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CONTRIBUIÇÕES DOS CANDOMBLÉS PARA A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS

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Academic year: 2021

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CONTRIBUIÇÕES DOS CANDOMBLÉS PARA A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS

Lúcio André Andrade da Conceição (IFBA)1 O Candomblé é um tipo de manifestação religiosa criada pelos negros em nosso país. Na Bahia é conhecida por este nome, mas em diferentes regiões do Brasil assumiu denominações e características bem particulares. Nestas manifestações este legado religioso assumiu nova organização estrutural-territorial em terras brasileiras, diferente do que existia no continente africano, assimilando outros elementos culturais, sobretudo do catolicismo e das civilizações indígenas que resultaram naquilo que atualmente tem sido denominado de religiões de matriz africana.

Em comum em todas estas manifestações, além da forte presença de elementos, valores e princípios vinculados a visão de mundo dos povos africanos, verificam-se também as marcas deixadas pelo enfretamento contra toda uma sociedade, que nem sempre permitiu o livre exercício destas organizações, usando por muito tempo e com legitimação do estado, o seu aparato armado, ou seja, a força policial para inibir tal funcionamento.

Em paralelo a isto e convergindo numa outra forma de fazer violência tem-se a construção de uma ideologia de negação do ser negro e de descredenciamento, desvalorização e demonização de tudo que esteja vinculado à cultura destes povos. Uma construção de pensamento iniciada, talvez, com o processo de colonização brasileira e que, de alguma maneira justificava a escravização do outro, por que este era um não ser e, portanto passível de ser aniquilado, se assim necessário fosse. Assim os aparelhos de estado da época foram, cada um a sua maneira, subsidiando este pensamento e naturalizando todas as atrocidades cometidas com os negros na historia da escravidão brasileira. Mesmo após adquirirem a liberdade, a permanência do negro no meio social é conflitante, marginal, é transgressora, associada com malandragem, precisando sempre ser vigiada, porque seu ser é feio, é nocivo, é malévolo, vincula-se a tudo que se considera desprezível na sociedade.

É dentro deste cenário social que as populações negras vão forjando sua existência: com base em acordos ou nas insurgências e revoltas; nos quilombos; nas danças; na capoeira;

1Mestre em Educação (UNEB), pedagogo do IFBA – campus de Valença (BA), professor colaborador do ODEERE - UESB. Email:lucioaac@yahoo.com.br

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nos espaços religiosos; nas festas populares; nas artes; naqueles espaços sociais, aparentemente sem efeito ofensivo dentro da ótica dominante. Afinal, eram lugares que não disputam o poder econômico e político dos dirigentes da sociedade. Então são nestes espaços que, eles e elas poderão estar mais livremente a afirmar e a consolidar seu jeito de ser. Por isto se faz menção a estes lugares como sendo os núcleos privilegiados de preservação cultural afro-brasileira. Mas, em que estes núcleos, e mais especificamente os Candomblés, podem contribuir para a efetivação da educação das relações etnicorraciais (RER)?

Educar para as relações etnicorraciais (RER) representa, segundo Petronilia Beatriz, no texto das diretrizes curriculares para aplicação da lei 10.639/2003, a reeducação das relações entre negros e brancos, para o sucesso de políticas de reparação, reconhecimento e valorização da identidade, cultura e da história dos negros brasileiros. Ou seja, esta educação é um lastro inicial para exercício de outra maneira de negros e brancos se relacionar, mais igualitária e respeitando as diferenças. Algo que o atual modelo educacional não consegue fornecer.

A educação para as RER pode significar na formação de outra ótica social entre as pessoas, mais sensível as diferenças e as especificidades deste outro por mais estranho que lhe pareça. Nesta perspectiva, a experiência nas Roças de Candomblé já nos fornece um acumulo significativo, pois produz, a seu modo, no dia a dia, no fazer cotidiano entre os seus membros um olhar social alternativo. Explico: a dinâmica religiosa no Candomblé exige dos adeptos a sensibilidade para estabelecer diálogo entre o visível, que somos nós, sujeitos existentes no plano material; e o invisível, que são as forças da natureza representadas pelos orixás.

Esta relação entre visível e invisível, é interessante de se analisar porque ainda que esteja vinculado com a crença deste universo religioso, não podemos deixar de considerar que envolve a subjetividade e as praticas racistas embasadas no pensamento, do qual falei no início, que legitima o negro em lugar desigual, foram também executadas de maneira velada, dissimulada, apoiada em expressões com duplo sentido.

Ou seja, são sentidas por negros e negras no cotidiano social, de formas variadas, porém não costumam serem assumidas efetivamente como racistas por seus executores. Ainda que em alguns casos, ou em momentos extremos, as praticas racistas adquiram tons bem explícitos, a sociedade brasileira sempre teve dificuldade de admitir tal posicionamento. A

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Então a linguagem subliminar, foi sempre a estratégia mais fortemente usada de negação do ser negro.

Ainda sobre esta relação entre orun e aiyê do candomblé, importa dizer que os membros, não só aprendem neste convívio a interpretá-la. Eles e elas vivenciam que a manifestação disto pode ocorrer de muitas formas e mais fortemente no coletivo. Assim a comunidade tem papel preponderante, pois ela media e produz sentido a esta compreensão. Não se trata de um discurso apenas. Isto é algo vivenciado, ritualizado que garante a permanência do culto. Por exemplo, os rituais exigem sempre a participação de varias pessoas, cada qual cumprindo um papel, seja para homenagear um orixá, seja para cuidar de um membro da comunidade nos rituais. Este é procedimentos que se repete ano a ano e possibilita a todos(as) cuidar e ser cuidado. Novamente trago as diretrizes curriculares para implantação da lei 10.639/2003:

O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que: (...) – promovam-se oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se busquem formas de convivência respeitosa além da construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; – sejam incentivadas atividades em que pessoas – estudantes, professores, servidores, integrantes da comunidade externa aos estabelecimentos de ensino – de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um. (p.20-21, 2003)

O convívio em coletividade no Candomblé dá aos seus membros esta condição de aprendizagem de diferentes visões de mundo e raciocínio, conforme aparece na citação. Seja porque cada membro possui um orixá e este possui características bem peculiares; seja porque os adeptos do candomblé, no processo de vinculação com o lugar, seguem trajetórias singulares e possuem histórias pessoais igualmente singulares; seja ainda porque as habilidades e competências desenvolvidas nos afazeres diários (cantar, dançar, tocar, cozinhar, costurar, decorar, etc) são construídas distintamente e em tempos diferentes. Deste modo, são inúmeras as oportunidades de aprendizagem que a experiência coletiva pode oferecer.

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Quando falo de competências e habilidades desenvolvidas nos afazeres cotidianos da Roça importa frisar que estas atividades são as linguagens usadas na interação com os orixás, na transmissão de ensinamentos, na interpretação de sentidos, intenções e sentimentos entre os sujeitos destas comunidades. São algumas destas formas culturais, que passaram despercebidas pelas elites sociais e permitiram a consolidação destas comunidades, ao longo da história e são muitas destas linguagens que nossos alunas e alunos, apreendem no contexto familiar e ficam inibidas de expressá-las na escola, porque esta só reconhece como legitimo o código escrito como forma de expressão. Quantas discriminações são então cometidas diariamente? Como ficam os sujeitos escolares oriundas das comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, ciganas, das periferias urbanas e das diversas tribos urbanas que hoje reivindicam seu direito de ser e estar no mundo?

Hoje falamos muito em diversidades. É o ponto central deste evento e de muitos outros que já acontecerem nestas duas últimas décadas. Porém, para as pessoas pertencentes às comunidades, que são Roças de Candomblé, isto sempre significou algo comum, rotineiro. Obviamente, não digo que nestes lugares exista uma elaboração teórica, por parte dos membros, tão complexa como a produzida no meio acadêmico, mais há uma postura diante da diversidade de pessoas no dia a dia destas instituições. Por exemplo, no quesito identidade, o candomblé não estabelece uma identidade única aos seus entes, ainda que existam princípios e valores comuns. A expressão deste pertencimento, ou vinculação acontece de forma muito particular por cada sujeito. Ainda assim, laços identitários são mantidos que permitem aos membros se reconhecerem como sendo de uma Roça ou de outra, porém isto não os condiciona a construírem uma homogeneidade no modo ser e estar no mundo. Ora, será que nossas escolas, e a maioria delas sem domínio da educação para as relações etnicorraciais, possibilita aos seus sujeitos a construção de diferentes identidades? As diferentes formas de ser e estar no mundo encontra acolhimento no espaço escolar?

Por fim, quero dizer que os negros e as negras que vivenciaram as dores da escravidão, encontraram na estrutura familiar construída no candomblé, a condição de se reumanizarem. O que isso: ao serem raptados do continente africano, todos os processos vividos tiveram o sentido de lhes retirar a condição de seres humanos. Assim ficava mais fácil o trato destas populações como coisa ou mercadoria. Entretanto, quando nos candomblés se reorganizam uma estrutura familiar e sacerdotal (com papeis, títulos, cargos, postos etc.) se

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cria um lugar privilegiado que lhes permitem exercer novamente um tipo de organização que só existe na raça humana. Valem lembrar que o Estado da época fez a abolição, mas não ofertou, para estas pessoas, nenhuma política de sobrevivência em sociedade.

Pertencer a uma família de santo é possuir laços e possuir responsabilidade coletiva para com esta família. É, por exemplo, reconhecer o outro como alguém que se for seu mais velho, terá talvez uma trajetória na qual se possa tirar algum exemplo e readaptá-lo ao seu contexto de vida. Se for seu mais novo, lhe caberá ter cuidado com suas atitudes, visto que elas podem ter influencias sobre ele. Reconhecer é principio fundamental para combate ao racismo, pois se relaciona ao quesito autoestima e educar para as relações etnicorraciais é permitir que todas as pessoas tenham subsídios para igualmente fortalecer a sua.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações etnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: MEC, [s.d.]. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/.

CONCEIÇÃO, Lúcio André Andrade da. A Pedagogia do Candomblé: aprendizagens, ritos e conflitos. Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia: Salvador, 2006, 128f. (Dissertação de Mestrado)

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