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BRINCANDO COM CIÊNCIA: A EXPERIÊNCIA DE OFICINAS NA VIRADA CIENTIFICA DA USP

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Academic year: 2021

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BRINCANDO COM CIÊNCIA: A EXPERIÊNCIA DE OFICINAS NA VIRADA CIENTIFICA DA USP

Amanda Cristina Teagno Lopes Marques (IFSP – Câmpus São Paulo; GEENF/ FEUSP) Martha Marandino (Faculdade de Educação da USP; GEENF/ FEUSP) Marcela Espósito Baena (GEENF/ FEUSP) Samuel Feitosa Vanique (GEENF/ FEUSP) Resumo

Neste artigo relatamos uma proposta voltada ao público infantil realizada no contexto da Virada Científica do ano de 2015, evento promovido pela Universidade de São Paulo durante a Semana Nacional de C&T promovida pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Discutimos a possibilidade de aproximar a criança da ciência através do lúdico, refletindo sobre duas atividades propostas: “Teatro de sombras” e “Expedição Natureza: procurando bichos no jardim”. As crianças, entendidas como sujeitos produtores de cultura, têm o direito de serem incluídas também na cultura científica com vistas à promoção da alfabetização científica. Tomando a AC como processo, ressaltamos a importância dos espaços de educação não-formal e, no caso das crianças, da presença do lúdico nas propostas a serem desenvolvidas.

Palavras-chave: ciência – criança – brincar. 1. Introdução

Neste artigo apresentamos o relato de uma experiência desenvolvida no contexto da Virada Científica no ano de 2015, evento promovido pela Universidade de São Paulo durante a Semana Nacional de C&T promovida pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação com o objetivo de tornar o universo da ciência e da tecnologia mais próximo da sociedade1.

As discussões contemporâneas sobre o ensino de ciências vão no sentido de propor como objetivo formativo a alfabetização científica de crianças, jovens e adultos, esta entendida não apenas como apropriação de termos ou conceitos dos diversos campos científicos, mas também implicando a compreensão da natureza da ciência – seu modo de produção e as intrincadas relações estabelecidas com aspectos econômicos, políticos, sociais e éticos –, bem como as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (MILLER, 1998;

LAUGKSCH, 2000; SASSERON, 2008). Trata-se de promover a formação de cidadãos, capazes de participar dos debates públicos e intervir na sociedade com vistas à promoção do bem comum (CHASSOT, 2014; SANTOS, 2007).

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Diante do cenário, conclui-se a escola não constitui o único espaço no qual os processos de aprendizagem e de formação ocorrem; museus, jornais, revistas, e a mídia em geral podem desempenhar um papel importante na promoção do processo de alfabetização científica da população. Nesse sentido, ter acesso a conhecimentos da ciência mostra-se como condição indispensável à participação, em uma perspectiva de inclusão social (MARANDINO, 2014), possibilitando a democratização de saberes que, muitas vezes, permanecem restritos a grupos de especialistas. Aproximar a ciência - entendida como produção humana, contextualizada – da população passa a ser objetivo incluído na agenda governamental de diversos países, dentre os quais o Brasil (NAVAS, MARANDINO, 2009).

Destacamos também a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão como princípio estabelecido no texto da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), o que implica o compromisso das instituições de ensino superior com a promoção de ações voltadas à população mais ampla no sentido de democratizar o acesso aos saberes produzidos no âmbito da pesquisa2.

É nesse contexto que se insere a proposta relatada neste artigo, promovida no âmbito das ações de extensão articuladas por uma universidade pública. Tomamos como foco a discussão sobre as crianças em suas relações com a ciência, partindo do pressuposto de que elas são também sujeito do processo de alfabetização científica, e têm direito a se apropriar de saberes do campo científico com vistas a ampliar a possibilidade de compreensão da realidade na qual se insere. É esse o tema da próxima seção.

2. Sobre crianças, ciência e o papel do lúdico na aprendizagem

A possibilidade de inserção da criança pequena3 na cultura científica vem sendo discutidas nos últimos anos, e a pesquisa sobre a temática, se ainda pequena em comparação àquela que tem como foco estudantes cuja faixa etária se enquadra nos ensino fundamental II e médio, ao menos começa a existir4. Emergem pesquisas que têm como foco a criança e o trabalho com conhecimentos científicos, elucidando-se as possibilidades de aproximação das

2 “Art 43. A educação superior tem por finalidade: VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.” (BRASIL, 1996).

3 Consideramos aqui crianças pequenas aquelas entre 0 a 10 anos de idade, que frequentam a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental.

4 Viecheneski et al (2015), em análise das atas do ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – do período de 1997 a 2013, indicam que alfabetização científica nos anos iniciais ainda é uma área incipiente naquele contexto, ainda que os trabalhos encontrados tragam contribuições significativas à temática. Borges e Strieder (2013) revelaram que entre os anos de 1997 a 2011 o referido encontro publicou 4382 trabalhos, sendo que desses apenas 13 associaram o ensino de Ciências à Educação Infantil.

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culturas infantis à cultura científica, e a iniciação ao processo de alfabetização científica nos anos iniciais da escolarização (LORENZETTI, DELIZOICOV, 2001; SASSERON, 2008; BRANDI et al, 2002; VIECHENESKI et al, 2013)

Discussões sobre o ensino de ciências começam a incluir as crianças como sujeitos desse processo, cuja orientação vem acompanhando os debates atuais sobre o objetivo da educação científica: formar pessoas capazes de participar criticamente nos debates públicos.

De que criança falamos, afinal? Historicamente, as crianças foram marginalizadas nos estudos sociológicos, assumindo uma posição subordinada na sociedade, concebidas exclusivamente como vir-a-ser, adultos em potencial (CORSARO, 2011). Perspectivas teóricas interpretativas e construtivistas lançam luzes para a infância como construção social, considerando-se que “as crianças, assim como os adultos, são participantes ativos na construção social da infância e na reprodução interpretativa de sua cultura compartilhada.” (CORSARO, 2014, pág. 19), e não apenas espectadoras passivas e receptoras da produção do adulto. Nesse contexto, emerge uma criança ativa, partícipe, produtora de cultura, inserida em um contexto social no qual a infância pode ser vivenciada de diferentes maneiras, a depender das representações que se fazem dela, e das condições concretas de existência5. As crianças participam ativamente da sociedade mediante um processo de reprodução interpretativa, no qual criam culturas de pares à medida em que selecionam ou se apropriam criativamente de informações do mundo adulto, ressignificando-as. Nesse sentido, “as crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e mudanças culturais” (id, pág. 31-2), ao mesmo tempo em que são afetadas pelas sociedades e culturas que integram.

Corsaro (2014) destaca a importância da linguagem e da participação nas rotinas culturais no processo de construção das culturas infantis: desde que nascem, as crianças passam a fazer parte de um grupo social, inserindo-se em uma cultura e apropriando-se de um conjunto de regras, valores e crenças culturais. Não se trata, no entanto, apenas de internalizar o mundo que lhe é apresentado; ao invés disso, ao tentarem se apropriar da cultura do adulto, as crianças produzem coletivamente seus próprios mundos e culturas de pares.

A perspectiva da sociologia da infância possibilita-nos compreender as crianças como produtoras de cultura, alimentadas pela participação em diversas culturas de pares que, por sua vez, recebem influência de diversos campos institucionais (família, escola, religião, política etc.). Quer dizer, as crianças participam dos campos culturais, o que inclui a cultura

5 As crianças são os sujeitos que se situam na infância, entendida como categoria social de tipo geracional; as crianças crescem, mas a infância permanece na sociedade.

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científica: ao se inserirem em um mundo no qual a ciência e a tecnologia se fazem presentes, apropriam-se criativamente de seus elementos. Nesse sentido, as crianças não apenas são capazes de participar do mundo do adulto, como também de se apropriar de elementos dele, recriando-os na configuração de suas culturas de pares que, por sua vez, influenciam a cultura mais ampla. Assim, podem ser consideradas também partícipes da cultura científica, fazendo-se necessário que fazendo-se reconheça o direito a essa participação; trata-fazendo-se de considerar também a criança como sujeito do processo de alfabetização científica que, como mencionado, pode ser fomentado por diversas instâncias – e não apenas pela escola – e perpassa toda a vida do indivíduo.

Lorenzetti e Delizoicov (2001) defendem a possibilidade do desenvolvimento da alfabetização científica nos anos iniciais do ensino fundamental, mesmo antes do domínio do código escrito. Trata-se de uma publicação bastante citada no contexto brasileiro por aqueles que discutem o ensino de ciências para crianças, configurando talvez um marco em relação à temática. Supera-se a concepção de alfabetização como domínio do código escrito, e incluem-se os espaços educativos não formais na promoção da alfabetização científica, ainda que caiba à escola, segundo os autores, a sistematização desse processo. Também Sasseron (2008) discute o processo de alfabetização científica de crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental, apontando três eixos estruturantes, quais sejam: a) compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais; b) compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática; c) entendimento das relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente.

Também emergem pesquisas que incluem as crianças menores – da faixa etária atendida pela educação infantil – no processo de alfabetização científica. Dominguez (2014) indica que as crianças pequenas se interessam por assuntos científicos, e são capazes de se apropriar de diversos conhecimentos dessa área. Para tal, é preciso garantir: a manutenção da ludicidade nas interações com os conhecimentos científicos, o acesso a fontes de informação de boa qualidade, o estímulo à expressão infantil por meio de diferentes linguagens. Além disso:

Cabe destacar que a aproximação entre crianças e Ciências Naturais vai muito além da abordagem conceitual, uma vez que a cultura científica reúne práticas culturais específicas e, possibilitar que os pequenos conheçam algumas delas abre-lhes oportunidades de compreender mais que fatos e conceitos científicos, mas, também, a natureza do conhecimento científico. (DOMINGUEZ, 2014, pág. 31).

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Apresentar às crianças práticas de experimentação, observação, uso de instrumentos (lupa, pinça, réguas, balanças etc.), além do acesso a textos informativos, tabelas, gráficos, ilustrações com legendas etc., mostra-se importante.

Em se tratando da aproximação entre ciência e criança, faz-se necessário atentar para a centralidade do lúdico, considerando a brincadeira forma privilegiada de exploração do mundo e de aprendizagem. De acordo com Vigotski (1998), é no brinquedo que a criança aprende a agir em uma esfera cognitiva, guiado por motivações internas; ao brincar, a criança envolve-se em uma situação imaginária e age independentemente do que vê, isto é, os objetos perdem sua força determinante das ações e passam a simbolizar outros elementos, de acordo com o significado que a criança lhes atribui. Além de ser fonte de prazer – uma vez que permite à criança realizar desejos cuja concretização não seria possível na vida real –, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, impulsionando o desenvolvimento: ele permite o trabalho com signos e formas de representação da realidade, tratando-se de um meio para desenvolver o pensamento abstrato.

De outra parte, o brinquedo figura como fonte de impregnação cultural da criança, apresentando-lhe imagens, símbolos e representações. Mas o brinquedo não reproduz o mundo real, e sim “produz, por modificações, transformações imaginárias” (BROUGÈRE, 2008, p. 43). Quer dizer, o brinquedo coloca a criança em contato com significações culturais que se apresentam na dimensão material do objeto. Entretanto, o processo de construção de referências culturais pela criança através do brinquedo não se faz de maneira passiva; ao contrário, a criança, pela brincadeira, envolve-se em um papel ativo de manipulação e transformação das imagens que lhe são fornecidas pelo brinquedo, inserindo-se em um processo dinâmico de inserção cultural. E é no papel ativo da criança que reside a especificidade do brinquedo em relação a outros suportes culturais.

Ainda que o brinquedo não condicione a apropriação de determinadas imagens culturais, havendo a possibilidade de transgressão, cabe lembrar que ele “influencia e estrutura a cultura lúdica da criança tanto no nível das condutas lúdicas quanto no dos conteúdos simbólicos” (id, p. 57). Desse modo, o objeto estimula certas condutas e possibilita a transmissão de esquemas sociais, o que torna legítimo seu estudo independentemente das interações estabelecidas; o brinquedo encerra, portanto, uma função de socialização, e é “portador de uma multiplicidade de relações em potencial” (id, p. 67), que não se restringem às interações lúdicas (por exemplo, a escolha do brinquedo pela criança, a posse e a negociação para empréstimo, dentre outras relações sociais que se estabelecem com o objeto).

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A brincadeira possibilita a entrada na cultura lúdica6 (BROUGÈRE, 1998), mas também na cultura de uma forma mais ampla. E, nesse contexto, o brinquedo se apresenta como estruturante do conteúdo da brincadeira, apresentando à criança imagens, representações e universos imaginários. O brinquedo é um vetor de socialização, mas o caráter espontâneo e aleatório da brincadeira não assegura a apropriação, pela criança, dos conteúdos culturais veiculados pelos objetos, uma vez que seus resultados são incertos, sendo impossível assegurar aprendizagens na brincadeira, ainda que elas possam ocorrer.

À incerteza do brincar e das aprendizagens dele decorrentes Brougère (2008) responde com a proposta de construção de um “ambiente indutor” (BROUGÈRE, 2008, p. 104):

O educador pode, portanto, construir um ambiente que estimule a brincadeira em função dos resultados desejados. Não tem certeza de que a criança vá agir, com esse material, como desejaríamos, mas aumentamos, assim, as chances de que ela o faça; num universo sem certezas, só podemos trabalhar com probabilidades. Portanto, é importante analisar seus objetivos e tentar, por isso, propor materiais que otimizem as chances de preencher tais objetivos. (BROUGÈRE, 2008, p. 105)

Diante das reflexões apresentadas, passemos à narração da proposta de atividades desenvolvida na Virada Científica, que teve como público-alvo crianças pequenas.

3. Uma proposta em ação: brincando com sombras e procurando bichos no jardim Pensando nas inter-relações entre criança, ciência e brincar, e objetivando fomentar a aproximação das crianças à cultura científica por intermédio da brincadeira, propusemos duas atividades na Virada Cultural:

A) Teatro de sombras. Para o desenvolvimento da atividade, montamos em uma sala escurecida uma estrutura simples, utilizando um aparelho retroprojetor, um varal de barbante com um lençol, e personagens em papel – alguns contando com palito de sorvete para apoio, e outros sem nada, para serem colocados diretamente no vidro para projeção. Além disso, disponibilizamos também papel, caneta, tesoura e cola para que as crianças pudessem construir formas e outros personagens de modo a enriquecer a brincadeira. Nesta atividade, não havia uma ação diretiva por parte dos monitores; eles apenas forneciam os materiais, brincavam junto com as

6 O autor define cultura lúdica como o “conjunto de regras e significações próprias do jogo que o jogador adquire e domina no contexto de seu jogo” (BROUGÈRE, 1998, s/p.), conjunto de procedimentos que tornam o jogo possível. Não nos deteremos neste elemento uma vez que nosso interesse recai sobre as possibilidades de apropriação, pela criança, na brincadeira, de elementos da cultura científica.

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crianças, estimulando-as a experimentar a produção de sombras de diferentes maneiras: com o próprio corpo, com os personagens, no tecido, na parede etc.

Figuras 1 e 2: Teatro de Sombras. Fonte: as autoras.

B) Expedição Natureza: procurando bichos no jardim. Nesta atividade, disponibilizamos lupas de diferentes tamanhos, além de monóculos e outros equipamentos dessa natureza para realizar, em conjunto, uma expedição pelos jardins do prédio da Faculdade de Educação da USP em busca de animais, na terra ou no mesmo no céu. Neste caso, a ação dos monitores foi mais diretiva no sentido de construir uma narrativa lúdica nas quais as crianças eram estimuladas a observar o meio.

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Figuras 4 e 5 – As crianças à procura de animais no jardim Fonte: as autoras

As atividades tiveram como objetivo proporcionar vivências lúdicas nas quais conhecimentos científicos estivessem presentes, considerando a importância do brincar no processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, e as possibilidades de tomar a criança como sujeito no processo de alfabetização científica. Além da aproximação a conhecimentos conceituais que emergiram durante a atividade – o processo de produção de sombras, a diferença entre insetos e aracnídeos, a estrutura dos animais encontrados etc. –, as atividades estimularam o contato das crianças com instrumentos próprios do campo científico, como lupas e monóculos, além do desenvolvimento de um olhar investigativo e atento ao mundo ao redor. Isto é, estiveram presentes elementos relativos à natureza da ciência, e não apenas conceitos dos campos científicos; a dimensão da tecnologia em sua relação com a ciência também fez-se presente ao possibilitarmos o acesso a instrumentos empregados especialmente no contexto da produção científica, como as lupas.

Ainda que as atividades tenham sido voltadas ao público infantil, identificamos as famílias como partícipes, acompanhando as crianças. Percebemos o envolvimento das crianças nas propostas e, principalmente, a manutenção do caráter lúdico durante a brincadeira; por não se tratar de atividade obrigatória, havendo livre acesso e possibilidade de entrada e saída a qualquer tempo, verificamos que as crianças que permaneceram nas atividades o fizeram porque assim desejaram, o que foi essencial à manutenção do envolvimento nas atividades.

Destacamos, ainda, não ser objetivo das ações promover a sistematização ou a formalização das aprendizagens; nesse sentido, as intervenções propostas pelos monitores

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vinham no sentido do estimular a experimentação, enriquecer ou mesmo possibilitar a brincadeira, e não de discutir ou formalizar conceitos.

4. Considerações finais

Incluir as crianças pequenas nas propostas que visem à alfabetização científica em um contexto de divulgação da ciência pode ser apresentado como um desafio, à medida em que nem sempre o acesso à produção científica é visto como direito da população de maneira mais ampla, e menos ainda direito da criança, historicamente concebida como ser incapaz.

Se visamos à democratização do acesso ao conhecimento, o que inclui à cultura científica, faz-se necessário repensar não apenas o papel da escola, mas especialmente das diferentes instâncias – dentre elas a própria universidade – nesse processo. Além de produzir conhecimento, cabe às instituições de ensino superior fomentar ações voltadas à população de maneira mais ampla, promovendo a divulgação científica e tornando a ciência – ou elementos dela – mais acessíveis ao público em geral. Romper com o distanciamento entre a universidade e a comunidade mostra-se como desafio, considerando o processo histórico de separação entre essas esferas. Abrir as portas da universidade à comunidade, divulgando ciência, pode constituir uma forma importante de democratizar esses saberes, fazer com que a cultura mais ampla incorpore elementos da cultura científica, e que “pessoas comuns” sejam incluídas nesse universo muitas vezes fechado e restrito a especialistas. Trata-se de condição indispensável à construção de sociedades mais democráticas, atentas aos debates públicos que envolvam ciência e tecnologia em suas implicações com a sociedade, e partícipes deles.

E, se falamos em democratização e abertura de possibilidades, faz-se necessário pensar também na criança e em seu direito de vivenciar experiências nas quais os conhecimentos científicos estejam presentes. Não se trata de sistematizar as aprendizagens, mas fomentar minimamente o acesso a alguns desses saberes. Para tal, destacamos a importância do lúdico e, especificamente, da brincadeira como linguagem privilegiada da criança; ao brincar de produzir sombras, ou de procurar bichos no jardim, a criança apropria-se de elementos da cultura científica – termos, conceitos, procedimentos, atitudes – à medida em que experimenta e se integra à situação imaginária.

Cabe destacar a importância da manutenção de políticas públicas voltadas à popularização da ciência; trata-se de direito da população, condição de exercício pleno da cidadania crítica, responsável e atuante.

Fomentar ações que integrem a criança pequena à ciência pode ser considerado como objetivo assumido neste texto. Esperamos tê-lo alcançado.

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5. Referências

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