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IMPLICAÇÕES DO MINERODUTO DA FERROUS SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DAS FAMÍLIAS ATINGIDAS

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Academic year: 2020

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IMPLICAÇÕES DO MINERODUTO DA FERROUS SOBRE A QUALIDADE DE VIDA DAS FAMÍLIAS ATINGIDAS

IMPLICATIONS OF THE FERROUS’ MINING PIPELINE OVER THE QUALITY OF LIFE OF AFFECTED FAMILIES

EFECTO DEL MINERODUCTO DE LA EMPRESA FERROUS SOBRE LA CALIDAD DE VIDA

Andressa Santos Gonçalves

Universidade Federal de Viçosa

andressa.goncalves@ufv.br

Resumo

O conceito de qualidade de vida é bastante relativo, pois cada indivíduo julga o que é necessário para que se tenha uma boa qualidade de vida. Partindo desse principio, a pesquisa teve como objetivo analisar as implicações do processo de implantação do mineroduto da Ferrous sobre a qualidade de vida das famílias atingidas, considerando suas percepções. Para tanto, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com moradores dos municípios de Viçosa e Paula Cândido/MG e com representantes da Ferrous Resources do Brasil, sendo os dados transcritos e submetidos à análise de conteúdo. Os resultados evidenciaram que as famílias atingidas consideram como qualidade de vida “viver bem em um ambiente tranquilo”. A chegada do empreendimento retira esse sossego das famílias, provocando outros problemas, desde questões ambientais, como déficit no abastecimento de água, até outras mais substratas, como a circulação de pessoas diferentes na propriedade e maior insegurança, com redução da qualidade de vida. Conclui-se que a qualidade de vida dos atingidos deveria ser um dos elementos a ser considerado no processo de negociação do empreendimento, dentro da lógica do movimento por justiça ambiental, considerando que meio ambiente e sociedade são realidades indissociáveis.

Palavras chaves: Famílias, Mineroduto, Qualidade de Vida. Abstract

The concept of life quality is very relative since every individual conceives what is necessary to have a good quality of life. Based on this principle, the research aimed to analyze the implications of the process of implementation of Mining Pipeline Ferrous on the quality of life of the affected families, considering the perceptions. Therefore, semi-structured interviews were applied with residents of Viçosa and Paula Cândido / MG and with representatives of Ferrous Resources of Brazil, which data were transcribed and submitted to content analysis. The results showed that the affected families consider as quality of life "to live well in a calm environment”. The arrival of the project takes this quiet, of families, causing other problems, from environmental issues, such as deficit of water supply, to other more pertinent, such as the circulation of unknown people around the property and the increasingly of insecurity, whit reduction of quality of life. It concludes that the affected people life`s quality should be one of the elements considered in the process of negotiation of the project, based on the logic of the movement for environmental justice, considering that environment and society are inseparable realities.

Key words: Families, Mining Pipeline, Quality of Life.

Resumen

El concepto de calidad de vida es bastante relativo, pues cada individuo jusga lo que es necesario para tener una buena calidad de vida. Partiendo de ese principio, la investigaceion tiene como objetivo analizar las implicaciones del proceso de implantación del mineroducto de la empresa Ferrous sobre la calidad de vida de las familias afectadas, teniendo en cuenta sus percepciones. Para tanto, fueron realizadas entrevistas semiestructuradas con los ciudadanos de Viçosa y Paula Candido /MG y con representantes de Ferrous Resources de Brasil, siendo los datos transcritos y sometidos a análisis de contenido. Los resultados

ISSN 1980-5772 eISSN 2177-4307

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142 evidenciaron que las familias afectadas consideran como calidad de vida “vivir bien en un ambiente tranquilo”. Con la llegada del emprendimiento mencionado se pierde esa tranquilidad en las familias, ademas de otros problemas, como cuestiones ambientales, déficit en el abastecimiento de agua, circulacion de personas desconocidas en la propiedad, causando mayor inseguridad, con reducción de la calidad de vida. Se concluye que la calidad de vida de las familias deberia ser uno de los elementos a ser considerado en el proceso de negociación del emprendimiento, dentro de la lógica del movimiento por la justicia ambiental, considerando que medio ambiente y sociedad son realidades inseparables.

Palabras clave: Familias, Oleoducto, Calidad de Vida

1. INTRODUÇÃO

A empresa de mineração Ferrous Resources do Brasil, fundada em 2007, que trabalha com pesquisa, exploração, beneficiamento e comercialização de minério, encontra-se em processo de licenciamento para a construção de um mineroduto1, que irá passar por 17 municípios em Minas Gerais, 3 municípios no Rio de Janeiro e 2 municípios no Espírito Santo (Figura 1), o que representa mais de 400 km de extensão, com 100 metros de largura.

Figura 1: Percurso do mineroduto da Ferrous

Fonte: Brandt (2010).

Neste trabalho foram selecionados como recorte espacial os municípios de Viçosa e Paula Cândido, localizados na Zona da Mata Mineira, uma vez que são regiões em que há uma intensa movimentação de atores sociais se mobilizando contra a instalação do empreendimento. Essa oposição por parte das famílias atingidas se dá, porque, nas áreas rurais, onde está prevista a passagem do mineroduto, existe um grande número de famílias que produz em suas propriedades alimentos para seu consumo e comercialização na região local. Apesar de atualmente estar paralisada a construção da obra, as famílias que se encontram na

1 O mineroduto é um cano com aproximadamente 65 cm de diâmetros, que tem capacidade para conduzir vinte e cinco milhões de

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143 faixa de servidão do mineroduto já estão tendo sua qualidade de vida prejudicada com o processo de implantação do empreendimento, conforme pesquisa prévia de campo.

Considera-se que qualidade de vida é um termo bastante subjetivo, uma vez que o conceito da palavra pode ser compreendido de maneiras diferentes para cada pessoa, em função de seus valores e ambiente vivenciado. Nesse sentido, insere-se a pesquisa em questão, de natureza qualitativa, por considerar fundamental procurar perceber o que os atingidos consideram como qualidade de vida e quais as implicações do processo de instalação do empreendimento sobre a vida dessas famílias.

Pressupõe-se que o modo de viver em comunidade é algo que interfere no significado de qualidade de vida dos indivíduos. Existem populações, que valorizam mais determinadas características do que outras, dando, por exemplo, mais importância à paz, à tranquilidade do lugar e à sociabilidade entre as pessoas. Por outro lado, existem outros grupos, nos quais os indivíduos são mais individualistas, preocupando-se mais com o trabalho e tendo uma vida mais agitada. De acordo com Souza (2015, p.27), os modos de vida urbanos não dependem mais de uma autoridade, de uma prática tradicional, de uma meta transcendente ou de um dogma religioso, o contemporâneo passa a ser marcado pelo fim dos padrões, da estabilidade, da segurança e das certezas, surgindo o tempo da indefinição, do medo e da insegurança. Por outro lado, Leite e Mahfoud (2010, p.30) afirmam que nas comunidades rurais a tradição é que sustenta o modo de vida e dá sentido ao lugar, e isso só acontece porque há uma comunicação entre as gerações, que faz com que as tradições se perpetuem.

Assim, podem ocorrer inúmeras alterações na qualidade de vida das famílias atingidas pelo processo de implantação do mineroduto da Ferrous, desde questões ambientais, como em relação ao desabastecimento das águas nos municípios, até aspectos mais substratos, como o surgimento de pessoas desconhecidas nas propriedades, situações de incerteza e conflitivas, bem como novos modos de vida. Pressupõe-se, como destaca Ludwig (2003, p.16), que a implantação de um empreendimento pode provocar a perda da história vivida no lugar (construída por várias gerações), com a desterritorizalização das pessoas, desestruturação do cotidiano e dificuldades de readaptação, degradação das relações sociais, rompimentos do sentimento de pertencimento e identidade, com lutas por indenizações injustas e precárias. Nesse contexto, é que a qualidade de vida pode ser associada à justiça ambiental, uma vez que os movimentos contrários a novos empreendimentos buscam a atenuação da distribuição desigual do poder e dos riscos ambientais causados a populações mais vulneráveis.

Em função do exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar as implicações do processo de implantação do mineroduto da Ferrous sobre a qualidade de vida das famílias atingidas.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Para atender ao objetivo proposto, a revisão de literatura pautou-se no referencial teórico-conceitual de qualidade de vida e justiça ambiental.

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144 Não há uma conformidade entre todos os autores quanto ao real conceito de qualidade de vida, o que existe são posicionamentos sobre a temática. Segundo Cebotarev (1981, p.21), qualidade de vida pode ser definida como as condições necessárias para satisfazer as necessidades básicas e culturais definidas e indispensáveis para o desenvolvimento normal do potencial humano e o exercício de sua capacidade, sem menosprezar seu ambiente físico e natural.

Herculano (1998, p.43) acredita que o conceito de qualidade de vida está baseado nas diferenças individuais, sociais e culturais, sendo preciso considerar três verbos vividos no cotidiano das famílias: “ter, amar e ser”. No que se refere ao termo “ter”, seriam as condições materiais básicas para o homem sobreviver, no sentido de renda, condições adequadas de habitação, emprego, condições físicas de trabalho, saúde, educação, dentre outros domínios da vida. Quanto ao verbo “amar”, se refere à necessidade de relacionamentos com famílias e amigos, além da formação de identidades sociais. Em relação ao “ser”, diz respeito a um bom relacionamento das pessoas em atividades coletivas, sociais e políticas, com intuito de chegar-se a um crescimento pessoal.

Percebe-se, então, que o conceito de qualidade de vida é algo subjetivo; ou seja, varia de uma pessoa para outra; sendo, portanto preciso compreender o entendimento que cada indivíduo dentro de sua família possui sobre sua qualidade de vida, para examinar se houve alteração na mesma ou não, com o processo de instalação do empreendimento.

Metzem et al (1980, p.65) trabalham com um modelo de qualidade de vida no qual o nível individual de satisfação não deve abranger somente as condições concretas do ser e viver, mas também, como as pessoas ou comunidades se sentem com relação aos diversos componentes da vida, em função de seus espaços físicos e relacionais (Figura 2)

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Figura 2 Modelo de Qualidade de Vida

Fonte: Metzem, et al (1980).

Qualidade de vida é então o pilar que sustenta as famílias, no sentido de terem bem estar e viverem de forma digna. Percebe-se que as empresas de infraestrutura têm administrado de forma inadequada seus processos de empreendimentos, causando implicações de diferentes formas na qualidade de vida das famílias atingidas. Neste sentido, conforme destacam Acselrad et al (2004, p.19), diante de processos de instalação de empreendimentos, as populações não perdem apenas sua base material, pois existem impactos negativos sobre as condições ambientais do lugar onde vivem e seus modos de produção, além de ocorrerem perdas de referências culturais e simbólicas, redes de parentescos e memórias estabelecidas no lugar.

Assim, a distribuição dos impactos de empreendimentos de forma diferenciada, na qual certa parcela da população tem sua qualidade de vida prejudicada mais do que as demais, é vista por autores, como um tipo de injustiça ambiental. Na visão de Martínez (2011, p.66), o que acontece é que há uma transferência dos custos para as pessoas mais frágeis; ou seja, grupos específicos se apropriam de benefícios dos recursos naturais em detrimento dos mais pobres. Deve-se pensar então sob a ótica da justiça ambiental que, de acordo com Martinez-Alier (2001), citado por Zhouri (2008, p.35), significa espacialização da justiça distributiva. Na visão de Martínez (2011, p.42), a ideia desse movimento, que pode ser chamado de justiça ambiental ou ecologismo dos pobres, seria de lutar em favor de grupos menos favorecidos.

Zhouri e Laschefski (2010, p.16) comentam que, em todo o país, a trajetória da modernização culmina no direcionamento da economia para a exportação de commodities, tendo como consequência a multiplicação dos impactos e dos conflitos sociais, com mais danos às populações consideradas de menor renda e também aos grupos étnicos. Assim, esses conflitos ambientais denunciam contradições nas quais as

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146 vítimas não só são excluídas do chamado desenvolvimento, como também assumem todo o ônus dele resultante, promovendo a chamada injustiça ambiental.

A questão da justiça ambiental é analisada por Moura (2010, p.23), que associa o movimento com Qualidade de Vida, considerando que a Justiça Ambiental deve ter como objetivo atenuar a distribuição desigual dos riscos, que afeta a qualidade de vida, tanto na perspectiva ambiental quanto social. De acordo com Acselrad (2005, p.223), a Justiça Ambiental é:

Uma noção emergente que integra o processo histórico de construção subjetiva da cultura dos direitos no bojo de um movimento de expansão semântica dos direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais. Na experiência recente, a justiça ambiental surgiu da criatividade estratégica dos movimentos sociais, alterando a configuração de forças sociais envolvidas nas lutas ambientais e, em determinadas circunstâncias, produzindo mudanças no aparelho estatal e regulatório responsável pela proteção ambiental (ACSELRAD, 2005, p. 223).

Assim, a questão do ambiente deve ser discutida não apenas em termos de preservação, mas também de distribuição e justiça, considerando os direitos sociais e humanos, pela qualidade coletiva de vida e pela sustentabilidade. Neste sentido, a justiça ambiental integra as dimensões ambiental, social e ética da sustentabilidade e do desenvolvimento, por meio da mobilização de um maior número de pessoas envolvidas, na defesa de direitos a ambientes culturalmente específicos; na proteção ambiental contra a segregação sócio territorial, intensificada pelo mercado; na luta contra a pressão destrutiva sobre o meio ambiente e distribuição não equitativa dos recursos; na defesa dos direitos das populações futuras, através da interrupção dos mecanismos de transferência do desenvolvimento para os mais fracos ou menos favorecidos economicamente (MOURA, 2010, p.110). Somente nestas condições, como ressalta o referido autor, a justiça ambiental seria efetivamente um instrumento de cidadania.

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa é parte da dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como exigência do Programa de Pós-Graduação em Economia Doméstica, para obtenção do título de Magister Scientiae.

Para análise das implicações do mineroduto Ferrous sobre a qualidade de vida das famílias foi feito uso da abordagem qualitativa, focando nas percepções das famílias atingidas. Segundo Haguete (1992), o método qualitativo de caráter social enfatiza as especificidades de um fenômeno, em termos de suas origens e de sua razão de ser. Haguete (1987) salientar a importância da pesquisa qualitativa, por fornecer um entendimento intenso de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social frente à configuração das estruturas sociais.

Godoy (1995) corrobora com essa ideia, ao afirmar que através do contato direto do pesquisador com a situação estudada têm-se a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos, buscando compreender os fenômenos sob o olhar dos sujeitos; ou seja, dos participantes da situação em estudo. O referido autor acrescenta ainda que a pesquisa qualitativa descritiva considera que todos os dados da realidade estudada devem ser analisados, pois são muito importantes. O ambiente e as

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147 pessoas nele inseridas devem ser olhados holisticamente: não reduzidos a variáveis, mas observados como um todo.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, foi selecionado como local de estudo os municípios de Viçosa e Paula Cândido, do estado de Minas Gerais/Brasil, isto porque se percebeu que os municípios são palcos de grandes tensões conflituosas relacionadas à questão do empreendimento da Ferrous. Desde 2011, vêm surgindo grupos que discutem a possibilidade da implantação do mineroduto e suas consequências para as comunidades, culminando no surgimento da Campanha Pelas Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous, que abrange diversos municípios do estado de Minas, mas com concentração nas localidades citadas.

Em relação ao universo populacional é importante ressaltar que, segundo dados retirados do Estudo de Impacto Ambiental do complexo da Mina da Viga, em Congonhas – MG, citado por Brandt (2010), ao longo de toda sua faixa de servidão já foram preliminarmente identificados e contatados pela empresa Ferrous 1.010 superficiários, ou seja, o proprietário da terra, cujas propriedades ou posses são atravessadas pelo mineroduto. Em Viçosa, serão atingidas 65 propriedades e, no município de Paula Cândido, 58 propriedades. Contudo a pesquisa em questão contou com 48 entrevistas semiestruturadas junto a famílias residentes dos municípios de Viçosa e Paula Cândido.

Com relação às atividades realizadas pela população dos municípios estudados, foram selecionadas informações retiradas de bancos de dados como o IBGE, com intuito de perceber o grau de importância das áreas que se encontram no traçado do empreendimento da Ferrous. O município de Viçosa tem o setor terciário como o mais relevante para a economia municipal, seguido do setor secundário (indústria) e, por fim, o setor primário, que é referente à agricultura (Figura 3). No setor primário, de acordo com o IBGE (2006), a maioria dos produtores esta concentrada em atividades de lavoura permanente (31%), seguido de pecuária e criação de outros animais (23%), além da lavoura temporária (20,24%). Nota-se que, mesmo não sendo a atividade mais relevante, para a economia local, a agricultura tem importância para o município (IBGE, 2013).

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Figura 3: Especificação do PIB de Viçosa/MG, 2013.

Fonte: IBGE (2013).

Por outro lado, no município de Paula Cândido, o setor terciário é o que predomina seguido do setor primário (que inclui a agricultura) e, na sequência, o setor secundário (Figura 4). Os dados do setor primário dividido em grupos de atividades econômicas mostram que, em Paula Cândido, a maioria dos produtores está concentrada em atividades de Lavoura permanente (47,5%), seguido de Pecuária e criação de outros animais (27,2) além da Lavoura temporária (20,0%). Percebe-se que, nesse município, a agricultura é uma atividade de maior relevância para os moradores, essencial para manutenção da qualidade de vida das famílias.

Figura 4: Especificação do PIB de Paula Cândido/MG, 2013.

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149 Para um retrato social dos municípios pesados foi feito o uso do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH2), que é uma medida comparativa de indicadores de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade, dentre outros fatores, usada em diferentes países. O IDHM é um número que varia entre 0 e 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento humano do município. De acordo com dados do Atlas de Desenvolvimento Humano (PNUD; FJP; IPEA, 2013), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Viçosa é considerado Alto (IDH entre 0,70 e 0,79), pois seu valor foi de 0,775 (Figura 5). Por outro lado o Índice de Desenvolvimento Humano de Paula Cândido é Médio (IDH entre 0,60 e 0,69), já que seu valor foi de 0.637, em 2010 (Figura 6).

Figura 5: Especificação do IDH de Viçosa/MG, 2013.

Fonte: PNUD; FJP; IPEA (2013).

2 É um índice que mede o bem-estar de uma população. Foi elaborado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e com a e Fundação João Pinheiro. Por meio do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil são geradas informações para os 5507 municípios brasileiros e as 27 unidades da Federação, por meio dos seguintes índices: IDH-E (educação), IDH-L (longevidade) e IDH-R (renda), cuja média aritmética simples resulta no IDH-M, que varia de 0 a 1, sendo 1 a posição correspondente aos melhores valores (FJP, 2013).

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Figura 6: Especificação do IDH de Paula Cândido/MG, 2013.

Fonte: PNUD; FJP; IPEA (2013).

Para examinar o significado de qualidade de vida e as implicações que o processo de instalação do empreendimento da Ferrous tem causado e pode causar nas comunidades atingidas, foi questionado ao morador, inicialmente, qual seria seu conceito de qualidade de vida, e, em seguida, foram citadas dimensões que estão relacionadas à qualidade de vida, indagando ao atingido se estas haviam mudado com a possibilidade de implantação do empreendimento ou não. Os moradores citaram os problemas vivenciados pelas famílias e seu grau de satisfação quanto à instalação da obra. Foi feito também uso da pesquisa bibliográfica e documental no intuito de fundamentar a pesquisa e discutir os resultados.

Além disso, foi realizada entrevista com representantes da empresa empreendedora Ferrous Resources do Brasil, questionando-os quais seriam os impactos sobre a qualidade de vida das famílias diante da possibilidade da implantação do empreendimento e seus efeitos futuros.

Todas as entrevistas foram gravadas com a autorização do entrevistado, após leitura do termo de consentimento, exigido pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Viçosa/MG. As narrativas orais registradas com gravador foram posteriormente transcritas e submetidas à análise de conteúdo, conforme metodologia proposta por Bardin (2011). Para os dados quantitativos fez-se uso da estatística descritiva, em termos de frequência, média, análises tabulares e gráficas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Percepções das Famílias sobre Qualidade de Vida e suas implicações com o processo de implantação do mineroduto da Ferrous nas comunidades.

A maioria da população pesquisada relatou considerar como essencial para uma vida de melhor qualidade, o viver bem, em um ambiente tranquilo e agradável, longe de toda a turbulência da cidade (Gráfico 1).

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Gráfico 1: Percepções sobre o significado de qualidade de vida pelos os moradores atingidos pelo mineroduto, Minas Gerais, 2014.

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

No que concerne às dimensões ou componentes da qualidade de vida, estes foram considerados, por mais de 89% dos entrevistados, como essenciais para ter acesso a uma melhor qualidade de vida; porém o domínio tranquilidade foi aquele que mais se sobressaiu, como pode ser evidenciado nos seguintes relatos:

Qualidade de vida é você poder viver bem, na tranquilidade da roça, poder plantar suas coisas, colher as suas coisas. Se divertir. Isso é qualidade de vida (Senhor K, 22 anos, possui ensino médio, vive na propriedade tem 65 anos, família de 7 membros, morador de Paula Cândido atingido pelo mineroduto).

Pra mim qualidade de vida é viver em paz. Se eles chegar aqui e falar comigo que me dá 100 mil 200 mil pra sair daqui não me interesso não, nasci aqui, cresci aqui e vou morrer aqui. É tem coisas que o dinheiro não paga né. É não eu não. Dinheiro pra mim não é negocio não, pra comer e beber a gente trabalha. Às vezes eles dão um dinheiro ai, e a gente vai ter que comprar tudo, o lucro que a gente tem não vai ter não. E às vezes. E eu sei o que eu to comendo eu vou ali planto uma alface, planto uma couve, um repolho, então eu to comendo ali o que eu planto, sem veneno, então eu sei o que eu to comendo, não to comendo veneno nem nada. Então eu não sou a favor não. Sou contra (Senhor W, 46 anos, estudou até a quarta série, vive na propriedade desde que nasceu; família de 4 membros, morador de Paula Cândido atingido pelo mineroduto).

Constatou-se também na fala anterior e em outros relatos que os moradores consideram importante, para sua qualidade de vida, a dimensão trabalho. Valorizavam também ter em sua mesa alimentos saudáveis, produzidos por eles mesmos.

Nesse sentido, nota-se que a percepção das famílias se encaixa com o significado dado por Nahas e Martins (1995, p.34), que dizem que qualidade de vida se refere às condições necessárias para satisfazer às necessidades de existência e de “formação humana”, culturalmente definida e indispensável ao desenvolvimento humano, levando-se em consideração o ambiente. Isso porque o estado de tranquilidade é visto pelos moradores como algo essencial e culturalmente transmitido no meio rural, visto como fundamental para que a comunidade tenha qualidade de vida.

A qualidade de vida está muito associada aos modos de vida. Souza (2015, p.19) discute sobre essa questão ressaltando que, no mundo contemporâneo, as instituições, os códigos sociais e morais não podem mais determinar os modos de vida dos indivíduos/famílias, inseridas no universo urbano, uma vez que os valores da modernidade, as tradições, as crenças, as verdades e as formas de conduta se relativizaram, em

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152 função do avanço do progresso do pensamento e do conhecimento técnico e científico; enfim, em função da modificação dos conceitos de tempo, espaço e indivíduo. Todo esse clima de incerteza, contradição e da produção de individualidades no capitalismo, geradoras de crescentes diferenciações, podem levar alguns ao estado de questionamento, sensação de inadequação e conflitos.

Conforme Koury (2010, p.68), os modos ou estilos de vida, em si, não são alheios a conflitos, pelo contrário, veem-se, exercem-se e se objetivam através deles. Ou seja, o jogo contínuo de diferenciações em ações sociais possibilitam a ampliação e complexificação da cultura subjetiva de um dado espaço-tempo, compondo novas performances individuais e grupais dentro de um estilo e de um modo de vida existente, diferenciado e fragmentado.

Por outro lado, de acordo com Leite e Mahfoud (2010, p.22), em seus estudos realizados em uma comunidade conhecida como Morro Vermelho, localizada na zona rural em Minas Gerais, foi possível perceber que as famílias que vivem no meio rural possuem um modo de vida diferente, uma vez que valorizam suas tradições, considerando-as muito importantes. Reproduzem as tradições em festas religiosas, manifestações culturais, danças e posicionamentos pessoais. Segundo elas, é a tradição que une as famílias e é em torno delas que a vida coletiva se estrutura, sendo essas repassadas para os mais novos nas escolas para que não sejam perdidas ao longo do tempo. Nesse sentido, justifica-se o fato das famílias atingidas perceberem o quanto a tranquilidade diária do meio rural é essencial para uma melhor qualidade de vida. Além disso, a tradição de ter sua terra advinda de antepassados faz com que os moradores se sintam entristecidos de terem que deixar o lugar, ou vê-lo sendo “invadido” por outros. Ou seja, essas perdas simbólicas interferem na qualidade de vida dos atingidos, pois podem levar à desestruturação familiar.

Ainda referente aos modos de vida das famílias das comunidades estudadas, Brandt (2010) menciona no Estudo de Impacto Ambiental do complexo da Mina da Viga, em Congonhas, que as principais atividades realizadas pelos moradores do meio rural estão voltadas para o plantio de culturas permanentes, como café, cana-de-açúcar, banana, laranja, além de culturas temporárias, principalmente feijão, milho e tomate. A principal cultura agrícola cultivada pelos moradores do município de Paula Cândido é o café, sendo esta a que o mineroduto irá primordialmente interferir. Neste município, o mineroduto será disposto na maior parte do seu percurso ao lado de uma estrada rural municipal, a qual dá acesso à comunidade de Airões (sede urbana cidade). Assim, o mineroduto ficará, em geral, disposto a uma distância aproximada de 1 km da sede. O supracitado autor comenta ainda que, no município de Viçosa, a agricultura é fortemente marcada pelas culturas de café, milho e feijão. Nesse município, o mineroduto passará muito próximo do bairro Vila Nova Paraíso, o qual possui uma acentuada característica urbana, embora esteja distante da sede municipal. Este bairro foi implantado ao longo da rodovia MG 280 e pode ser considerado como suscetível aos efeitos de primeira ordem da construção e operação do mineroduto. Os atingidos exercem outras atividades, como criação de gados, porcos, galinhas, frangos, pintos, e equinos. Produzem produtos de origem animal, tais, como leite, ovos e mel, além de carvão mineral.

Com o início do processo de construção do mineroduto, as famílias que possuíam propriedades no percurso do empreendimento e realizavam atividades nessas áreas se viram com duas alternativas de vida, o

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153 êxodo rural ou a mudança de atividade. Existem alguns proprietários que continuaram exercendo suas atividades à espera do empreendimento; porém, o “fantasma” da construção e a incerteza quanto ao futuro tem impedido de investir mais recursos nas propriedades, nas lavouras e criações, refletindo na qualidade de vida da comunidade.

Para verificar as mudanças na qualidade de vida das unidades familiares, foi indagado aos atingidos se o processo de implantação do mineroduto teria interferido nos seguintes domínios da qualidade de vida das famílias: alimentação, educação, saúde, serviço comunitários, ambiente, segurança pessoal e financeira, família, habitação, trabalho, amigos, lazer e integração social. No que diz respeito à educação, alimentação, serviços comunitários, ambiente físico, oportunidades de lazer e religião, quase não houve mudanças na vida das pessoas. No componente saúde, 14,58% dos entrevistados disseram ter percebido alterações significantes, isto porque o fato de passar por negociações e ter incertezas quanto ao futuro de suas propriedades proporcionou certo stress nos familiares, desencadeando outros tipos de doenças, como, por exemplo, pressão alta. Uma moradora de Paula Cândido mencionou que seu vizinho teria até antecipado sua morte por angústias relacionadas a essa questão do empreendimento.

Em torno de 15% dos moradores apontaram mudanças na sua integração social, isso porque surgiu uma aproximação destes com grupos de movimentos sociais e estudantes da UFV, a fim de deter o processo de implantação do mineroduto. Nesse contexto, 47,91% dos entrevistados disseram surgir em si um sentimento novo (seja ele bom ou ruim) diante da possibilidade da implantação do mineroduto. Porém, predominou entre os entrevistados um sentimento angustiante, diante da situação. Assim, a dimensão bem estar consigo mesmo mereceu destaque, já que grande parte dos moradores demonstrou certos sentimentos que surgiram neles após iniciar o processo de instalação do empreendimento em suas propriedades. Foram relatados desde sentimentos ruins às sensações boas, sendo que sentimentos de raiva, indignação e tristeza foram citados com maior frequência, como pode ser percebido nas falas a seguir:

Tristeza, imagina uma pessoa vai lá invade sua propriedade, da o preço deles, eu acho injusto, se fosse uma negociação, de acordo com a gente, pra gente viver bem, ainda ia (Senhor A, 59 anos, estudou até a quarta série, vive na propriedade desde que nasceu, família de 4 membros, morador de Viçosa atingido pelo mineroduto).

Tristeza de você ser dono de uma coisa que você não é, que se não for por bem vai por imposição, hoje uma boa conversa, se não passar de uma forma, passa de outra (Senhor G, 50 anos, estudou até a oitava série, vive na propriedade desde que nasceu; família de 3 membros, morador de Paula Cândido, atingido pelo mineroduto).

Além disso, em torno de 23% dos moradores se sentiram ameaçados em relação à segurança da sua família, afirmando ter receio por terem pessoas estranhas transitando no entorno da propriedade. Esses moradores temem quanto ao futuro, pois têm clareza que, com a implantação de fato do empreendimento, durante as obras será muito complicado conviver com todos os trabalhadores. Acreditam que, diante do fato, surgirão outras consequências negativas, como prostituição, violência, drogas e, até mesmo, gravidez indesejada em adolescentes da região, conforme os seguintes depoimentos:

Ficamos com medo, ai passamos a fechar os portões sempre, ficar cabreiro com carro desconhecido, ficamos alerta, ressabiados, depois da chegada da empresa, e esse tanto de gente esquisita andando por lá (Senhor L, 25 anos, cursando ensino superior, vive na propriedade há 3 anos e meio, famílias com 2 membros, morador de Viçosa atingido pelo mineroduto).

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Eu tenho receio quando começar a obra, que a obra tiver passando, por enquanto não, quem vai lá visitar até agora estão sendo os mesmo, porque eles vão lá todo mês fotografar as placas (Senhor J, 55 anos, possui nível superior, vive na propriedade tem 3 anos, família com 3 membros, morador de Viçosa atingido pelo mineroduto).

Vários funcionários da Ferrous assediaram moralmente os atingidos e até agrediram verbalmente alguns, e pra gente que não tá acostumado com isso ai de repente tem essa invasão da empresa, causa um desconforto muito grande nas famílias, uma tensão, ai fica aquele clima, ai você vê um carro que você não conhece e já começa a observar com medo, desconfiado, então um clima de desconfiança, passou a ter na comunidade, principalmente psicologicamente e emocionalmente, as famílias ficaram muito abaladas (Senhor L, 25 anos, cursando ensino superior, vive na propriedade há 3 anos e meio, famílias com 3 membros, morador de Viçosa atingido pelo mineroduto).

Uma moradora relatou ter insegurança quanto ao futuro da família, porque a mudança dos vizinhos, por causa do empreendimento, tem feito com que a comunidade fique cada vez mais vazia, o que causa certo medo na população. Sem falar da tristeza de já não conviver mais com os antigos vizinhos, considerados amigos.

A gente não sabe o que vai acontecer. Cada vez que vai saindo alguém da comunidade você vai ficando mais preocupado, igual meu tio ali embaixo, pessoa de idade, mais de 70 anos ter que largar a casa dele, isso não é vida não né (Senhora N, 25 anos, possui ensino médio, vive na propriedade desde que nasceu; família com 2 membros, moradora de Viçosa atingida pelo mineroduto).

Tem gente ai que já foi embora, tem duas casas aqui na frente que já foram embora. Porque negociou né, eles já receberam. E a comunidade tá ficando muito deserta, o pessoal vai saindo. E a gente sente falta também dos vizinhos que foram embora, é muito ruim (Senhora J, 67 anos, estudou até a segunda série, vive na propriedade desde que nasceu; família com 3 membros, moradora de Paula Cândido, atingida pelo mineroduto).

Essa perda de ativos é comentada por Pereira et al (2010, p.18), ao afirmar que a necessidade dos atingidos de se instalar em um local, pode levar com que a comunidade rompa com seus meios de vida, o que implica na violação dos seus direitos humanos, uma vez que as pessoas são obrigadas a saírem de suas terras e se realocarem em outro espaço, tendo que construir um novo modo de viver, com novas formas de sociabilidade e culturas.

Na visão dos entrevistados, o abandono das terras foi por motivo das negociações com a Empresa Ferrous; embora, como destaca Favareto (2007), o êxodo rural tem como causa o modelo de desenvolvimento, considerado politicamente conservadores, socialmente excludente e concentrador de terra e de renda, que leva a acentuar as desigualdades sociais e promover relações de trabalho precarizadas, principalmente nos espaços rurais.

Segundo o Estudo de Impactos Ambientais, realizado pela AGB (2012), 625.411 pessoas serão afetadas diretamente em todo o traçado do empreendimento; embora somente sejam desapropriadas de suas terras aquelas nas quais suas residências se encontram exatamente na faixa de servidão do empreendimento, enquanto as demais terão apenas parte da sua terra afetada, devendo encontrar outro meio de realocar suas benfeitorias. Nesse caso, cria-se uma situação que o Banco Mundial, citado por Welle (2014), conceitua como 'deslocado econômico'; ou seja, o morador não é removido de sua propriedade, pois não justifica para a empresa empreendedora, porém perde suas condições de vida e trabalho naquele lugar, modificando todo o seu modo de viver.

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155 A faixa de terra escolhida para o percurso de um mineroduto é aquela mais favorável, de tal modo que sua declividade seja proporcional ao movimento descendente dos materiais transportados ao longo dos dutos, não levando em conta características pedológicas que favorecem ou não a fertilidade do solo.

Mais da metade dos moradores (56,25%) já passou pelo processo de negociação e já recebeu suas indenizações e, por mais que muitos não concordassem com o valor, a maioria investiu o dinheiro. Desse total, em torno de 21% dos moradores consideraram ter realizado mudanças em sua moradia, já que, em muitos casos, a indenização foi destinada para essas melhorias; percebidas como positivas no cotidiano de algumas famílias. Cabe enfatizar, segundo relato dos moradores, que a negociação com a empresa Ferrous foi feita porque os moradores se sentiram obrigados, uma vez que o empreendimento foi considerado de utilidade pública pelo Estado, sendo as famílias pressionadas pelos funcionários da empresa, durante as visitas de negociação.

Outro questionamento feito aos entrevistados é de que forma os mesmos acreditavam que haveria mudanças futuras na qualidade de vida da comunidade; ou seja, como o empreendimento da Ferrous poderia interferir na vida das famílias. Mais de 80% dos entrevistados responderam que existem inúmeros problemas que surgem com a instalação de empreendimento em uma região. As respostas contemplaram uma variedade de problemas, em diversos âmbitos, existindo relatos sobre as consequências que já estão acontecendo nas comunidades, como o prejuízo e o desconforto das famílias que tiveram que abrir mão de suas casas, resultando em sentimentos de tristeza por serem apegadas ao espaço vivido; o próprio stress enfrentado pelas famílias, por imaginar as mudanças que aconteceriam em suas vidas; doenças de alguns familiares ocasionadas pelas incertezas quanto ao futuro. Conforme o relato a seguir destacado, nota-se que a situação de perda também envolve aspectos emocionais e de afetividade:

A perda vai ser sempre no sentido emocional né, minha avó morava aqui né, família tem raízes ali naquele lugar, acredito que seja mais nessa ordem sentimental, vai perder um pouco da historia dela (Senhora M, 35 anos, estudou até a quinta série, vive na propriedade desde que nasceu; família com 5 membros, moradora de Paula Cândido, atingida pelo mineroduto).

Assim, as famílias atingidas por empreendimentos em meio ao processo sofrem de diversas maneiras, uma vez que o sentimento de “perda” tanto da terra quanto de elementos simbólicos podem levar os membros a obterem uma gama de doenças e perturbações. De acordo com Falicov (1988 p. 313): “Loss is regarded by some as purely a “content” issue, involving individual feelings and reactions to events in time, particularly in the past. However, loss is also structural modifier, requiring systemic reorganization”. Ou seja, as perdas envolvem tanto sentimentos quanto reações aos eventos estressores ao longo do tempo, o que requer uma reorganização da vida.

Como já mencionado anteriormente, em torno de 15% dos entrevistados evidenciaram que sofreram alterações relacionadas à saúde de seus familiares, já que a pressão quanto à negociação levou a um estado de stress, encadeando demais doenças, como elevação da pressão arterial e problemas de coração. Os entrevistados se justificaram dizendo que não tinham esse tipo de problema antes de passar pelo processo de negociação para instalação do empreendimento.

Nesse sentido, a autora Falicov (1988), relata ainda que, quando as famílias sofrem perdas, estas podem vir a ter algumas disfunções. Ou seja, quando o indivíduo passa por alguma perturbação, que o leva

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156 ao stress, este pode vir a sofrer disfunções, sejam elas físicas ou mentais. A coincidência temporal de eventos que produzem alterações significativas na vida, com acúmulo de stress, tendem a oprimir, complicar e confundir atividades simultâneas de adaptação, com reflexos, ou mesmo, extinção de outras relações importantes. Acrescenta que ter conhecimento das tarefas e dos assuntos familiares em cada etapa ou ciclo de vida das famílias, que estão passando por problemas de conflitos, pode informar sobre o impacto que a perda irá causar em cada uma delas, pois existe uma enorme gama de diversidade cultural em padrões de lidar com a perda em cada ciclo de vida familiar. Por fim, considera que algumas regularidades sistêmicas tendem a caracterizar a adaptação da família com a perda, existindo alguns padrões mais funcionais em uma fase do que em outra (FALICOV, 1988, p.314).

Outro tipo de problema detectado pelas famílias foi o fato de que as benfeitorias existentes nas propriedades (curral, estrada, galinheiro), em muitos casos, não foram contabilizadas no valor final da indenização, levando-os a terem prejuízos financeiros. A estagnação de plantações daqueles proprietários que já sabem que irão perder suas lavouras é outro fator agravante, já que grande parte dos moradores consiste de agricultores, que vivem da produção agrícola. Pode-se confirmar o quão importante é a agricultura para os municípios aos quais foi realizada a pesquisa, com base em dados do IBGE, relacionados às atividades realizadas pela população atingida, o PIB e o IDH dos municípios em questão, mencionados anteriormente.

Existem também os problemas futuros, já esperados pelas famílias, que têm se tornado motivo de preocupação para os moradores, como, por exemplo, a tensão com relação à possibilidade da existência dos bota foras3; pessoas diferentes circulando pela comunidade; além da insegurança pela possibilidade da ocorrência de desastres. Além disso, existe a preocupação em relação ao abastecimento de água dos municípios. De acordo com relatório feito pela AGB, a Ferrous não fez a contagem correta das nascentes para elaboração do EIA do empreendimento, relatando que as águas onde o mineroduto irá passar são usadas apenas para consumo animal e irrigação, o que é totalmente equivocado, pois existe um grande número de famílias vivendo nas regiões que poderão ser afetadas com a escassez de água. Quase todos os moradores relataram sua preocupação quanto aos recursos hídricos, tanto no que se refere ao medo pelo problema de desabastecimento quanto com a qualidade futura da água, como pode ser evidenciado nos relatos a seguir:

Tem a questão da agua também que tanto pega nascente de comunidades rurais, que têm abastecimento com a mina e com o córrego que abastecem a criação e o mineroduto vai passar né atingindo, afetando e prejudicando essas águas o que vai ter impactos concretos em comunidades rurais. Aqui no Palmital, talvez nem tanto, mas Presidente Bernades, Paula Cândido, tem varias comunidades que dependem das nascentes que se o mineroduto passar eles vão ficar sem água. E o caso de Viçosa também, o mineroduto passa lá em cima do São Bartolomeu, pega varias nascentes, ele vai percorrendo seguindo o leito do Bartolomeu, Palmital, Paraiso, então vai ter impacto direto na bacia do São Bartolomeu e Viçosa já tá faltando água, você bota um mineroduto lá, vai prejudicar ainda mais (Senhor L, 25 anos, cursando ensino superior, vive na propriedade há 3 anos e meio, famílias com 3 membros, morador de Viçosa atingido pelo mineroduto).

Eu tô só manjando o pé desse mineroduto ai, porque a minha água é ali, quero vê o que eles vão fazer comigo em questão da água. Eu tô só esperando pra vê o que eles vão fazer (Senhor J, 53 anos,

3 Bota-fora é o lugar onde são descartados os materiais advindos das obras que envolvam escavação e remoção de terra ou

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estudou até a quarta série, vive na propriedade desde que nasceu; família com 4 membros, morador atingido pelo mineroduto).

Só importo com a água, porque sem ela ninguém vive. Ó, sem agua fica sem luz porque é movida pela água. E nós vamos viver de que? De lamparina? Se eles não acabassem com a agua eles podiam ficar a vontade, mas vai atingir Viçosa inteira, Viçosa já tá com um probleminha de água porque diminuiu a agua por causa da seca né, imagina depois (Senhora A, 67 anos, não estudou, vive na propriedade desde que nasceu, família com 7 membros, moradora atingida pelo mineroduto).

Essa preocupação em relação ao recurso hídrico utilizado em minerodutos se dá porque as tubulações do empreendimento transportam minério de ferro em estado arenoso misturado com água, similar a uma polpa. No caso do mineroduto da Ferrous a água utilizada será retirada do Rio Paraopeba, numa quantidade de 3.400m³/hora, para que a “massa” de minério seja transportada por todo o percurso até seu destino final no Espírito Santo. Outra forma na qual o empreendimento pode causar comprometimento no abastecimento de água dos municípios afetados se dá, como citado anteriormente, pelo fato de que no percurso dos dutos pode haver nascentes que irão ser prejudicadas.

De acordo com o jornal Hoje em dia (2015), os projetos de mineração em Minas Gerais, que têm dutos para o transporte do ferro, contam com uma outorga de captação de água o bastante para abastecer uma cidade de 1,6 milhão de pessoas. O problema maior é que, muitas vezes, uso de água pelos minerodutos não é reaproveitado antes de ser descartado no mar.

Essa degradação do meio ambiente foi comentada pelas famílias entrevistadas, ao afirmar que a futura instalação do empreendimento poderá interferir na qualidade do solo ou da água, bem como nos modos de vida das mesmas. Porém, os moradores salientam que no momento atual não tem problemas relacionados a esses impactos, acreditando que apenas quando as obras iniciarem poderá vir a ter incômodos relacionados a essa questão, conforme trecho abaixo.

Atualmente, antes de o empreendimento de fato acontecer não acreditamos que essas famílias estejam passando por nenhum impacto nesse momento, até porque a empresa não esta fazendo nenhuma atividade, nada. O impacto maior é na implantação, então não houve a implantação não houve impacto (Senhora M, gerente de comunicação da empresa Ferrous).

Diante dos problemas mencionados pelos moradores dos municípios, que serão prejudicados com a implantação do mineroduto da Ferrous, foi questionado aos entrevistados qual seria seu grau de satisfação quanto ao processo de implantação do empreendimento. sendo que mais de 50% dos moradores de Viçosa e Paula Cândido declararam estar insatisfeitos; apesar de 27,08% dos mesmos terem relatado não ter conflito com a empresa, o que pode estar associado ao fato de já terem recebido as indenizações (18,75%). Existem produtores que se consideraram indiferentes com a situação (20,83%), bem como aqueles que se sentiam satisfeitos (27,08%).

Uma moradora do município de Paula Cândido diz estar bastante insatisfeita e com ressentimento com relação à empresa, alegando que os funcionários que entraram em contato com o pai dela agiram de má fé durante as negociações, fazendo com que o mesmo assinasse um documento que transferia a sua terra para empresa, sem receber nada em troca; o fato se torna mais grave já que o pai da entrevistada é analfabeto. Diante do acontecido e com ajuda de advogados, a família conseguiu reverter o quadro; mas, de toda forma, o sentimento de indignação é algo marcante por parte dos membros da família.

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Na verdade, teve os funcionários do mineroduto aqui, e logo em seguida veio o advogado do mineroduto, tentar fazer um acordo com meu pai. E como meu pai é analfabeto, eles tentaram um acordo, nós fomos atrás e recorremos, porque eles queriam que meu pai assinasse alguma coisa que ele não tinha condições de assinar. Eles chegaram explicaram alguma coisa pro meu pai, só que vieram com documentação e meu pai não sabia lê, e ai na questão da documentação era uma liberação pra poder passar lá, sem ressarci nada, pagar nada por aquilo, ou seja, seria só uma utilização deles, passava lá e meu pai simplesmente doaria pra eles o terreno (Senhora E, 34 anos, possui ensino médio, não vive na propriedade, mas a possui desde que nasceu; família de 3 membros, moradora de Paula Cândido, atingida pelo mineroduto).

Outros moradores também demonstraram a mesma insatisfação com o empreendimento:

Totalmente insatisfeito, quem vai ficar satisfeito com isso? Não paga, da direito de posse da sua propriedade. Você iria gostar se alguém invadisse sua propriedade? (Senhor P, 55 anos, estudou até a quarta série, vive na propriedade tem 6 anos, família com 5 membros, morador de Paula Cândido, atingido pelo mineroduto).

Insatisfeito porque não é uma coisa que você faz porque quer, você vai ser obrigado a fazer aquilo (Senhor G, 66 anos, possui nível superior, vive na propriedade desde que nasceu; família com 2 membros, morador de Viçosa, atingido pelo mineroduto).

Os indivíduos tendem a se colocar contra ou a favor do processo, de acordo com aquilo que cada um valoriza como importante para o cotidiano de sua família. Assim, Martínez (2011, p.32) coloca que os conflitos ambientais se expressam como conflitos de valoração, pois cada um dos atores envolvidos tem valores plurais para se posicionarem contra a construção de um empreendimento. Alguns querem preservar os recursos naturais, pois admiram seus valores ecológicos e estéticos; outros porque aquele é seu meio de vida; alguns porque aquele recurso natural tem um valor cultural ou por questões de valoração, no sentido de considerar determinado recurso sagrado. O mesmo autor afirma que quando um recurso ambiental é perdido ou uma espécie que se encontra em extinção ou, até mesmo, uma paisagem insubstituível é eliminada, mesmo que se queira pagar por isso, uma mitigação equivalente se torna impossível.

Os conflitos pelo acesso aos recursos naturais podem ser vistos de duas formas: em uma primeira, existe um sistema de valoração em que especialistas, como economistas e biólogos, calculam o preço dos prejuízos causados. Numa segunda forma de expressão, os valores de perda da biodiversidade de um local, a perda do patrimônio cultural, danos à vida e violação dos direitos humanos, ocasionados pela implantação de um empreendimento, são danos que se tornam não comensuráveis. Na segunda situação, um especialista não conseguiria então resolver o problema, talvez métodos participativos ou avaliações multicriteriais não compensatórias poderiam buscar uma alternativa para o problema (MARTÍNEZ, 2011, p.35).

Zhouri (2008, p.19) trabalha com a ideia que grandes projetos homogeneizadores do espaço geram injustiças ambientais, já que ao serem implantados causam maiores riscos e danos às pessoas mais vulneráveis, como ressaltou Acselrad et al (2004, p.10):

A condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos quem destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania (ACSELRAD, et al, 2004, p.10).

Desse modo, com mais de 50% das famílias insatisfeitas com a possibilidade da implantação do empreendimento e a forma como o processo se iniciou, pode-se associar o fato como um tipo de injustiça

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159 ambiental, considerando que uma parcela da população tende a sofrer maiores prejuízos em nome do progresso e desenvolvimento do país.

Diante desse contexto de injustiça ambiental e exclusão social, percebe-se, então, que a busca pela qualidade de vida das famílias atingidas por grandes empreendimentos pode ser considerada uma maneira de difundir o movimento por justiça ambiental4, considerando que essas famílias atingidas são vistas como grupos menos favorecidos, que sofrem com os impactos socioambientais causados pelas empresas empreendedoras.

Assim sendo, como destacam Peralta et al (2014, p.17), o objetivo das alianças que se formam contra os empreendimentos é manter a qualidade de vida das famílias, evitando-se a violação dos direitos humanos, por meio do acesso aos diversos recursos e o desfrute dos serviços ambientais de forma equitativa, para que o uso da natureza seja feito de maneira sustentável.

5.2 Visão de representantes da Empresa Ferrous Resources

A criação de minerodutos é considerada pelo setor empresarial como uma estratégia de empreendimento que as empresas adotam por acreditar ser uma solução mais viável, tanto em termos financeiros, quanto ambientais. Afirmam que os dutos que carregam minério no subsolo é uma opção mais barata para empresa, pois diminui o tráfego de transporte nas estradas (800 mil caminhões) e suaviza a liberação de gases poluentes, como dióxido de carbono e enxofre para o ambiente. Com base nesse discurso é que as empresas empreendedoras focam nas suas justificativas. Dessa forma, os impactos gerados por essas atividades são tidos como um mal necessário para o desenvolvimento do país.

O engenheiro de minas Munaretti, citado por Welle (2014), discute sobre o assunto, ao afirmar que a fase de instalação e construção de qualquer empreendimento é um pouco conflituosa; porém, após a obra pronta, os moradores sequer se lembram de que existe um mineroduto no subsolo, uma vez que, segundo o engenheiro, o empreendimento não gera nem mesmo vibrações. Munaretti ressalta, ainda, a eficácia ambiental do empreendimento e que no inicio das obras é necessário fazer abertura de trincheiras e valas para enterrar os canos; mas, em seguida, esses buracos são fechados e feitos replantios de vegetação em cima, colocando-se apenas uma marcação no terreno para que não seja construído nada no lugar. Assim segundo fala do engenheiro “O ambiente volta a ser como era originalmente”. As empresas enfatizam também o aumento do número de empregos na fase inicial da construção do empreendimento, justificando que isso traz desenvolvimento, já que movimenta a economia local.

A empresa Ferrous opera nessa linha de pensamento, já que um dos seus princípios é atuar como sujeito catalisador do desenvolvimento sustentável dos municípios onde está inserida, através da promoção de mudanças econômicas e socioambientais, que satisfaçam as duas partes, tanto as comunidades quanto a empresa, em todo o processo do empreendimento (FERROUS, 2016). Durante entrevista cedida à pesquisa, representantes reafirmam essa política da empresa:

4 A justiça ambiental se refere então ao dano ambiental ou consequências negativas que uma comunidade pode suportar, sem que

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A Ferrous acredita que é possível a gente encontrar um denominador comum que possibilite a implantação do projeto, que pode gerar benefícios não só para a empresa, mas para o país como um todo, na medida em que tá gerando riqueza, contribuindo pra balança comercial e pra população que tá ali no projeto indiretamente, que vai receber, que pode receber impostos, que pode receber benefícios da empresa, então a gente sempre acreditando nesse denominador comum (Senhora M, gerente de comunicação da empresa Ferrous).

Na visão da empresa, as famílias atingidas, apenas irão sofrer com os impactos do empreendimento em fases posteriores, que seria com a implantação de fato do mineroduto, como pode ser evidenciado na fala da gerente de comunicação:

A possível instalação do empreendimento poderá trazer mudanças sociais e econômicas para as populações atingidas. No período de implantação de obra, de grande movimentação de pessoas, de maquinas, de terra, que pode gerar poeira, movimentação de pessoas estranhas na região, ruído né. Tem que fazer a movimentação de terra, significa às vezes retirar o vegetal, essas são mudanças que podem acontecer, de impactos negativos, pra cada um deles tem um programa previsto, da mesma forma que existe também impactos positivos, a empresa vai gerar impostos, esses impostos são recolhidos, e são impostos significativos, a mão de obra que é bem especifica, e programas que são desenvolvidos pela empresa que a gente chama de investimento social principalmente na fase da obra (Senhora M, gerente de comunicação da empresa Ferrous).

Contudo, através das falas das famílias entrevistas percebe-se que já vem ocorrendo alguns desses impactos, como o fluxo de funcionários da Ferrous que frequentam as propriedades para negociar ou, mesmo, dar manutenção na faixa de servidão. Segundo relatos dos moradores, são pessoas diferentes a cada visita, o que vem trazendo insegurança na comunidade. E até mesmo questões relacionadas às plantações dessas famílias, já que muitas delas estagnaram suas roças ou deixaram de investir nas mesmas com receio de terem prejuízos futuros.

Foi indagado também aos representantes da Ferrous, se eles acreditavam que as famílias que tem propriedades na faixa de servidão do empreendimento estariam passando por dificuldades. Na visão da empresa, o empreendimento na sua fase inicial pode gerar prejuízos, porém os benefícios predominam, conforme relato abaixo:

O empreendimento pode afetar sim, tanto negativamente, quanto positivamente porque existem situações em que a pessoa recebe uma indenização e com apoio da empresa, dos profissionais ela consegue aplicar esse recurso, incrementar sua produção, então, por exemplo, vou comprar outra propriedade, isso tudo pode ser positivado e atrair o trabalho, então pode afetar sim, pra pior, pode, devido ao apego da família aquele local, às vezes acaba mexendo com aquilo que é dele e ele não queria vender, está muito arraigado o sentimento de pertencimento aquela terra, mas também pode ser uma oportunidade de mudança positiva, às vezes uma família que estava marginalizada, sem acesso a determinado recurso, se vê assistida por uma empresa privada que não só paga uma indenização adequada que vai possibilitar ela ter um incremento na qualidade de vida, como também ajuda pra que ela acesse tudo disponível. Mas nada disso ainda aconteceu, só aconteceu a fase de negociação, ninguém ainda teve a sua terra mexida, ninguém teve que sair de casa, por enquanto só houve as negociações ou as desapropriações, mas ninguém ainda teve que sair da casa e não há previsão, e nem todo mundo vai ter que sair também, o percentual de famílias que vai mexer com casa, a moradia mesmo, e bem menor, e não há perspectiva de quando isso vai acontecer (Senhora M, gerente de comunicação da empresa Ferrous).

Portanto, percebe-se que os representantes da empresa consideram que na atual situação do processo, as famílias não estão passando por nenhum tipo de problema, contrário àquilo que foi percebido através da análise das percepções das famílias atingidas. Na visão dos representantes da empresa, apesar de algumas famílias terem apego às propriedades, eles acreditam que, muitas vezes, a indenização se torna uma oportunidade de mudança positiva para as famílias.

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161

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A influência do mineroduto da Ferrous sobre a qualidade de vida das famílias atingidas envolve uma pesquisa qualitativa, de natureza subjetiva. Sendo assim, o fato das famílias considerarem como essencial para a qualidade de vida “ter tranquilidade”, mostra que a implantação do empreendimento da Ferrous vem, de certa forma, afetando a qualidade de vida das mesmas. Dimensões, como saúde, segurança pessoal e condições de trabalho têm sido prejudicadas com o processo e, principalmente, aquilo que os moradores consideraram como primordial para o seu cotidiano, que seria viver em um ambiente tranquilo.

Mais da metade dos moradores se posicionou como insatisfeita com a instalação do mineroduto, bem como com a forma que o processo tem sido conduzido, apesar de já ter havido inúmeras negociações. As famílias justificam já ter negociado com a empresa por se sentirem pressionadas e não por estarem satisfeitas com a situação. O ideal seria que a empresa revisse o processo de negociação, procurando levar em consideração a qualidade de vida dos atingidos, seus valores, aspectos culturais e o espaço vivido, de forma a reduzir suas perdas materiais e, principalmente, simbólicas.

Por outro lado, na visão dos representantes da empresa Ferrous, o processo como um todo é repleto de vantagens e desvantagens; porém, na fase de negociação que o projeto se encontra não há nenhuma interferência na qualidade de vida dos atingidos, contrariando os resultados das percepções das famílias.

Nesse contexto, quando há implicações na qualidade de vida das comunidades, pode-se associar esse fato à injustiça ambiental, que seria a promoção de riscos e problemas de forma desigual, com maior peso para as populações que já são fragilizadas e mais vulneráveis socialmente. Para minimizar esses problemas uma sugestão seria que as empresas trabalhassem sob uma lógica de justiça ambiental, na medida em que é necessário lutar pelas demandas, necessidades e interesses da população menos favorecidas, com distribuição mais equitativa das possíveis perdas e benefícios.

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Figura 1: Percurso do mineroduto da Ferrous
Figura 4: Especificação do PIB de Paula Cândido/MG, 2013.
Figura 5: Especificação do IDH de Viçosa/MG, 2013.

Referências

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