvem o epitélio corneano e membrana basal, com mínimo ou nenhum envolvimento estromal, enquanto que as ulcerações profundas alcançam o estroma e a membrana de Descemet(9-11). As ceratites ulcerativas são manejadas
através de tratamentos clínicos e ou cirúrgicos corretamente direcionados de acordo com a etiologia e gravidade da lesão(12). O tratamento dessas ceratites tem
o objetivo de evitar a perda da função visual e consequente diminuição da qualidade de vida do animal(2-3). As técnicas cirúrgicas de recobrimento protetor
temporário da córnea, como a tarsorrafia e o flap de terceira pálpebra, são usadas como forma adicional à terapia instituída(13,14).
Portanto, na abordagem terapêutica das ceratites ulcerativas, o tratamento preconizado deve ser compatível com a origem e a gravidade da lesão, podendo incluir, além da aplicação tópica de medicamentos, a realização de
2
procedimentos como debridamentos, enxertos conjuntivais ou de membranas e recobrimentos protetores. Esses últimos fornecem uma proteção mecânica da córnea e podem ser realizados de forma cirúrgica ou através de denervação química, o que será abordado mais detalhadamente ao longo deste trabalho(1, 8-11).
3
2- REVISÃO DE LITERATURA
2.1- Revisões anatômicas e funcionais 2.1.1- Pálpebras
Os animais domésticos possuem em cada olho duas estruturas móveis que apresentam uma face externa formada por pele e uma face interna recoberta por conjuntiva, chamadas de pálpebra superior e inferior, que têm como uma de suas funções mais importante proteger a parte do bulbo ocular (BO) que não é coberta pela cavidade orbitária(15,16). Entre as faces externa e interna há a
presença de músculos, glândulas e elementos de suporte estrutural formados por lâminas tarsais de tecido fibroso. A porção glandular das pálpebras é composta por anexos da pele, glândulas tarsais ou meibomianas, e por elementos da conjuntiva, células caliciformes, responsáveis respectivamente pela produção dos componentes lipídico e mucoso do filme lacrimal(15-18).
A fenda ou fissura palpebral é o espaço entre as bordas livres das pálpebras superior e inferior(19). A medida do comprimento da fenda palpebral em
gatos adultos é de aproximadamente 27,8 milímetros (mm) (+- 2,7mm), sendo que gatos da raça persa apresentam uma fissura mais longa de 28,7 mm (+- 2,9 mm)
(17).
Os gatos, na grande maioria das vezes, não apresentam cílios na pálpebra inferior nem na superior(17). Cada pálpebra possui um ponto lacrimal que
se abre no sistema de drenagem nasolacrimal, localizado na comissura medial posterior aos orifícios dos ductos das glândulas tarsais(20).
Assim como em seres humanos e em cães, a pálpebra superior dos gatos domésticos apresenta maior mobilidade que a inferior. Os gatos adultos piscam com pouca frequência. Uma piscada completa ocorre aproximadamente a cada cinco minutos e piscadas incompletas são raras(17).
4
O fechamento palpebral está vinculado ao músculo orbicular (MO), que é inervado pelo nervo facial e dispõe-se de forma circular em torno das pálpebras (Figura 1) (16, 21).
Figura 1- Músculo orbicular (indicado pela seta), responsável pelo fechamento palpebral. Fonte: Slatter, 2005
O músculo elevador da pálpebra superior (MEPS) é responsável pela abertura palpebral e possui inervação pelo nervo oculomotor. O MEPS é um músculo fino, que origina-se próximo ao forame óptico, passa dorsalmente ao globo ocular entre o músculo reto superior e a glândula lacrimal e insere-se na pálpebra superior (Figura 2, 3 e 4) (17,20,21).
Figura 2- Músculo elevador da pálpebra superior do gato, responsável pela abertura palpebral (visão dorsal). Fonte: Gilbert, 2000
5
Figura 3- Músculo elevador da pálpebra superior do gato, responsável pela abertura palpebral (visão lateral). Fonte: Gilbert, 2000
Figura 4- Dissecação do músculo elevador da pálpebra superior do gato. Fonte:
Arquivo pessoal
As principais funções das pálpebras são: atuar na remoção de corpos estranhos, produzir parte do filme lacrimal (porção lipídica e mucopolissacarídea), evitar evaporação precoce da lágrima, distribuir e drenar o filme lacrimal através da movimentação palpebral, promovendo um filme pré-corneano com espessura uniforme e propriedades ópticas, além de auxiliar na nutrição da córnea(16,18).
6
2.1.2- Terceira pálpebra
A terceira pálpebra, também chamada de membrana nictitante, é uma estrutura móvel formada por uma prega semilunar de conjuntiva localizada nasal e ventralmente no olho do gato (Figura 5), composta por uma borda livre e um esqueleto cartilaginoso em forma de “T”. Possui folículos linfóides sobre a superfície bulbar e uma glândula lacrimal que produz uma parte da porção aquosa do filme lacrimal(22,23). O gato é a única espécie entre os animais domésticos que,
além dos mecanismos passivos de proteção, apresenta movimentos ativos da terceira pálpebra. A protusão ativa é feita através de das fibras musculares estriadas do MEPS e do músculo reto lateral anexadas à terceira pálpebra e inervadas pelo nervo abducente; a manutenção da contração tônica é realizada por fibras musculares lisas sob inervação simpática(23).
As funções da membrana nictitante são: produzir parte da porção aquosa do filme pré-corneano, distribuir a lágrima e proteger a córnea(22,23).
7
2.1.3- Córnea
A córnea é a porção anterior da túnica fibrosa do BO que atua como barreira entre o meio externo e interno. É uma estrutura avascular, transparente, inervada por um ramo do nervo trigêmeo, com função refrativa e, em função de ser um elemento mais exposto, pode sofrer lesões com maior frequência. A córnea de gatos adultos é praticamente circular com um diâmetro horizontal de 16,5mm (+-0,60mm) e vertical de 16,2mm (+-0,61mm), havendo variações de acordo com a idade, raça e sexo. Histologicamente é composta pelo epitélio, estroma, membrana de Descemet e endotélio (Figura 6)(8,9,18,24).
O epitélio da córnea é estratificado, não queratinizado, composto por aproximadamente seis finas camadas celulares. O epitélio é impermeável à água, eletrólitos, nutrientes, metabólitos e a maioria dos microorganismos, contudo é permeável ao oxigênio a ao dióxido de carbono(8,9,18).
A membrana basal separa a camada epitelial do estroma (lâmina própria). O estroma perfaz 90% da espessura total da córnea e é composto por fibrócitos, ceratócitos, ramos nervosos, glicosaminoglicanos e fibrilas de colágeno dispostas de forma paralela e regular, estruturação essa, que mantém a transparência da córnea(8,9,18,24,25).
A superfície posterior da córnea é formada por uma única camada de células endoteliais que produzem uma membrana basal de colágeno, chamada membrana de Descemet, localizada entre a lâmina própria e o endotélio(1,24,25). A
membrana de Descemet é elástica, acelular, uniforme e não se cora ao uso de fluoresceína. O endotélio é semipermeável a nutrientes e metabólitos e possui uma alta atividade metabólica, responsável pela manutenção da desidratação do estroma (8,18,24).
8
Figura 6- Corte histológico da córnea felina normal, mostrando: epitélio, estroma, membrana de Descemet e endotélio. Fonte: Barnett e Crispin, 2005
2.2- Ceratites no paciente felino
2.2.1- Características das ceratites felinas
As ceratites são bastante comuns no paciente felino, podendo ser ulcerativas ou não ulcerativas. Os gatos possuem algumas peculiariadades em relação às características das ceratites. A quemose costuma ser muito marcante devido à natureza frouxa da conjuntiva. A ocorrência de pigmentação corneana em resposta a uma lesão e deposição lipídica são raras. As cicatrizes da córnea normalmente são menos graves do que na espécie canina(8).
9
2.2.2- Ceratites ulcerativas felinas
As úllceras de córnea podem ser superficiais ou profundas. As lesões superficiais abrangem o epitélio corneano e a membrana basal, com mínimo ou nenhum envolvimento estromal. A solução de continuidade epitelial com exposição do estroma corneano ocasiona sinais como: secreção serosa, mucosa ou purulenta, blefaroespasmo, hiperemia conjuntival, fotofobia, edema e ou neovascularização(9,10,24). O diagnóstico é baseado nos sinais clínicos e na
marcação da úlcera pela fluoresceína aplicada topicamente, que tem a característica de corar unicamente o estroma corneano, dando a ele uma coloração verde fluorescente em caso de dano epitelial( Figura 7)(9,24).
Figura 7- Úlcera de córnea corada pela fluoresceína em gato. Fonte: Arquivo pessoal
As ceratites ulcerativas podem ser de origem traumática, como nos casos de brigas e arranhaduras entre os gatos. Nesses casos a apresentação clínica tende a ser aguda, unilateral, com presença de dor, blefaroespasmo e lacrimejamento(8,26). Algumas anormalidades palpebrais como: coloboma e
neoplasias (carcinoma de células escamosas) também podem causar úlceras de córnea. Já as queimaduras térmicas ou químicas acontecem com menor frequência na espécie. As alterações nos cílios, assim como a ceratoconjuntivite seca, que frequentemente levam a ceratites ulcerativas em cães, praticamente não ocorrem em gatos(8).
10
O herpesvírus felino tipo 1(HVF-1) é a única causa viral documentada de ceratite ulcerativa em gatos. Esse patógeno tem distribuição mundial e é muito prevalente na espécie felina, apresentando uma morbidade de quase 100% em ambientes com alta densidade populacional. Esse vírus apresenta uma característica de latência e o recrudescimento dos sinais clínicos ocorre mediante situações de estresse como nos casos de mudanças de rotina (introdução de um novo animal ou criança, alteração de dieta ou de ambiente, viagem) ou em casos de imunossupressão (infecção pelos vírus da leucemia felina e da imunodeficiência felina a vírus, tratamento prolongado com corticoides, quimioterapia). A reativação viral acontece em 80% dos gatos infectados pelo HVF-1. Os locais de quiescência viral são: turbinados nasais, região de palato, conjuntiva ocular e, principalmente, nos gânglios trigeminais. A presença de úlcera dendrítica é sinal patognomônico da infecção pelo HVF-, resultante do efeito citopático do vírus no epitélio corneal. O HVF-1 também pode atingir o estroma. A ceratite herpética mostra-se ferquentemente resistente ao tartamento e as recidivas são bastante comuns(8,24,25,27-32).
Figura 8- Úlcera dendrítica em gato causada por herpesvírus felino. Fonte: Andrew,
11
Há várias modalidades de tratamento para as ceratites ulcerativas, que são preconizadas de acordo com a etiologia e o comprometimento tecidual. As úlceras superficiais de córnea normalmente se resolvem com tratamento clínico tópico adequado num período de 5 a 7 dias, com mínina formação cicatricial. Na ausência de resposta à terapêutica clínica instituída, essas úlceras refratárias ou indolentes ou aquelas que progridem em tamanho ou profundidade são manejadas através de procedimentos adicionais como, por exemplo, os recobrimentos protetores (10,12,13,24).
2.3- Recobrimento protetor
O recobrimento corneano protetor é comumente usado nos casos de ceratites superficiais refratárias ou complicadas ou após debridamentos corneanos ou ceratotomias. Esse procedimento funciona como uma proteção da superfície lesionada, evitando a progressão da lesão, controlando a dor e facilitando a cicatrização.Tal recobrimento pode ser feito através de procedimentos cirúrgicos como a tarsorrafia ou o flap de terceira pálpebra(13,14,24,33,34).
O mecanismo de ação do recobrimento protetor ainda é incerto. Acredita-se que além da redução do atrito palpebral durante o ato de piscar, ocorra uma ação favorável de fatores de crescimento e citocinas liberadas pelos vasos da conjuntiva tarsal que ficam próximos à lesão. A redução da evaporação da lágrima e o maior contato da lesão com as lisozimas lacrimais também podem ser importantes no processo de reparo(35).
2.3.1- Flap de terceira pálpebra
O procedimento de recobrimento ocular através do flap de terceira pálpebra é indicado para proteção da córnea, sendo usado como tratamento adjuvante de ceratites ulcerativas superficiais ou nas proptoses pós-traumáticas e após debridamento epitelial nas ceratotomias. Contudo, fica contra indicado em casos de úlceras que ultrapassem a metade da espessura do estroma corneano,
12
úlceras infectadas e que necessitem de acompanhamento da evolução(36).
A técnica de recobrimento corneano através do flap de terceira pálpebra descrita por Slatter(24) consiste na fixação da terceira pálpebra na conjuntiva bulbar
ou na face bulbar da pálpebra superior Quando a sutura é feita na pálpebra superior há maior resistência à tração. Utiliza-se um fio de nylon 2-0 ou 3-0 agulhado, passando pelo capton, fragmento de equipo macrogotas ou de sonda uretral, e, em seguida, alcança-se a pálpebra superior a uma distância de 10 a 15 mm da margem, na região temporal. A borda da terceira pálpebra é presa com uma pinça anatômica e a agulha entra pela face palpebral dessa em um ponto cerca de 2 a 3mm da borda, penetrando na conjuntiva e passando abaixo da cartilagem sem perfurar a superfície bulbar da terceira pálpebra, evitando assim expor a sutura à córnea. A sutura é passada ao longo da superfície ocular da cartilagem, paralela à borda palpebral e retorna pela face palpebral da conjuntiva. A agulha volta então à pálpebra superior, entrando pela conjuntiva e saindo pela pele, à mesma distância da margem que o ponto inicial. Atravessa-se novamente o capton e ata-se o nó, sem apertá-lo. A tensão da sutura segue a direção normal do movimento da terceira pálpebra (Figura 9). Caso necessário, pode-se repetir o procedimento paralelamente.
Figura 9- Flap de terceira pálpebra. O primeiro ponto é colocado superior, com uma distância de 10 a 15mm da rima palpebral perfurando o capton ou passando pelo seu interior (1). Sutura entra pela pele (2) e sai via
13
fórnice para a terceira pálpebra 2 a 3mm da borda palpebral (3), passando sob a cartilagem sem penetrar a superfície bulbar (seta vermelha). Sai pela terceira pálpebra (4) e volta à pálpebra superior (5), finalizando a sutura sobre o "capton" (6), que protege a pele de lesões causadas pela tensão na sutura. Fonte: Slatter, 2005
2.3.2- Tarsorrafia temporária
A tarsorrafia também é uma opção cirúrgica que pode ser empregada no tratamento de lesões de córnea. É uma técnica simples, baseada no fechamento cirúrgico temporário da fissura palpebral, sendo útil na proteção e no suporte da córnea durante a sua cicatrização(22,25). A técnica pode ser realizada de
forma isolada ou combinada com o recobrimento de terceira pálpebra com o intuito de aumentar a segurança. Deve-se utilizar uma técnica de sutura intermarginal com o intuito de evitar abrasões corneanas pelo contato do fio de sutura com a córnea(14,33).
A técnica cirúrgica consiste na introdução de um fio de nylon 2-0 ou 3-0 agulhado, atravessando o capton e, em seguida, a pálpebra superior, inserindo a agulha a 5 a 7mm da margem e saindo através da própria borda (rima palpebral). A agulha é introduzida na rima palpebral inferior em posição equivalente à superior, saindo pela pele da pálpebra inferior, à distância de 5 a 7mm da margem. O fio atravessa outro capton e retorna à pálpebra inferior paralelamente, fazendo o trajeto ao contrário, passando pela rima palpebral inferior, rima palpebral superior, pele da pálpebra superior e novamente pelo capton (Figura 11). Normalmente são necessárias 2 a 3 suturas para o fechamento adequado das pálpebras(14).
14
Figura 10- Tarsorrafia temporária. Notar o fio passando através da rima palpebral inferior e superior e o aspecto ideal da sutura, coaptando adequadamente as pálpebras. Fonte: Slatter 2005
2.3.3- Desvantagens dos recobrimentos cirúrgicos
Há algumas desvantagens com o uso das técnicas cirúrgicas de recobrimento. Para a realização desses procedimentos cirúrgicos, há a necessidade de anestesia geral, assim como de sedação para a retirada dos pontos(14).
Outro ponto a ser salientado é em relação à dificuldade de avaliação da lesão, do processo de cicatrização e da pressão intraocular (PIO) ao longo do tartamento. A aplicação local de medicamentos também enfrenta obstáculos físicos promovidos pelos recobrimentos corneanos. Nos casos de flap de terceira pálpebra, a medicação tópica alcança o alvo de ação por difusão, o que pode interferir no resultado terapêutico da droga. Na tarsorrafia, há a dificuldade e, até mesmo, impossibilidade de administração de medicação tópica ocular (5,13,14).
Esses recobrimentos necessitam de cuidados diários de limpeza da pele, onde as suturas são fixadas, a fim de se evitar uma blefarite. Outra complicação é a possibilidade de deiscência da ferida cirúrgica devido à inflamações, infecções ou à tensão exercida pelos fios de sutura. No sítio de
15
sutura podem ocorrer reações inflamatórias, gerando desconforto pós-operatório e prurido local e provável interferência do animal. Alguns sinais que demonstram problemas relacionados ao evento cirúrgico são suspeita de dor percebida através de alterações comportamentais e diminuição de apetite, presença de pirexia, neutrofilia, secreção purulenta. Tais indícios são fortes indicativos para a remoção dos recobrimentos cirúrgicos(13,14).
Na execução da técnica de flap de terceira pálpebra, diante de um manuseio não tão delicado do profissional, existe a possibilidade de danificação marginal da membrana ou eversão deformadora da mesma. Outra probabilidade, em caso de falha na disposição adequada das suturas, é o posicionamento incorreto da sutura através da cartilagem. Além disso, pode ocorrer laceração palpebral e transfixação da terceira pálpebra, sendo que essa última resulta em contato do fio com a córnea e possível agravamento das lesões corneanas preexistentes ou, até mesmo, geração de novas injúrias na córnea(13,14)
.
No caso de execução inapropriada da tarsorrafia, algumas complicações são observadas, como, por exemplo, o posicionamento incorreto das pálpebras, que pode ocasionar lesões corneanas por atrito da pele, do fio de sutura ou dos pelos. Outros fatores que contribuem para o insucesso do procedimento são as lacerações palpebrais, inflamações e desconfortos causados pela utilização de materiais inapropriados ou por excesso de tensão na sutura
(5,14).
2.4- Toxina Botulínica 2.4.1- Introdução
As neurotoxinas botulínicas (NTB) são produzidas pela bactéria anaeróbica gram-negativa Clostridium botulinum e por outras espécies de Clostridium relacionadas como, por exemplo, a C. barati, e C. butyricum(1). Existem
sete sorotipos das NTB, denominados de A a G, além de suas variantes, sendo a toxina botulínica tipo A (TBA), a mais potente. As bactérias produtoras dessas
16
neurotoxinas podem ser encontradas no solo ou em coleções de água doce ou salgada em todo o mundo. Os esporos do C. botulinum são bastante resistentes, podendo sobreviver por mais de 2 horas a uma temperatura de 100°C. Considerada como a substância mais letal conhecida atualmente, a TB possui a dose letal média (DL50 - dose de toxina capaz de levar à morte metade da
população a ela exposta) de um nanograma (ng) de toxina por quilograma (kg) de peso corporal(37). A utilização das TB como armas biológicas foi feita pela primeira
vez há mais de 60 anos por japoneses que testaram a sua letalidade em prisioneiros de guerra(1). Essas toxinas possuem uma forte ação biológica e,
quando ingeridas por meio de alimentos contaminados, podem causar o botulismo, doença caracterizada por sinais gastrointestinais e paralisia flácida. O mecanismo de ação da dessas toxinas consiste em inibir a transmissão neuromuscular, através do bloqueio da liberação exocitótica de acetilcolina, resultando em uma quimiodenervação temporária do músculo e consequente paralisia flácida (1-7,37).
2.4.2- História
Os primeiros estudos científicos sobre o botulismo e a TB foram iniciados em 1817 pelo médico e poeta alemão Justinus Kerner, que, além do primeiro relato, publicou experimentos realizados por ele com animais e em si mesmo com o objetivo de extrair e isolar a substância tóxica até então desconhecida, chamada de “veneno da salsicha”. Kerner, em 1820 sumarizou 76 casos de pacientes com características clínicas do que hoje chamamos de botulismo. E, em 1822, publicou 155 relatos de botulismo e descreveu a fisiopatologia da toxina das linguiças, concluindo corretamente que a toxina desenvolve-se em ambientes anaeróbios, tem a capacidade de bloquear a transmissão neuromuscular, é letal em pequenas doses, além disso ele também sugeriu hipóteses sobre a sua sua utilização para fins terapêuticos(1,37-41).
Em 1895, o microbiologista Emile-Pierre Van Ermengem conseguiu isolar esporos de um bacilo anaeróbio que, inicialmente, chamou de Bacillus
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botulinus. Essa bactéria, responsável pela produção da toxina que causava essas intoxicações alimentares, posteriormente, foi renomeada para Clostridium botulinum (37-41).
Em 1973, Allan Scott relatou o uso da TBA em primatas não humanos para correção de estrabismo. Posteriormente (1977-1982) o mesmo autor publicou os resultados de estudos em pacientes humanos com estrabismo. Scott desenvolveu juntamente com colegas entre os anos de 1972 e 1989 extensa pesquisa laboratorial e clínica, o que permitiu a aprovação da utilização da TBA na área médica. Além do estrabismo, Scott e equipe também foram os pioneiros no uso da TB para tratamento de torcicolo, espasmo muscular de membros inferiores e blefaroespasmo(37-40).
Em 1989, o Food and Drug Administration (FDA) aprovou o uso terapêutico da TBA em pacientes maiores de 12 anos com estrabismo, blefaroespasmo e outras distonias. O laboratório Allergan adquiriu o direito de comercializar a toxina em 1991 e mudou o seu nome de Oculinum® para Botox®
(Allergan Inc, Irvine, California, USA). Em 2000 o FDA aprovou Botox®, e a toxina
botulínica tipo B (MyoblocTM, Elan Pharmaceuticals Inc, Morristown, New Jersey,
USA) para o tratamento de distonia cervical e Botox Cosmetic (Allergan Inc, Irvine, California, USA) para o tratamento de linhas faciais de expressão(37,42,43).No Brasil,
o Botox® foi aprovado em 1992 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) para indicações terapêuticas e em 2000 para o tratamento de rugas e hiperidrose axilar e palmar(1).
Rapidamente seu uso se expandiu para o tratamento de diversas desordens caracterizadas pela contração muscular excessiva, anormal ou inapropriada, sendo atualmente utilizada na oftalmologia, gastroenterologia, ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia e dermatologia(1,42).
2.4.3- Estrutura
A molécula da TB é formada por duas porções: uma cadeia leve (CL) (50kDa) e uma cadeia pesada (CP) (100 kDa). A CL é responsável pela ação
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catalítica, proteolítica e pela atividade metaloproteásica zinco-dependente que bloqueia a fusão das vesículas pré-sinápticas, impedindo a liberação de neurotransmissores. A CP possui dois domínios: o de ligação, cadeia pesada subdomínio c (Hc) e o de translocação, cadeia pesada subdomínio n (Hn). A CP, portanto, tem como função promover a ligação da TB à célula nervosa, bem a sua internalização, além de auxiliar na translocação da CL (Figura 11)(1,44).
Figura 11- Estrutura da TBA. Cadeia leve representada como fita azul clara e cadeia pesada dividida em Hn (azul escuro) e Hc (verde).
Fonte: Montecucco, 2004
2.4.4- Mecanismo de ação
A contração muscular ocorre quando a acetilcolina (Ach) é liberada nos terminais nervosos motores por estímulo de um impulso nervoso. A TBA, ao ser aplicada por via intramuscular, penetra nos neurônios por endocitose e impede a liberação de Ach ao interferir no metabolismo de cálcio. Com a interrupção dos potenciais de ação através da placa, há o bloqueio da contração muscular e consequente paralisia flácida. A ação da TB sobre os músculos estriados se dá em três etapas: ligação ao terminal nervoso colinérgico, internalização, translocação e inibição cálcio dependente da exocitose do neurotransmissor, a Ach (Figura 12) (6,44,47,48).
19
A intensidade da inibição da contração muscular dependente da dose de TB utilizada, uma vez que será proporcional ao número de placas motoras bloqueadas. Contudo, as placas que têm função trófica e não são dependentes de cálcio, continuam promovendo uma liberação basal de Ach, evitando que haja degeneração muscular(2).
Figura 12- Mecanismo de ação da TB. Cada um dos elementos estruturais da TB representados como: Cadeia leve (LC) de endopeptidase (amarelo), o domínio Hn de translocação (verde) e o domínio de ligação celular Hc (azul). O primeiro estágio do processo de intoxicação se dá pela ligação ao terminal nervoso colinérgico (1), seguido da internalização do complexo receptor-toxina em uma vesícula intracelular (2) e da translocação, caracterizada pela libertação da cadeia leve endopeptidase para o citosol ácido (3). Uma vez liberada a partir da vesícula, a cadeia leve desempenha a etapa final de intoxicação,
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através da clivagem proteolítica altamente específica de uma das proteínas do complexo SNARE (4). As proteínas SNARE clivadas não promovem a fusão das vesículas de Ach com a membrana celular no terminal nervoso, assim a liberação do neurotransmissor é inibida.
Fonte: Turton(49)
2.4.4.1- Ligação ao terminal nervoso colinérgico
A TB liga-se a um receptor de alta afinidade predominantemente encontrado nos neurônios colinérgicos dos nervos motores através do domínio de ligação Hc da CP (Figura 13)(1).
Figura 13- Ligação da toxina botulínica à célula nervosa. Fonte: Allergan, 2003
2.4.4.2- Internalização e translocação
O processo de internalização inicia-se quando a TB está ligada à célula neuronal provavelmente por intermédio de receptores de endocitose, que localizam-se na porção amielínica da junção neuromuscular de mamíferos. Parecem existir duas fases de internalização, uma rápida, que utiliza sistema vesicular e outra lenta, que necessita de horas e é menos específica. A
21
translocação acontece devido à alterações na estrutura proteica do domínio Hn da CP sob condições ácidas, de modo que a CP facilita a entrada da CL para o compartimento citoplasmático da célula nervosa (Figura 14)(1).
Figura 14- Processo de internalização e translocação da toxina botulínica. Fonte: Allergan, 2003
2.4.4.3- Inibição da exocitose do neurotransmissor
Um complexo de proteínas agregadas denominado SNARE (soluble N-ethylmaleimide-sensitive fusion attachment protein receptor) está associado às vesículas de Ach e são essenciais para a liberação deste neurotransmissor na fenda sináptica através de um mecanismo cálcio dependente
(8,14).
A CL da TBA quebra seletivamente as ligações peptídicas da SNARE, o que impede a fusão das vesículas de Ach com a membrana celular no terminal nervoso e há interrupção do influxo de cálcio no momento da fusão (Figura 15)
22
Figura 15- Ação catalítica da toxina botulínica, evitando a exocitose de acetilcolina. Fonte: Allergan, 2003
2.4.4.4- Resposta da junção neuromuscular ao bloqueio
Após o bloqueio, há o início do processo de brotamento, onde o terminal nervoso faz a sua expansão pela superfície muscular, reestabelecendo a função motora nervosa através de novas conexões. Esses brotamentos produzem uma re-inervação temporária nas fases precoces de recuperação. Já nas fases tardias, a recuperação da atividade muscular ocorre pelo reestabelecimento da atividade exocitótica do neurotransmissor na terminação nervosa original que volta a ser totalmente funcional(1,7,49).
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Figura 16- Resposta da junção neuromuscular ao bloqueio. Fonte: Allergan, 2003
2.4.5- Farmacologia
Os sete tipos sorológicos de TB são nomeados de A a G. Numerosos subtipos têm sido recentemente identificados. Os subtipos A, B, E e F são responsáveis pelo botulismo neuroparalítico humano. As neurotoxinas tipo A e B são as utilizadas nas preparações terapêuticas comerciais, sendo que o tipo A possui maior potência neurotóxica e mais fácil isolamento e armazenamento(8,41).
As preparações comerciais que usam o tipo A são o Botox®, o Dysport® (Ipsen
Slough, Ltd., Berkshire, UK) e o Xeomin® (Merz Pharmaceuthics GmbH, Frankfurt
am Main, Germany) o tipo B da TB é utilizado no Neurobloc/Myobloc® (MyoblocTM,
Elan Pharmaceuticals Inc, Morristown, New Jersey, USA) e Myobloc® (Solstice
Neurosciences, Inc., San Francisco , CA, USA) (37).
As preparações terapêuticas comerciais da TB contêm o complexo ativo somado a proteínas não tóxicas, chamadas de acessórias, cujo papel é de proteger a NTB da degradação(1,43,45).
24
uma U corresponde a DL50, que é a quantidade de toxina letal em 50% de
camundongos fêmeas Swiss-Webster após injeção intraperitoneal(43,45).
As preparações comerciais disponíveis são assim denominadas: onabotulinumtoxin A (onaBoNT-A®, BOTOX®, Prosigne®), abobotulinumtoxin A
(Dysport®), icobotulinumtoxin A (Xeomin®) e rimabotulinumtoxin B (Myobloc®
eNeurobloc®). Elas apresentam diferentes doses e perfis de eficácia e segurança,
não permitindo equivalência precisa entre algumas dessas apresentações terapêuticas(1,6,46).
2.4.6- Antigenicidade da toxina botulínica
As TB são proteínas estranhas ao corpo, portanto, a exposição a tais antígenos pode induzir uma resposta imune, ativando linfócitos B e T, células de memória, citocinas e produzindo anticorpos. Esses anticorpos formados, chamados de neutralizantes, bloqueiam a ação biológica da toxina e levam à falha terapêutica. Há também a formação de anticorpos contra a porção proteica não tóxica da TB, denominados anticorpos não neutralizantes. As células de memória também são acionadas, resultando em respostas imunes a aplicações sequenciais, comprometendo tratamentos crônicos. Outro fator ligado à antigenicidade é a reagilidade individual do sistema imune. Há também o fenômeno de reação cruzada que pode ocorrer entre os sorotipos da TB e com a neurotoxina do tétano. A formação de anticorpos pode ser um problema potencial para as terapias com a TB, portanto torna-se prudente usar a menor dose terapêutica possível, com o maior intervalo entre aplicações(1).
2.4.7- Toxina botulínica nas ciências médicas
A TBA possui uma ação eficiente e seletiva na produção de quimiodenervação temporária quando é aplicada de forma correta(6). Há várias
indicações terapêuticas para a TBA na medicina, incluindo desordens oftalmológicas, gastrointestinais, urológicas, ortopédicas, neurológicas, dermatológicas, secretórias, dolorosas e cosméticas(1).
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Após a aplicação no sítio específico, a TBA inicia a sua ação em pacientes humanos, a partir de 24 horas e a paralisia flácida, por ser dose dependente, pode ter duração variável, perdurando em média de quatro a oito semanas com desaparecimento progressivo(2).
A TB tem demonstrado uma excelente tolerância, eficácia e segurança relacionada ao uso local e não sistêmico da TB, mesmo em casos de uso prolongado. Com o avanço no desenvolvimento de novas formulações, há uma redução do risco de formação de anticorpos neutralizantes e de instalação de efeitos colaterais. Essas novas preparações terapêuticas também propiciam respostas mais eficientes(37,42).
2.4.7.1- Efeitos adversos
Os efeitos adversos descritos da TB podem ser locais ou sistêmicos e são similares entre as diversas formulações terapêuticas comerciais disponíveis no mercado(46).
Na maior parte dos casos relatados, os efeitos colaterais decorrentes do uso da TB foram locais e não sistêmicos, sendo normalmente relacionados à dose, local e frequência de aplicação. Os sinais clínicos importantes são de baixa ocorrência e, raramente, determinam a descontinuidade da terapia(43,50).
Um trabalho realizado a partir de dados do FDA indicou que os efeitos adversos mais graves, como convulsão e morte, são os associados ao uso terapêutico da TB e não ao uso cosmético, devido, provavelmente ao uso de altas doses ou utilização concomitante de outra medicação ou, ainda, à presença de doenças pré-existentes (51,52).
Um efeito local bastante comum relatado por pacientes é desconforto ou dor no sítio de aplicação(50). Já efeitos sistêmicos isolados foram reportados em
diversos estudos. Foram citados: incontinência urinária, fraqueza muscular generalizada, alterações gastrointestinais, disfagia, aborto em gestantes no primeiro trimestre de gravidez e síndrome botulínica generalizada(3,50,43,53,54,55,56).
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Em aplicações da TB na face, os trabalhos indicam efeitos indesejáveis, além da ptose palpebral, como diplopia, cefaleia, olho seco, boca seca, ceratites, epífora, paresia e reações locais de edema, eritema, sangramento, prurido e equimose(3,50,52).
A aplicação da TB é contra indicada em pacientes que façam uso de aminoglicosídeos, bloqueadores de canais de cálcio, aminoqueínas, ciclosporina e D-Penicilamina, em função da possibilidade de interferência na neurotransmissão muscular e alteração do efeito da toxina(57).
2.4.7.2- Toxina botulínica na oftalmologia
A TB foi utilizada pela primeira vez na oftalmologia para a correção de estrabismo por Alan Scott(59). Nesses casos, a ação da toxina consiste na inibição
transitória da contração do músculo determinante do desvio(58).
A TB tornou-se o tratamento de escolha para o blefaroespasmo essencial desde 1983, sendo efetivo em 75 a 100% dos pacientes que necessitam de controle dos espasmos palpebrais(3,59).
Outras distonias de face como espasmos hemifaciais, Síndrome Meige, além da apraxia de abertura palpebral também são bem manejadas com o uso da TB(3,60).
A TB também é usada tratamento de nistagmo congênito adquirido, ocilopsia, retração palpebral, entrópio espástico(10,62), hipersecreção lacrimal(63), e
ptose protetora(3,63,64,65,66).
Nas aplicações para tratamento de desordens relacionadas à oftalmologia, o principal efeito colateral é a ptose palpebral, relatada em diversos estudos como sendo uma complicação frequente relacionada à difusão ou aplicação inadvertida da TB próxima à região medial superior do septo orbital(3,52).
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que o enfraquecimento do MO pode diminuir a frequência do ato de piscar, causando uma maior exposição e ressecamento da córnea. Como consequência, algumas lesões podem ser formadas (erosões corneanas epiteliais, ceratopatias superficiais e ulcerações estéreis)(3,67).
A diplopia, apesar de infrequente, é resultante da paralisia do músculo oblíquo inferior, que pode ser exposto à TB quando essa é aplicada na porção medial da pálpebra inferior. Outro efeito indesejável que pode ocorrer nessa região é a fraqueza muscular com alteração da expressão facial e desvio da rima labial(3).
Há um relato de glaucoma agudo de ângulo fechado após a aplicação da TB, que causou midríase pelo efeito parassimpático no gânglio ciliar(68). Outra
descrição científica foi o caso de um paciente que apresentou descolamento de retina devido à aplicação intraocular inadvertida(69).
2.4.8- Toxina botulínica tipo A na produção de ptose temporária
A aplicação da TBA no MEPS promove uma ptose palpebral superior e consequente recobrimento temporário protetor da córnea, fornecendo um efeito semelhante ao de um procedimento de recobrimento cirúrgico(35).
A utilização da TBA com a finalidade de auxílio no tratamento de lesões corneanas foi primeiramente descrito por Magoon em 1985(70).
Em 1987, Adams e colaboradores(64) realizaram o primeiro ensaio clínico
prospectivo com 15 pacientes que receberam a TBA via transconjuntival para a produção e ptose protetora temporária. O resultado mostrou uma ptose efetiva em 60% desses pacientes durante oito semanas. Kirkness(65), em um segundo estudo
realizado juntamente com o autor citado anteriormente, aumentou o número de pacientes para 21 e, com a mesma dosagem de 0,0652ng de TBA e obteve 75% de sucesso na produção de ptose, que levou 3,6 dias em média para se instalar, com duração média de efeito de 8,5 semanas.
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semelhante à usada por Adams(64) e Kikness(65), utilizou doses entre 2,5 U e 10U.
A eficácia encontrada entre esses 21 pacientes foi em média de 75% coma dose de 5U , perdurando o efeito por 46 dias.
Em 2007, Vleming e colaboradores(5), relataram a via transpalpebral
para a aplicação da TBA em dois pontos: região medial e lateral da borda tarsal. Os 10 pacientes receberam a dose de 7,5U. Como resultados os autores encontraram 70% de ptose completa, com início de efeito entre 2 e 6 dias e duração média de 40,6 dias. Nesse estudo nenhum efeito colateral foi observado.
Em 2008, Naik et al.(63) avaliou os efeitos da aplicação transpalpebral
em 10 pacientes, utilizando uma dose entre 10 e 15U e relatou uma redução de mais de 50% do tamanho da fissura palpebral em 90% dos casos. A duração média da ptose foi de 9,2 semanas (entre 5 e 16 semanas), o que foi atribuido à maior dose utilizada.
Yücel e Aritürk(66), em seu trabalho em 2012, induziram ptose protetora
em 15 pacientes para tratamento de lagoftalmia associada com paralisia facial, usando uma dose de 15 U da TBA, também por via transpalpebral. Seus resultados foram: efeito inicial entre o promeiro e o décimo dia, duração média de efeito de 10 semanas, com promoção de ptose completa em 80% dos pacientes, sem efeitos colaterais.
O principal efeito colateral observado com o uso da TBA com o intuito de produzir ptose palpebral temporária nos estudos realizados foi a hipoatividade do MRS com consequente diplopia, porém com resolução espontânea em todos os casos(35,64,65).
2.4.9- Uso terapêutico da toxina botulínica tipo A na veterinária
Na medicina veterinária, a TB é mais utilizada com o objetivo de testar a terapia em modelos animais para posterior uso em pacientes humanos. Com fins terapêuticos na espécie canina, a TBA foi usada em um cão com possível
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blefaespasmo essencial. Nesse paciente houve uma boa resposta terapêutica, sem o desenvolvimento de efeitos adversos como ptose, conjuntivite e diminuição do filme lacrimal, durante um período de três anos de tratamento(71).
Recentemente, foi realizado um estudo para avaliação do efeito de produção de ptose palpebral temporária em cães, cujo resultado mostrou uma redução média de fenda palpebral de 42,86%, com duração média de efeito de 21 dias. Nesse estudo a TB foi aplicada por via transpalpebral e também foram avaliados parâmetros como função visual, mobilidade ocular, produção lacrimal e PIO, cuja análise demonstrou segurança ao uso desse fármaco(72).
Na medicina felina o uso da TBA de forma terapêutica é bastante recente, datando o seu primeiro relato no ano de 2007, quando esse fármaco foi usado para correção de artrogripose tarsal congênita em um filhote de gato, que apresentava grave hiperextensão tarsal, contratura e encurtamento do ´gastrocnêmio. Nessa descrição clínica, foi relatado uma eficácia clínica sutil da ação daTB, sem a presença de efeitos colaterais(73).
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3- JUSTIFICATIVA
O uso da TBA na indução de ptose palpebral temporária é uma realidade na medicina humana. Esse tipo de recobrimento corneano seria uma excelente opção terapêutica para o paciente felino, uma vez que é um método pouco invasivo e que permite a avaliação da lesão ao longo do tratamento. Este estudo é inédito na investigação do uso da TBA para promoção de ptose protetora na espécie felina.
A partir dessa proposta, várias possibilidades poderiam estar disponíveis como:
Disponibilizar um procedimento menos invasivo que não necessite de anestesia geral para a sua execução
Evitar as complicações advindas dos procedimentos cirúrgicos de recobrimento como, por exemplo, infecção e inflamação no sítio cirúrgico ou deiscência da sutura
Permitir o acompanhamento do processo de cicatrização da lesão
Possibilitar a mensuração da PIO
Facilitar a aplicação de medicação tópica
Evitar o procedimento de retirada de pontos requerida pelos métodos cirúrgicos de recobrimento corneano
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4- OBJETIVO
O objetivo deste trabalho determinar o efeito e a segurança do uso da toxina botulínica tipo A, quando aplicada na região do MEPS, na indução de ptose palpebral superior protetora temporária em gatos domésticos.
Avaliando os seguintes dados: • Efeito produzido
• Início da ação do fármaco
• Tempo necessário para a máxima ptose • Período de duração da ptose
• Grau de ptose palpebral de forma qualitativa e quantitativa • % média de redução da fenda palpebral
• Influência da TBA sobre a mobilidade e função ocular, e pressão intraocular • Efeitos adversos tais como alterações na função visual, mobilidade ocular,
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5- HIPÓTESES
Como não há relatos do uso da TBA para a produção de ptose protetora em gatos, os resultados esperados neste estudo são baseados nas observações dos trabalhos já realizados em pacientes humanos e caninos.
Através da aplicação da TBA no MEPS dos gatos, espera-se o desenvolvimento de uma ptose, sem alterações oculares de mobilidade e PIO(3,5,35,70,72).
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6- MATERIAL E MÉTODOS
6.1- Amostra
Este estudo foi do tipo longitudinal, série de casos com intervenção para descrever a ação da TBA sobre a pálpebra superior de gatos foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) do Instituto de Biologia da Unicamp. O experimento foi realizado na Clínica Veterinária Especializada em Felinos, Gato Leão Dourado, em Belo Horizonte, Minas Gerais, de acordo com as normas de uso de animais em pesquisas oftalmológicas da Associação de Pesquisa em Visão e Oftalmologia (Association for Research in Vision and Ophthalmology - ARVO)
A pesquisa envolveu 10 gatos da Clínica Veterinária Especializada em Felinos Gato Leão Dourado, no período entre 10 de agosto de 2014 a 20 de janeiro de 2015, previamente selecionados de acordo com os critérios de inclusão especificados abaixo.
6.1.1- Critérios de inclusão
Foram incluídos 10 gatos adultos (faixa etária entre 3 e 4 anos), fêmeas (F), sem raça definida, pesando entre 2 e 4 kg, sem alterações clínicas sistêmicas ou oftálmicas, devidamente vacinadas e vermifugadas, respeitando todos os critérios de bem-estar e higiene(75)
.
6.1.2- Critérios de exclusão
Os critérios de exclusão foram: gatos com presença de alterações sistêmicas e ou oculares, como entrópio ou ectrópio da pálpebra superior, inflamação ou infecção no local de aplicação do fármaco, fêmeas gestantes, animais com histórico de reações anafiláticas, distúrbios do sangramento. Também foram excluídos animais doentes ou com resultado positivo de teste para
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as retroviroses felinas: leucemia viral felina (FeLV) e imunodeficiência felina a vírus (FIV). E ainda gatos que tenham recebido alguma medicação como aminoglicosídeos, drogas bloqueadoras dos canais de cálcio ou relaxantes musculares.
Consideraram-se critérios para suspender ou encerrar a pesquisa o aparecimento de reações adversas graves que pudessem comprometer a função visual do animal de forma permanente, assim como colocar em risco a sua vida. O acompanhamento de possíveis reações adversas foi realizado pelos exames sistêmicos e oculares incluídos no segmento do estudo.
6.2- Seleção e ambientação 6.2.1- Exame físico
Cada gata passou por avaliação física completa antes do início do estudo. O exame físico consistiu na mensuração do peso, ectoscopia, avaliação de parâmetros como temperatura retal, frequência cardíaca, frequência respiratória, tempo de perfusão capilar, coloração das mucosas, grau de hidratação, avaliação dos linfonodos palpáveis, palpação da região de tireoide, auscultação e percussão torácica palpação e percussão abdominal.
6.2.2- Exames laboratoriais
As gatas escolhidas foram avaliadas laboratorialmente. Foram realizados os seguintes exames: hemograma completo, perfil renal (ureia, creatinina, cálcio, fósforo, potássio) e hepático (proteínas totais e frações, fosfatase alcalina, gama-glutamil transferase, alanina trasaminase e aspartado trasaminase. Essas gatas também foram testadas para FeLV e FIV através de teste imunocromatográfico (FIV Ac/FeLV Ag Test Kit Alere, São Paulo, Brasil), uma vez que a infecção por qualquer um desses dois retrovírus, seria fator limitante para a participação no experimento, pois qualquer estresse sofrido por esses animais poderia provocar manifestações clínicas vinculadas aos vírus.
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6.2.3- Exame oftalmológico
O exame oftalmológico consistiu na avaliação dos testes de ameaça, teste de movimento, teste de obstáculos no claro e no escuro, reflexos pupilares fotomotores diretos e consensuais, pressão intraocular com tônometro de aplanação (Tonopen Vet, Reichert Inc, Depew, NY, USA), inspeção e palpação das órbitas, avaliação da integridade e função das pálpebras, terceira pálpebra, conjuntiva, aparelho lacrimal, teste de fluoresceína (Fluoresceína Strip Ophthalmos, SP, Brasil) e de Jones. Além da avaliação da mobilidade ocular e das estruturas oculares como córnea, câmara anterior, pupila, íris, lente, fundo de olho e vítreo através da biomicroscopia com lâmpada de fenda portátil Reichert PSL (Reichert Inc., of Buffalo, NY), oftalmoscopia indireta com a lente VOLK Panretinal (VolkOptical Inc.,Mentor, OH ) e direta com o oftalmoscópio Panoptic 11820 (PanOptic™ Ophthalmoscope with Cobalt Blue Filter and Corneal Viewing Lens, Welch Allyn Inc.,Skaneateles Falls, NY).
6.2.4- Ambientação
As gatas escolhidas foram mantidas em gatis individuais, com vista externa, luz e ventilação natural, com ambientes separados para alimentação, descanso e eliminação (Figura 17). Houve o cuidado de oferecer enriquecimento ambiental (ambientes verticais e brinquedos), assim como nutrição de alta qualidade, incluindo ração seca super premium (Fit 32 Royal Canin, Desalvado, Brasil), dieta úmida (sachês) e petiscos diversas vezes ao longo das 24 horas, respeitando o hábito alimentar ad libitum da espécie felina. O fornecimento de água fresca também aconteceu várias vezes ao dia. Outro ponto fundamental para os gatos realizado nesse experimento foi a manutenção de rotina, ambiente calmo e interação. Essas gatas foram ambientadas durante 60 dias, foram vacinadas e vermifugadas e receberam ectoparasiticidas .
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Figura 17- Gata 6 em gatil individual com vista externa e enriquecimento ambiental. Fonte: arquivo pessoal
6.3- Fase experimental 6.3.1- Avaliação clínica 6.3.1.1- Exame físico
As gatas foram pesadas e submetidas a um exame físico e oftalmológico completo antes de aplicação e de cada avaliação, assim como o que foi feito na fase de seleção. O exame físico consistiu na mensuração do peso, ectoscopia, avaliação de parâmetros como temperatura retal, frequência cardíaca, frequência respiratória, tempo de perfusão capilar, coloração das mucosas, grau de hidratação, avaliação dos linfonodos palpáveis, palpação da região de tireoide, auscultação e percussão torácica, palpação e percussão abdominal.
6.3.1.2- Exame oftalmológico