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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2019

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CÉLIA REGINA NUNES

O ciúme na

MPB

: uma análise retórica

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O ciúme na

MPB

: uma análise retórica

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob orientação do Professor Doutor Luiz Antonio Ferreira.

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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____________________________ ____________________________

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A

GRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar a oportunidade de convivência entre os professores, meio no qual fui inserida, pois só com a presença e com o estímulo dos amigos pude conhecer e entrar em contato com a academia.

Agradecimento especial ao Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira, que me aceitou como orientanda quase no final do caminho. E aos professores que encontrei durante o curso e que fizeram parte das minhas escolhas.

Depois agradeço aos amigos que, direta ou indiretamente, participaram deste processo, em especial ao amigo Márcio que me deu muita força e disciplina ao longo destes anos. E ainda aos amigos Andréia, Quequeto, Renato e Felipe que me atenderam sempre que solicitei.

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R

ESUMO

Essa dissertação trata da importância da leitura e aborda uma das suas nuances como colaboradora na formação do indivíduo leitor. Optamos por trabalhar com a leitura sócio-interativa e a MPB como uma das possibilidades de texto facilitador para desenvolver o processo de leitura: trazemos para a discussão o uso da canção como texto significativo e apropriado para desenvolver a leitura.

Utilizamos como referencial teórico as paixões de Aristóteles e um breve conceito da antiga retórica, bem como e traçamos um paralelo com a nova retórica de Perelman e Tyteca. Destacamos o papel do uso do argumento e da metáfora na nova retórica e localizamos, por meio da representação do ciúme, esta presença nas canções de MPB da década de 70.

Por fim, analisamos duas canções e apontamos a presença do ciúme por meio das paixões. Seguimos os fundamentos da retórica para identificar o discurso persuasivo na MPB. Concluímos que o argumento é capaz de persuadir os mais diversos auditórios. Para que o pathos seja atingido, é só investir na constituição do ethos.

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Abstract

This work shows us the importance of reading and its possibilities. We worked with sociointeract reading and one of the possibilities of facilitator text to develop the reading process in school. We brought to discussion the use of MPB like important text and appropriated to develop reader learners.

We used as theoretical referential Aristotle’s passion and a brief concept of old rhetoric to analyze with the new Perelman and Tyteca´s rhetoric. We detached the use of argument and metaphor in the new rhetoric and found, by means of jealousy´s representation, this presence in MPB songs of 70’s.

Finally, we analyzed two MPB songs and pointed the jealousy’s presence by means of passion. We followed the rhetoric’s bases to identify persuasive speech in MPB and we believe that the argument be able to persuade a lot of types of audience and for phatos be reached it´s just invest in the ethos´ constitution.

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S

UMÁRIO

Resumo 06

Abstract 07

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1. O conceito de “leitura” e suas nuances 13

1.1. A leitura 13

1.2. Estratégias de leitura 14

1.3. A leitura na perspectiva sócio-interacional 17

CAPÍTULO 2. A Musica Popular Brasileira 19

2.1. A importância da MPB na expressão social 19

2.2. A leitura e a MPB 21

2.3. A MPB contém ciúme 22

2.4. As paixões: reguladores das relações humanas 25

2.5. Conceito de ciúme 38

2.6. O ciúme como manifestação da paixão 41

2.7. O ciúme nas diversas áreas de conhecimento 42

2.8. O ciúme na Psicologia 42

2.9. O ciúme na Literatura 43

2.10. Síntese da concepção de ciúme 44

CAPÍTULO 3. Retórica 46

3.1. A Retórica e seu espaço de atuação 46

3.2. Leitura e as estratégias retóricas 48

3.3. A variação retórica 48

3.4. O ciúme na Retórica 49

3.5. Persuadir e convencer 51

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CAPÍTULO 4. Análise retórica das canções 62

4.1. As paixões presentes na MPB 62

4.2. As categorias 63

4.3. Canção 1 65

4.4. Canção 2 68

CONCLUSÃO 73

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I

NTRODUÇÃO

“Depois de te perder te (re)encontro, com certeza...”

O amor é sem dúvida um signo, mas algo nele se torna inapreensível devido a um desacordo inerente a seu objeto primevo. Sendo operante em seus labirínticos movimentos e vicissitudes; (Rossi:2006,109)

O presente trabalho tem como objetivo analisar como se dá, em língua, a constituição discursiva sobre o ciúme na Música Popular Brasileira (MPB) gravada na década de 70. A base teórica que sustentará a análise encontra-se na Retórica, sobretudo a Clássica, apregoada por Aristóteles em seus estudos sobre as paixões.

Será a partir dos estudos do filósofo grego que refletiremos sobre as paixões humanas e seus reflexos no ethos do orador e no pathos provocado no auditório, e interessa-nos sobretudo o ciúme que, embora não esteja relacionado entre as catorze paixões aristotélicas, decorre de outras e tem fundamental importância na formação do discurso amoroso.

O tema foi escolhido a partir de um seminário realizado na disciplina de Análise Retórica, ministrada pelo Professor doutor Luiz Antonio Ferreira, na PUC-SP, em 2005. Durante o seminário pudemos perceber que o ciúme é recorrente na canção popular, e ainda constatamos empiricamente que o ethos do ciumento nas canções analisadas na época (70), é sempre o de um ser explosivo, escandaloso, egoísta, que por outro lado sofre, dissimula a dor, e encontra estratégias retóricas para reivindicar o que julga possuir por direito: o amor do ser amado. As canções funcionam como atos retóricos muito contundentes para provocar o

pathos e provável repercussão do agir do interlocutor diante das exigências e atitudes do ciumento.

No primeiro capítulo fizemos uma apresentação dos conceitos e da relação que existe entre leitura, MPB e paixão. Explicitamos o conceito de leitura e da leitura como processo interativo, e salientamos, baseados nas autoras Eni Orlandi e Isabel Solé, a importância do leitor sujeito.

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Discorremos, ainda no primeiro capítulo sobre as estratégias de leitura e a MPB e inserimos o relato de uma experiência realizada numa escola pública do estado paulista. Foi a partir de uma conceituação de leitura e de uma possível sugestão de trabalho para o desenvolvimento do processo que utilizamos a MPB como texto processo. Optamos pela leitura sócio- interacional como matriz do nosso texto, já que acreditamos no aluno sujeito do processo de aprendizagem e não como mero receptor de conteúdo.

A MPB foi ressaltada como uma das faces da inserção social e também de representação social. Ela traduz muito dos sentimentos e paixões humanas. Por isso ela retrata tão significativamente o ser humano. A partir dessa justificativa temos as raízes de sua infiltração e propagação social.

No segundo capítulo, faremos a apresentação das catorze paixões classificadas por Aristóteles e ainda, a partir de algumas perspectivas teóricas advindas de alguns campos do conhecimento, o movimento passional do ciúme que Aristóteles classifica.

As paixões aristotélicas, que serviram como base fundamental teórica para esse trabalho, são o motivo do desabrochar do ciúme: é a partir dessas paixões que o ciúme se dá. As paixões são um movimento constante do ser humano e é para atender aos seus reflexos que as ações são desencadeadas.

O ciúme, apresentado como interface da paixão, causa no indivíduo atitudes insanas e tempestuosas e, é a partir desse desacordo que o ethos se compõe e envolve o pathos a agir de determinada forma. O argumento se estabelece pautado nesse sentimento e condiciona o objeto de ciúme a ficar a mercê de seus caprichos, baseados sempre no ciúme.

O ciúme é conceituado e apresentado na Literatura e na Psicologia, além de ser demonstrado na MPB. Fizemos essa abordagem para elucidar o alcance do ciúme na sociedade e basear a partir desse alcance a sua presença na expressão canção popular.

A MPB entra como uma representação do ciúme e do ethos do ciumento, o pathos deve responder e atender às imposições do ethos a fim de evitar transtornos, escândalos e até a ameaças de morte.

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A canção, grosso modo, fica rica em ornamentos e recursos estilísticos, além das metáforas que não são economizadas durante a fala do orador. Como resultado temos as canções de cunho romântico, que apresentam uma facilidade de adesão do público que a recebe.

No quarto e último capítulo, faremos a análise das canções escolhidas: duas canções da MPB, que vieram a público na década de 70. É a partir do seu conteúdo que apontaremos as diversas situações de discurso e atitudes que o ciumento apresenta em língua e como usa o argumento para justificar sua perda de equilíbrio e a produção de cenas escandalosas. Pelo discurso, o ciumento constrói seu esthos, aqui visto como um movimento discursivo de projeção da imagem do orador no discurso.

Localizamos nas canções a presença da situação retórica em múltiplos detalhes, encontramos a presença das paixões aristotélicas nas suas diversas representações e não menosprezamos, para complementação da análise, as paixões greimassianas. Buscamos ainda, atrelar essa localização às representações que o leitor faz de mundo e as inferências que relaciona a partir de seu conhecimento prévio.

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C

APÍTULO

1

O CONCEITO DE “LEITURA” E SUAS NUANCES

1.1. A leitura

Neste capítulo, apresentamos um conceito de “leitura”, abordamos algumas estratégias de como realizá-la e efetuamos uma explanação do seu uso em sala de aula, considerando-se o modo como o ato de ler deve se dar para que o seu processo seja uma interação entre leitor, texto e mundo: “A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se satisfazer (obter uma informação pertinente para) os objetivos que guiam sua leitura.” (Solé, 1987)

O leitor, quando se apropria de um texto a fim de explorá-lo, possui, ou deveria possuir, um interesse em desmistificá-lo, ou seja, deve ter por objetivo buscar as estratégias que permitissem o entendimento e a compreensão de uma das possibilidades da mensagem transcrita. Muitas vezes, o leitor não escolheu o texto a ser lido, não foi ele quem decidiu buscar informação ou conhecimento novo em determinado texto. Na escola é necessário que o professor motive o aluno-leitor a realizar o processo de leitura. Como? Um meio de fazer isso é despertando a curiosidade do leitor para o texto, chamando-lhe a atenção, iniciando uma discussão em torno do conteúdo do texto ou mesmo instigando-o sobre o tema.

Para Orlandi:

A leitura é um processo de busca com o qual o leitor amealha dos conhecimentos que lhe são importantes e significativos o necessário para chegar à compreensão do texto. Este, por seu turno não responde por si só às premências necessárias para a compreensão, ou seja, o texto pode ser visto como “pretexto”, com a finalidade de se instaurarem novas frentes para a construção de nossa visão de mundo, em amplo sentido. (Orlandi, 1988)

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1.2. Estratégias de leitura

A leitura é resultado e conta com a interpretação que o indivíduo faz do mundo. É por meio dela que o aluno desenha a sua concepção de vida. Portanto, depende da relação de proximidade que o indivíduo tem com a leitura, o grau do seu desenvolvimento como leitor participante do meio social na qual está ou deveria estar inserido.

A partir daqui, passamos a apresentar o conceito de “leitura interativa” e elucidaremos as estratégias de leitura, que julgamos necessárias para a melhor compreensão de nosso leitor. Numa breve conceitualização, temos o modelo de leitura interativa que pode ser agrupado em dois modelos hierárquicos: ascendente (buttom up) ou descendente (top down).1

No primeiro modelo de leitura, o leitor processa os componentes do texto por meio das letras, palavras e frases, em um processo ascendente, seqüencial e hierárquico, que o leva a compreensão do texto. O indivíduo compreende porque decodifica. Esse modelo de leitura é o centrado no texto.

No segundo modelo, o leitor aciona o seu conhecimento prévio e seus recursos cognitivos para fazer antecipações sobre o conteúdo do texto. Nesse caso, o processo também é hierárquico, embora seja descendente. O leitor parte da hipótese e antecipação prévias. O texto é processado para sua verificação.

Dentro do modelo descendente o leitor reconhece no texto, parte do seu conhecimento de mundo e aciona uma série de conceitos armazenados na memória aos conceitos existentes no texto.2

É sob essa perspectiva que as estratégias de leitura estruturam o processo de desenvolvimento do leitor. Recorremos a Solé (1998), Valls (1990) e Koch (2002) e apresentamos a seguir uma síntese dos conceitos dessas estratégias. Estratégia é a capacidade de ordenar o pensamento para facilitar a execução da ação.

Para Valls (1990) “a estratégia tem em comum com todos os demais procedimentos sua utilidade para regular a atividade das pessoas, a medida que sua aplicação permite selecionar, avaliar, persistir ou abandonar determinadas ações para conseguir a meta que nos propomos”. (apud Solé, 1998)

1 Cf. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 1998.

2 Para uma consulta mais abrangente o leitor de vê consultar o livro: Desvelando os segredos do texto,Koch,

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São essas suspeitas inteligentes e arriscadas sobre o caminho mais adequado que devem ser seguidas para uma melhor interação leitor/texto. Lembramos que o procedimento de tais estratégias deve ser maleável e adaptável a cada situação, porque a sua utilização com rigidez seria um impedimento para a realização de um processo de leitura interativo. Não podemos perder de vista a pergunta acompanhada de sua resposta: “Para que ensinar estratégias? Para ler”. Esse objetivo não pode ser deixado para segundo plano.

A seguir as estratégias:

1. Procedimentos: são os conteúdos de ensino;

2. Conhecimento prévio: são os conhecimentos necessários que vão permitir a atribuição de significado ao conteúdo do texto;

3. Objetivos da leitura: é a explanação do Por que e Para que ler determinado texto; 4. Formulação de previsão sobre o texto: instigação sobre o tema e a idéia principal

do texto;

5. Hipóteses: quais as possíveis hipóteses para o texto.

A leitura se estabelece na possibilidade de interação entre leitor e texto. Portanto, só se realiza quando o leitor consegue instituir relação com os seus conhecimentos lingüísticos, enciclopédicos e interacionais. Ou, quando relaciona o conteúdo do texto com seus “arquivos” da memória. Chamamos de “arquivos” os conteúdos que o leitor já absorveu e que se relacionam com o tema do novo texto.

O texto apresenta-se sempre inacabado, à espera do leitor que, ao tomar contato com o conteúdo, realiza a tarefa de preencher as suas lacunas. A compreensão suscita, por parte do leitor, a construção de um novo texto, que não se limita apenas à reprodução da escrita.

Um dos múltiplos desafios a ser enfrentado pela escola é o de fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente. Isto é lógico, pois a aquisição da leitura é imprescindível para agir com autonomia nas sociedades letradas, ela provoca uma desvantagem profunda nas pessoas que não conseguem realizar essa aprendizagem. (Solé 1998: 32)

A democratização da escola realizada a partir da década de 1960 nos faz crer que a alfabetização hoje está muito próxima de alcançar quase a totalidade da população, porém infelizmente não é o que dizem os dados do MEC3 de 2003. Um exemplo de descompasso na

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formação do leitor é a apreciação dos dados da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo referentes ao SARESP4 de 2005, que apresentam a dificuldade de leitura e conseqüentemente o mau desempenho dos alunos do Ensino Médio na prova de Língua Portuguesa. Como a leitura tem sido tratada em sala de aula? Essa postura carece de estudo e aprofundamento junto aos professores da Rede Estadual.

Segundo alguns apontamentos, o problema da escola estaria no método de ensino da leitura, pois esse tema é discutido com freqüência na rede paulista durante os cursos de capacitação5oferecidos pelas diretorias de ensino.

Mas, para Solé (1998), o “problema não está no método, mas sim na própria conceitualização do que é a leitura, a forma que é avaliada pelas equipes de professores, do papel que ocupa no Projeto Curricular da Escola (...)”.

Para que essa concepção de que o problema está no método e não na própria concepção do que é leitura, do ler o que e para que, mude é necessário que a totalidade dos educadores entenda com veemência a leitura como o caminho para o conhecimento e a utilize como um processo contínuo de descoberta, aprendizagem e prazer.

Algumas vezes o professor, na intenção de desenvolver, aprimorar e ampliar o mundo do leitor, utiliza-o como castigo ou imposição. Citamos por exemplo, a imposição do uso da biblioteca, a leitura de um clássico ou a produção do relatório de um livro. O aluno acaba traumatizado, afastando-se do ato de ler. Esses recursos não podem ser utilizados como castigo ou “tapa-buracos”, pois usados sem objetivo, ou ainda, com outro objetivo que não seja o de mergulhar no fantástico mundo das histórias, atrapalham e emperram a leitura.

A fim de ilustrar esse processo errôneo, recorremos aos registros da Oficina Pedagógica da região de Caieiras-SP e constatamos que há um grande índice de alunos com notas de avaliações, relacionadas à leitura e à produção textual, que foram consideradas abaixo da média nacional

Para fazer uma contraposição e desmistificar o “monstro” no qual se transformou a leitura, realizamos uma experiência com os alunos do 3o C noturno, da Escola do Centro/CEFAM6, no ano de 2003.

Tivemos o seguinte procedimento: apresentamos letras de canções que tocam em algumas rádios, como a rádio Nova MPB, aos alunos, e perguntamos quem da sala reconhecia

4 Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

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aquela canção. Em média, setenta por cento da sala já conhecia ou pelo menos reconhecia a canção. Muitos alunos acompanharam a música cantando. A música era “A Maçã”, de Raul Seixas, escrita e lançada em 1972. Fizemos uma contextualização histórica e discutimos o recado que a canção trouxe. O fato dos alunos saberem a história do compositor Raul Seixas facilitou e a partir daí começaram a sugerir outras letras de canções para serem analisadas. Um deles tocava violão e ofereceu-se para tocar na aula seguinte. Chegamos a montar um sarau e trabalhamos, a leitura, a partir de outras canções de Raul Seixas, bem como de outros compositores. A interpretação foi desenvolvida por meio do contexto histórico e da análise das canções; e a produção textual foi trabalhada com paráfrases e com a criação de novas canções.

Na avaliação, que foi desenvolvida por meio de debate, todos falaram da surpresa que foi descobrir a música como um instrumento de aprendizagem escolar e do quanto foi estimulante trabalhar com esse tipo de texto, um texto que não imaginavam que poderia compor o rol dos textos escolares.

Até os alunos mais estereotipados, como os “roqueiros”, passaram a obter um melhor desempenho, interessando-se por essas aulas; ainda fizeram questão de dizer que as aulas de leitura podiam também ser um momento de lazer, e que assim ficava muito fácil o aprendizado.

Constatamos que a música, mais do que a expressão artística da representação dos sentimentos, é também uma aliada concreta no desenvolvimento da leitura, e deve ser utilizada como um instrumento de aprendizagem significativa. Uma vez adquirido o gosto, a descoberta, o aluno caminha por si. E se descobre e ultrapassa os limites daquilo que lhe foi sugerido, tornando-se leitor e reprodutor de leitores.

1.3. A leitura na perspectiva sócio-interacional

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desperte apenas para alguns alunos interessados, que se identificam e já apreciam essa prática, muitas vezes independente da leitura escolar.

A leitura, no seu sentido mais amplo, é uma habilidade que faz parte da vida do aluno. Afinal, independentemente da escola, ou do papel que essa venha a desenvolver, ele já traz consigo a leitura das coisas, da família, do bairro, enfim, quando chega à escola, já possui um conhecimento prévio.

Segundo Paulo Freire (1986), a escola desconhece que o ato de ler precede a leitura da palavra. A escola se esquece de que o aluno já chega pronto para fazer diversas leituras. Ele chama essa leitura que o aluno sabe fazer ao chegar à escola de leitura de mundo. (cf. Freire, 1986:12)

Como vimos, a afirmação do autor retrata que a escola deve levar em consideração a leitura de mundo que o aluno apresenta e prosseguir a partir dessa leitura, e não impor uma estrutura de leitura escolar que seja totalmente desvinculada daquela que traz.

A leitura é a representação que o aluno faz do mundo; é a partir dessa leitura que faz, que apresentamos a outra parte e a ampliação da leitura do mundo. Apresentamos ainda a leitura daquilo que ele desconhece, ou conhece sob ótica diferente da que será apresentada. É preciso muito cuidado para que esse aluno não fragmente a leitura como uma leitura de escola e outra como leitura de mundo.

Afinal, ela deverá fazer um sentido contínuo na memória do aluno, para que tenha um pensamento e entendimento da escola como continuação da sua vida e vice-versa.

O leitor, sob a ótica de uma leitura sócio-interacional, poderá ler o texto e fazer as relações necessárias para que extraia do texto o significado das lacunas, o entendimento das idéias implícitas e a partir disso realizar as inferências necessárias para o entendimento completo do texto. A partir dessa leitura mais complexa, profunda, ele construirá um novo significado para o texto estudado e é a essa possibilidade de interpretar e de dialogar com o texto que chamamos de interação textual.

Como afirma Brággio, “o texto, na perspectiva sócio-interacional, não traz todos os seus significados; é o leitor quem vai construí-los, na medida em que a interação com o mesmo ocorre”. ( Brággio apud Monteiro:1992:43)

(19)

C

APÍTULO

2

A MUSICA POPULAR BRASILEIRA

2.1. A importância da MPB na expressão social

Tudo o que se faça sobre MPB é oportuno e importante. Uma notícia de

jornal, um programa de rádio, um show na TV, um evento qualquer, um festival, um encontro de pesquisadores – tudo. Porque a música nos leva ao encontro de nós mesmos para descobrir nossa identidade, a conhecer nossa própria história, a história da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país. (Fernando Faro apud Wisnik: 2002:5)

O homem é constituído por muitas nuances, sendo a arte a que mais se aproxima da sua tradução de sentimentos. E é por meio da música que consegue se representar muito bem e atinge assim a sua mais secreta e sensível essência.

A história da música popular no Brasil ocupa um espaço muito maior do que o simples papel de lazer e diversão. Ela traz consigo o retrato de um momento histórico, as representações sociais e políticas de um tempo vivido. As canções são também a representação cultural do momento pelo qual o povo passa. É por ela que as sensações mais intrínsecas desse ser humano vêm a tona.

Música é a expressão dos sentimentos. Ampliando semanticamente o termo”sentimentos”, vamos considerar: retaliação, censura, saudade, subversão, golpe, honestidade, amor, ciúme, paixão, criatividade, protesto. Todos esse substantivos se consubstanciam historicamente no trilhar enunciativo da MPB.

A canção popular do Brasil é uma mistura de arte, poesia, música e história. Conceituamos a Música Popular Brasileira como uma complexa manifestação da cultura popular. A partir dela, a diversidade cultural do Brasil é representada, interpretada, cantada e difundida em todas as camadas sociais. Ela canta também os movimentos sociais e políticos atravessados pelo país, daí o motivo de censura na época da ditadura militar.

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sentimentalmente, desde os intelectuais eruditos até o que temos como a ala mais popular do Brasil, a grande massa que tem no rádio um companheiro diário.

No período da ditadura militar, a partir da década de 50, a MPB transformou-se na voz dos oprimidos. Era também por meio dela que os gritos por justiça se faziam ouvir. Porém, a liberdade de expressão foi cerceada pelas autoridades políticas e militares do país, e se transformou num grande conflito. Muitos cantores e compositores de MPB, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil etc, foram presos ou mandados para o exílio; e também muitas canções (letras de música), como “Roda Viva” e “O bêbado e o equilibrista” foram censuradas. Tivemos discos recolhidos depois de já se encontrarem à venda. O compositor e cantor Chico Buarque foi impedido de gravar e teve que usar um pseudônimo para driblar a censura e não ser identificado.

A música, por vezes utilizada como instrumento de crítica ao governo, também sofre represálias, mas continua a expressar a voz dos que foram injustiçados e exilados, enfim, a voz da oposição ao movimento militar.

Para Vilarino:

Não é possível detectar aspectos de determinadas épocas no nível do seu sentir, senão pela arte e mais precisamente pela música. Não há vestígio histórico mais envolvente do que a música de determinado período. (apud

Wisnik: A MPB em movimento, 2002: 9)

A citação do autor, nos remete ao alcance e importância da canção como expressão de arte e representação dos sentimentos.

Um outro movimento musical, paralelo à MPB, formado por música “romântica”, aquela que, independentemente da situação do país, continuava a cantar o amor, é o da A Jovem Guarda. Esse movimento era formado por um grupo de artistas cabeludos e meninas de mini-saia, que insistiam em cantar o amor, enquanto seus colegas de profissão, ou não, passavam por verdadeiras torturas militares. Em virtude disso afirmamos ainda que A Jovem Guarda

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2.2. A leitura e a MPB

No cotidiano escolar, o material utilizado em maior escala1 como base para a aplicação de conteúdos são os livros didáticos. Há uma cultura dentro da rede pública da Grande São Paulo de que o livro didático é quem permeia os conteúdos a serem desenvolvidos dentro da sala de aula. No entanto, não é o que afirmam as autoras Kaufman e Rodriguez:

Os leitores não se formam com leituras escolares de materiais escritos elaborados expressamente para a escola com a finalidade de cumprir as exigências de um programa. Os leitores se formam com a leitura de diferentes obras que contém uma diversidade de textos que servem, como ocorre nos contextos extra-escolares, para uma multiplicidade de propósitos. (Kaufman e Rodriguez, 1999)

A escola comete um equívoco, e certamente essa é a ponta do iceberg, ao considerar o conteúdo escolar, e mais especificamente considerar como “texto escolar” apenas aquele que está contido no livro didático. Afinal, a escola não é uma ilha e, por isso o aprendizado nela aplicado só faz sentido se fizer também parte do todo, ou seja, da vida real do aluno. É exatamente nesse aspecto, “escola ilha”, que o aluno se apresenta desinteressado do processo de ensino e desenvolvimento da leitura.

A utilização de estratégias que visam despertar o interesse do aluno, aproximando-o do conteúdo, é o recurso fundamental que garante o sucesso da aprendizagem. Por isso, a canção, que representa um pouco a definição do que é ser brasileiro, criativo, alegre, solidário, romântico e espirituoso, é um caminho muito próximo. É uma linguagem que apresenta certa aproximação com o leitor, pois a canção é um texto que também traduz o sentimento do aluno. Daí sua importância como veículo de aprendizagem.

Segundo Solé:

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possibilidade de relacionar de uma forma não arbitrária e substantiva o que já se sabe e o que se pretende aprender. (1998)

A autora nos diz que o aprendizado deve ser significativo; é o mesmo que dizer que o aluno só se identifica com o que é parte do seu mundo real. É o que disse Paulo Freire (1986): “o aprendizado só será aprendido, se tiver significado”.

A canção de MPB não só é carregada de sentimento, como também representa parte significativa dos sonhos que permeiam as mentes dos adolescentes, e por acarretamento, dos alunos. Afinal, como citamos anteriormente, foi com a utilização da canção de MPB que a turma da E.E. do Centro despertou para o mundo da leitura e para a descoberta de outros textos e temas.

Chegamos a encontrar na coleção de livros de Literatura e Língua2 para o Ensino Médio a canção como texto; embora essa mostra tenha sido muito pequena, é pertinente salientar que o livro didático está distante de atender a utilização da canção como texto. O que pode ser um incentivo para a utilização de outros textos, expandindo o universo do livro didático. Por outro lado, seria um erro da nossa parte se desconsiderássemos totalmente o uso do livro didático como um dos instrumentos que podem enriquecer o processo de leitura.

Segundo as autoras Kaufman e Rodriguez, “o maior problema não está na utilização ou não do livro didático, mas sim na escolha dos textos a serem utilizados e no modo como esse textos serão utilizados em sala de aula.Depende do que foi escolhido e de como será o desenvolvimento do trabalho o sucesso do processo de ensino-aprendizagem da leitura”. (cf. 1995)

Assim cremos, é imprescindível incluir na escola o uso de outros materiais para o desenvolvimento do processo de ensino da leitura. Constatou-se que o uso da canção é um motivador de leitura, pois retrata a expressão popular, além de motivar o leitor.

2.3. A MPB contém ciúme

Como mencionamos, a leitura na escola, junto com a MPB, pode trazer importantes contribuições para o aprendizado dos alunos. Muitos aspectos podem ser desenvolvidos na leitura desse gênero de texto, porém, devido ao nosso tempo de pesquisa, abordaremos apenas 1 Segundo apontamentos obtidos por meio de relatórios da Oficina Pedagógica da região de Caieiras-SP.

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o aspecto da Paixão, por meio de uma de suas manifestações mais fortes: o ciúme. Para tanto, nos atemos a uma leitura como processo sócio-estratégico aliado aos aspectos retóricos. Voltaremos a tais aspectos posteriormente. Por hora, estudaremos o que é “paixão” e a relação entre paixão e MPB.

A nossa cultura exprime a paixão de muitas formas e uma delas é a Música Popular Brasileira (MPB). Ela também é uma representante do ciúme3. Por vezes, a música toma o ciúme como um tema direto, mas por outras, canta o ciúme de forma camuflada e natural. “Parece ser na música que procuramos o significado geral e profundo que possa haver na relação da essência do universo com a nossa própria essência.” (Artur Schopenhauer apud Tinhorão, 1981)

A citação acima é um exemplo da ligação que o ser humano tem com a canção. É a busca da representação do sentimento por meio da música. O ciúme e a MPB, juntos, são a manifestação popular carregada de criatividade, emoção e paixão, é a representação do popular na arte. É o sentimento do ser enciumado, que produz caminhos e possibilidades estratégicas de criação para desvendar e traduzir seu sentimento. Há uma necessidade de instigar o outro para que ele cumpra o pedido do ciumento, a fim de que se sinta novamente uma pessoa confortável e inteira, porque para o apaixonado-enciumado é como se faltasse a sua outra metade. Vejamos na canção Pedaço de mim, de Chico Buarque (1978):

Ó pedaço de mim,

Ó metade arrancada de mim, Leva o meu amor

É pelo uso do discurso retórico na MPB que o artista convence e comove o outro a acreditar no seu discurso. Dentro desse quadro de ciúme e de imposição sobre a ação do outro, a música tornou-se um canal muito utilizado para a representação das paixões e especificamente do ciúme, esse sentimento tão comum, porém tão pouco estudado, entendido e reconhecido, ou ainda, tão pouco normal. Essa é a paixão que analisamos.

Percebemos sua presença, pois um olhar superficial já nos permite verificar que ele aparece disfarçado, camuflado, atrás de pedidos de desculpas ou até mesmo de ameaças. Outras vezes, surge explicitamente citado e aclamado. Esse sentimento cria uma situação de permissividade ao indivíduo. Como se tomado por esse sentimento, tivesse licença para agir e

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reagir das formas inesperadas e inusitadas. O ciúme pode ser visto como uma enfermidade que permite ao louco tomar a atitude que quiser, sem necessariamente ter de pagar pelas conseqüências mais tarde.

Na canção seguinte, “A maçã” (1972), de Raul Seixas, ilustramos a presença do ciúme:

Quando eu te escolhi para morar junto de mim Eu quis ser tua alma ser teu corpo, tudo enfim Mas compreendi que além de dois existem mais O amor só dura em liberdade

O ciúme é só vaidade

Sofro mas, eu vou te libertar O que é que eu quero se eu te privo Do que eu mais venero

Que é a beleza de deitar.

Nessa canção, foi efetuada uma escolha, e havia no início uma intenção de “ser o mundo do outro”, uma sensação de “eu te basto”. Mas o tempo passa e traz consigo a necessidade de viver outras coisas, e talvez outras emoções com outras pessoas, afinal o ser humano é formado por várias nuances. Possivelmente outras paixões.

A durabilidade do amor está relacionada com a liberdade, que ao mesmo tempo não é livre , pois o amor deixa para o ser humano uma sensação de liberdade, é como se o próprio amor e o amante fossem totalmente livres,mas não é exatamente assim que a canção mostra. Éxiste a proibição do deitar, ato de autoridade de quem pode proibir, já que está contaminado pelo ciúme, portanto, justificável aos olhos do ciumento. Essa falta de liberdade que permeia o começo da canção vai dar lugar a uma sensação de prisão, o que acaba provocando a necessidade de convivência com outras pessoas, e aí a possibilidade de divisão. A possibilidade de dividir a emoção, o ciúme, é acionado de uma forma arrebatadora; o enciumado torna-se enfurecido ou triste, ocupando assim um papel de vítima. Embora o eu-lírico tenha a consciência desse ciúme, diz: “O amor só dura em liberdade” e a oferece mesmo que sofra muito.

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terceira pessoa a mesma emoção compartilhada, o mesmo sentimento de paixão, medo de perder a exclusividade, de deixar de ser o dono de uma emoção única, que deixa de ser única quando passível de divisão. Esse tormento é muito forte e presente na maioria dos ciumentos.

“O ciúme é só vaidade”, o verso caracteriza o ego ferido, o próprio ciumento o classifica como vaidade, orgulho ferido; portanto possível de ser controlado, ao invés de controlador. Ele apresenta essa possibilidade, mas cita um contrário, ao apelar com o próximo verso: “Sofro, mas eu vou te libertar”. Significa que, no momento, o ser amado está preso e que num futuro próximo será libertado, embora sofra. Já temos aí uma chantagem persuasiva: “se você me ama não vai querer que eu sofra”, logo: continuará sem liberdade. E, mais uma vez, a vontade do ciumento será satisfeita.

A confusão e o desequilíbrio aparecem nas antíteses presentes e analisadas. O que torna explícita a presença do sentimento ciúme. Portanto, o ciúme é usado como forma de coibir o outro, passa por um processo de argumentação, persuasão, mas depois de perceber que pode não sair vencedor, ou seja, que a sua vontade está correndo risco de ser concretizada, parte para a apelação e imposição, por meio da chantagem emocional.

Pudemos perceber nesse exemplo que a presença do ciúme dentro dessa canção é explicitamente marcante e impera no decorrer da canção. O ciúme, nesse caso, é o motivo da canção. È por meio desse sentimento que o ciumento discorre o seu comportamento diante do seu objeto de ciúme.

2.4. As paixões: reguladores das relações humanas

Oh os poetas inventaram inventarão para si mesmos o mito de que as assim palavras foram antes som de ser palavras- alma; alga; lama mal

amalgamada – som como a mágica música som como a alma do mundo que temos os olhos separados dos ouvidos, velando e revelando o talvez nome do sem nome que as coisas tem de nós dentro. (Caetano Veloso apud

Rossi:2006, 23)

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São as paixões que movem o indivíduo a agir de modo tempestuoso. A paixão é o fruto e a causa do agir sem pensar, do movimento de alcançar o objeto de desejo sem pesar as conseqüências.

O ser humano é constituído, entre outras partes, de razão e emoção. Esses são conceitos antagônicos e fazem com que ele seja pautado dentro de uma contradição. Para Aristóteles, a paixão divide, junto com a razão, a alma do ser humano:

Há na alma, ao lado da razão, um princípio ativo e um princípio passivo, ação e paixão se compensando. Essa vontade de lutar contra a paixão não é verdadeiramente racional, na medida em que ela própria se mostra, afinal de contas bastante passional, e Platão caracteriza-a como um ardor de sentimento, uma prova de coragem que consiste em encolerizar-se contra a violência que os desejos exercem sobre nós se não cuidamos, precisamente, de lhes resistir: É que às vezes a irritação luta com os desejos como se fosse

uma força diante de outra. (Aristóteles, XXI)

O desejo e a repulsa, a vontade e a negação, enfim, as mais variadas e ampliadas contradições fazem parte dessas paixões que misturam raciocínio e impulso, fazendo do homem um ser totalmente vulnerável aos sentimentos e atitudes.

A razão é o lado ativo da alma, e a paixão, o lado passivo da alma do homem. Assim, o homem age de forma consciente quando está tomado pela razão, e de forma impulsiva, de acordo com os seus desejos, quando está sob o efeito da paixão.

Segundo Platão

A razão tende para um bem e o conhecimento deste leva naturalmente a praticá-lo. Lembremos: ninguém é mal voluntariamente. Traduzamos: o mal é fruto da ignorância, da ausência da razão, e puro produto da paixão, cega e automática como a sede que induz a beber. (Platão, apud Aristóteles,

2003: XXIII)

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Aristóteles ainda diz que “além disso dá se o nome de paixões a tudo o que, acompanhado de dor e de prazer, provoca tal mudança no espírito que, nesse estado, observa-se uma notável diferença nos julgamentos proferidos”. (Aristóteles, 2003: XLII)

A paixão é um dos possíveis movimentos que condiciona o ser humano a agir ou a movimentar-se dentro da vida, ou se movimenta por si só, ou fica a mercê do próximo acontecimento, que nesse caso, indica uma dependência do ser amado.

Essas paixões apresentam-se em categorias como: a cólera, o amor, o ódio, a compaixão, o desejo, a posse, o prazer, o desespero, a vontade, a inveja, a compaixão, a indignação. O tipo de paixão é o que determina a intensidade do nível de envolvimento do indivíduo. Esse sentir é o que move o ser. Essas paixões formam dois grupos que Aristóteles classifica como o grupo do prazer e o grupo do sofrimento. O grupo do prazer é aquele que só causa sentimento bom e sensação boa, não há nele a presença de dor, sofrimento ou mesmo desejo de morte. Já no grupo classificado como o grupo de sofrimento, temos os seres tomados pelo extremo da paixão, aquela que causa dor, inveja e desejo de vingança. São propriedades daqueles que desejam e até planejam o mau ou ainda a morte para o outro.

A paixão, parte estrita do amor, é o sentimento que determina o comportamento individual dentro do universo. O mundo não parece o mesmo para as pessoas que amam e que odeiam, dependerá do tipo de sentimento pelo qual o indivíduo está tomado, a representação que fará da

maldade. (Platão apud Aristóteles, 2003: XXI)

Para uma pessoa tomada pela “paixão amor”, a vida parecerá doce e encantadora; ao passo que para um ser irado, que está possuído pelo ódio, a vida se mostrará dura e triste, como se perdesse o encanto. É muito diferente a visão que uma pessoa que ama faz da vida da visão que uma pessoa que odeia. Ambas projetam a realidade de forma bem diferente. Os mundos passionais parecem mesmo antagônicos, e o são. É como se o amante tivesse a força do universo, a alegria exalando da sua pele; o amante ama a vida e tudo que faz parte dela. Já o ser humano tomado pela cólera não consegue ter vontade de fazer parte desse universo. Que considera ingrato ou injusto.

Segundo Aristóteles:

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como a cólera, a piedade, o temor e todas as outras paixões análogas, assim como seus contrários.(Aristóteles, 2003: 5)

Assim, as atitudes são concretizadas. Tais atitudes dependem da sua relação com o nível da paixão e da categoria: amor, ódio, cólera, e intensidade: equilibrado, louco, inseguro. A atitude do ser humano apresenta uma relação direta com o sentimento pelo qual está tomado, pois será a partir desse sentimento que formará a sua visão de mundo e agirá perante ele. Disso decorre seu comportamento. O ser que está bem emocionalmente age com mais cautela e terá consigo sempre a razão que fará desse sentimento uma benevolência. Ao passo que o indivíduo que está tomado pelo ódio tem atitudes desequilibradas e insanas.

Para Aristóteles: “A razão é uma paixão refletida, portanto contida, subordinada a um fim pensado.” (2003: XXVI) A paixão ideal em termos de intensidade, é aquela que é dosada pela razão, porque só assim o apaixonado fica com a parte boa; quando a emoção extrapola e cresce mais que a razão, o apaixonado fica vulnerável a cometer desalentos. O extremo não faz parte da paixão.

Podemos ainda dizer que a paixão é ação e expressão da individualidade, daquela face que nem mesmo o ser apaixonado conhecia em si, é um adentrar no desconhecido, surpreendendo muitas vezes a si e ao outro. E que aceitar o outro é aceitar-se a si mesmo. O que é um movimento difícil.

A paixão e o argumento estão intrinsecamente ligados, já que a argumentação é o que serve de tradutor para o apaixonado transmitir seus sentimentos. O argumento é a ação de convencer e para tal é necessário descobrir o que o outro (objeto da paixão) sente, e quais são suas paixões, para que o apaixonado possa utilizar o melhor meio de atingir o seu objeto de desejo, tocá-lo, ou ainda se fazer ouvir.

Esse “sentir” é uma confusão, é a perda de opção, variação, é o momento do movimento por excelência, é o sentir e agir de acordo com a circunstância presente: “Pois é o teclado que o bom orador toca, para convencer o outro. Elas são as respostas às superioridades e às inferioridades” (Aristóteles, XL). Assim, é por meio da argumentação retórica que o auditório (ouvinte) se aproxima de seu orador, identifica-se com e atribui-lhe o afiançamento necessário. Assim é facilitado o ato de convencer e o de a persuadir. O diálogo se concretiza.

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1. A CÓLERA, desejo acompanhado de tristeza e concomitantemente de prazer, já que o encolerizado sente ira de determinado indivíduo e também alimenta o desejo de vingança. A simples imagem da concretização dessa vingança causa prazer e alegria ao possuidor da cólera. O sentir não engloba toda a categoria, mas sim determinada fração pertencente a ela.

Para Aristóteles:

A cólera é uma tendência acompanhada de pena que nos incita a tomar vingança manifesta por um desdém manifesto, e injustificável, de que tenhamos sido vítimas, nós, ou alguns dos nossos. Se a cólera é isto que dizemos, forçosamente uma pessoa encolerizada se irritará sempre contra um indivíduo particular, por exemplo, contra Cleon, e não contra o homem em geral. E isto porque fizeram ou premeditaram fazer algum agravo a ela ou a algum dos seus. A cólera é seguida necessariamente de certo prazer, proveniente da esperança que se tem de se vir a vingar. (Aristóteles, 2003: 99)

Um namorado, por exemplo, que faz parte da categoria homem, trai a namorada; mas, nem por isso a namorada passará a odiar todos os homens, e sim, passará a odiar, ou sentir-se encolerizada pelo namorado.

A cólera é considerada uma afronta. Ela é acionada assim que a pessoa se sente contrariada ou humilhada dentro do que acredita. Será mais intensa quanto maior for o grau de proximidade do ser que a provocou. Nesse caso, é a proximidade e a intimidade entre os seres que determinará a intensidade da atitude.

2. A CALMA é a paixão que se contrapõe diretamente à cólera, Ela advém quando o outro reconhece que “errou”, ou seja, assume e se reafirma como causador do equívoco. É a calma que traz a “calmaria” ao ser que antes estava encolerizado. A calma vem da aceitação e do acato da atitude alheia. É diante da humilhação, do arrependimento e do pedido de desculpas que a calma se manifesta. Ela é a atitude de repensar, voltar-se ao fato com outro olhar.

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os mesmos gostos e princípios e por essa afinidade se aproximam, cuidam dos seus, são leais com o próximo e, assim, por serem boas, despertam o amor.

O amor, portanto, é virtude dos bons, daqueles que vivem do próprio trabalho. Não exploram outro ser para sua própria subsistência, se preocupam em trabalhar para poder sobreviver. Vamos sempre amar aqueles que nos respeitam, nos ouvem, nos dão razão e ainda são nossos cúmplices. Quanto mais os outros se parecerem conosco, maior será a nosso amor por eles.

4.O ÓDIO, diferente da cólera, que só se sente por alguém das nossas relações, é paixão sentida por alguém que não possui nenhuma relação pessoal. É desejo de fazer mal para o outro. Esse desejo pode ser em relação ao indivíduo, ou à classe total de que faz parte, por exemplo, a categoria bandido que é odiada por inteiro e não individualmente.

Quem odeia deseja que o ser odiado desapareça. Não há espaço para a compaixão dentro do sentimento ódio, ainda que o tempo passe, se houver um resquício, ainda que pequeno, de compaixão, não será mais o sentimento “ódio”. Aí esse sentimento já terá dado lugar a outro.

5. O TEMOR é representado pela situação próxima. Vem daquilo que se encontra perto. Não se teme o que está longe, até por parecer pouco provável. O novo provoca o temor, por trazer algo diferente daquilo que costuma viver na sua rotina, e que não reconhece, totalmente estranho à sua vida.

Surge diante das coisas que parecem possuir grande capacidade de arruinar, ou ainda, que possam levar a grandes sofrimentos, e em qualquer fase da vida, seja uma injustiça ou mesmo o temor de vingança. Só teme aquele que possui algo, pois notoriamente o temor vem da perda, da ameaça de que alguma coisa não continue como está.

A vida é um bem possuído, não se teme a morte, a menos que ela pareça muito próxima. Para Aristóteles “não se temem os que estão muito distantes; assim, todos os homens sabem que vão morrer, mas, como esse fato não é imediato, não lhes traz nenhuma preocupação”. (Aristóteles, 2003: 31)

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A confiança advém no credo de que os meios de salvação estão próximos. Pode inclusive dizer-se que a confiança é aquele sentimento que virá após o temor; passou o temor, vem a confiança do final feliz.

Os confiantes são aqueles que gozam da sorte de sempre se saírem bem no final dos acontecimentos, esses carregam a certeza de que tudo sairá certo. È essa certeza de vitória no final que traz o conforto do sentimento de confiança.

7. A VERGONHA e a imprudência são os sentimentos que trazem ao homem a sensação de constrangimento perante o ambiente social em que vive ou se relaciona.

Segundo Aristóteles: “certa tristeza ou perturbação com respeito aos vícios presentes, passados ou futuros, que parecem levar à desonra; a imprudência é certo desdém e indiferença por esses mesmos defeitos.” (Aristóteles, 2003: 39)

É o sentimento de ser menor do que o esperado pela sociedade, de ter menos do que se propôs, ou de ter saído de um processo com algo muito aquém daquilo que era almejado pelas pessoas próximas, ou ainda, que torciam e acreditavam em determinado indivíduo. Tudo isso traz a sensação de vergonha.

Comumente, sente-se vergonha em relação às pessoas que fazem parte de um mesmo grupo, ou ainda com quem se tem relação afetiva. Podemos citar, como exemplo, a família, colegas de trabalho, companheiros de classe, jogadores de um mesmo time, fãs. Qualquer ato que desabone o ser quanto à ética, quanto ao comportamento social politicamente correto, ou ainda quanto ao desempenho profissional, acarretará no sentimento de vergonha. A vergonha, como o temor, está presente quando se está diante do novo, do inusitado.

Em muitos casos a vergonha é indício de uma frustração pública, ou seja, de uma exposição coletiva e não individual, que na sua essência não teria o mesmo teor se fosse mantida em segredo, se fizesse parte do plano individual.

O envergonhado cria mecanismos para se justificar. Quanto maior for o nível de decepção causado, maior será o sentimento de vergonha e mais intensos os pedidos de retratação.

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doação máxima de um ser que nada espera em troca, caso contrário não se classificará como favor.

O favor nunca deve ser medido antes de ser realizado, só será válido se não possuir intenções de benefício próprio para o feitor, seja de qualquer escala.

A única benevolência que o favor poderá trazer será uma sensação da prática da boa atitude para com o semelhante.

9. A COMPAIXÃO é advinda da possível injustiça que possa haver no julgamento de um indivíduo; é quando o sujeito passa por situação de provação sem ser o merecedor de tal acontecimento. É como se o improvável negativo, ruim, do ponto de vista do merecimento, tivesse acontecido com a pessoa errada. E a causa é injusta e inoportuna. A compaixão sempre se origina do infortúnio da pessoa portadora da má sorte. Popularmente se diz que ela “não nasceu com a estrela na testa”.

Essa paixão é muito mais sutil se, por exemplo, comparado com o ódio. Não se trata de um sentimento de grande intensidade; não é uma paixão que movimenta totalmente o sujeito que a sente. A compaixão diferencia-se do terrível, ela é ruim, porém passa muito longe do terrível. É um sentimento de dó, contudo, mais leve do que o incontestável.

10. A INDIGNAÇÃO ao contrário da compaixão é o lamento exacerbado de que se faça feliz aquele que não é merecedor. É o sentimento de contrariedade diante de sorte ou fortunas indesejáveis para o indivíduo.

O indivíduo lamenta que o outro tenha sido contemplado com tamanha sorte, já que não devera ser digno de tamanha fortuna. Fica mergulhado num sentimento de lamúria, lamento, lástima, injustiça do bem, ou sorte para a qual o outro foi contemplado.

Ainda é possível defini-la como sendo lamento por uma sorte merecida e não alcançada por aquele que a merecia. A presença de um forte lamento do bem que acontecera ao outro, não merecedor de tanta sorte e felicidade.

11. A INVEJA é um pesar sobre a outra pessoa que possui o que não deveria possuir; o ser invejoso que ser o dono do bem alheio.

O portador do sentimento de inveja espera alcançar ou ocupar o lugar do invejado, chegando a pensar o quanto é injustiçado por não ser o escolhido para tanta sorte.

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fortuna ou bem alheio. A posse nesse caso elevará o invejoso ao mesmo nível, ou posto, do invejado.

12. A EMULAÇÃO E O DESPREZO são os sentimentos de quem quer possuir o bem alheio. A emulação é aquele desejo de possuir um bem que o homem se sente merecedor e que para possuir se submete a lutar pelo mesmo e assim tornar-se merecedor. Nas competições esportivas, por exemplo, temos a emulação, pois todos os atletas desejam o troféu da vitória e fazem o impossível para o conquistar.

Agora, se um deles usa de má fé e é pego no exame antidoping, mesmo que tenha obtido o melhor desempenho, é olhado pelos outros com desprezo, afinal obteve um bem sem ser merecedor, utilizando-se de meios ilícitos para o conseguir.

O desprezo é o sentir pelas pessoas que são desprovidas de virtude. Aquelas que nada conquistam, nada possuem e nada fazem para merecer algo. É ainda o sentimento que temos ao verificar que a pessoa possui algo que conquistou de mentira. Essa conquista desperta o desprezo.

Temos, segundo Aristóteles, as paixões na sua diversidade de representações. Essas são as diversas faces desse sentimento que move a humanidade e provoca atitudes, ações e reações dentro dos vários segmentos sociais.

Esses são os sentimentos provenientes da paixão, alguns são mais comuns, outros menos. O ser é movido pelo sentimento do momento. Assim, “a paixão é o outro em nós, o humano em sua diferença, portanto sua individualidade. Luta-se contra a paixão como se luta contra o outro, joga-se com ela como se ludibria o próximo.” (Aristóteles, L)

Podemos dizer que o ser humano, tomado pelo seu equilíbrio de virtudes, luta contra as paixões, tentando manter um autocontrole acionado. Porém, sabemos que muitas vezes esse controle é totalmente perdido, e então vem a perda de noção e as atitudes que consideramos desprezíveis, as não virtudes. “Falar das paixões equivale, para a razão, a saber quando não se sabe e o que é impossível saber vendo, o que há de superar. A paixão é o que faz que eu ignore; a razão que eu conheça, e a força de vontade, que eu possa aprender.” (Aristóteles, XXIII)

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emoção, e causa muita dor com a sua fúria: “não há pois possibilidade de passagem da paixão para a razão. A passagem da razão para a paixão é, ou inútil, ou impossível, o que nos dois casos condena a filosofia”.(Aristóteles, XXII)

Pois a cada paixão temos também o seu contrário; elas se apresentam com um lado positivo e outro negativo. Vale dizer que para o amor, temos o ódio; que para a emulação, temos o desprezo; para o desejo, temos a posse; para cólera, temos a calma; para o temor, temos a confiança. Assim, a paixão é um bem e um mal em si, e, portanto, como não poderia deixar de ser, as paixões são tão contraditórias.

Citamos como exemplo a obra de Camões, Amor é fogo que arde sem se ver (1997):

Amor é fogo que arde sem ver, É ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que se ganha em se perder. È querer estar preso por vontade; É servir a que vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade, Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

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Enquanto a razão se mantém, não há espaço para a paixão considerada negativa, mas quando a razão esvai-se, a paixão toma conta. Pudemos perceber que o poema é tomado de antíteses e paradoxos, do mesmo modo que as paixões.

A contradição, como não poderia deixar de ser, está presente ao longo do nosso texto. Mas o que é a paixão senão contradição, tese e antítese que se misturam e se digladiam o tempo todo?

Uma outra concepção de ciúme se encontra no livro Semiótica das paixões, Greimass (1988), que classifica o ciúme como o temor de perder o objeto na presença de um rival ao menos potencial ou imaginário, e o temor do rival nasce da presença do objeto de valor que funciona como pivô.

O ciúme, numa relação passional, pode ser tanto uma depressão e um sofrimento quanto um temor e uma angústia. Depende do momento do acontecimento, do fato que desperta o ciúme: se o ciumento encontra com o objeto de ciúme numa situação de previsão ou se numa situação de pós-acontecido.

Assim, ciúme é apego, rivalidade, insistência, desejo, zelo, indiferença, sensibilidade, dor, medo, rivalidade, amargura. Mas nosso foco será sobre os conceitos de rivalidade e apego.

Segundo o dicionário Petit Robert “rivalidade seria a situação de duas ou mais pessoas que disputam por alguma coisa”.

Na obra de Greimass, encontramos uma dissidência causada pelo ciúme, já que por estar tão desajustado o ciumento deixa de desfrutar do prazer e presença do ser amado e fica apenas com o lado negativo, ruim, a dor.O fato é que o ciumento fica tão perdido e perturbado na sua dor que, de tanto se esforçar para conservar sua amada só para ele, não sonha mais com experimentar, o que no começo fazia suas delícias. A sua atitude, a partir desse sentimento, passa a ser apenas de vigiar o objeto e sofrer suas conseqüências, e assim fica privado de desfrutar as boas sensações.

O apego e a rivalidade constituem a configuração do ciumento. O apego é o sentimento que o ciumento nutre em relação ao seu objeto de ciúme e a rivalidade é o sentimento desencadeado em relação ao seu rival.

A rivalidade nunca se apresentará de forma alegre ao ciumento, pois ela é a presença concreta da dor e da ameaça de perder seu objeto. O apego apresenta-se de forma inquieta e preocupante. Já que essa relação apego-rivalidade é interdependente entre si.

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restringindo-se mais em uma, ora mais em outra. É por meio do ciúme que o indivíduo acaba experimentando os argumentos e utilizando-se de grande variedade retórica, a fim de persuadir o objeto de seu ciúme a comportar-se do modo imposto por ele.

Na obra de Greimas & Fontanille, A Semiótica das Paixões, as paixões aparecem com algumas nuances que se diferenciam das paixões aristotélicas. O ciúme é classificado como uma paixão, e a partir daí os autores ampliam o conceito de ciúme.

A EMULAÇÃO, sentimento que leva a igualar ou ultrapassar alguém em mérito, em saber, em trabalho, é um antigo sinônimo de rivalidade e ciúme, e em alguns casos transformada em mérito, pode ser classificada também como uma paixão.

“O ciúme das pessoas superiores transforma-se em emulação, o dos espíritos pequenos, em ódio. Segundo o autor, o desequilíbrio positivo advém da superioridade moral do ciumento e o desequilíbrio negativo a seu espírito pequeno.” (Balzac apud Greimas)

Para Balzac, o ciumento que consegue manter “uma linha de conduta” está pautado numa ética social de comportamento do ciumento. Enquanto o desequilibrado de espírito pequeno já perdeu todas as regras sociais de conduta.

A INVEJA“apresenta-se em duas formas: sentimento de tristeza, de irritação ou de ódio que nos anima contra quem possui um bem que não temos, e, de outro, ela pode também ser entendida como o desejo de gozar de uma vantagem, de um prazer igual ao de outrem”.

Assim, a inveja tem dupla face: tanto pode representar o desejo de possuir algo que pertence ao outro, ou ainda desejo de ocupar o lugar alheio. De qualquer modo é um sentimento que nos remete ao negativo, não há resquícios do bem.

A SOMBRAé sentimento de desconfiança, temor de ser eclipsado por alguém” (Greimas:1998). Ao contrário da emulação não é o desejo de roubar posição do outro, mas sim o medo de ter o próprio lugar roubado por outrem. É o outro como representação do fim.

O ZELOequivale-se a um vivo ardor em servir a uma pessoa ou a uma causa à qual nos consagramos sinceramente. O zelo seria o apego intenso, que por outro lado tem significado dissidente de uma oposição positiva e negativa: uma paixão moralizada positivamente – zelo –, e outra paixão moralizada negativamente – ciúme. (visto por Greimas como uma paixão).

Para nós, a inveja e a rivalidade têm significado muito distinto, mas para os gregos são muito similares. Daí a sutileza de interpretação, já que tem significado muito tênue.

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uma casa, o desejo da compra, a escolha, a visita ao imóvel e a possibilidade de fechar o negócio, é a possessão pragmática que está presente. Agora, quando esse desejo deixa lugar para a necessidade de desfrutar da casa, já é a possessão tímica que toma conta.

“Por mais que se impute o ciúme ao amor ele é sempre falta de estima.” (P.C.N. de la Chausse apud Greimas)

Com essa afirmação vemos que o ciúme é um sentimento individual e que sua origem está no próprio ciumento e não é fruto de uma provocação alheia, mas sim uma questão de auto-estima.

A EXCLUSIVIDADE é a recusa em partilhar. É o desejo de tomar só para si e não dividir. Retoma o conceito de ser único a usufruir tal prazer. E inicia a presença de um rival, afinal é a presença dele que representa a não-exclusividade. A possibilidade de divisão. O temor de perder a posição de único.

O próprio sentimento de ciúme já é por si só um enaltecer do rival. Afinal, se o outro significa ameaça é porque entende a presença de elementos que fazem com que o ciumento sinta-se temeroso. A postura do ciumento é desencadeada por uma grande tomada de apego. Esse sentimento sustenta o ciumento. Greimas apresenta o conceito de apego como:

conceito genérico: apego vivo e sombrio; um sentimento mau: sentimento mau que se experimenta vendo um outro sentir prazer...; uma inquietude: inquietude que inspira o desejo de partilhar..; e enfim um sentimento doloroso: sentimento doloroso que as exigências de um amor inquieto, o desejo de possessão exclusiva da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade fazem nascer naquele que o experimenta. (Greimas, 2003: 1998)

Na conceituação da Greimas, o ciúme é a causa de gostar, de um sentimento incontestável de apego. È querer o outro para si, num grau de exclusividade e possessão que não deixa margem para o rival. O afastamento de qualquer possibilidade de divisão deixa o ser ciumento mais tranqüilo, dentro do que é possível chamar de tranqüilo. O ciúme muitas vezes pode ser interpretado como bem querer, cuidado, dedicação, mas é o tipo de sentimento, desequilíbrio ou positivo ou negativo que gerará uma atitude ética ou não do ciumento.

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2.5. Conceito de ciúme

O que escutamos quando ouvimos uma canção de amor? O que há nela que possibilita esse gozo da escuta? Uma possível resposta seria de que se trata daquilo que o desejo humano mais procura: o tenso arco da demanda amorosa dirigida ao outro.(Rossi:2003,31)

Neste item apresentamos a conceituação de ciúme e o ciúme na retórica, respectivamente. Adotamos concepções de ciúme e identificamos a presença dessa paixão em algumas situações. Depois tratamos do ciúme como elemento presente no ato retórico. O ciúme é a paixão que se desencadeia a partir de uma outra paixão; ele é sempre conseqüência de uma paixão anterior, e nunca é a causa. Essa paixão fará parte de uma relação de proximidade, de envolvimento. Na maioria dos casos que apresentaremos, o ciúme é sentido por uma pessoa que “faça parte do meio”. È muito provável que o ciumento seja despertado a partir do medo da perda, do risco que sente em perder o objeto do seu ciúme. Ou ainda a partir da possibilidade de divisão – esse também é um fator que desperta grande crise do ciumento. Como já citamos anteriormente, a sensação de bem que o objeto do ciúme desperta deve ser única e inédita, daí justificamos o ciumento do passado ou do futuro; aquele que prefere acreditar que o ser no qual ele deposita sua paixão passou a existir no dia em que se conheceram, apagando assim qualquer marca do que já foi, e de preferência esquecendo tudo que fez parte da sua vida.

O conceito de ciúme foi abordado sob alguns campos de conhecimento. Tratamos de conceituá-lo sob a ótica de alguns autores como Marilena Chauí, René Descartes, Aristóteles e Humberto Eco. Apresentamos ainda o ciúme na canção da MPB e também colhemos alguns conceitos e/ou exemplos em outros campos de conhecimento, como a Música, a Psicologia, a Filosofia, a Literatura. Assim, temos as contribuições dos autores e, paralelamente, as abordamos na sociedade e na cotidianidade.

Afirmamos que esse sentimento tão arrebatador ocupa um espaço de destaque na sociedade. As diferenças aparecem na intensidade e na forma, porém ele é sempre causador de desconfortos, constrangimentos, explicitação das paixões ou até mesmo tragédias.

A seguir apresentamos seus conceitos e variações. A conceituação é subjetiva, já que os ciumentos agem de formas variadas quando estão sob o seu domínio.

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O ciúme é uma confusão de sentimentos. Nós amamos uma pessoa e tudo o que a faz feliz. E odiamos o que a aborrece. Mas se esse ser amado amar outra pessoa. Esse terceiro é amado e odiado por nós ao mesmo tempo, porque se torna um rival, mas meu amado feliz, e me deixa triste. Já não sabemos o que sentimos. Amor e ódio são simultâneos. ( Chauí, 1998:351)

Como vimos, há nessa conceituação a presença de duas paixões muito fortes e antagônicas: o amor e o ódio. Nos referimos ao amor sempre como um sentimento de bem querer, de desejo de felicidade ao outro. E o ódio, sentimento tão forte que chega a desejar o mal para o outro. É uma mistura de bem querer e mal querer que faz com que o “bem seja o que o ser ciumento decide que seja o bem”, ainda que transforme a vida do ser amado em uma prisão, já que o outro deve obedecê-lo, pois só deseja o seu “bem maior”.

Para Descartes o ciúme é conceituado como um ponto positivo dentro da relação de amor, pois ciúme é o temor fundado de perder algo. Segundo Descartes, o ciúme:

é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração (Descartes, 2005: 146)

Não importa se for o temor da perda, o temor de que algo possa mudar durante o trajeto. Tal temor traz consigo a fantasia, a variação. O temeroso imagina que seu bem pode ser perdido a qualquer momento.

Nesse caso, o ciúme pode ser classificado como um sentimento positivo, pois há casos em que o seu teor é representando por cuidado e zelo, para com os objetos ou o ser humano amado. Um pastor que cuida de suas ovelhas com extremo zelo não pode ser acusado de possessivo, já que visa apenas o bem estar delas.

Descartes apresenta o ciúme como uma sensação fundamentada:

Referências

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