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DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM NAS FICHAS DE OBSERVAÇÃO DOS PROFESSORES

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Academic year: 2021

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PROFESSORES

Camila Trindade1 Susana Inês Molon2 Resumo

O artigo apresenta os resultados de uma investigação realizada nas fichas de observação dos professores sobre as dificuldades dos alunos que são encaminhados para atendimento no Centro Integrado de Atendimento ao Educando/CIAE da cidade do Rio Grande/RS. A presente pesquisa objetivou analisar os discursos produzidos pelos professores relacionados as dificuldades de aprendizagem dos alunos. As fichas de observação dos professores configuram-se como um documento que apresenta uma contextualização da criança no ambiente escolar, explicitando como se desenvolve e se comporta, e relatando, ainda, as visões e percepções dos professores referente ao aluno encaminhado para atendimento em função de suas dificuldades de aprendizagem. A pesquisa se constituiu ao longo do estágio em Psicologia Educacional, do Curso de Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande/FURG. O estágio foi desenvolvido durante o ano de 2014 no Centro Integrado de Atendimento ao Educando/CIAE, que atende crianças com dificuldade de aprendizagem, localizado na cidade do Rio Grande/RS. Foram analisadas vinte fichas de observação dos professores referentes as crianças que estavam em acompanhamento psicológico. Na análise dos discursos dos professores percebe-se a compreensão das dificuldades de aprendizagem como produto individual dos alunos. Conclui-se que os discursos são sempre voltados à criança que não aprende, porque possui dificuldade de concentração, de atenção, por problemas comportamentais, sem considerar ou assinalar outros elementos que possibilitem uma discussão que considere o próprio contexto escolar. Além disso, as reflexões

1Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. E-mail:

trindadecami@gmail.com.

2 Profª. Drª. do Instituto de Ciência humanas e da Informação e do Curso de Psicologia da

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possibilitaram perceber outros determinantes que estão implicados neste contexto, como a ampliação do ensino fundamental e a medicalização infantil.

Palavras-Chave: Dificuldade de aprendizagem, Professor, Aluno, Ficha de observação. Introdução

A ficha de observação do professor é um documento solicitado pelo Centro Integrado de Atendimento ao Educando/CIAE que deve ser preenchido pelo professor do aluno encaminhado para atendimento no mesmo. O objetivo da solicitação dessa ficha pelos profissionais do CIAE é receber uma contextualização da criança no ambiente escolar, entender como ela se desenvolve e se comporta, destacando o fato de que também relata as visões e percepções do professor frente ao aluno encaminhado. Por esses motivos é solicitado que a ficha seja atualizada sempre que possível pelo professor e repassada ao CIAE.

A justificativa para realizar uma análise dos discursos dos professores sobre as dificuldades dos alunos nas fichas de observação do professor teve como ponto de partida o fato de perceber a sua importância no cotidiano do Centro. Ela representa um dos documentos mais importantes para que se possa realizar uma análise previa das dificuldades de aprendizagem que geraram a necessidade de encaminhamento do aluno e também o encaminhamento que será organizado para o atendimento do mesmo no Centro ou em outros dispositivos da rede municipal de saúde.

Na leitura de diversas fichas constataram-se alguns discursos que chamaram a atenção para a necessidade desta investigação como, por exemplo, o relato de uma professora que afirma: “também preciso de ajuda pois o grupo é grande e não posso dar atenção que a

aluna incluída necessita. Estou frustrada e desmotivada por não ver nenhum avanço mesmo com todos os estímulos possíveis que tenho proporcionado” (Ficha de observação X, CIAE,

2014).

Nesta perspectiva, destaca-se o fato de que os discursos analisados representam as percepções e entendimentos dos professores frente à realidade escolar e social da criança encaminhada para atendimento no CIAE.

Concorda-se com Lima (2005), quando a autora afirma que as pesquisas dos discursos dos professores em documentos possibilitam investigar “como os professores produzem/cristalizam “dificuldade” e “possibilidade” de aprendizagem de seus alunos por meio dos registros de avaliação, os indicadores de sucesso e fracasso escola” (p.52).

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Metodologia

Devido ao grande número de fichas de observação dos professores foram organizados alguns critérios para seleção de uma amostra de fichas para serem analisadas. Optou-se pela análise das fichas de observação dos professores de crianças que estivessem em acompanhamento psicológico ao longo do ano de 2014. Dentre estas foram selecionadas as fichas mais atualizadas que se encontravam na pasta do aluno. A amostra das fichas foi de vinte fichas de observação dos professores, selecionadas de modo aleatório por meio da agenda de atendimento da psicóloga do CIAE.

As questões selecionadas para análise das fichas envolvem as temáticas da dificuldade de aprendizagem, do trabalho pedagógico, da família, dos interesses dos alunos, entre outros, totalizando onze questões. Também foi acrescentado a informação que se refere ao tipo de medicação usada atualmente pelo aluno, essa pergunta não está contida na ficha de observação dos professores, mas faz parte do prontuário médico.

Tendo em vista manter o comprometimento ético com relação à integridade dos participantes foi mantido o anonimato dos sujeitos envolvidos na análise dos dados das fichas de observação dos professores. Conta-se ainda com o consentimento livre e esclarecido dos profissionais do Centro para realização do estudo.

Resultados e Discussões

Constatou-se que as idades das crianças em atendimento psicológico ao longo do ano de 2014 no Centro variam de sete (quatro alunos) a treze anos (três alunos), sendo que o maior número de alunos em atendimento se concentra na faixa de idade dos oito anos (seis alunos). Tem-se ainda três alunos com 9 anos, um aluno com dez anos e dois com doze anos.

Quanto à data de encaminhamento da ficha ao Centro, ou seja, quando o aluno foi encaminhado para atendimento no Centro e é solicitada a ficha de observação dos professores, percebe-se que os encaminhamentos concentram-se entre o final do ano de 2013 (oito encaminhamentos) e o início do ano de 2014 (oito encaminhamentos). Sendo ainda que houve um encaminhamento para cada um dos respectivos anos de 2009, 2011 e 2012.

Realizando uma análise entre estas duas informações, que aparentemente podem não parecer expressivas, percebe-se alguns elementos comuns entre elas e entre o cenário educacional brasileiro na atualidade.

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da implantação do processo de escolarização em Ciclos. Segundo o MEC (2002), essa nova organização representa uma possibilidade de superação da cultura da reprovação e da evasão escolar, facilitando a correção do fluxo escolar.

Considera-se o Ciclo de Alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental como um “tempo sequencial de três anos (600 dias letivos), sem interrupções, dedicados à inserção da criança na cultura escolar, à aprendizagem da leitura e da escrita, à ampliação das capacidades de produção e compreensão de textos orais em situações familiares e não familiares e à ampliação do universo de referências culturais dos alunos nas diferentes áreas do conhecimento” (BRASIL, 2012, p.17).

A partir do ano de 2012, ocorreu a implantação pelo governo federal do programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa que é entendido como “um compromisso assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental” (BRASIL, 2012, p.11).

Compreende-se a partir desta conjuntura que o ciclo dos anos iniciais engloba o primeiro, o segundo e o terceiro ano do ensino fundamental de nove anos. Sendo que ao longo desse primeiro ciclo ocorre a progressão continuada da criança3, apenas no fim do ciclo, quando a criança possui oito anos, que ocorre uma avaliação formal para verificar se o aluno está habilitado para passar para o ciclo seguinte, no caso o quarto ano do ensino fundamental de nove anos. Caso se constate através do processo avaliativo que o aluno não está habilitado para progressão no ciclo, ele repetirá o terceiro ano do ensino fundamental até o momento que estiver habilitado para a progressão ao ano e ciclo seguinte.

Problematiza-se, assim o fato de a maior parte dos encaminhamentos e atendimentos psicológicos dos alunos no CIAE serem realizados na faixa dos 7 aos 8 anos e respectivamente nos meses finais do ano de 2013 e iniciais de 2014. Período esse de uma mudança significativa na rotina escolar do aluno, principalmente pelo fato de ele passar a ser avaliado para progressão para o ano seguinte e também pela exigência de que “as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade” (BRASIL, 2012, p.11). Neste sentido, questiona-se por que os “problemas” ou “dificuldades” de aprendizagem destacam-se

3Segundo Lima (2005) “a progressão continuada exige mudanças significativas no tempo, no

conteúdo e na avaliação escolar, de forma que ocorra um novo ordenamento das práticas escolares centradas na aprendizagem de todos. Já na promoção automática, não há mudanças significativas em relação ao tempo, conteúdo e avaliação escolar” (p.41).

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significativamente neste período da vida dos alunos? A partir dessa conjuntura como justificar ou entender os “problemas” ou “dificuldade” de aprendizagem como produto individual do aluno enquanto “ser que não aprende”.

Constatou-se a partir da análise da amostra, que o sexo que mais é atendido no CIAE devido as dificuldades de aprendizagem é o sexo masculino sendo 12 meninos e 8 meninas.

As providências tomadas pela família de acordo com as constatações da escola frente a dificuldade de aprendizagem da criança, segundo o relato dos professores, destacam-se o fato da família se apresentar ativa e preocupada com o desenvolvimento da aprendizagem da criança, sendo que dezessete relatos das fichas demonstram isso. Destes, dez famílias relataram que buscaram ajuda na/da escola, cinco famílias buscaram ajuda de um profissional da área médica e duas relatam que a família demonstrou interesse frente ao problema.

Diferentemente do que o senso comum ou do que diferentes discursos presenciados no cotidiano indicam que as famílias das classes populares não se interessam ou não se importam com o desenvolvimento da aprendizagem dos seus filhos, estes dados vem demonstrar o contrário. Essas concepções que segundo as palavras de Patto (1993, p. 94) representam sutis “manifestação do preconceito social”, retomam discussões antigas no âmbito tanto da pedagogia quanto da psicologia. Constatam-se ainda estudos, que datam do ano de 1992, que relatam a preocupação das famílias de classes populares frentes as dificuldades ou empecilhos que impedem a aprendizagem escolar das crianças. Como relata Patto (1992, p.118) as famílias “são gratas aos educadores pela revelação” das dificuldades que seus filhos enfrentam na escola. As famílias ainda buscam as mais diversas maneiras de superar, romper, impedir que isso prejudique o ensino de seus filhos, aos seus modos que podem não ser os melhores ou os mais adequados, mas que possuem “[...] um denominador que lhes é comum: todas valorizam a escolaridade e lutam para manter seus filhos na escola até esgotarem os seus últimos recursos. E está luta é de toda a família [...]” (PATTO, 1992, p.118).

Desse modo, encontram-se relatos nas fichas no que se refere à disponibilidade e preocupação da família frente às dificuldades de aprendizagem dos filhos: “Se colocou à disposição e pediu ajuda, pois acha que sua filha vem piorando”, “procurou ajuda na escola”, “os pais estão cientes do problema, estão preocupados e querem ajuda-lo, mas não sabem como ajudá-lo”, entre outros.

Quanto ao uso da medicação atual que os alunos utilizam percebe-se que há um índice alto de medicalização dos educandos, segundo as informações quatorze das vinte crianças em

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atendimento psicológico ao longo do ano de 2014 usam algum tipo de medicamento, sendo destes o mais utilizado o Tofranil (sete alunos), seguido da Ritalina (dois alunos), do Depakene (dois alunos) e de mais três alunos que fazem uso de outros medicamentos. Em contrapartida, três alunos não fazem uso de medicação e outros três alunos foi solicitado encaminhamento para outro profissional.

Quando questionado sobre se os alunos já fizeram algum tratamento médico ou avaliação anterior ao encaminhamento ao Centro, pode-se constatar que grande parte, quatorze alunos, não tiveram outros acompanhamentos médicos anteriores para avaliar suas dificuldades de aprendizagem, sendo que apenas dois realizaram tratamento médico anterior e quatro professores não responderam o questionamento.

Pode-se constatar que houve um número grande de crianças em atendimento psicológico no ano de 2014 que fizeram uso de medicação, sendo que não tinham tido outro acompanhamento ou avaliação médica anterior. Conforme as informações referentes ao encaminhamento dos alunos, entre os anos de 2013 e 2014, quando os alunos foram encaminhados para atendimento no Centro, houve um índice significativo de medicação das crianças, quatorze crianças (segundos as informações sobre a medicação utilizada pelos alunos) passaram a fazer uso da medicação, sendo ainda que 14 destes alunos não haviam passado por avaliação ou outro profissional médico anterior ao tratamento no Centro.

Entretanto, a medicalização pode ser entendida quando os “fenômenos de origem social e política são convertidos em questões biológicas, próprias de cada indivíduo” (MEIRA, 2012, p.136). Constata-se através dos dados que a prática da medicalização se faz presente no tratamento das dificuldades de aprendizagem no CIAE. Sendo que a indicação destes medicamentos aos alunos refere-se à possibilidade do diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Considera-se fundamental, como afirma as Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica (2013) “romper com a patologização, medicalização e judicialização das práticas educacionais nas situações em que as demandas por diagnósticos fortalecem a produção do distúrbio/transtorno, da criminalização e da exclusão” (p.68).

Quando solicitado que os professores relatassem o problema do aluno e quando o mesmo foi percebido constatou-se que a maior queixa se refere aos problemas comportamentais, oito fichas analisadas relatam isso, em contraponto de apenas cinco fichas relatarem que o problema do aluno seja relacionado a dificuldade de aprendizagem. Sendo

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que ainda três fichas relatam que o problema do aluno é relacionado a concentração e outros dois relatos afirmam que o problema do aluno é relacionado a outros motivos, um relato relacionado a frequência escolar e outro relacionado a questões emocionais.

No que se refere ao questionamento das dificuldades de aprendizagem é solicitado que os professores especifiquem a mesma o melhor possível, oito fichas relatam que a dificuldade de aprendizagem dos alunos encaminhados se refere as dificuldades relacionadas a escrita e a leitura e 5 fichas relatam que as dificuldades estão relacionadas com a concentração do aluno. Três professores relatam que o aluno não apresenta dificuldade de aprendizagem e outros três relatam que a dificuldade é relacionada a outros motivos, sendo que um não respondeu.

Os problemas escolares mais frequentes relatados pelos professores se relacionam com o comportamento e aprendizagem. Destacando-se significativamente dentre estes os problemas relacionados ao comportamento, nove relatos. Os relatos sobre os problemas escolares mais frequentes relacionados a aprendizagem são expressos por quatro professores, assim como a atenção, sendo que três professores não responderam ao questionamento.

Constatou-se que quando solicitado para que os professores relatassem o problema do aluno e quando o mesmo foi percebido pela escola e que relatassem os problemas escolares mais frequentes do aluno, houve um predomínio de relatos que envolvem as questões comportamentais dos alunos.

Segundo Konkiewitz (2013, p. 7) o entendimento a partir do termo referente aos transtornos da aprendizagem e do comportamento na infância em inúmeros casos “é genérico e inespecífico” e que pode abranger diversas áreas com diferentes sentidos. Em específico aos “problemas de comportamento” em situação escolar constata-se que os “problemas comportamentais” são entendidos e classificados como atitudes que o aluno desrespeita a ordem, associado a uma atitude agressiva.

Nesta perspectiva oito professores relatam que o problema do aluno no ambiente escolar é relacionado à questão comportamental: “[...] apresenta problemas sérios de comportamento

[...]”; “a aluna apresenta comportamento agressivo[...]”. Destaca-se ainda o fato de que a

dificuldade do aluno relatada pelo professor não ser de aprendizagem, mas de comportamento. Sendo que este por sua vez influência na aprendizagem. Percebe-se ainda através dos relatos que em grande parte dos seus conteúdos a questão comportamental está relacionada com a agressividade e violência com os colegas: “[...] provoca e agride os colegas[...]”; “[...]envolve-se em brigas constantes[...]”, entre outros.

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Sobre os problemas mais frequentes que os alunos apresentam no ambiente escolar, nove professoras relatam ser também a questão comportamental: “agitação, não consegue

obedecer regras impostas[...]”.

Quando analisado como os professores responderam as respectivas perguntas, constatou-se que na primeira pergunta: “Relate, com detalhes, qual o problema do aluno e

quando este foi percebido pela escola”. Diversos relatos não apontavam quando o problema

foi percebido pela escola e no que se refere à qualidade da resposta em relação aos detalhes solicitados muitas respostas ficaram centradas em informações que não davam subsídios para compreensão global do relato, por exemplo, não citavam em que momentos, espaços e frequência ocorriam o que estava sendo relatado: “o aluno apresenta dificuldade na leitura,

omite alguns fonemas, só realiza os exercícios com um resolvido, a copia e a letra estão melhor, mas a dificuldade de leitura é muita e na fala tem alguns problemas também”. (Ficha

de Observação Y, CIAE, 2014).

O relato sobre a constatação das dificuldades de aprendizagem se faz presente nos questionamentos sobre o problema do aluno, sobre a dificuldade de aprendizagem e sobre o problema escolar.

A partir do relato de cinco professores constatou-se que o principal problema do aluno na escola se refere à dificuldade de aprendizagem. Já em relação a este o relato que aparece com mais frequência é relacionado com a dificuldade na leitura e na escrita: “[...] não

consegue ler nem escrever [...]”; “[...] apresenta muita dificuldade na aprendizagem, tanto na leitura quanto na escrita [...]”.

Em relação às dificuldades de aprendizagem propriamente ditas, oito professoras relacionam a mesma com as dificuldades na escrita e na leitura. Dentre estas as dificuldades que mais se destacam são as relacionadas à leitura de palavras: “dificuldade em relacionar o

som da letra com o sinal gráfico...”; “não consegue associar as letras e ver que som forma”.

No que se refere à solicitação de que a professora especifique o melhor possível à dificuldade de aprendizagem do aluno, percebe-se através da leitura destes dados que as explicações sobre a mesma são na maioria das vezes vagas que não possibilitam a compreensão do que realmente se passa com aluno no momento da escrita e da leitura. O julgamento sobre o ler e escrever nesta perspectiva “estão centradas na codificação e decodificação” (LIMA, 2005, p.79). Como no exemplo da seguinte descrição de uma professora: “dificuldades em

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conhecimentos são entendidos como acumulativos, pois “primeiro, ensina-se a reconhecer as letras para, depois, juntá-las e formar silabas, palavras, frases e textos” (LIMA, 2005, p.79).

Sendo válido destacar ainda que segundo o relato dos professores três crianças foram encaminhadas para atendimento no CIAE e não possuem dificuldade de aprendizagem. Sendo assim, questiona-se o motivo de encaminhamento para o CIAE tendo em vista que o centro objetiva o atendimento de alunos com dificuldade de aprendizagem. Como afirma o Folder Informativo do CIAE: “Objetivo – Atender crianças com problemas de aprendizagem, preferencialmente das séries iniciais, sendo essencial o apoio da escola e da família”. Os relatos dos professores quando questionados sobre a dificuldade na aprendizagem é: “até o

momento não vejo grandes dificuldade”; “não apresenta dificuldade na aprendizagem”.

Por fim, outro fator que se destaca a partir da percepção dos professores se refere ao fato de que cinco professores consideram como a maior dificuldade na aprendizagem do aluno a dificuldade na concentração: “com exceção da dificuldade de atenção e concentração, o

aluno não apresenta maiores dificuldades de aprendizagem”; “imaturidade, não se concentra. Não fixa o que aprende”; entre outros.

E quando questionadas sobre a maior dificuldade ou o problema do aluno na escola, três professores se referem à questão da concentração: “[...] foi notado dificuldade de

concentração [...]”. Associado a isso predomina o relato de que o aluno é desatento em

relação a suas atividades e tarefas.

Em relação aos alunos que buscaram atendimento no CIAE, a partir do relato das professoras constou-se que oito deles possuem preferência em relação a conteúdos que envolvem diretamente a aprendizagem educacional (4 relacionadas a leitura, 2 relacionadas a arte e 2 relacionadas as exatas), considerando ainda a possibilidade deste número ser maior se considerarmos que as brincadeiras também estão relacionadas a aprendizagem educacional (4 relacionadas a brincadeira). Em contraponto de apenas três relatos afirmarem que os alunos não possuem interesse em nenhum conteúdo proposto, e três afirmarem que os interesses dos alunos são relacionados a outras questões.

Considerando apenas como conteúdo que envolvam a aprendizagem: a leitura, as artes e as exatas e relacionando com as informações referentes a as dificuldades na aprendizagem explicadas da forma mais clara possível. Conclui-se a partir do relato dos professores que apesar de um número significativo de crianças serem encaminhadas em função de suas dificuldades de aprender, elas ainda possuem preferências em relação a conteúdos que se

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relacionam com a aprendizagem. Percebe-se claramente isto através do relato: “prefere que

envolvam “leitura” ou “escrita” (lê pouco) [...]”.

Quando questionado aos professores que tentativas pedagógicas tinham sido realizadas antes de encaminhar o aluno para atendimento no CIAE, constou-se que nove alunos haviam frequentado as salas de recurso, três alunos haviam participado em atividades de aula de apoio e um aluno havia sido encaminhado para a orientação. Sendo que quatro professores não responderam e três professores relataram que as tentativas se relacionavam a outras questões.

As salas recurso, conforme o Decreto n° 7611/2011 são ambientes organizados nas escolas públicas com equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos específicos para que seja realizado o atendimento educacional especializado. O profissional que organizará e desenvolverá as atividades na Sala de Recurso, segundo Brasil (2010) deve ser o professor que possui “formação inicial que o habilite para exercício da docência e formação específica na educação especial” (p.08).

Quanto ao público de estudantes que devem frequentar as salas de recurso, segundo Brasil (2010) serão atendidos os “estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, no ensino regular”. (p.07)

A maior parte dos alunos, encaminhados para atendimento psicológico no CIAE, já havia frequentado as salas de recurso de suas respectivas escolas. O trabalho desenvolvido com os alunos nestas salas é orientado pelos Psicopedagogos. Conclui-se assim, que estes profissionais entendendo os limites da sua área de intervenção e a partir do fato de constarem a necessidade de atendimento psicológico para o aluno e realizaram o encaminhamento.

Husken (2010) fala sobre o papel do psicopedagogo na intervenção com educandos: “[...] sua intervenção estará voltada para os aspectos pedagógicos, focalizada nas dificuldades de aprendizagem. Caso tenham sido evidenciados problemas emocionais, deverá haver encaminhamentos para atendimento psicológico [...]” (p.308).

Através da análise dos relatos dos professores constatou-se ainda que as tentativas pedagógicas realizadas antes do encaminhamento se restringiram ao encaminhamento do aluno. Sem descrever que tentativas pedagógicas o professor alterou em relação ao seu trabalho, se elas foram feitas. Apenas três professores citaram que haviam tentado alterar a sua proposta de trabalho, por exemplo: “propus atividades diversificadas (sem êxito)

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atividade, incentivo-o”.

Conclusão

Através da realização do presente trabalho, pode-se compreender alguns dos discursos e entendimento produzidos pelos professores sobre os alunos com dificuldades de aprendizagem.

Percebe-se que ainda predominam nos discursos dos professores a compreensão das dificuldades de aprendizagem como produto individual dos alunos. Conclui-se que os discursos são sempre voltados à criança que não aprende, porque possui dificuldade de concentração, de atenção, por problemas comportamentais, sem considerar ou assinalar outros elementos que possibilitem uma discussão que considere o próprio contexto escolar. Como afirma Souza (2000) deve-se buscar discussões e/ou concepções que permitam “analisar o “processo de escolarização” e não “os problemas de aprendizagem”” (p.122).

Esses modos de entendimento das dificuldades de aprendizagem, como produto individual podem ser ainda denominados, segundo a definição de Machado (1997) como a psicologização do fracasso escolar que são quando “os problemas de ordem pedagógica e institucional que são transformados em problemas de saúde mental” (p.88).

Fato que se concretiza nos muitos encaminhamentos para tratamento no CIAE, assim muitas vezes são atribuídos aos “profissionais da saúde (médicos, fonoaudiólogos, psicólogos) o papel de desvendar as causas do fracasso escolar” (MACHADO, 1997, p.78).

Portanto, quando os problemas de aprendizagem passam a ser assumidos pelos profissionais da saúde, no caso específico do estudo, a taxa de medicalização se torna alta. Sendo que em diversos casos a criança não havia realizado uma avaliação ou acompanhamento médico anterior.

Reafirma-se então a necessidade de uma reflexão mais atenta sobre as práticas e discursos produzidos em relação às dificuldades de aprendizagem, que vão desde a própria escrita dos professores na ficha de observação dos professores até a própria medicalização que é realizada objetivando o tratamento.

Nesta perspectiva, destaca-se a necessidade de comprometimento, envolvimento e clareza por parte dos profissionais envolvidos com os alunos, tanto o responsável pelo preenchimento da ficha de observação quanto aqueles que a recebem. Tendo em vista que a mesma representa uma contextualização do aluno que foi encaminhado para atendimento no Centro, que é fundamental para que os profissionais possam ter mais elementos para a análise

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do caso da criança bem como para proceder à avaliação, tratamento e acompanhamento.

Referências

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_______. Ministério da Educação. Manual do pacto: Pacto pela Alfabetização na Idade Certa: o Brasil do futuro com o começo que ele merece. Brasília, DF, 2012.

_______. Ministério da Educação. Manual de Orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais. Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Especial, 2010.

_______. Ministério da Educação. Documento Orientador: Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Diretoria de Políticas de educação especial, 2010.

_______. Ministério da Educação. Documento de apresentação: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2002.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica. Brasília: CFP, 2013. p. 58.

HUSKEN, R. B. Psicopedagogia Clínica: diagnóstico e intervenção. Pelotas: Instituto Educar Brasil, 2010.

KONKIEWITZ, E. C. Aprendizagem, comportamento e emoções na infância e adolescência: uma Visão Transdisciplinar. Dourados: E. UFGD, 2013.

LIMA, T. A. S. C. A produção de sucesso e fracasso escolar por meio das fichas de avaliação: uma investigação junto aos Ciclos de Desenvolvimento Humano em Goiânia. 2005. 159f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.

MACHADO, A. M. Avaliação e fracasso: a produção da queixa escolar. In: Aquino, J. G. (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus,1997. p.73-89.

MEIRA, M. E. M. Para uma crítica da medicalização na educação. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v.16, n.1, p. 135-142, 2012.

PATTO, M. H. S. A Produção do Fracasso Escolar. 3. ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor LTDA, 1993.

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SOUZA, M. P. R. A Queixa Escolar na Formação de Psicólogos: Desafios e Perspectivas. In: Tanamachi, E; Proença, M.; Rocha, M. (Org). Psicologia e Educação: desafios teóricos - práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p.207.

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