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O PERÍODO DA ABERTURA POLÍTICA ( ): ENTRE ATOS REPRESSIVOS E CAMPANHAS PELA ANISTIA

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O PERÍODO DA ABERTURA POLÍTICA (1974-1985): ENTRE ATOS REPRESSIVOS E CAMPANHAS PELA ANISTIA

Leandro Brunelo

O ano de 1964 foi emblemático para a política nacional. Em março, os militares tomaram o poder e passaram a deter o controle efetivo sobre as coordenadas e os rumos da vida política no Brasil. O que se viu a partir deste ano foi o estabelecimento de um Estado de exceção que enfraqueceu o Poder Legislativo e limitou as ações do Poder Judiciário. A ideia presente na cabeça dos militares era sanar o país do mal que o havia consumido anos atrás, sobretudo a corrupção e a subversão. O que importava era identificar esses males e através de medidas enérgicas como cassações políticas e prisões, extirpá-los o quanto antes para que o Brasil pudesse se desenvolver com segurança.

Portador de uma série de especificidades que, de algum modo, contribuíram para sua diferenciação em relação aos demais regimes militares que figuraram no continente americano durante o mesmo período, o regime brasileiro durou 21 anos e contou com a rotatividade de cinco generais-presidentes no poder. Para que o governo pudesse neutralizar os subversivos, além de refinar e fortalecer o seu serviço secreto por meio de pessoal capacitado e dinheiro, o regime militar também buscava a legitimação da sociedade, por isso, em seu início, permitiu que a oposição se manifestasse dentro de uma área legalizada, o Congresso Nacional, embora ele já estivesse debilitado politicamente pelos expurgos ocorridos desde os primeiros instantes do Estado Autoritário1.

Nos primeiros anos após o golpe civil-militar de 1964, os moderados, com o respaldo e o apoio das lideranças civis que deram o aval para o golpe, estiveram à frente da condução dos assuntos políticos nacionais. Do primeiro general-presidente, Humberto de Alencar Castello Branco (1964-1967), passando por Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) até o último João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), foram mais de 20 anos de revezamento no poder entre os moderados e os representantes da linha dura2.

Através do primeiro Ato Institucional (AI-1) baixado pelo Comando Supremo da Revolução3, houve a realização de eleições indiretas em 11 de abril que catapultaram Castello Branco ao poder. Durante o seu governo, mais três Atos Institucionais foram decretados,

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dentre eles o AI-2 que institucionalizou o bipartidarismo, criando apenas dois partidos políticos: Aliança Renovadora Nacional (ARENA); e outro para a ala oposicionista, Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Além dos AIs, em 1967 uma nova Constituição foi promulgada e permitiu a concentração de mais poder nas mãos do Executivo facultando-lhe o direito de legislar a respeito de questões pertinentes à Segurança Nacional.

Durante o governo do general linha dura Costa e Silva, além da presença de uma nova Lei de Segurança Nacional (LSN) instituída por meio do Decreto-lei no 314, em março de 1967, foi decretado o mais cruento dos Atos Institucionais, o AI-54. Este instrumento de exceção visava neutralizar determinadas forças de oposição que estavam em franco momento de manifestação como o movimento estudantil e dos trabalhadores da região do ABC paulista, além, também, de controlar a atuação política da direita dentro do Congresso Nacional5.

Quando o general Emílio G. Médici, também linha dura, assumiu a presidência, a radicalização política atingiu o seu ápice. O governo militar já contava com os trabalhos realizados por uma grandiosa comunidade de informações constituída pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), pelos serviços secretos das Forças Armadas e de informações ligados às polícias militares, pelas Divisões de Segurança e Informações (DSIs) e Assessoria de Segurança e Informações (ASIs) e pelos efetivos das polícias federal e civil.

Como se já não bastasse, outros organismos responsáveis pela segurança interna foram criados como o Centro de Operações e Divisões Internas (CODI) que planejava e coordenava as atividades que primavam pela defesa interna. Ligado ao CODI estava o Destacamento de Operações Internas (DOI) que perseguia, prendia e torturava os militantes de esquerda, ou seja, realizando, então, o trabalho mais “sujo”.

Durante o governo Médici, portanto, a tortura era o artifício mais empregado na luta contra a subversão, sobretudo contra as atividades realizadas pela esquerda armada entre 1969 e 1970, as quais consistiam em sequestros de diplomatas, assaltos a bancos e atentados contra instalações militares6. As atitudes repressivas do regime militar, por sua vez, foram muito fortes e já em 1972 as forças da esquerda política se encontravam enfraquecidas e desarticuladas.

Todo o barulho da máquina de repressão do governo era abafado pelo estardalhaço do crescimento econômico e a sociedade, principalmente a classe média que era a mais favorecida pelo milagre econômico, apoiava expressivamente o governo.

Durante a sua gestão, Médici negava a existência de práticas de tortura contra os opositores políticos do regime, mas as denúncias sobre lugares secretos de sevícia começaram

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a vir à tona. O gigantismo dos organismos de repressão já era incontestável, assim como leis específicas que permitiam, em casos de exceção, aplicar a pena de morte. Oficialmente, medidas como esta, não foram desfechadas, mas se sabe que os agentes da repressão não tinham limites e nem imaginação pobre, pois as mortes cometidas por eles eram disfarçadas de suicídios ou de atropelamentos7, tudo feito dessa forma para que as suas ações não fossem identificadas.

O contraditório nesta história foi que Médici “havia tomado posse com um discurso no qual prometia reinstaurar a democracia no país”8, mas o feito de maior relevo que conseguiu realizar foi a aniquilação da luta armada que praticamente chegou ao fim junto com o seu mandato. O quarto general-presidente do ciclo militar, Ernesto Geisel, assumiu a presidência da República em meio a este cenário político: a enorme força adquirida pelos órgãos de repressão e um ideal muito tênue de abertura política.

Com Geisel no poder, os castelistas que representavam a linha mais intelectualizada do Exército voltaram a assumir o lugar principal no Planalto e foi também esta facção, marginalizada durante o governo linha dura de Costa e Silva e de Médici, que conduziria o país rumo a uma abertura política assinalada por uma retórica liberal e por atitudes autoritárias9.

O cenário vivido pelo país, entretanto, não facilitaria o processo de abertura, pois ao assumir a presidência Geisel se deparou com uma superestrutura policial constituída por engrenagens eficientes de espionagem, de tortura e de prisões políticas que dificilmente aceitariam ter os seus poderes diminuídos em virtude do restabelecimento do Estado de direito. Mesmo com as ações de guerrilhas urbanas e rurais desmanteladas desde 1972, os setores responsáveis pela repressão no país acreditavam, ainda, que o inimigo interno existia e que podia atacar a qualquer instante. Nesse sentido a maior vítima da paranoia militar foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que havia se distanciado da luta armada e resolvido questionar o regime militar por meio de condutas pacíficas.

No Estado do Paraná, durante o ano de 1975, militantes do PCB foram perseguidos, presos e torturados por agentes do CODI-DOI e também por agentes policiais da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS). Sessenta e cinco pessoas foram indiciadas e acusadas de rearticularem o partido no Estado. De acordo com a Lei de Segurança Nacional, esta atitude era considerada ilegal. Todas as atividades levadas a efeito pela polícia política paranaense geraram o Inquérito Policial-Militar no 745 que apurou o suposto envolvimento dos indiciados e expôs, por meio dos interrogatórios policiais e dos depoimentos judiciais, o emprego da

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tortura nos cárceres do Estado10. Acontecimentos como este, presenciado no Paraná, davam a dimensão do retrocesso inerente ao processo de abertura política.

Este recuo também pode ser explicado pela crise institucional que o regime militar passou a viver a partir de 1974, quando ocorreram eleições parlamentares11 e o MDB conseguiu obter uma votação expressiva. O IPM no 745 instaurado no Paraná também tinha a proposta de colar o MDB ao PCB como sendo um partido político infiltrado por comunistas, para manchar a sua imagem junto a opinião pública.

Segundo Maria Helena Moreira Alves:

O MDB concentrou-se nas questões da repressão, da injustiça social e da iniquidade do modelo econômico. Candidatos da oposição manifestaram-se pelo rádio e pela televisão sobre assuntos até então proibidos, como a Lei de Segurança Nacional, a repressão, a necessidade de revogar o AI-5 e a legislação de controle social. Denunciaram a compra de terras por empresas multinacionais e questionaram a crescente desnacionalização da economia brasileira. Duas ideias dominaram a campanha de 1974: a primeira expressava-se no slogan de campanha do partido: “Enquanto houver um homem vivo, haverá esperança”; a segunda era o desejo de ir adiante e pressionar progressivamente por reformas, numa estratégia que a oposição definia como de “ocupação de todo espaço político disponível”. O silêncio e o isolamento começaram a romper-se e novos setores da população podiam participar da política formal12.

No ano de 1994, numa entrevista concedida por Geisel aos pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, o ex-presidente afirmou que encarou com naturalidade o bom desempenho obtido pelo MDB nas urnas. Por outro lado, esta naturalidade foi muito relativa, pois durante o seu mandato e antes mesmo do pleito de 1974, já criticava o MDB em função dos ataques que desfechava contra o governo, afirmando que procedimentos dessa natureza podiam atrapalhar e fazer retroceder a distensão política13.

A linha dura que era a mais envolvida com a repressão, a partir do momento em que o ideal de abertura do regime militar ganhava contornos mais nítidos, sobretudo a partir de 1974, começou a refinar as suas táticas e os seus métodos de enfrentamento contra os possíveis inimigos do governo. Militantes de esquerda, vários do PCB, foram mortos. Alguns não tinham os seus nomes verdadeiros revelados e, também, muitos corpos desapareceram para que não deixassem vestígios que pudessem incriminar os agentes dos órgãos repressivos.

Como lembrou Bernardo Kucinski:

Lentamente, as buscas isoladas de familiares, amigos e companheiros dos “desaparecidos” foram convergindo e assumindo a forma de luta coletiva. A liderança do movimento dos familiares de desaparecidos, nessa fase em que era ainda muito estreito o espaço político, é exercida pelas comissões de Justiça e Paz, formadas pela Igreja Católica para lutar pelos direitos humanos, especialmente a de São Paulo. Em meados de 1974, já estava claro para os setores de oposição que os militares haviam optado pela “solução final”. A eliminação física de dirigentes do

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Partido Comunista Brasileiro (PCB) era especialmente reveladora, pois o PCB se opusera à luta armada contra a ditadura, e até então tinha sido relativamente poupado pela repressão. Alguns desses dirigentes haviam voltado ao país clandestinamente, atraídos pelo discurso da abertura, mas foram interceptados na fronteira e desapareceram14.

A segunda metade da década de 1970 foi interessante, pois se materializava com mais nitidez uma organização social e coletiva que pretendia atacar e questionar as medidas autoritárias do Estado militar. A sociedade, portanto, juntamente com setores institucionais, principalmente, o partido político da oposição consentida, o MDB, e também por meio da ala progressista da Igreja Católica, começou a sair daquele estado de prostração que a havia dominado desde o momento em que as forças de esquerda foram silenciadas.

A movimentação da sociedade, por sua vez, sofria as contrarreações do governo militar que denotavam que o processo de abertura não precisava e, sobretudo, não podia ser contestado. A distensão política deveria ser coordenada de cima para baixo e não o contrário. Nesse sentido, em 1976, determinados segmentos sociais que defendiam o retorno da democracia foram vítimas de atos violentos. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), centros de pesquisas ligados aos intelectuais de esquerda, bem como bancas de jornais que vendiam material considerado de caráter subversivo.

A tensão era intensa, mais os trabalhos da polícia política agora se realizavam de maneira mais pontual e seletiva, afetando setores específicos. O resultado desse contexto conturbado foi estimular ainda mais a organização da sociedade civil com destaque para os estudantes. No ano de 1977, a cidade de São Paulo viu a realização de uma grande passeata estudantil que reuniu aproximadamente 10 mil estudantes nas ruas, exigindo o retorno do Estado democrático de direito e repudiando as práticas repressivas que ainda grassavam na sociedade.

Movimentos como este, realizado pelos estudantes paulistas, teve a sua importância, mas se desfazia diante do enfrentamento com a polícia e da força política mais estruturada do próprio Estado Autoritário. Em meio a esta onda de mobilização social, o movimento aglutinador de maior relevância formou antes de 1977, no ano de 1975 nasceu na cidade do Rio de Janeiro o Movimento Feminino pela Anistia (MFA).

As mães de presos políticos chamavam a atenção da sociedade visitando os presídios no ano de 1968, principalmente para mostrar a dura realidade das pessoas que eram presas por cometerem crimes políticos, além de salientar que dentro das prisões a tortura era praticada. Fruto desta iniciativa e da atuação de Terezinha Zerbini, o MFA nasceu e se destacou durante

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o período da abertura política, encampando o ideal de anistia e respondendo “a uma necessidade objetiva de diversas correntes políticas de oposição, todas elas desfalcadas de quadros e com militantes presos ou exilados”15.

O repúdio e o enfretamento da sociedade contra os desmandos autoritários do Estado militar congregavam cada vez mais adeptos, pessoas que passaram a externar a sua abominação diante dos crimes de repressão. Cada vez mais a organização social se fortalecia e, em 1978, surgiu no Rio de Janeiro o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) que foi integrado por membros do MFA, por profissionais liberais, por eclesiásticos e pela esquerda política. Nucleado no Rio de Janeiro, o CBA se estruturou em outras cidades brasileiras e reivindicava uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.

O CBA também concentrou as suas forças para, além de defender a anistia, compreender os destinos dos desaparecidos políticos, daqueles indivíduos eliminados sumariamente pela repressão estatal, bem como revelar as situações das prisões políticas brasileiras.

Estes levantamentos realizados pelo CBA foram expostos num importante congresso realizado em 1978 em São Paulo – Congresso pela Anistia. Durante a realização deste congresso:

Que estavam presentes cerca de 1.000 pessoas, também foram divulgados um “Manifesto à Nação” e uma “Carta de Princípios”, documentos que pedem o fim da legislação repressiva, o desmantelamento do aparelho de repressão política, o fim da tortura, liberdade de organização e manifestação e anistia ampla, geral e irrestrita16.

O Estado do Paraná também estava representado neste evento em São Paulo, por pessoas vinculadas ao Comitê Londrinense pela Anistia e Direitos Humanos que levou para o congresso propostas para unificar o movimento nacional, principalmente com a criação de um jornal que veiculasse nacionalmente notícias sobre a anistia17.

Além do Paraná, outros representantes estaduais também apresentaram algumas ideias, como o CBA da Bahia que desejava recolher assinaturas em todo o país, sobretudo daquelas pessoas que foram vítimas de sevícias dentro das prisões do país, e encaminhá-las para o Congresso para que fosse instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar se houve abusos e infrações cometidas contra os direitos humanos dos presos políticos18.

No congresso de 1978 foi divulgada também a Carta de Princípios ou Carta de São Paulo que foi um documento de relevância, pois definiu os objetivos e orientou todo o movimento pela anistia no Brasil. A elaboração desta Carta esteve em sintonia com os

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objetivos expressos na Carta de Salvador19, aprovada em setembro de 1978, e que serviu como documento-base para a realização do Congresso pela Anistia em São Paulo. Dentre as propostas ventiladas ao longo das discussões e presentes na Carta de Princípios, as principais foram:

A unificação da luta de todos os movimentos pela anistia; a centralização das informações sobre presos, banidos, exilados, mortos, torturados, desaparecidos e demais punidos por motivos políticos, a publicação dos anais do Congresso e ampla divulgação de todos os casos relatados; a criação de uma comissão de advogados para acompanhar os processos políticos e assessorar as famílias de punidos, mortos e desaparecidos, nas ações a serem impetradas contra a União e a denominação de entidades e logradouros públicos com os nomes dos mortos e desaparecidos, não apenas como ato de reverência, mas, sobretudo, como forma de denúncias praticadas pelo regime20.

Somavam-se a essas reivindicações, as intenções de se promover uma anistia irrestrita. Especialmente para Dom Paulo Evaristo Arns que ao participar de um congresso na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), afirmou “numa palestra para 900 alunos que exigir uma anistia ampla, geral e irrestrita é pedir o mínimo e não o máximo”21.

Este item, entretanto, não agradava os militares que não gostavam da ideia de ver funcionários públicos cassados pelo regime reassumirem seus antigos postos de trabalho, sobretudo militares cassados que voltariam para as Forças Armadas como indivíduos que estariam acima de qualquer suspeita de ter praticado atos de sevícias e autoritários.

Em meio a um emaranhado de opiniões acerca de como deveria ser a anistia, prevaleceu o projeto do governo que foi decretado em agosto de 1979 durante a gestão do general-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.

De acordo com a Lei da Anistia no 6.683:

Artigo 1o da Lei da Anistia: “é concedida anistia a todos quantos, no período entre 2 de setembro de 1961 a 31 de dezembro de 1978, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração pública, de fundações vinculadas ao poder público, aos dos Poderes Legislativo e Judiciário e aos militares, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. Parágrafo 1o: Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. Parágrafo 2o: Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”22.

Os servidores públicos e militares que haviam sido desligados de suas atividades poderiam voltar, mas o retorno estava condicionado à emissão de autorizações dos seus antigos setores de trabalho, aceitando-os ou não e afirmando se havia vagas disponíveis ou não para as suas reintegrações aos quadros funcionais. Essa medida ia ao encontro dos interesses militares que também não desejavam que o passado fosse inquirido e investigado.

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Por isso, atendendo sob medida as expectativas dos militares da linha dura, principalmente, a Lei da Anistia concedia o referido privilégio aos torturadores. Antes de virar lei, o projeto de anistia foi duramente criticado pelos setores de oposição social por conceder a anistia de mão dupla, contemplando os acusados de cometerem crimes políticos. Mas o que se viu foi a aprovação do projeto sem que houvesse a consideração dos pontos levantados pelos opositores do regime militar.

O processo de abertura política dava dois passos, mas, muitas vezes, recuava três, quatro passos. O caminho a ser trilhado com destino à democracia era aquele que a cúpula dirigente militar queria e no meio do trajeto a sociedade ainda tinha que se deparar com grupos dentro das Forças Armadas que desdenhavam da ideia de entregar o país aos civis. A força dos organismos de repressão ainda era grande e eles se sentiam na necessidade de atuar, principalmente, para barrar a distensão.

Um caso emblemático foi o quase atentado às comemorações do Primeiro de Maio de 1981, num show realizado no Riocentro, Rio de Janeiro. Os militares queriam apontar aquela celebração como subversiva e ao tentarem “plantar” uma bomba no local, houve uma explosão inesperada que matou um dos militares envolvidos e expôs a trama planejada pelos aparelhos de repressão.

A estratégia de abertura proposta durante o governo Geisel, de que se daria de forma “lenta, segura e gradual” realmente acabou se confirmando. Foi lenta, mas não foi segura e, por fim foi gradual atendendo os anseios dos militares envolvidos no jogo político nacional. Tanto foi que a emenda Dante de Oliveira que propunha eleições diretas para presidente da República e que contava com o apoio de setores liberais e dos partidos políticos que nessa altura voltaram a ter vida ativa na política, foi derrotada e o retorno à democracia, mesmo perpassado pela campanha das Diretas Já em 1984, se deu pela escolha de um presidente civil, mas de forma indireta.

Notas

Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. 1

O AI-1 puniu: “4.682 pessoas até julho de 1977; os militares representam quase um terço desse total e os políticos, um pouco mais de 10%. Houve, até o final do governo Castello Branco, 2.977 punidos; Costa e Silva agregou mais 631, e a Junta Militar outros 205. Dos vários tipos de punições políticas, as cassações de mandatos eletivos são talvez as mais interessantes: por um lado, o seu número é relativamente pequeno, aproximadamente 500, mas, por outro lado, esses 500 representam muitos milhões de eleitores cujos votos também foram cassados” (SOARES, 1979, p. 69).

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Existia uma diferença ideológica entre os militares que dava origem a dois segmentos: a linha moderada ou ‘Sorbonne’, mais intelectualizada e ligada à Escola Superior de Guerra (ESG); e a linha dura vinculada ao comando das tropas e operações antiguerrilhas (BERG, 2002).

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O AI-1 foi baixado pelo Comando Supremo da Revolução composto pelo General Artur da Costa e Silva, pelo Almirante Augusto Rademaker e pelo Brigadeiro Correia de Mello. O Comando assumiu o poder logo após a deposição de João Goulart (MATTOS, SWENSSON Jr., 2005, p. 18-19).

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A promulgação do AI-5 visava neutralizar os movimentos estudantis e dos trabalhadores do ABC de São Paulo, mas precisava de um pretexto para ser decretado. Este pretexto surgiu quando o deputado federal, Márcio Moreira Alves, discursou na Câmara para contestar o comportamento assumido pela polícia ao invadir o campus da Universidade de Brasília (UnB), naquele ano de 1968. A fala do deputado também pedia para que as pessoas não contemplassem os desfiles do dia 07 de setembro que logo se realizariam. A institucionalização do AI-5, então, não foi apenas para neutralizar determinadas forças de oposição, mas também se destinou a controlar a atuação política da direita que, em sua maioria, no caso que envolveu o deputado federal, votou contra a abertura de um processo que pretendia punir o deputado e que havia sido proposto pelo governo militar.

5 REIS FILHO, 2004, p. 41. 6 MACIEL, 2004, p. 74-75. 7 FIGUEIREDO, 2005, p. 193. 8 FIGUEIREDO, 2005, p. 192. 9 KUCINSKI, 2001, p. 11. 10 BRUNELO, 2006. 11

A busca por bases de legitimação junto ao ideal de crescimento econômico sinalizava sérias dificuldades devido a crise mundial do petróleo no início da década de 1970. O governo militar, então, buscava outras formas alternativas para se legitimar no poder e abrir o flanco para a manifestação dos opositores era uma saída possível. Ainda mais que se acreditava no bom desempenho eleitoral da Arena. Entretanto, o quadro presenciado não foi bem esse e o MDB, com acesso aos meios de comunicação para expor os seus planos de governo, obteve uma votação substancial nas eleições de 1974 (BRUNELO, 2006).

12 ALVES, 2005, p. 227. 13 KUCINSKI, 2001, p. 29. 14 KUCINSKI, 2001, p. 31. 15 KUCINSKI, 2001, p. 82. 16

Após o congresso começa uma campanha pela anistia. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 01 nov. 1978. 17

Congresso pela anistia reunirá nomes estrangeiros em São Paulo. Folha de Londrina. Londrina, 02 nov. 1978. 18

Comitê nacional quer CPI contra tortura. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 01 nov. 1978. 19

Segundo a Carta de Salvador, a luta pela anistia só teria êxito se tornasse um movimento de massa e que todos os grupos sociais o encampassem. Além disso, desejava vincular a campanha da anistia a todos os movimentos que lutavam pelas liberdades democráticas, por melhores condições de vida e de trabalho, por melhores salários, contra o aumento do custo de vida, por melhores condições de alimentação, habitação, transporte, educação, saúde e pela posse da terra aos que nela trabalhavam (Anistia divulga lista de 39 desaparecidos. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 05 nov. 1978).

20

Congresso Nacional pela anistia divulga hoje a Carta de São Paulo. Folha de Londrina. Londrina, 05 nov. 1978.

21

Para Dom Paulo, pedir uma anistia ampla é o mínimo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 06 maio 1978. 22

MIOSSO, 1994.

REFERÊNCIAS

FONTES

Anistia divulga lista de 39 desaparecidos. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 05 nov. 1978. Após o congresso começa uma campanha pela anistia. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 01 nov. 1978.

Comitê nacional quer CPI contra tortura. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 01 nov. 1978. Congresso Nacional pela anistia divulga hoje a Carta de São Paulo. Folha de Londrina. Londrina, 05 nov. 1978.

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Congresso pela anistia reunirá nomes estrangeiros em São Paulo. Folha de Londrina.

Londrina, 02 nov. 1978.

Para Dom Paulo, pedir uma anistia ampla é o mínimo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 06 maio 1978.

BIBLIOGRAFIA

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MACIEL, D. A argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova República (1974-1985). São Paulo: Xamã, 2004.

MATTOS, M. A. V. L. de; SWENSSON Jr, W. C. Contra os inimigos da ordem: a repressão política do regime militar brasileiro (1964-1985). Rio de Janeiro: DP&A, 2003. MIOSSO, N. F. Representatividade e anistia. 1994. Monografia (Especialização em História Social do Trabalho) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 1994.

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