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CONTRIBUTO PARA UMA GEOGRAFIA DO AVE OU UM MODELO TERRITORIAL HISTORICAMENTE CONSTRUÍDO A (RE)PENSAR

Francisco Silva Costa António Bento Gonçalves

Secção de Geografia, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho Resumo

A compreensão de um sis tema fluvial tão complexo como o do Rio Ave implica a interpretação do seu modelo territorial, isto é, a organização espacial dos subsistemas que o constitui. Pretende esta comunicação, privilegiando a abordagem geográfica numa perspectiva sistémica, dar um contributo no conhecimento das principais dinâmicas humanas e dos suportes físicos de referência desta região, realçando a dimensão hidrológica exprimida pela Bacia Hidrográfica do Ave.

1. Contexto Geográfico 1.1. A Posição

Localizado no Minho, em ple no Noroeste Português, o Vale do Ave (NUT III) abrange 8 concelhos (Fafe, Guimarães, Póvoa de Lanhoso, Santo Tirso, Trofa, Vieira do Minho, Vila Nova de Famalicão e Vizela, fig.1) pertencentes aos distritos de Braga e do Porto e situa-se entre as NUT’s III Cávado e Tâmega.

Fig. 1 – Divisão administrativa da NUT III Ave

Trofa

0 5 10 Km

Limite administrativo Sede de Concelho

N

Vila Nova de Famalicão

Guimarães Fafe Vizela Santo Tirso Póvoa de Lanhoso Vieira do Minho

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Este território, com cerca de 1250 Km2 encontra-se na sua esmagadora maioria inserido na bacia hidrográfica do rio Ave, a qual abrange 1391 Km2 e localiza-se entre os 41° 15’ e os 40° 40’ de latitude Norte e entre os 8° 00’ e os 8° 45’ de longitude Oeste, facto particularmente importante em termos climáticos, morfo-estruturais e hidrólogicos, elementos esses fundamentais na compreensão e explicação das dinâmicas territoriais desta região.

2. Identidade Geográfica 2.1. Os elementos naturais 2.1.1. Enquadramento climático

A característica climática mais marcante do Noroeste Português é inquestionavelmente os seus elevados quantitativos pluviométricos, os quais se devem à frequente passagem de superfícies frontais, conjugadas com o efeito das montanhas, muito próximas do litoral, apresentando totais anuais médios de precipitação superiores a 1400 mm. De facto trata-se de uma região com afinidades mediterrâneas mas com forte influencia atlântica, traduzindo-se num clima de temperaturas amenas, com pequenas amplitudes térmicas e forte pluviosidade média, resultado da sua posição geográfica, da proximidade do Atlântico e da forma e disposição dos principais conjuntos montanhosos.

De acordo com Atlas do Ambiente, a temperatura média diária da região varia entre os 12,5 e os 15ºC, situando-se os índices de húmidade atmosféricas médios anuais ent re os 75 e os 80%. Para a precipitação os valores médios variam entre os 1400 e os cerca de 3000 mm por ano.

A altitude e disposição do relevo contribuem localmente para uma acentuada assimetria na distribuição da precipitação. Assim, considerando os dados médios relativos ao período de 1951 a 1980, em Sto. Tirso (a 28 metros de altitude), a precipitação anual média foi de 1374,2 mm (128,9 dias por ano), passando para 1772,6 mm (133 dias por ano) em Fafe (330 metros), enquanto que nos sectores mais elevados de montante da bacia a precipitação anual é superior a 3000 mm, como é caso do Zebral (775 metros) com 3071,1 mm repartidos por 142 dias por ano. Também os restantes elementos climáticos são fortemente condicionados pela altitude e disposição do relevo.

Esta região é caracterizada por invernos frescos e verões moderados a quentes, ou seja, a temperatura mínima média do mês mais frio varia entre 2 e 4ºC, verificando-se durante 10/15 a 30 dias por ano temperaturas negativas. A temperatura máxima média do mês mais quente varia entre 23 e 32ºC, observando-se durante 20 a 120 dias por ano temperaturas máximas superiores a 25ºC, sendo pois denominado de Clima Marítimo de Litoral Oeste (Daveau, et al, 1985).

2.1.2. Enquadramento morfo-estrutural

É no Maciço Hespérico, a mais velha unidade estrutural da Península, que se localiza o Vale do Ave. Aí, são numerosos os vestígios da acção tectónica do “ciclo hercínico”, e da tectónica fracturante do “ciclo alpino”, forte condicionante da rede hidrográfica e principal explicação para a morfologia de todo o Minho. Com efeito, a orogenia hercínica desempenhou papel fundamental na geologia do Noroeste estando a grande maioria dos granitóides (Granitos Sinorogénicos) ligados ao ciclo hercínico. No entanto, a principal explicação para o majestoso

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e movimentado relevo Minhoto está nas importantes movimentações tectónicas ocorridas no quadro do ciclo alpino.

Assim, no Vale do Ave as principais rochas consolidadas da região são, por ordem decrescente de representação, os granitos, os xistos, os granodioritos e diversas rochas afins destas. Podemos ainda encontrar formações do Holocénico (aluviões) e do Plio-Plistocénico (terraços fluviais).

A bacia apresenta uma altitude média de 280 metros, localizando-se 73% do território entre os 100 e os 600 metros, 18,5% entre os o e os 100 metros e os restantes 8,5% acima dos 600 metros de altitude (fig.2).

Fig. 2 – Hipsometria do Ave

N Guimarães Trofa 0 5 10 Km Limite administrativo Sede de Concelho Vieira do Minho Póvoa de Lanhoso Fafe Vizela Guimarães

Vila Nova de Famalicão

Santo Tirso

Trofa 0 - 200

200 - 500 500 - 1000 1000 - 1500

Fonte: Atlas do Ambiente, Carta Administrativa de Portugal 1:250.000

2.1.3. Hidrografia e hidrologia

O Rio Ave, com as suas cabeceiras a mais de 1050 metros de altitude, na Serra da Cabreira, num percurso de cerca de 100 Km e com uma bacia hidrográfica com 1391 Km2, atravessa inicialmente o território de Nordeste para Sudoeste, inflectindo posteriormente para oeste para desaguar em Vila do Conde. Os principais tributários do rio Ave são o rio Vizela na sua margem esquerda, que drena uma área de 340 Km2 e, na sua margem direita, o rio Este, com uma bacia de 247 Km2.

Segundo o Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Ave (DRAOT-Norte, 2000) o escoamento anual na foz do Ave é, em média, de 1250 hm3, estimando-se que a precipitação média anual sobre a bacia seja de 1791 mm, o que corresponde a 2498 hm3. Deste total, 1248 hm3 perdem-se por evaporação e 1203 hm3 infiltram-se, recarregando os aquíferos, o que resulta

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num escoamento superficial imediato de 47 hm3. Os 1203 hm3 que se infiltram surgem à superfície, perfazendo um escoamento superficial total de 1250 hm3.

O rio Vizela, principal afluente do Ave, tem as suas cabeceiras a uma cota superior aos 700 metros de altitude e vai desaguar após 50 Km de percurso, a cerca de 40 Km a montante de Vila do Conde. Quer nas suas margens quer nas dos seus dois principais afluentes, rios Ferro e Bugio, encontram-se instaladas importantes unidades industriais, grandes consumidoras/utilizadoras de água.

O segundo rio afluente mais importante, o rio Este, com as suas cabeceiras a cerca de 300 metros de altitude na Serra do Carvalho, próximo de Braga, vai desaguar após 45 Km em Touguinha a cerca de 4 km da foz do Ave, drenando uma área predominantemente agrícola, excepção feita à zona industrial limítrofe de Braga, fornecendo água para irrigação.

Para além dos rios Vizela e Este, o Ave apresenta ainda como afluentes importantes os rios Pelhe e Pele na sua margem direita e Selho na esquerda.

2.1.4 Unidades paisagísticas

A área geográfica correspondente à NUT III Ave apresenta sistemas paisagísticos muito contrastados, resultado de uma longa e intensa ocupação humana, condicionada por condições físicas particulares, quer em termos de relevo, quer especialmente em termos de clima.

Elemento fundamental da paisagem, a vegetação, é um excelente testemunho das condições edafo-climáticas e da acção ant rópica de uma dada região. Assim, em termos edáficos, o Vale do Ave caracteriza-se pela existência de solos com boa aptidão agrícola, de altas densidades populacionais e pela elevada concentração industrial, com todos os usos do solo muito disseminados na paisagem.

Segundo o Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Ave (DRAOT-Norte, 2000) predominam os antropossolos, ocupando cerca de 43% da superfície total, seguem-se, em importância, os regossolos com 37%, vêm a seguir os cambissolos com 9% e os leptossolos com 8%. Os restantes solos (4%) têm pequena representatividade. Podem destacar-se os antropossolos, os quais correspondem à generalidade dos solos dos terraços ou socalcos, em áreas cultivadas, terraceadas ou não, que foram sujeitos a lavouras profundas, sub solagens ou surubas, que têm promovido a mistura de horizontes preexistentes.

No que respeita à vegetação, algumas espécies vegetais da Europa média têm o limite meridional da sua expansão no Norte de Portugal, onde formam os últimos povoamentos importantes. Tal facto prende-se com a acção do oceano, que atenua o calor e a secura estivais e mantém chuvas abundantes. As árvores de folha caduca bem como algumas espécies de tojos (Ulex nanus em especial) e o pinheiro bravo (Pinus pinaster) são reagentes seguros das condições atlânticas.

Neste contexto geográfico, recorrendo às unidades paisagísticas básicas, podem distinguir-se seis tipos básicos de utilização do terreno (Gomes, et al, 2001, 6):

- os sistemas agrícolas de planície, correspondentes à paisagem das terras baixas, de povoamento disperso;

- os sistemas agrícolas de montanha, em que as povoações surgem agrupadas; - os sistemas urbanizados;

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- os sistemas de tipo inculto, compostos fundamentalmente por matos mais ou menos degradados e incluindo também regiões de solo esquelético e de rocha nua;

- florestas de plantação, com predomínio do pinheiro-marítimo (Pinus pinaster) e do eucalipto (Eucalyptus globulos);

- florestas de caducifólias, dominadas pelo carvalho-alvarinho (Quercus robur) e pelo carvalho-negral (Quercus pyrenaica), correspondentes a manchas espontâneas ou sub-espontâneas.

2.2 População, povoamento e território1

Segundo os censos de 2001 (INE 2001) residem na NUT III Ave, 509 969 habitantes, o que representa 5,1% da população total portuguesa. Guimarães e Famalicão, com 159 557 e 127 567 habitantes, são os concelhos mais populosos, seguidos de Santo Tirso, Trofa e Vizela com 72 396, 37 581 e 22 595 residentes, respectivamente. Vieira do Minho surge como o concelho menos povoado, com 14 724 habitantes.

Se tivermos em conta a evolução da população residente desde 1864 até a actualidade (fig. 3), é possível verificar dinâmicas demográficas bastante distintas que podem ser agrupadas em 3 grupos de concelhos:

Fig. 3 – Evolução da população residente nos concelhos da NUT III Ave, no período 1864/2001

Fonte: I.N.E.

- Guimarães, Famalicão e Santo Tirso, com variações positivas regulares e elevadas que (quase) permitem a quadruplicação da população de 1864;

- Fafe, com um aumento acima dos 130%;

- Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho, com baixas taxas de crescimento efectivo durante o período considerado, 32% e 8%, respectivamente, verificando-se perdas de população durante as décadas de 10 e 60 do século XX.

Este apreciável dinamismo demográfico (o Ave cresceu mais de 300% durante este período) revela uma das maiores concentrações humanas da península, e sem dúvida uma das mais antigas. Actualmente, o Ave possui uma densidade demográfica superior aos 400 hab./km2. No entanto, as diferenças inter-concelhias (fig. 4) mostram realidades diferentes:

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Os municípios de Trofa e Vizela foram criados em 1998, a partir de freguesias de Santo Tirso (Trofa) e Guimarães, Felgueiras Lousada (Vizela), facto pelo qual, estatisticamente, só constam a partir do III Resenceamento Geral da Agricultura de 1999 e no XIV Resenceamento Geral da População de 2001.

0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 180000 1864 1878 1890 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 Anos Pop. Residente Fafe Guimarães P. Lanhoso Sto. Tirso Trofa Vieira do Minho V. N. Famalicão Vizela

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Fig. 4 – Densidade populacional (Hab./Km2) nos concelhos da NUT III Ave, no período 1864/2001

Vieira do Minho

Póvoa de Lanhoso

Guimarães

Vila Nova de Famalicão

Trofa Vizela Santo Tirso 0 5 10 Km N Fafe

Densidade Populacional (Hab./Km )2 0 - 240

240 - 480

480 - 720

720 - 960 Fonte: I.N.E., Carta Administrativa de Portugal 1:250.000

- o Médio Ave, com valores acima dos 500 hab./km2 com destaque para Vizela, próximo dos 1000 hab./km2;

- o Alto Ave, com os concelhos de Vieira do Minho e Póvoa de Lanhoso a atingirem as mais baixas densidades populacionais – 67 e 172 hab./km2, respectivamente.

Entre os vários factores humanos e físicos de distribuição da população do Vale do Ave, há que destacar a organização agrária típica da paisagem minhota. A vida rural representa um elemento preponderante das paisagens e é um factor complementar da economia familiar. Aí dominam a peque na e média propriedade e a pequena exploração; à cultura intensiva do milho nas regiões baixas, graças à rega abundante, associam-se feijões e abóboras, como culturas intercalares, e o centeio e os prados de gramíneas com os quais alterna. As pastagens cobrem as alturas desarborizadas onde pastam os rebanhos de ovelhas e cabras. As parreiras e as “vinhas de enforcado” limitam ou dividem os campos de milhos fora dos quais se encontram pequenos olivais e sobretudo as matas, onde sobreiros e eucaliptos se misturam com pinheiros bravos dominantes. Campos, hortas, plantações, prados, matas e incultos, constituem peças distintas e separadas da ocupação do solo, e aparecem aqui misturadas e até confundidas por diversas formas de transição. A ocupação do solo compreende a policultura a que o campo de milho serve de núcleo, o que levou Orlando Ribeiro (1986) a designar aquelas parcelas por “campos-prados”. A policultura regada tradicionalmente, relacionada com condições naturais favoráveis (solos de boa qualidade e água abundante) tem exigências que implicam a reduzida dimensão das explorações (mão-de-obra que permita fazer face a múltiplos trabalhos, instalações de rega que é necessário manter funcionais, limitações da área que servem, num quadro familiar). A propriedade tende assim para a fragmentação.

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No entanto, a partir dos anos 60 do século passado, a ruralidade no Ave sofreu importantes transformações na sua estruturação territorial. Uma das mais significativas é, sem dúvida, o importante decréscimo do número de explorações agrícolas, tendo-se verificado valores acima dos 50% em todos os concelhos (fig. 5).

Fig. 5 – Variação do número de explorações agrícolas e área (ha) concelhos da NUT III Ave, no período 1979/1999

Fonte: I.N.E.

A mesma tendência se verifica no que diz respeito à área ocupada, mas com variações significativas em termos espaciais (fig. 5): os concelhos mais urbanizados, Santo Tirso, Famalicão e Guimarães, revelam as perdas mais importantes (superiores a 20%); Fafe e Póvoa de Lanhoso, mostram uma reduzida diminuição da área agrícola total (inferior a 10%), enquanto que em Vieira do Minho a situação foi inversa, com um excepcional aumento (superior a 100%).

Estas diferenças espaciais reflectem no sector primário uma importância relativa no agregado dos sectores de actividades (fig. 6) dos concelhos do Ave: residual no Médio Ave (inferior a 3%), continua a demonstrar alguma vitalidade no conjunto dos outros concelhos, principalmente em Vieira do Minho (22,5%), Póvoa do Lanhoso (15,9%) e Fafe (9,3%).

Fig. 6 – Sectores de actividades nos concelhos da NUT III Ave, no ano 1991

Fonte: I.N.E. -100 -50 0 50 100 150 (%)

Ave Fafe Guimarães P. Lanhoso Sto. Tirso Vieira do Minho V. N. Famalicão

Variação 1979/99 (%) Explorações agrícolas Área (ha) 4% 71% 25%

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É o sector secundário que assume no Ave (fig. 6) um predomínio quase absoluto (exceptuando Vieira do Minho), decorrente da sua tradição industrial no ramo do têxtil/vestuário. Na paisagem tradicional insinuou-se a indústria têxtil, através de pequenas unidades que começaram a assumir relevância no século passado. Sem falar nas maiores concentrações ou em fábricas modernas, por vezes desordenadamente multiplicadas, e que obedecem a outros padrões de organização do espaço, o processo inicial de penetração das industrias nesta região fez-se sem que se subvertessem acentuadamente os elementos da paisagem rural. A dinâmica recente da industrialização tem profundas raízes na forma como a produção industrial se foi organizando. A indústria têxtil/vestuário está fortemente representada no Vale do Ave, com raízes históricas que remontam a um artesanato ligado ao linho e à implantação do têxtil do algodão a partir de meados do século XIX. A fiação e a tecelagem doméstica do linho constituiu, pelo menos até ao último quartel do século XIX, uma das actividades mais importantes das famílias camponesas. A utilização têxtil do linho é, como se sabe, remota (Marques, 1995, 65). Em vastas áreas do Médio Ave, sobretudo naquelas onde eram abundantes as terras limadas, situadas nas margens dos rios e fundos de vale, o cultivo do linho teve, antes da difusão da têxtil algodoeira, um peso significativo. No último quartel do século XIX, quando a têxtil algodoeira era já claramente predominante, o linho tende a tornar-se uma actividade residual. O tecido produtivo apresentava, já nesta, altura um padrão locativamente difuso. As pequenas instalações industriais, na maioria das vezes, eram integradas nas próprias habitações, servindo cumulativamente de oficina e de habitação de família. Assim, a pequena indústria e o trabalho ao domicílio dispersavam-se por todo o Médio Ave, funcionando em pequenas oficinas (Marques, 1988, 60). Foram as boas condições de cultivo de matéria-prima, a forte densidade da população, as razoáveis vias de circulação e a existência de mercados regionais no norte e centro do país que não permitiram a decadência desta indústria. Deve referir-se também o papel dos cursos de água do rio Selho, Vizela e Ave, devido à disponibilidade de água indispensável nas diversas fases do processo produtivo (nas lavagens e nas operações de tinturaria) e na própria produção de energia motora, conjuntamente com o caminho de ferro e a rede rodoviária, os eixos estruturadores da dispersão emergente.

Actualmente, a indústria têxtil/vestuário, é o sector preponderante no Ave: no volume de vendas nas empresas segundo a CAE 2 dígitos (INE, 1996), atinge um valor de 73,6% na fabricação de têxteis, indústria do vestuário, curtimenta e acabamento de pele sem pelo, calçado (CAE 17+18+19) e pela quantidade de activos que envolve – 74,7% em estabelecimentos industriais (INE, 1996). O sector industrial no Ave denota assim um notável perfil de especialização ao nível da fileira dos têxteis e do vestuário:

- no Médio Ave, este modelo acentua-se pela dinâmica que atravessa e pela importância que tem na estruturação e na (re)produção (desde há pelo menos um século) do modelo territorial disperso do povoamento e das actividades;

- no Alto Ave, a dualidade do tecido produtivo marcada, por um lado, pelas reminiscências do modelo tradicional do têxtil- vestuário (mais visível na Póvoa de Lanhoso) e, por outro lado, por unidades compatíveis não só neste sector mas também em diferentes ramos de actividade económica, com relevância particular para a indústria da madeira, da cortiça, mobiliário (em Vieira do Minha atinge, 49,2% no volume de vendas nas empresas segundo a CAE 2 dígitos ) e outras indústrias transformadoras (CAE 20+36), traduz dinâmicas emergentes de diversificação industrial da região.

Decorre deste modelo de industrialização a especificidade do sistema de emprego local que deve ser entendido numa lógica regional onde se interligam-se as compone ntes sociais, económicas e culturais:

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- a tradição histórica da indústria têxtil; - a forte dinâmica demográfica;

- a elevada taxa de actividade (50,3% em 1991), com realce para a inserção da mulher no trabalho (35,2% em 1991, constituindo a taxa mais elevada da região norte);

- a pluri-actividade e o plurirrendimento provenientes dos salários da indústria de outras proveniências (da agricultura, pensões, reformas, remessas de emigrantes, património familiar,..)

- a existência de redes apertadas de parentesco e de entreajuda;

- finalmente, uma configuração territorial complexa que traduz a mistura e a dispersão das actividades e do povoamento (Marques, 1988).

Nas últimas décadas, desenvolveram-se formas muito variadas de rurbanização e de peri-urbanização que cobrem espaços cada vez mais vastos onde o povoamento tradicional era já do tipo muito disseminado: as fábricas e as casas de residências modernas instalaram-se entre as velhas casas rurais enquanto novas vias de comunicação vão sendo abertos. O exemplo mais significativo observa-se no vale do Rio Ave (fig.7) onde se assiste ao desenvolvimento de uma dispersão linear que corre na base das encostas, deixando largos espaços intercalares para as actividades rurais (Ribeiro, 1987, 897).

Fig. 7 - Implantação industrial e seu reflexo na alteração do povoamento na freguesiade Aves

Bairro Aves Carvalheiras Curvaceira F s on taín ha Fábricas Povoamento recente Vestígios do antigo povoamento 0 500 m

Fonte: Ribeiro, O., Lautensach, H. e Daveau, S. (1987, 897)

As condições gerais de estruturação do território abrangido pelo Ave condensam-se em três características fundamentais: relativa homogeneidade das densidades de povoamento, dom inância da urbanização difusa e representatividade de uma rede urbana policêntrica. Com efeito, aos territórios dinâmicos de urbanização difusa sobrepõe-se uma rede de aglomerados urbanos marcada pela conurbação policêntrica apoiada nas cidades de Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso, Trofa, Vizela e Fafe, e pelos núcleos urbanos, de pequena dimensão associados às sedes de concelho de Póvoa de Lanhoso e Vie ira do Minho (DRAOT-Norte 2000).

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3. Considerações finais

O Ave apresenta um modelo de território urbano-disperso caracterizado pelo predomínio dos padrões de urbanização e industrialização difusos onde a plurifuncionalidade do uso do solo (a agricultura familiar e a indústria) se interconectam, dando origem a um modelo difuso de indústria – comércio - exploração agrícola – serviços – habitação, situação que caracteriza o vale do Ave. Esta localização disseminada das indústrias e dos aglomerados populacionais tem favorecido o lançamento incontrolado de elevados caudais de águas residuais domésticas e industriais para o Ave e seus afluentes, para além da poluição difusa gerada pela agro-pecuária.

Infelizmente, o Rio Ave continua, ainda, a ser referenciado como o rio mais poluído de Portugal, situação que talvez já não corresponda totalmente à realidade face aos investimentos realizado no campo do saneamento básico e do abastecimento de água. Embora nos últimos anos se tenha conseguido melhorar a situação, principalmente, com a entrada em funcionamento do Sistema Integrado de Despoluição do Vale do Ave (SIDVA), o rio e seus afluentes apresentam ainda graves problemas de degradação ambiental que urge re-equacionar face ao previsto no Plano de Bacia Hidrográfica do Ave, recentemente aprovado. No entanto, estes problemas só terão verdadeira resposta quando se (re)pensar o modelo territorial que historicamente se foi construindo ao longo dos tempos.

Bibliografia

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Referências

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