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O CONSUMO DE DROGAS DEVE SER DESCRIMINALIZADO?

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O CONSUMO DE DROGAS DEVE SER

DESCRIMINALIZADO?

(Revista Época nº 897 – 17/08/2015 – pág. 57)

Há nítida diferença entre o consumidor de drogas, levado ao vício pelo traficante, e este. O primeiro inicia-se no vício atraído por novas emoções ou por não querer, quando muito jovem, ser discriminado no grupo a que pertence, ou, ainda, acreditando que poderá abandonar o deletério hábito quando quiser. O segundo, não. Vive do narcotráfico, quase sempre vinculado a quadrilhas de criminosos, que se enriquecem em todo o mundo, à custa dos viciados que geram. Alargar a lista de dependentes é aumentar o lucro do sórdido negócio, e, às vezes, é tanto o dinheiro arrecadado, que conseguem, através do mercado de ações, a lavar os recursos para investimentos sérios. No meu livro “Uma visão do mundo contemporâneo” (Ed. Pioneira, 1996), mostro como, à época, em todas as Bolsas de Valores do Mundo, havia dinheiro do narcotráfico, de alguma forma lavados por sucessivas transações não detectadas. Hoje, todavia, isso é mais difícil, pela luta empreendida pelos governos contra tais expedientes. As leis contra a corrupção e dinheiro resultante de terrorismo e drogas, habilitando polícias sempre mais preparadas para combater essas atividades, à luz da globalização e da quebra de sigilo bancário mundial, estão criando, felizmente, reais obstáculos para as ações de tais delinquentes. Cada vez é mais complicado operar, no mercado de capitais e no sistema financeiro, com recursos escusos.

A Lei 11.343/00, todavia, pune ambos, como forma de combater o lucrativo ramo do crime organizado.

Tenho para mim, que a descriminalização das drogas seria um passo equivocado, pois, à título de desmontar a máquina do crime, estaria alimentando o consumo ilimitado, o que, efetivamente, ocorreu na Holanda, onde há movimentos para o retorno à criminalização do uso.

Há necessidade, pois, de punir o narcotraficante e coibir o uso, para que o seu consumo não se torne um hábito “não salutar”.

(2)

Parece-me, todavia, que, para o consumidor que se vicia, a pena não deveria ser detenção em estabelecimento penal, onde irá conviver, pela falência de nosso sistema carcerário, com facínoras experimentados, sendo hoje o regime penitenciário brasileiro uma escola do crime. No meu artigo “O Estado delinquente” (FOLHA DE S.PAULO, 13/12/2013, Opinião A3) defendi que, só no momento em que o Estado for responsabilizado financeiramente, haverá melhoria no regime.

A detenção do dependente deveria ser em clínica de recuperação, com o que a pena representaria, de rigor, uma solução consideravelmente melhor para a pessoa e para o país.

A liberação das drogas implicaria, quase certamente, a expansão do consumo de entorpecentes, terminando por gerar um número maior de dependentes, com custos públicos crescentes para o sistema de saúde. Sou contra, portanto, a liberação geral, sendo favorável à punição do criminoso, e ao recolhimento de usuário, que se viciou, em estabelecimentos clínicos de recuperação.

Por outro lado, a posse de pequena quantidade de entorpecente, em limites razoáveis (5 gramas de maconha ou 0,5 grama de cocaína), não deveria ser punida. Não se poderia, todavia, jamais chegar à solução espanhola, de 20 gramas de maconha e 7,5 gramas de cocaína, como teto impunível. A maioria dos países não criminaliza a guarda por um usuário de pequenas quantidades de alucinógenos.

Sou, portanto, favorável à aplicação da Lei 11.343/06, em seu artigo 28, com tais temperos, pelo Judiciário, levando-se em consideração, também, a habitualidade, o passado do usuário em outros crimes e sua influência no meio em que atua, para se saber se é vítima ou mercador.

(3)

TRÉGUA EM MEIO A TORMENTA

Os bastidores do acordo entre Dilma Rousseff e os senadores do

PMDB,

num momento

de novas manifestações e investigações da Lava Jato

www.epoca.com.br

o

cf

<

o, -

O Supremo Tribunal Federal começa nesta semana

o julgamento que promete pôr fim a uma política atrasada:

(4)

mais arriscado

nanter a política

drogas atual

Iro Abramovay

escriminalizar as drogas é muito arris- cado. O Brasil não está pronto." Esse é o argumento mais ouvido para barrar qual- quer inovação na política de drogas no Brasil. Mesmo sabendo que a nossa atual lei de drogas é injusta, cruel e ineficiente, a pressão para insistir no fracasso é enorme.

Nossa lei é cruel porque, ao definir o usuário como criminoso, impede tratamento adequado de quem apresenta um uso problemático e neces-sita de acesso à saúde. A experiência internacional mostra que é muito mais dificil cuidar de usuários problemáticos em um contexto no qual eles são definidos como criminosos do que nos países onde eles podem ser tratados na perspectiva da saúde. Portugal descriminalizou o consumo há 15 anos e praticamente zerou o número de overdoses.

Nossa lei é injusta porque, apesar de definir altas penas de prisão para traficantes e sanções leves para usuários, não estabelece nenhum —critério objetivo para diferenciar um do outro.

Os critérios aplicados, na prática, são a renda e a raça das pessoas. O negro pobre com uma pequena quantidade de drogas é considerado traficante e recebe penas altíssimas, enquanto o branco de classe média com quantidades idên-ticas não recebe pena alguma. Cerca de 60% dos presos por tráfico são réus primários, sem ligação com o crime organizado e com pequenas quantidades. Muitos usuários acabam presos como traficantes. Para corrigir essa injustiça, também podemos olhar para o que foi feito em outros países. Dezenas de países estabelecem critérios quantitativos para separar o traficante do usuário com bastante êxito.

Nossa lei também é ineficiente. Em todos os lugares do mundo onde a política de drogas foi

561 ÉPOCA 117 de agosto de 2016

baseada na repressão, na prisão e na violência, os resultados foram trágicos. O consumo apenas cresceu. A explosão no número das prisões por tráfico no Brasil não diminuiu o tráfico ou con-sumo de drogas. Ao prender tantas pessoas que não tinham ligação com o crime organizado em prisões que são controladas por organizações cri-minosas, alimentamos uma perversa engrenagem do crime que só gera mais insegurança.

É comum ouvir o argumento de que des-criminalizar as drogas pode gerar aumento do consumo. É um argumento intuitivo, por isso é tão repetido. Mas o problema das drogas é sério demais para ser tratado com intuições. O Brasil é um dos últimos países, ao lado da Guiana, a manter o consumidor de drogas como crimino-so na América do Sul. O estudo Uma revolução silenciosa: políticas de descriminalização de drogas

pelo mundo mostra que em nenhum país em

que o consumidor foi descriminalizado houve aumento do consumo de drogas.

Devemos ir além? É necessário regular o mer-cado de drogas da mesma maneira que se faz com o tabaco? A redução de consumo do tabaco a par-tir de campanhas preventivas foi maior do que a de qualquer droga ilícita como os trilhões gastos na repressão. Vários países têm avançado na di-reção da regulação responsável do mercado de algumas drogas. Devemos olhar essas experiências com lupa e ver se há algo para aprender com elas. Foram décadas de esforços monumentais na política da repressão. Centenas de milhares de mortos, trilhões de dólares gastos, milhões de pessoas presas. E o resultado é injusto, cruel e ineficiente. Não querer mudar a política é uma irresponsabilidade. Deixar as coisas como estão é o maior risco que podemos correr.

--./ Pedro Abramovay é diretor para a América Latina da Open Society Foundation& Foi secretário nacional de Justiça

(5)

'yes Gandra Martins é jurista e professor emérito das universidades Maokenzie, Unip, Unifieo, UNIFMU, da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal - r Região

E SER DESCRIMINALIZADO?

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deração na

:ação da pena

Landra Martins

H

á nítida diferença entre o consumidor e o traficante de drogas. O primeiro inicia-se no vício atraído por novas emoções ou por não querer, quando muito jo-vem, ser discriminado no grupo a que pertence, ou, ainda, acreditando que poderá abandonar o deletério hábito quando quiser. O segundo, não. Vive do narcotráfico, quase sempre vinculado a quadrilhas de crimi-nosos, que se enriquecem em todo o mundo, à custa dos viciados que geram. Alargar a lista de dependentes significa aumentar o lucro do sórdido negócio. Às vezes, é tanto o dinheiro ar-recadado pelos traficantes que eles conseguem, por meio do mercado de ações, lavar os recur-sos para investimentos sérios. Hoje, isso se tor-nou mais difícil por causa da luta empreendida pelos governos contra tais expedientes. As leis contra a corrupção e dinheiro resultante de ter-rorismo e drogas, habilitando as polícias para combater essas atividades, à luz da globalização e da quebra de sigilo bancário mundial, estão criando, felizmente, reais obstáculos para as ações de tais delinquentes. Cada vez é mais complicado operar, no mercado de capitais e no sistema financeiro, com recursos escusos.

Creio que a descriminalização das drogas seria um passo equivocado. A título de des-montar a máquina do crime, ela estaria alimen-tando o consumo ilimitado. Isso, efetivamente, ocorreu na Holanda, onde há movimentos para o retorno à criminalização do uso. Há necessi-dade, pois, de punir o narcotraficante e coibir o uso, para que seu consumo não se torne um hábito "não salutar".

Parece-me, todavia, que, para o consumidor

que se vicia, a pena não deveria ser detenção

em estabelecimento penal, onde vai conviver, pela falência de nosso sistema carcerário, com facínoras experimentados. Hoje, o regime pe-nitenciário brasileiro é uma escola do crime — e defendo que esse regime só melhorará quando o Estado for responsabilizado financeiramen-te. A detenção do dependente deveria ser em clínica de recuperação. Assim, a pena represen-taria, de rigor, uma solução consideravelmente melhor para a pessoa e para o país.

A liberação das drogas implicaria, quase certamente, a expansão do consumo de entor-pecentes. Isso terminaria por gerar um número maior de dependentes, com custos públicos crescentes para o sistema de saúde. Sou contra, portanto, a liberação geral, sendo favorável à punição do criminoso e ao recolhimento de usuário, que se viciou em estabelecimentos clínicos de recuperação.

Por outro lado, a posse de pequena quanti-dade de entorpecente, em limites razoáveis (5 gramas de maconha ou 0,5 grama de cocaína), não deveria ser punida. Não se poderia, toda-via, jamais chegar à solução espanhola, de 20 gramas de maconha e 7,5 gramas de cocaína, como teto impunível. A maioria dos países não criminaliza a guarda por um usuário de peque-nas quantidades de alucinógenos.

Sou, portanto, favorável à aplicação da Lei 11.343/06, em seu Artigo 28, com tais tem-peros, pelo Judiciário, levando-se em consi-deração, também, a habitualidade, o passado do usuário em outros crimes e sua influência no meio em que atua, para se saber se é vítima ou mercador.

Descriminalização nunca, ponderação na aplicação da pena, sim!

Referências

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