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O Adolescente e o Ato Infracional: algumas reflexões

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Academic year: 2020

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ARTIGOS

O ADOLESCENTE E O ATO

INFRACIONAL:

ALGUMAS REFLEXÕES

*

ROGÉRIO ARAÚJO DA SILVA**

Resumo: o envolvimento de adolescentes em atos infracionais, assim como o desenvolvimen-to de um trabalho socioeducativo assume, no Brasil, um percurso histórico, ajustando-se às mudanças necessárias advindas da organização social que refletem os ajustes, embates e con-tradições inerentes às mudanças socais e a legislação vigente. As reflexões aqui expostas partem das formulações iniciais elaboradas pelo projeto de pesquisa - “Adolescentes em conflito com a lei: compreendendo as causas do ato infracional”, a ser desenvolvido pelo Instituto Dom Fernando - IDF/PUC/GO. A pesquisa pretende compreender as possíveis causas que levariam os adolescentes ao cometimento do ato infracional. .

Palavras-chave: Adolescentes. Ato infracional. Socioeducação.

D

esde os anos de 1990, a redução da maioridade penal vem sendo discutida pelo Congresso Brasileiro, em diferentes Propostas de Emenda à Constituição Fede-ral (PECs). Entretanto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou em 31 de março de 2015 a admissibilidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. O resultado tem gerado discussões, mobilizações e protestos em todo o país.

O Instituto Dom Fernando, especializado nas temáticas da infância, da adolescência, da juventude e da família, desenvolve suas atividades de ensino, de pesquisa, de extensão e de promoção de políticas sociais comprometidas com os segmentos com os quais trabalha. E, como

* Recebido em: 03.01.2015. Aprovado em: 27.02.2015.

** Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás. Professor na PUC Goiás. Assessor do Instituto Dom Fernando/ IDF. E-mail: rogersilva@pucgoias.edu.br.

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parte integrante de uma instituição universitária, o IDF tem a clareza de que o papel da uni-versidade é fazer avançar a inteligibilidade da realidade e, por meio da extensão, fazer tanto com que a produção do conhecimento tenha um efetivo contato com a realidade, quanto que o conhecimento produzido chegue de forma mais efetiva ao maior número de pessoas. Desse modo, a pesquisa com adolescentes autores de ato infracional, contribuirá com a produção do conhecimento sobre um segmento social extremamente marginalizado, o que acarretará a possibilidade de conhecer para intervir.

Segundo Monte et al. (2011), o Brasil é um país onde as diferenças sociais e econô-micas ainda segregam milhares de pessoas, marginalizando-as em relação ao desenvolvimen-to social, econômico e político nacional. Nesse cenário, crianças e adolescentes brasileiros, especialmente os provenientes de camadas menos favorecidas economicamente, veem seus direitos fundamentais violados, vitimizados pela violência de todas as espécies (física, sexual, psicológica), em situações de risco social e vulneráveis a mazelas diversas.

Concomitantemente a esse quadro, assiste-se a um fortalecimento dos argumen-tos em prol da redução da maioridade penal, sob alegações pautadas na exacerbação e des-taque dado pela mídia aos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes. Apesar do enfoque exacerbado sobre os atos infracionais praticados por adolescentes, dados do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF, 2002) apontam que a incidência desses atos é menor do que 8% do total de crimes cometidos no país. Eles indicam, ainda, que a prática de infrações cometidas por adolescentes concentra-se nos danos contra o patrimônio (cerca de 75% do total), sendo baixa a taxa de atos que atentam contra a vida. De acordo com dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), o numero de adolescentes em conflito com a lei no ano de 2004, em cumprimento de medidas socioeducativas, não atingia 1% do universo da população adolescente. Do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos, apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em 2013, quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. 

Por outro lado, são os jovens de 15 a 29 anos as maiores vítimas da violência. Ainda segundo o UNICEF (2002), a violência presente na sociedade atinge de forma contundente o adolescente. Somente no ano 2000 foram 9.302 mortes de adolescentes por causas externas, com destaque para os casos de homicídio. Em 2012, entre os 56 mil homicídios no Brasil, 30 mil eram jovens, em sua maioria negros e pobres.

BREVE HISTÓRICO DA SOCIOEDUCAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, o atendimento destinado a crianças e adolescentes em situação de carên-cia, abandono ou práticas infracionais foi, nas últimas décadas, de responsabilidade da Fun-dação Estadual do Bem-estar do Menor1 - FEBEM. Anterior à criação da FEBEM, a Lei Federal

nº 4.513 de 01/12/1964, durante o governo ditatorial, criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM - em substituição ao Serviço de Assistência ao Menor - SAM. À FUNA-BEM competia formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí, criaram-se as FEBEMs, com a finalidade de executarem a política estabelecida.

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Acompanhada de reformas do sistema, a existência da FEBEM2 por si só já se

con-figurava como um desastre no debate que cercava a penalização de jovens no Brasil. Com a falência da FEBEM, em decorrência, dentre outros fatores, das constantes rebeliões e motins, violações de direitos dos internos, superlotação, baixa qualidade/custos elevados, e a lentidão no reordenamento das instituições, fez com que se pensasse outra vertente da Política de As-sistência ao adolescente em conflito com a lei. Entretanto, apesar dos avanços jurídicos que o ECA trouxe, é possível identificar que as práticas punitivas existentes nos códigos de Menores de 19273 e 19794, ainda são persistentes, pois se verificam juristas e operadores do sistema que

ainda se baseiam na lógica dos códigos de menores para fundamentar suas decisões.

A foto a seguir, extraída do trabalho de Rizzini e Rizzini (2004), retrata um Asilo de Menores Abandonados, criado em 1907 na cidade do Rio de Janeiro. Destinado ao abrigo de crianças recolhidas nas ruas, esse abrigo foi administrado pela polícia até 1915 e, devido à má administração, foi integrado ao Patronato de Menores (particular) e passou a ter a deno-minação de “casa de preservação”.

Figura 1: A formatura era um recurso empregado pelos inspetores dos internatos, visando o disciplinamento das crianças. Instituição sediada no Rio de Janeiro, em convênio com a extinta FUNABEM.

Fonte: Rizzini e Rizzini (2004, p. 11).

Figura 2: Asilo de menores abandonados Fonte: Rizzini e Rizzini (2004, p. 19).

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Ainda com o intuito de resolver problemas relacionados à precariedade no atendi-mento aos jovens que cometiam crimes, o Governo Federal instituiu, em 1941, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Esse serviço foi extinto em 1964, pois utilizava um modelo de atendimento do tipo correcional-repressivo, e sofria de uma série de problemas estruturais: falta de instalações físicas adequadas e atuação de profissionais que viam na repressão e puni-ção bases legítimas para a recuperapuni-ção do menor infrator, assim denominados àquela época.

Considerando o fracasso dos projetos anteriores, a sociedade civil, membros do Ministério Público e funcionários da FUNABEM discutiram amplamente a proposta de uma nova lei, baseada no que havia de mais avançado à época em matéria de direito internacional. Esse amplo movimento culminou na elaboração e instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Criou-se, portanto, um instrumento jurídico cuja principal meta era desenvolver políticas públicas voltadas para promoção e manutenção dos direitos essenciais das crianças e adolescentes brasileiros.

No que tange ao ato infracional, o ECA determina algumas medidas que podem ser aplicadas ao adolescente em conflito com a lei, que são chamadas de medidas socioeducativas, responsabilizando o adolescente pelo seu ato e devem ser aplicadas de acordo com a gravida-de. Desta forma, temos em seu artigo 112°:

Art. 112°. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao ado-lescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - inter-nação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (BRASIL, Lei 8.069 de 1990).

Sobre as medidas socioeducativas Volpi (2001, p.66) considera que:

[…] é, ao mesmo tempo, a sanção e a oportunidade de ressocialização, contendo, portanto, uma dimensão coercitiva, uma vez que o adolescente é obrigado a cumpri-la, e educativa, uma vez seu objetivo não se reduz a punir o adolescente, mas prepará-lo para o convívio social.

Ressalta-se que a assistência ao adolescente autor de ato infracional não tem sido preocupação apenas no âmbito político e legislativo. No campo acadêmico, Monte et al. (2011) apontam que o desenvolvimento da consciência e atitudes morais tem despertado a atenção de pesquisadores diversos, havendo um amplo corpo de estudos empíricos, de-monstrando a eficácia de programas de intervenção para a promoção da consciência cidadã, evolução nos julgamentos morais e desenvolvimento do respeito pelos Direitos Humanos, os quais, a partir dessa perspectiva teórica, são elementos imprescindíveis para o comportamento social e respeito pelos direitos de outros cidadãos.

No entanto, torna-se necessária a discussão de instrumentos jurídicos e pedagógi-cos já existentes, a exemplo do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), mais especificamente porque se acredita que o referido campo de conhecimentos tem muito a oferecer na discussão das políticas públicas de cuidado e proteção da criança e do adolescente, e na análise crítica das estratégias de enfrentamento vigentes atualmente. Ade-mais, considera-se que os conhecimentos nessa área podem auxiliar na elaboração, discussão e reformulação das metodologias usadas para efetivar as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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A ADOLESCÊNCIA E O ATO INFRACIONAL: POSSÍVEIS CAUSAS

No que se refere às concepções sobre a adolescência formuladas pela psicologia, Ozella e Aguiar (2008), expõem sua inquietação em relação à maneira pela qual a psicologia tem analisado ou compreendido a adolescência - de forma naturalizante e ahistórica. Ao adotarem uma perspectiva sócio-histórica, os autores partem do pressuposto que o homem é constituído em uma relação dialética com o social e com a história. “Esse homem, consti-tuído na e pela atividade, ao produzir sua forma humana de existência, revela – em todas as suas expressões – a historicidade social, a ideologia, as relações sociais, o modo de produção vigente” (OZELLA; AGUIAR, 2008, p. 98). Partindo dessa percepção completam, ainda, que a adolescência é uma concepção criada historicamente pelo homem, como representação e como fato social e psicológico. Quando definimos a adolescência como isto ou aquilo, esta-mos atribuindo significações (interpretando a realidade), com base em realidades sociais e em “marcas”, significações essas que serão referências para a constituição dos sujeitos.

No campo da Sociologia desenvolveu-se uma área especifica denominada de Socio-logia da juventude. Para Sallas e Bega (2006) pensar numa SocioSocio-logia da Juventude significa retomar o conceito de juventude, bem como os resultados alcançados nas pesquisas para podermos avançar em nossas reflexões. Sabe-se que desde os trabalhos de Ariès (1981), as noções e percepções sobre a infância e a juventude são marcadas social e historicamente, ou seja, elas têm variado no tempo e de uma cultura para outra. Neste sentido, juventude não é simplesmente uma categoria etária ou biológica.

Groppo (2010) ao apreender os modelos contemporâneos de análise sociológica da juventude argumenta que, classicamente, foram dois os principais modelos sociológicos de análise que parecem caracterizar os modos de conceber a condição juvenil. O primeiro assentava-se no paradigma da integração social e em categorias explicativas como função e disfunção social. Neste, as “rebeldias juvenis” eram e são tidas como disfunções, sendo a rebeldia mais característica a “delinquência”. O segundo, o modelo da moratória social, assentava-se em paradigmas reformistas e desenvolvimentistas de transformação social, com forte tendência de considerar as rebeldias juvenis como um impulso à transformação social e tomando como rebeldia mais marcante o “radicalismo”.

A significação da adolescência como uma fase de crise é sustentada, segundo Peres e Rosenburg (1998) pela concepção da ciência positiva, que permite dar a ideia de desar-ranjo, pois a harmonia é pressuposta. Na concepção de adolescência esta leitura faz sentido, na medida em que, dentro da evolução referida, a crise é apresentada como um desvio ou um perigo do curso natural do desenvolvimento, que deve ser cuidado para a retomada da ordem natural.

Vários estudos sobre a questão da identidade de adolescentes são de abordagem “psicologizante”. Para Outeiral (2003, p. 63),

Uma das tarefas essenciais da adolescência é a estruturação da identidade. Embora comece a ser ‘constituída’ desde o início da vida do indivíduo, é na adolescência que ela se define, se encaminha para um perfil mais definitivo, tornando esta experiência um dos elementos principais do processo adolescente. [...] Na adolescência inicial, a identidade se estrutura como uma ‘colcha de retalhos’, na qual cada retalho é um ‘pedaço’ de alguém, tornando difícil saber com ‘quem’ estamos conversando no momento... Posteriormente ocorre um ‘amálgama’ em que várias experiências de identificação se ‘fundem’.

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Para Schoen-Ferreira et al. (2003) a construção da identidade pessoal é considerada a tarefa mais importante da adolescência, o passo crucial da transformação do adolescente em adulto produtivo e maduro. Ainda para os autores a construção da identidade opera em três di-mensões sendo elas: intrapessoais (as capacidades inatas do indivíduo e as características adqui-ridas da personalidade), de fatores interpessoais (identificações com outras pessoas) e de fatores culturais (valores sociais a que uma pessoa está exposta, tanto globais quanto comunitários).

Outra dimensão para compreensão do processo de construção da identidade pe-los adolescentes está em percebê-la como um momento de “crise”. A denominada crise de identidade é marcada por uma confusão de identidade, o que desencadeará um processo de identificações com pessoas, grupos e ideologias que se tornarão uma espécie de identidade provisória ou coletiva, no caso dos grupos, até que a crise em questão seja resolvida e uma identidade autônoma seja construída. É exatamente essa crise e confusão de identidade que fará com que o adolescente parta em busca de identificações, encontrando outros “iguais” e formando seus grupos.

Uma dimensão recorrentemente associada à identidade do adolescente autor de ato infracional recai-se sobre a “delinquência”. Silva et al. (2008) ao conceituar o comporta-mento delinquente também se refere aos comportacomporta-mentos antissociais. O autor alega que a delinquência constitui-se no agravamento de um padrão antissocial que se iniciou no período da infância e envolve comportamentos desviantes e atos ilegais que incluem roubo, assalto, vandalismo e uso de drogas.

Já Volpi (1997) diferencia os conceitos de adolescente delinquente e infrator da seguinte forma: adolescente delinquente refere-se a uma combinação que envolve vários com-portamentos ditos antissociais, os quais são passíveis de intervenção, porém nem sempre estão sob intervenção da justiça, já o menor delinquente passa a ser considerado um adolescente infrator na medida em que há uma intervenção da lei.

Sobre o papel da família e as dimensões do ato infracional do adolescente, Paula (1989) argumenta que a família foi colocada como a grande orquestradora da marginalidade, eis que os pais ou responsáveis são considerados como causadores da ‘situação irregular’ de seus filhos, seja ela concebida como carência de meios indispensáveis à subsistência, abando-no material e até mesmo a prática de infração penal. Podemos enfatizar que além dessas situ-ações, existem outros problemas que podem ser averiguados, sendo claro que grande porcen-tagem dos adolescentes em conflito com a lei possuem um histórico de vida semelhante, ou seja, encontram-se em núcleos familiares disfuncionais, com pais alcoólatras, desempregados, vítimas das injustiças sociais.

Levisky (2000) reflete que a família vem se modificando ao longo das últimas dé-cadas. Os papéis antes bem estabelecidos, na contemporaneidade transitam por inúmeros ajustes. Os mais tradicionalistas criticam tais reedições nos moldes familiares e até os usam para explicar alguns fenômenos sociais como a violência. Alguns estudiosos sugerem que o enfraquecimento da família vem tendo alguns efeitos negativos, já que a família é a principal responsável pela transmissão social de valores que delineia o comportamento dos mais jovens, bem como no desenvolvimento de capacidades morais e cognitivas. Mesmo com a visão mais tradicional da função da família na organização social e transmissão de valores, faz-se impor-tante o posicionamento sobre as multideterminações sociais, bem como motivações pessoais que podem levar o adolescente a entrar no mundo dos delitos e fracassar no cumprimento das leis e ordem social.

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Assis e Souza (1999) acreditam que para compreender a gênese da “delinquência juvenil”, é preciso incorporar três níveis de conceitualização sendo eles: o nível estrutural, o nível sociopsicológico e o nível individual. O nível estrutural incorpora as condições sociais, ou seja, a delinquência seria causada predominantemente por fatores sociais associadas a fa-tores situacionais e pessoais. No nível sociopsicológico a principal teoria explicativa refere-se ao controle social, que conforme Hirschi (1996 apud ASSIS e SOUZA, 1999) a delinquência dos jovens tem relação com problemas na vinculação social destes às instituições como famí-lia, igreja, ou seja, instituições que teriam por função formar ou adaptar os indivíduos às nor-mas sociais. Nesse ponto, toma-se como referência a família e sua importância enquanto um dos fatores causais para a delinquência, a qual se dá na medida do maior ou menor controle, de maneira direta e indireta das ações dos jovens. Quanto à abordagem do nível individual as teorias privilegiam os mecanismos internos do indivíduo como elementos determinantes para a ocorrência da delinquência. Cabe salientar que a causalidade da delinquência é passível de múltiplas interações fatoriais, dessa maneira torna-se necessário pesquisar os diferentes fatores e interconexões que existem entre eles, a fim de visualizar integralmente a questão da violência praticada por jovens.

Crítico das transformações da estrutura tradicional de família, Levisky (2000) ar-gumenta que a família da sociedade atual, o pai simbólico, orientador, que sinaliza o eixo e os limites e o elemento materno, continente e provedor estão esmaecidos, confusos em relação aos seus papéis e valores a serem transmitidos. A mulher vem cada vez mais conquistando novos espaços na sociedade, mas em contrapartida grandes perdas ocorrem na qualidade das relações pais e filhos, característica da cultura vigente.

Outra questão intimamente ligada ao ato infracional é o uso de drogas. Segundo Martins e Pillon (2008), O levantamento realizado pelo Instituto Latino-Americano das Na-ções Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD) demonstrou que é expressiva a quantidade de usuários de drogas entre os adolescentes privados de liber-dade no país: em 2002, 85,6% faziam uso antes da apreensão, especialmente de maconha (67,1%), álcool (32,4%), cocaína/crack (31,3%) e inalantes (22,6%). Adolescentes infratores tendem a procurar amigos no próprio meio de infração, buscando estímulo e apoio em suas ações ilegais como roubos, tráfico ou uso de drogas.

As características do perfil do adolescente em conflito com a lei no Brasil são si-milares àquelas encontradas em estudos internacionais. Estudo realizado com adolescentes privados de liberdade nos Estados Unidos apontou que a maioria apresentava distúrbios de conduta, uso de drogas e estágios de humor negativos. Outras características dessa população apontadas são: impulsividade; hiperatividade; precário controle diante de frustrações; defici-ência de atenção; incapacidade de planejamento e de fixação de metas. Desse modo, com-preendemos ser fundamental o desenvolvimento de pesquisas que visem analisar a associação entre uso de drogas e o ato infracional (MARTINS; PILLON, 2008).

Outro aspecto recorrentemente associado ao cometimento do ato infracional por parte dos adolescentes seria o consumo e/ou melhor dizendo “o consumismo”. De acordo com Queiroz (1984), o acumulo de riquezas característico do sistema capitalista, faz com que o adolescente influenciado pela mídia, tenha a necessidades de fazer parte dessa sociedade de consumo e pertencendo a uma sociedade marginalizada e sem recursos financeiros, a saída encontrada por esse adolescente, muitas vezes é o ingresso na criminalidade. Partindo desse pressuposto, a influência da mídia ao consumo, passa para a sociedade que bons são os

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pro-dutos caros que ela expõe e são inacessíveis as populações menos favorecidas, o adolescente se confronta com a realidade de que não possui condições para comprar um determinado tênis, uma roupa, ou qualquer objeto de “marca” que a mídia coloca como sendo o melhor e que “está na moda”, acaba se vendo na necessidade de obtê-lo, levando-o a cometer o ato infracio-nal na busca por satisfazer esses desejos.

Nessa dimensão, há que se correlacionar a questão de identidade e consumo, visto que na atualidade o “Compro, logo existo” ou “o ser” e “o ter”, de certo modo fazem parte de um mesmo construto que se correlaciona à compreensão dos indivíduos na sociedade contemporânea. Além disso, consideramos que a questão do consumo é ponto fundamental para se compreender a identidade dos adolescentes que cometem o ato infracional, uma vez que independente das alegações que expliquem ou justifiquem a inserção desses adolescentes nessa prática, a exemplo da pobreza, desigualdade e exclusão; disparidades regionais; violência familiar (negligência, abandono); consumo abusivo de drogas; disfunção familiar, abandono escolar; perda da proteção social; dimensões de raça, gênero e etnia que, de modo articulado, explicariam a questão; o consumo seria um elemento fundamental para tal compreensão. A SOCIOEDUCAÇÃO EM GOIÁS

O atendimento aos adolescentes a quem se atribua a prática do ato infracional é organizado, em Goiás, na forma do Sistema Regionalizado de Atendimento Socioeducativo5,

que integra as medidas previstas no artigo art. 112, inciso V e VI da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, organizando-as por meio de um marco conceitual próprio, com definição de financiamento, papéis e responsabilidades nas três esferas de poder e com a participação da sociedade civil. O Grupo Executivo de Apoio a Crianças e Adolescentes (GECRIA), vinculado à Secretaria de Cidadania e Trabalho (SECT), tem a finalidade de coordenar, articular e operacionalizar as políticas públicas sobre adolescentes e jovens em conflito com a lei.

Atualmente, o Sistema Regionalizado de Atendimento Socioeducativo é composto por 10 unidades, sendo 08 (oito) de internação, 01 (uma) de semiliberdade e 01 (uma) de atendimento inicial integrado. O objetivo do sistema socioeducativo é articular e integrar todas as instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efe-tivação dos direitos humanos dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e suas famílias.

Um ponto que gera bastante controvérsia ao se abordar a questão da adolescia e o ato infracional está em compreender qual seria o “perfil” do adolescente que comete o ato infracional, particularmente o adolescente que se encontra em unidades de internação, visto que estes são os que cometem os atos infracionais mais graves. Sobre esses dados exporemos, a seguir, o perfil dos adolescentes internos nas unidades de privação de liberdade do estado de Goiás. Esses dados foram obtidos por meio de levantamento realizado pelo GECRIA, órgão gestor das medidas de internação no estado, e correspondem apenas ao ano de 2013, último levantamento realizado pelo órgão.

No ano de 2013 as unidades de internação do estado de Goiás atenderam um total de 1.260 adolescentes, sendo constituído principalmente por adolescentes do sexo masculino. Destes 94,2% são do sexo masculino e 5,73% do sexo feminino. Registrou-se um percentual

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de 10,95% de reincidência, o que corresponde a 138 adolescentes. No que se refera à idade 6,74% tinham entre 12 e 14 anos; 86,03% entre 15 e 17 anos; e 6,91% entre 18 a 20 anos. Ou seja, a esmagadora maioria dos adolescentes que se encontram em cumprimento de me-dida de internação estão na faixa etária entre os 15 e 17 anos de idade. Segundo análise do Gecria (2015), a hipótese para essa maior prevalência é o fato de a medida de internação ser aplicada em último caso, conforme princípio da excepcionalidade, o que não significa que esses adolescentes não estejam envolvidos em atos infracionais desde o início da adolescência, aos 12 anos.

No quesito cor, nas Unidades Socioeducativas de Internação de Goiás em 2013, os adolescentes de cor parda correspondiam a 63,81%, seguidos da cor branca com 22,32% e preta com 12,14%. Ao somarmos os adolescentes de cor parda e preta temos 75,95%, o que corresponderia ao total de negros, isso se adotarmos os critérios definidos pelo Estatuto da Igualdade Racial que define a população negra como: o conjunto de pessoas que se autodecla-ram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga. Em relação á renda familiar mais de 60% dos adolescentes possuíam renda familiar entre 1 a 3 salários mínimos. Outro item polêmico ao tratar da questão do adolescente e o ato infracional está relacionado à gravidade do ato ou tipo de “crime” cometido. Recorrentemente a mídia e os noticiários exploram crimes com a participação de adolescentes e, quase sempre, tendem a explorar casos isolados como parâmetros indicativos de que os atos cometidos por adolescente são de extrema violência e gravidade. Os dados levantados em Goiás demonstram, entretanto, outra realidade. No que se refera ao ato infracional praticado temos a seguinte incidência: Roubo (63,26%), Homicídio (11,74%), Tráfico (6,90%), Tentativa de homicídio (5,16%), Furto (4,05%), Latrocínio (2,54%), Estupro (2,14%), Porte ilegal de arma de fogo (1,03%), e Receptação (0,95%). Esses lados contradizem as informações propagadas nos meios de co-municações que alardeiam um suposto aumento da gravidade dos atos infracionais praticados por adolescentes.

Em Goiás, como visto, 63,26% dos atos praticados são os de roubo, dado este que corrobora o levantamento realizado pelo UNICEF no Brasil que indicam que a prática de infrações cometidas por adolescentes concentra-se nos danos contra o patrimônio, cerca de 75% do total, sendo baixa a taxa de atos que atentam contra a vida. Do mesmo modo, a pre-dominância dos delitos patrimoniais nas estatísticas nacionais foi demonstrada pelo Levanta-mento Nacional do IPEA de 2003 sobre a situação dos adolescentes privados de liberdade no Brasil, que apontou como mais praticados os delitos de roubo, (42%), seguido de homicídio, (15%), furto, (11%) e tráfico de drogas representando (7,5%) do total.

Como aponta Almeida (2015), o fato de o Brasil estar de acordo com a tendência mundial de endurecimento do sistema penal, torna-se evidente no caso dos adolescentes quando observamos a força assumida pela defesa da diminuição da maioridade penal. Essa visão penal abandona a ideia de recuperação e proteção da criança ou adolescente, para colocar a ideia de uma juventude perigosa e incorrigível. E, contrária ao que vinha sendo construído a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, esta visão exacerba o caráter punitivo e vingativo da pena, sem abandonar a vinculação entre pobreza e crimi-nalidade. A criminalidade e a violência parecem estar mais do que nunca associadas ao adolescente pobre.

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Antes de pensarmos em “penas” que visam uma maior severidade no tratamento dado ao adolescente a quem se atribua a prática do ato infracional, é preciso compreender as reais causas da violência. Ao que parece quer-se combater o efeito sem se compreender as causas. Diante das reflexões pôde-se perceber que, apesar da responsabilidade socialmente atribuída à família, fica evidente a influência que o adolescente sofre em seu contexto de vida e que pode levá-lo ao envolvimento em atitudes ilícitas, pois o que se percebe é que muitos desses jovens estão diante de uma situação financeira precária, agravada por uma cultura consumista, recebem uma educação pobre, tanto por parte da família como da escola. O que reitera sobremaneira a multicausalidade do ato infracional. Surge então, a proposição para que novos estudos compre-endam, junto aos adolescentes, quais as possíveis causalidades do ato infracional,

TEENAGER AND ACT IFRACIONAL: REFLECTIONS ON THE QUESTION Abstract: the involvement of adolescents in illegal acts, as well as the development of a

socio-edu-cational work takes in Brazil, a historic route, adjusting to the necessary changes arising from the social organization which reflect adjustments, clashes and contradictions inherent in change and socais the current legislation. The reflections presented here depart the initial formulations develo-ped by the research project - “ Adolescents in conflict with the law : understanding the causes of the violation,” being developed by the Instituto Dom Fernando - IDF / PUC / GO . The research aims to understand the possible causes that lead teenagers to the commission of the offense.

Keywords: Adolescents. Offense. Socioeducation.

Notas

1 O termo “menor” ou “menor infrator” guarda fidelidade às terminologias empregadas nas formulações da época. Utilizado para definir a pessoa com menos de 18 anos. Desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ele é considerado inapropriado para designar crianças e adolescentes, pois tem sentido pejorativo. Esse termo reproduz e endossa de forma subjetiva discriminações arraigadas e um caráter de exclusão social que remete ao extinto Código de Menores.

2 Ver Moura (2005).

3 Em 1927 é promulgado o primeiro Código de Menores do Brasil (Decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927) no qual a criança merecedora de tutela do Estado era o “menor em situação irregular”. Entende que este conceito vem a superar, naquele momento histórico, a dicotomia entre menor abandonado e menor delinquente, numa tentativa de ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado.

4 Em 1979 foi promulgado o novo Código de Menores, lei 6.697, de 10 de outubro de 1979, prevalecendo, mais uma vez, a visão dos juristas. O novo Código foi uma revisão do anterior, seguindo a mesma orientação no que se refere ao assistencialismo, repressão e desobrigação, em relação ao estabelecimento, de direitos aos sujeitos infanto-juvenis. Continua a apresentar-se claramente a caracterização das crianças e dos adolescentes pobres, por meio da situação irregular, mantendo para este público a designação de menores.

5 Conforme Decreto nº 8.089, de 04 de fevereiro de 2014.

Referências

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ASSIS, S. G.; SOUZA, E. R. Criando Caim e Abel: pensando a prevenção da infração juve-nil. Ciência Saúde Coletiva, v. 4, n. 1, p. 131-144, 1999. Disponível em: <http://www.scielo. br/scielo.php?pid=S1413-81231999000100011-script=sci_arttext>. Acesso em 22 marco de 2015. Acesso em 20 de março de 2015.

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Figura 1: A formatura era um recurso empregado pelos inspetores dos internatos, visando o disciplinamento das  crianças

Referências

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