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Evolução do mieloma múltiplo sob tratamento com os novos fármacos : a propósito de um caso clínico

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Academic year: 2021

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Clínica Universitária de Hematologia

Evolução do Mieloma Múltiplo sob

tratamento com os novos fármacos

A propósito de um Caso Clínico

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Clínica Universitária de Hematologia

Evolução do Mieloma Múltiplo sob

tratamento com os novos fármacos

A propósito de um Caso Clínico

Tânia Marcela Rodrigues Lopes

Orientado por:

Dr. Carlos Manuel Varela Martins

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Resumo

O mieloma múltiplo é uma neoplasia maligna que resulta da proliferação de plasmócitos clonais. É uma doença que se desenvolve ao longo de várias fases e que se manifesta com hipercalcemia, insuficiência renal, anemia e lesões ósseas.

Nos últimos 20 anos, o tratamento do mieloma tem vindo a alterar-se com a introdução de novos fármacos na prática clínica. O inibidor do proteossoma bortezomib e os agentes imunomoduladores talidomida e lenalidomida revolucionaram o tratamento dos doentes recém-diagnosticados, melhorando significativamente o prognóstico, mas na generalidade dos casos ocorre recaída após tratamento inicial. A par destes, estão a ser introduzidos no tratamento das recaídas e principalmente da doença refratária, fármacos ainda mais recentes. Estes fármacos, desenvolvidos com base nos conhecimentos obtidos pela intensa investigação da arquitetura genética do mieloma e da sua relação com a medula óssea, que atualmente se observa, têm prolongado ainda mais a sobrevida dos doentes. Apesar disso, a doença invariavelmente evolui e nas suas fases mais tardias, pode perder a dependência da medula óssea e progredir para doença extra-medular, à qual se associa um mau prognóstico.

Neste trabalho, será apresentado um caso clínico de uma mulher de 72 anos, a quem foi diagnosticado mieloma múltiplo no contexto dum episódio de insuficiência renal aguda. Esta doente foi alvo de vários esquemas terapêuticos, durante aproximadamente 5 anos, acabando por sofrer progressão da doença sob a forma de plasmocitoma extra-medular.

Palavras-chave: mieloma múltiplo; plasmocitoma extra-medular; novos

fármacos; arquitetura genética; microambiente tumoral.

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Abstract

Multiple myeloma is a malignancy that results from the clonal plasma cells proliferation. It’s a disease that develops during several stages and that emerges with hypercalcemia, renal failure, anemia and bone lesions.

Over the last 20 years, the myeloma treatment has been changing with the introduction of new agents in clinical practice. Proteossoma inhibitor bortezomib and immunomodulatory agents thalidomide and lenalidomide revolutionized the treatment of newly diagnosed patients, improving significantly the prognosis. However, in most cases, relapse occurs after the initial treatment. In addition, more recent agents are being introduced in the relapses treatment and mainly in the refractory disease. These agents were developed based on the knowledge obtained by the intensive investigation of the genetic architecture of myeloma and its relationship with bone marrow, which is currently observed, have prolonged the survival of patients even more. Although, the disease invariably develops and in its later stages, it can lose the dependence of the bone marrow and progress to extra-medullary disease, which is associated with a poor prognosis.

It will be presented the case of a 72-year-old-woman, to whom was diagnosed multiple myeloma in what concerns the investigation of a clinical presentation of acute renal failure. This patient was object of several therapeutic approaches during almost 5 years. Finally, the disease progressed into an extramedullary plasmacytoma.

Keywords: multiple myeloma; extramedullary plasmacytoma; new agents;

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Índice

▪ Introdução ... página 6

▪ Caso Clínico ... página 13

▪ Discussão ... página 18

▪ Agradecimentos ... página 21

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Introdução

O mieloma múltiplo (MM) é uma proliferação maligna de plasmócitos clonais, produtores de proteína monoclonal, que ocorre geralmente dentro da medula óssea (MO) [1, 2]. O MM pertence ao grupo das paraproteinemias, doenças em que há elevação sérica do nível de Imunoglobulina (Ig) monoclonal [3]. Afeta principalmente idosos [4, 8] e apenas 35% dos doentes têm menos de 65 anos no momento do diagnóstico [5]. A incidência do MM é de 6 casos por cada 100 000 pessoas [6] e a sua prevalência é elevada, representando 13% dos cancros hematológicos (dos quais é o segundo mais comum) e 1% de todos os cancros [7].

▪ Manifestações Clínicas e Diagnóstico | O mieloma é uma doença progressiva,

que evolui através de várias fases, clinicamente identificáveis (Tabela 1) [8, 3]. A primeira, designada gamapatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI), é uma fase pré-maligna assintomática, na qual uma pequena população de plasmócitos malignos (<10%) infiltra a MO [9]. A GMSI está presente em 1% da população adulta [10] e em mais de 5% nos maiores de 70 anos [9], com risco de progressão para MM de 1% por ano [9, 10]. O mieloma assintomático ou indolente, sucede à GMSI e distingue-se dela por apredistingue-sentar uma maior plasmocitodistingue-se medular (≥10%) e um risco de progressão para MM de 10% por ano, nos primeiros 5 anos [9]. Em seguida, a fase de MM é reconhecida pelo surgimento das características clínicas que incluem

Tabela 1 | Critérios de diagnóstico para Gamapatia Monoclonal de Significado Indeterminado, Mieloma Assintomático e Mieloma Múltiplo (adaptado do International Myeloma Working Group) [8]

GMSI não-IgM a

▪ Proteína M (não IgM) sérica <30 g/l; ▪ Plasmocitose medular clonal <10% b;

▪ Ausência de lesão de órgão-alvo ou amiloidose atribuíveis ao distúrbio dos plasmócitos.

GMSI de cadeias leves

▪ Relação das CLL alterada (<0,26 ou >1,65);

▪ Aumento das cadeias leves de acordo com a relação das CLL (CLL κ, quando a relação é >1,65 e λ quando é <0,26);

▪ Ausência de expressão de cadeias pesadas de Ig na imunofixação;

▪ Ausência de lesão de órgão-alvo ou amiloidose atribuíveis ao distúrbio dos plasmócitos; ▪ Plasmocitose medular clonal <10%;

▪ Proteína M urinária <500 mg/24h.

Mieloma Assintomático

▪ Proteína M sérica (IgG ou IgA) ≥30 g/l ou urinária ≥500 mg/24h e/ou plasmocitose medular clonal de 10 – 60%; ▪ Ausência de eventos definidores de MM ou amiloidose.

Mieloma Múltiplo

▪ Plasmocitose medular clonal ≥10% ou plasmocitoma ósseo ou extra-medular ccomprovado por biópsia; ▪ Pelo menos 1 evento definidor de MM: evidência de lesão de órgão-alvo atribuível ao distúrbio dos

plasmócitos subjacente (hipercalcemia, insuficiência renal, anemia, lesões ósseas) d; ≥1 biomarcadores de malignidade (plasmocitose medular clonal c≥60%, razão das CLL no soro ≥100, >1 lesão focal ≥5 mm na RM).

a A GMSI IgM não é referida porque evolui geralmente para macroglobulinemia de Waldenström e só raramente para MM. b A avaliação da MO pode ser

adiada na GMSI de baixo risco (tipo IgG, proteína M <15 g/l, relação das CLL normal) na ausência de características clínicas do MM. c A clonalidade deve ser

mostrada por citometria de fluxo, imunohistoquímica ou imunofluorescência. d Hipercalcemia: cálcio sérico >1 mg/dl acima do limite superior do normal ou

>11 mg/dl. Anemia: hemoglobina >0,2 g/dl abaixo do limite inferior do normal ou <10 g/dl. Insuficiência renal: clearence de creatinina <40 ml/min ou creatinina sérica >2 mg/dl. Lesões ósseas: ≥1 lesões osteolíticas (>1 se plasmocitose medular clonal <10%) na radiografia, TC ou PET/TC.

Ig: Imunoglobulina; CLL: cadeias leves livres; GMSI: gamapatia monoclonal de significado indeterminado; MM: mieloma múltiplo; MO: medula óssea; PET-TC: PET 18F-fluorodeoxiglucose com TC; Proteína M: proteína monoclonal; RM: ressonância magnética; TC: tomografia computorizada.

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hipercalcemia, insuficiência renal, anemia e lesões ósseas [5, 9, 10] (sob a forma de lesões líticas focais ou osteopenia difusa [10]), tipicamente designadas por sintomas CRAB (acrónimo de hypercalcaemia, renal failure, anaemia, bone lesions), que refletem a lesão de órgão-alvo pelos plasmócitos malignos [5, 9]. Em fases tardias, o MM pode perder a dependência da MO e originar plasmocitomas extra-medulares, por invasão de outros órgãos e tecidos ou leucemia de plasmócitos, quando é detetada no sangue uma elevada percentagem de plasmócitos malignos circulantes (>20%) [10], uma fase agressiva que progride rapidamente para a morte [9].

▪Arquitetura Genética | O MM é uma doença geneticamente complexa, na qual os

plasmócitos adquirem malignidade progressivamente, pela acumulação de alterações genéticas sucessivas, que se traduzem clinicamente nas fases já descritas [9].

Este processo inicia-se durante o desenvolvimento fisiológico dos linfócitos B ativados, nos centros germinativos dos gânglios linfáticos [3, 9], pela interação entre fatores ambientais e genéticos hereditários (três loci em 2p, 3p e 7p de suscetibilidade hereditária para desenvolver mieloma são já conhecidos) [9]. Nesse local, os linfócitos B sofrem alterações genéticas primárias, que levam à imortalização celular e iniciam a transição para a GMSI (Tabela 2) [3, 9]. O tipo de alterações envolvidas permite subdividir a maioria dos casos em mieloma hiperdiploide e não hiperdiploide [9]. No mieloma não hiperdiploide (40 a 50% dos casos) ocorre translocação do locus da cadeia pesada das Ig (IgH), no cromossoma 14q32, para outros cromossomas, incluindo 4, 6, 11, 16 e 20 [9]. Isto ocorre durante a mudança de classe das Ig e coloca proto-oncogenes sob a influência de regiões intensificadoras da IgH [9]. No mieloma hiperdiploide (cerca de 50% dos casos) ocorre trissomia dos cromossomas ímpares 3, 5, 7, 9, 11, 15, 19 e 21 por mecanismos desconhecidos, tendo as translocações do locus da IgH pouca prevalência [9]. Ambos os tipos de alterações primárias levam à desregulação da transição G1/S do ciclo celular, pela sobreexpressão de genes de ciclina D, contudo contribuem para fenótipo [9] e impacto prognóstico distintos (Tabela 3) [2].

Posteriormente, ocorrem alterações genéticas secundárias [9], que incluem translocações (não associadas a mudança de classe), variação do número de cópias, perda de heterozigosidade, mutações adquiridas e alterações epigenéticas [3, 9]. Estas levam à progressão do mieloma [3, 9] e cooperam com as alterações primárias para produzir o fenótipo maligno (Tabela 2) [9]. Alterações na reparação do DNA, edição do RNA, homeostasia proteica e diferenciação celular podem também estar envolvidas [9].

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O mieloma caracteriza-se, pois, por uma elevada instabilidade genómica, que contribui para a acumulação de alterações genéticas durante a progressão da doença [9]. Além disso, apresenta heterogeneidade intraclonal, o que lhe confere uma maior complexidade [3, 9]. A evidência atual sugere que a evolução do mieloma ocorre, numa perspetiva darwinista, através de vias ramificadas [3, 9]. Assim sendo, a evolução dos plasmócitos malignos ocorre pela aquisição de alterações genéticas aleatórias, selecionadas com base na sua vantagem para a sobrevivência, existindo assim em cada fase da doença múltiplos subclones, cujos percursores diminuem, após serem substituídos por outros mais vantajosos [3, 9].

As alterações genéticas levam à ativação constitutiva de diversas vias de sinalização, que contribuem para o desenvolvimento do mieloma, ao estarem envolvidas na proliferação, sobrevivência, migração e resistência a fármacos. Nestas incluem-se a via do NF-κB (em 50% dos casos) e a via das MAPK, que apresenta frequentemente mutações nos oncogenes N-Ras e K-Ras (muito frequentes isoladas, mas em apenas 20 a 35% dos casos combinadas) e B-Raf (em 4% dos casos). Outras vias de sinalização, como a JAK-STAT e a da PI3K (ambas desreguladas em 50% dos casos), que contribuem para a proliferação celular, podem ser estimuladas através de interações com o microambiente da MO. Assim, em associação com as alterações secundárias, os plasmócitos malignos requerem uma relação especializada com o microambiente medular para proliferar e sobreviver [9].

Tabela 2 | Alterações Genéticas detetadas por FISH (adaptado do International

Myeloma Working Group) [2]

Alterações Primárias

Translocação de IgH Gene(s); Frequência

t(4;14) t(6;14) t(11;14) t(14;16) t(14;20) FGFR3/ MMSET; 15% CCND3; 4% CCND1; 20% MAF; 4% MAFB; 1% Hiperdiploidia; Frequência

Trissomia dos cromossomas 3, 5, 7, 9, 11, 15, 19, 21; 50% Alterações Secundárias

Deleção Gene(s); Frequência

1p 6q 8p 13 11q 14q 16q 17p CDKN2C, FAF1, FAM46C; 30% 33% 25% RB1, DIS3; 44% BIRC2/ BIRC3; 7% TRAF3; 38% WWOX, CYLD; 35% TP53; 7%

Ganho Gene(s); Frequência

▪ 1q CKS1B, ANP32E; 40%

FISH: fluorescent in situ hybridization; IgH: cadeia pesada das imunoglobulinas.

Tabela 3 | Risco Citogenético (adaptado do

International Myeloma Working Group) [2]

Risco Citogenético

Alto risco

▪ t(4;14), t(14;16), t(14;20), del(17p) e ganho(1q) por FISH

▪ Cariótipo não hiperdiploide ou com del(13). ▪ Assinatura de alto risco por GEP

Risco

Standard

▪ Todas as outras, incluindo t(6;14) e t(11;14) por FISH.

Del: deleção; FISH: fluorescent in situ hybridization; GEP: gene expression profiling;

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▪ Influência da MO | A influência da MO no mieloma começa a fazer-se sentir logo após os plasmócitos malignos deixarem os centros germinativos. Estes migram para a MO [10] e aí estabelecem complexas interações com componentes celulares, matriz extracelular (MEC) e fatores solúveis, em nichos especializados [9, 10]. Nas fases iniciais, os plasmócitos malignos dependem de quimiocinas derivadas da MO no

homing e de componentes das células do estroma e da MEC na adesão e iniciação das

cascatas de sinalização intracelulares, que permitem a proliferação, sobrevivência [10] e disseminação para locais secundários da MO [9]. As células do estroma e a fibronectina da MEC são ainda capazes de induzir resistência a fármacos mediada por adesão celular [10]. A interleucina 6 (IL-6), principal fator de crescimento dos plasmócitos malignos, leva à sua proliferação, resistência a fármacos e protege-os da apoptose [10], ao estimular a via JAK-STAT [9]. Em fases avançadas da doença, a dependência da IL-6 é perdida, o que pode facilitar a colonização de locais extra-medulares, passando o

Insulin-like growth factor 1 (IGF-1) a ser responsável pela proliferação e sobrevivência

dos plasmócitos malignos [10]. Tanto a IL-6, como o IGF-1 estimulam a via da PI3K, levando à proliferação celular e resistência à apoptose [9].

As células imunológicas têm respostas alteradas no mieloma, que parecem ser importantes na progressão de MGUS para MM. As células natural killer (NK) e os linfócitos T medeiam respostas protetoras anti-mieloma, que são perdidas ao longo da progressão da doença. No caso das células NK, por imunossupressão e por fuga imune devida á edição progressiva dos seus recetores para os plasmócitos malignos. No caso dos linfócitos T, por mecanismos de tolerância e defeitos na apresentação antigénica pelas células dendríticas. Ainda assim, as respostas dos linfócitos T de memória podem ter um papel crucial no controlo das células tumorais latentes e na prevenção de recaídas. As células mieloides, por sua vez, promovem a inflamação facilitadora da progressão tumoral, estando implicadas duas subpopulações no mieloma: as

myeloid-derived supressor cells (MDCS), que resultam da exposição persistente a fatores

solúveis no microambiente tumoral e os tumor-associated macrophages (TAM). As MDCS parecem contribuir para a progressão através da supressão de respostas T CD8+ anti-mieloma, indução dos linfócitos T reguladores (Foxp3+) e estimulação da proliferação dos plasmócitos malignos. Os TAM associados ao MM (CD68+) amplificam a angiogénese, produzem fatores de crescimento para os plasmócitos malignos e protegem-nos da apoptose pela via da caspase, conferindo resistência a fármacos. Os eosinófilos também promovem o crescimento dos plasmócitos malignos.

(10)

A MO apresenta um microambiente propenso à tolerância, pela abundância de células mieloides imaturas e de linfócitos T reguladores que inibem respostas imunológicas, o que pode dificultar o desenvolvimento de respostas anti-mieloma [10].

Por sua vez, o mieloma também tem impacto na MO [10]. Além dos plasmócitos malignos sequestrem os componentes da MO para o seu desenvolvimento, também promovem a angiogénese e provocam deficiências imunológicas, aumentando a suscetibilidade a infeções e neoplasias secundárias [10]. Os plasmócitos malignos perturbam ainda a remodelação óssea, ao promoverem a ativação dos osteoclastos e inibição dos osteoblastos [6], através de interações com estas células e com células do estroma, nas quais o recetor ativador do NF-κB (RANK) e o seu ligando RANKL são cruciais [10].

▪Tratamento e Prognóstico | O comportamento clínico do MM é heterogêneo [1,

9, 11] e a sobrevida pode variar de alguns meses a mais de 10 anos [1, 11], pelo que é importante avaliar o prognóstico dos doentes com MM recém-diagnosticado [4]. Para tal, utiliza-se o revised International Staging System (R-ISS), que permite identificar 3 entidades da doença com prognóstico distinto (Tabela 4) [11]. Além da β2-microglobulina e albumina séricas já utilizadas no estadiamento do MM, o R-ISS veio incluir as alterações citogenéticas detetadas por interphase fluorescent in situ

hybridization (iFISH) e a lactato desidrogenase (LDH) sérica [11]. As alterações

citogenéticas são cruciais para definir as características biológicas do MM, traduzindo por si só doença de alto

risco [11]. A LDH sérica é importante, porque a sua elevação correlaciona-se com a agressividade da doença e sugere taxa de proliferação elevada e/ou presença de massa tumoral (em particular extra-medular e extra-óssea) [11]. A idade é importante como fator de prognóstico independente [5], mas uma

Tabela 4 | Estadiamento do Mieloma Múltiplo segundo o R-ISS

(adaptado do International Myeloma Working Group) [11]

Estádio ISS

I II III

▪ β2-microglobulina sérica <3,5 mg/l e albumina sérica ≥3,5 g/dl; ▪ Sem critérios para estádio I ou III do ISS;

▪ β2-microglobulina sérica ≥5,5 mg/l.

AC por iFISH

Alto risco Risco standard

▪ Presença de del(17p) e/ou translocação t(4; 14) e/ou t(14;16); ▪ Sem AC de alto risco.

LDH

Normal Elevada

▪ LDH sérica inferior ao limite superior do normal; ▪ LDH sérica superior ao limite superior do normal.

Estádio R-ISS I II III

Estádio I do ISS e AC de risco standard por iFISH e LDH normal; ▪ Sem critérios para estádio I ou III do R-ISS;

▪ Estádio III do ISS e AC de alto risco por iFISH ou LDH elevada.

AC: anomalias cromossómicas; del: deleção; iFISH: interphase fluorescent in situ hybridization; ISS: International Staging Sistem; LDH: lactato desidrogenase; R-ISS: revised International Staging Sistem.

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avaliação global com atenção às co-morbilidades, grau de incapacidade e fragilidade é necessária para definir o estado do doente e auxiliar na escolha terapêutica [4].

Nas últimas décadas, a introdução de novos fármacos melhorou muito as taxas de resposta [6, 10] e a sobrevida global entre os subgrupos prognósticos [10, 11]. Os novos fármacos incluem agentes imunomoduladores (talidomida, lenalidomida e pomalidomida), inibidores do proteossoma (bortezomib, carfilzomib e ixazomib), anticorpos monoclonais (daratumumab e elotuzumab) e um inibidor da histona deacetilase (panobinostat) [12]. Estes fármacos são usados em combinação com agentes tradicionais, nos quais se incluem corticosteroides, agentes alquilantes e antraciclinas [12, 13].

O tratamento do MM deve ser iniciado imediatamente após o surgimento dos sintomas, preferencialmente num centro especializado com acesso a estudos clínicos dos novos fármacos [4, 5]. A terapia de alta dose com transplante autólogo de células hematopoiéticas (TACH) é a primeira opção de tratamento nos doentes elegíveis (<65 anos, com bom estado clínico) [5]. Doentes mais idosos podem também ser elegíveis (<75 anos, com excelente estado clínico) [4, 5], apesar do benefício nesses doentes não estar consistentemente demonstrado [5]. Nesta abordagem, é realizada terapia de indução, durante 3 a 6 ciclos, com um esquema triplo de bortezomib e dexametasona, combinados com talidomida (VTD) ou lenalidomida (RVD), seguida do TACH [5] (após condicionamento com melfalan [15]). No entanto, outras combinações de fármacos são possíveis [J, 15], como bortezomib associado a dexametasona e ciclofosfamida (VCD) [14, 15]. Nos doentes com MM de risco standard pode optar-se por esquemas duplos como lenalidomida combinada com dexametasona em baixa dose (Rd) [5] e o TACH pode ser adiado até à primeira recaída [14]. Após o TACH realiza-se, cada vez mais, terapia de consolidação (num curto período de tempo, para melhorar a resposta ao transplante), seguida de terapia de manutenção (por um período mais longo, para estender a resposta), apesar do seu benefício ainda não estar confirmado [5]. Em geral, usa-se a lenalidomida na manutenção, embora o bortezomib também seja usado, por vezes, nos casos de MM com risco intermédio e alto [14]. Nos doentes não elegíveis para TACH, o tratamento padrão baseia-se em esquemas triplos de melfalan e prednisolona, associados a bortezomib (MPV) ou talidomida (MPT) [5], durante 12 a 18 meses [14]. Contudo, estes têm vindo a ser substituídos por novos esquemas, como RVD ou VCD [14]. Um esquema de Rd pode ser usado em alternativa [5], até à

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progressão [14]. Em doentes com mau estado clínico, podem ser necessários esquemas de tratamento com dose reduzida [4].

Além do MM propriamente dito, é necessário tratar e prevenir as manifestações e complicações associadas. A doença óssea é muito incapacitante e deve ser prevenida e/ou tratada com bifosfonatos (pamidronato, zolandronato ou clodronato); a dor óssea é controlada com analgésicos e se não responsiva, com radioterapia de baixa dose localizada. A presença de insuficiência renal, neuropatia periférica ou alto risco trombótico condiciona a escolha dos esquemas terapêuticos. O risco trombótico, tal como o aumento da suscetibilidade a infeções podem requerer medidas profiláticas [4].

A generalidade dos doentes recai após o tratamento inicial, em média 4 anos após TACH seguido de manutenção, ou 2,5 anos na sua ausência, mesmo quando é obtida uma resposta completa [1]. A doença é então caracterizada por múltiplas recaídas e remissões, cujo número depende das opções de tratamento disponíveis [14, 16]. Atualmente essas opções são muitas, devido aos múltiplos fármacos disponíveis, sendo que doentes refratários a um esquema podem responder a outro [14]. Contudo, a escolha do esquema terapêutico na recaída é complexa e depende de vários fatores, que incluem características da doença, do doente e dos tratamentos anteriores [1], como o momento da recaída (durante um tratamento ou não), a resposta e tolerabilidade ao último tratamento, o número de tratamentos anteriores, a agressividade da recaída, o estado clínico e co-morbilidades do doente [1, 14]. Em doentes com bom estado clínico, pode ser possível tentar numerosos esquemas sequencialmente [14].

Atualmente vários agentes adicionais, alvo de estudo em ensaios clínicos, são promissores para o tratamento do mieloma refratário [1, 12], mas por enquanto, o MM continua a ser uma doença incurável na maioria dos casos [10].

▪ Justificação do Trabalho | Seguidamente é apresentado um caso clínico que

pretende retratar a evolução do MM sobre tratamento com os novos fármacos. O objetivo é demostrar o desafio que representa o tratamento desta doente, cuja doença evoluiu a par da introdução de novos fármacos na prática clínica, desenvolvidos face ao conhecimento cada vez maior da biologia do mieloma.

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Caso Clínico

JPDV, 72 anos, sexo feminino, caucasiana, autónoma, hipertensa, com doença osteoarticular degenerativa, iniciou em meados de 2009, dores músculo-esqueléticas generalizadas, astenia e perda ponderal. Pelas queixas recorreu a várias consultas de Medicina Geral e Familiar, sendo medicada repetidamente com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) para alívio sintomático. A dor manifestou-se inicialmente ao nível da coluna dorsal, progredindo em intensidade e envolvendo gradualmente outras regiões, nomeadamente as regiões lombar e torácica anterior. Por lombociatalgia e claudicação da marcha após queda da própria altura, a doente realizou ressonância magnética (RM), que revelou a existência dum canal estenótico lombar e fratura de L5. Nesse contexto, a doente foi internada no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Santa Maria (HSM), a 8 de abril de 2010, realizando, no dia 9, laminectomia de L4 e L5, foraminotomia bilateral e vertebroplastia de L5. O exame anatomopatológico do osso esponjoso de L5 documentou a existência de tecidos cartilagíneo e ósseo neoformados sugestivos de reparação, não se observando, contudo, tecido neoplásico, que permitisse o diagnóstico diferencial entre fratura traumática e patológica. Assim, a doente teve alta, no dia 11 de abril, sem intercorrências e com melhoria sintomática.

No dia 26 de outubro de 2010, a doente recorreu ao Serviço de Urgência do Hospital Fernando da Fonseca (HFF), por diarreia com um mês de duração, sem sangue, muco ou pus e manutenção das queixas álgicas, com agravamento ao nível da coluna lombar, que motivavam automedicação frequente com AINEs. Ao exame objetivo apresentava palidez mucocutânea e desidratação, frequência cardíaca de 72 bpm e pressão arterial sistólica (PAS) de 104 mmHg e diastólica (PAD) de 48 mmHg, sem outras alterações relevantes. Analiticamente, apresentava hemograma com anemia normocítica (hemoglobina 9,5 g/dl, volume globular médio 86 fL), sem alterações da série leucocitária (leucócitos 4900/μL, neutrófilos 54%, linfócitos 39% e monócitos 8%) e dos parâmetros inflamatórios (proteína C reativa 0,22 mg/dl). Função renal alterada (creatinina 3,7 mg/dl; ureia 90 mg/dl) e ionograma a revelar hipercaliémia (6,1 mmol/l) e ligeira hipernatremia (138 mmol/l). A análise sumária da urina revelou leucocitúria (75 cel/ul) e presença de proteínas vestigiais, com pH 5,5, densidade 1007, apresentando também alguns leucócitos no sedimento urinário. A radiografia da coluna vertebral revelava osteoporose marcada, com fraturas a nível lombar e dorsal. Face ao quadro exposto a doente foi internada no Serviço de Nefrologia, por Insuficiência Renal de

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duração desconhecida e etiologia a esclarecer, onde permaneceu entre 26 de outubro e 12 de novembro de 2010. Durante o internamento, a investigação efetuada não confirmou infeção do trato urinário, pois a urocultura foi negativa. Apuraram-se cadeias leves livres (CLL) κ aumentadas, quer no soro (16500 mg/l), quer na urina (6140 mg/dl), proteinúria (2416 mg/24 horas) na análise da urina de 24 horas e pesquisa de proteína de Bence-Jones positiva para cadeias leves κ. A radiografia do crânio mostrou lesões osteolíticas ao nível da calote craniana. Face aos achados analíticos e radiológicos, a doente realizou, no dia 10 de novembro, mielograma que revelou infiltração medular por 68% de plasmócitos com acentuado pleomorfismo e ligeiro desvio esquerdo da curva de maturação. Ainda hipoplasia das restantes séries, sem desvio maturativo, nem alterações morfológicas significativas. A coloração de Perls revelou depósitos de hemossiderina no sistema reticuloendotelial aumentados (4+). Não foi efetuada biópsia por fragilidade óssea, que impossibilitou a colheita. Pelo quadro morfológico compatível, foi então assumido o diagnóstico de mieloma múltiplo. Dos marcadores tumorais pedidos, verificou-se uma elevação mínima do CEA (7,18 ng/ml) e CA 19.9 dentro dos valores de referência (8,3 U/ml). Face à hipótese de MM de cadeias leves κ como diagnóstico mais provável e apresentando a doente uma função renal estável à data da alta (creatinina 1,80 mg/dl e ureia 22 mg/dl), não se realizou biópsia renal, visto esta não trazer qualquer benefício ou alteração à conduta terapêutica. No dia 27 de dezembro de 2010, a doente iniciou seguimento no Hospital de Dia do Serviço de Hematologia do HSM, após pedido de colaboração do HFF, onde continuou o estudo da sua doença. Analiticamente foi apurada manutenção da anemia (hemoglobina 11,3 g/dl), coagulação sem alterações, velocidade de sedimentação ligeiramente aumentada (17 mm), melhoria da função renal (creatinina 1,45 mg/dl), normocalcémia (10 mg/dl) e β2-microglobulina aumentada (7,41 mg/l). A eletroforese das proteínas séricas revelou proteínas totais (6,6 g/dl) e albumina (4,3 g/dl) dentro dos valores de referência, apresentando um perfil de hipogamaglobulinemia. CLL no soro com predomínio κ marcado (31 800 mg/l) e relação κ/λ muito aumentada (6360). Imunofixação urinária a revelar uma forte presença de proteína de Bence-Jones tipo κ. A pesquisa de substância amiloide foi negativa. A radiografia do esqueleto documentou as já conhecidas lesões líticas na calote craniana, coluna dorsal e lombar, excluindo lesões líticas ao nível das costelas. O estudo citogenético dos plasmócitos por FISH foi inconclusivo, pela quantidade insuficiente da amostra e não foram obtidas meioses suficientes para fazer o cariótipo.

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Perante a investigação adicional efetuada e o diagnóstico de MM de cadeias leves κ, classificado como ISS-III, a doente iniciou tratamento de quimioterapia. Realizou 9 ciclos de MPV, entre 13 de abril de 2011 e 23 de julho de 2012, sob profilaxia antiviral com aciclovir e posteriormente foi mantida em vigilância no Hospital de Dia. O tratamento intercorreu com neuropatia de grau I e II e ligeira mielotoxicidade, que obrigou a várias administrações de darbepoetina α e uma de filgrastim. Concomitantemente, a doente realizou administração mensal de pamidronato para tratamento da doença óssea e analgesia com tramadol, metamizol magnésico em SOS e posteriormente fentanil, por difícil controlo da dor. Em novembro de 2011, a doente efetuou tomografia computorizada (TC) do tórax por suspeita de plasmocitoma, face ao surgimento de tumefação esternal. O exame excluiu a suspeita, mas documentou osteopenia com acentuação da trabeculação em praticamente todos os elementos ósseos da caixa torácica e na cintura escapular, fraturas patológicas em vários arcos costais, áreas líticas no esterno e em arcos costais. O mielograma de maio de 2012 revelou MO com 5% de plasmócitos, 4% de linfócitos e restantes séries celulares sem alterações relevantes. A imunofenotipagem da MO por citometria de fluxo mostrou uma população de células com fenótipo CD38+, CD56+, CD45+/- e CD19-, a representarem 1,2% da celularidade total. O cariótipo não revelou anomalias cromossómicas clonais e o estudo citogenético dos plasmócitos por FISH foi inconclusivo, pela insuficiente quantidade da amostra. Em julho de 2012, a doente apresentava uma franca diminuição das CLL κ no soro (592 mg/l) e da relação κ/λ (29,9). Face ao agravamento da doença óssea durante a realização de quimioterapia, considerou-se que a doente apresentava doença progressiva, não tendo respondido ao tratamento.*

Em novembro de 2012, a imunofixação sérica revelou MM de cadeias leves κ com ligeiro perfil oligoclonal e a urinária documentou presença vestigial de proteína de Bence-Jones tipo κ. CLL κ no soro a atingir 4740 mg/l, com relação κ/λ de 262,79, em dezembro de 2012. Face à progressão da doença, em fevereiro de 2013, a doente realizou mielograma, a revelar MO com 13% de plasmócitos e foi proposta para TACH. Nesse sentido, realizou colheita de células progenitoras do sangue periférico a 13 de março de 2013. No dia 20 de maio, a doente foi internada na Unidade de transplante de MO e, a 27 de maio, realizou o TACH, após condicionamento com melfalan ajustado à função renal. Com o TACH foi obtida muito boa resposta parcial (MBRP)*, face à marcada diminuição das CLL κ (141 mg/l) no soro e da relação κ/λ (19,32). A doente teve alta no dia 12 de junho clinicamente estável, mas com manutenção da dor óssea,

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pelo que manteve analgesia com fentanil. Analiticamente, apresentava anemia (hemoglobina 8,7 g/dl), leucócitos dentro dos valores de referência (8750/μL, dos quais 6950/μL neutrófilos) e trombocitopenia (48000/μL); função renal sem alterações (creatinina 1,04) e proteína C reativa com discreto aumento. A doente manteve vigilância no Hospital de Dia e retomou tratamento mensal com pamidronato em agosto de 2013, altura em que a dor óssea agravou.

Em março de 2014, a doente teve nova progressão* (CLL κ no soro de 1030 mg/l), pelo que em abril, iniciou tratamento com talidomida, sob profilaxia antitrombótica com ácido acetilsalicílico, sem obtenção de resposta. A doente apresentou ainda neuropatia de grau I e reação cutânea (lesões eczematosas na face, abrangendo a pálpebra), que motivou observação por Imunoalergologia. Pelas intercorrências e insucesso terapêutico, a doente suspendeu a talidomida e iniciou novo tratamento com o protocolo Rd em 14 de julho, mantendo a profilaxia antitrombótica. Este tratamento manteve a doença estável*. Contudo, intercorreu com pancitopenia (hemoglobina 10,3 g/dl; plaquetas 33000/μL), o que obrigou a redução da dose de lenalidomida em outubro e por isso a doença progrediu.

Em maio de 2015, houve agravamento da dor óssea e da função renal, manutenção da pancitopenia (apesar de várias administrações de darbepoetina α), CLL κ no soro (7010 mg/l) e proteína de Bence-Jones (1495 mg/24h) em perfil ascendente e, em junho, o mielograma revelou infiltração medular por 27% de plasmócitos. Pela doença em progressão*, foi associada ciclofosfamida ao tratamento e a doente iniciou o protocolo CRD (associação de lenalidomida, ciclofosfamida e dexametasona) a 29 de junho, contudo não obteve resposta*. Associou-se ainda claritromicina ao tratamento, mas novamente sem resposta*, com um aumento progressivo do componente M, agravamento da dor óssea e do estado geral da doente em setembro. Pela doença progressiva*, iniciou então o protocolo CyBorD (associação de ciclofosfamida,

bortezomib e dexametasona), realizando 6 ciclos de quimioterapia, entre 6 de outubro de 2015 e 1 de abril de 2016. Com este tratamento foi obtida uma resposta parcial*, face à diminuição progressiva de CLL κ no soro (624 mg/l, em novembro).

Em maio de 2016, por dor intensa na região esternal à esquerda, a doente efetuou TC do tórax que relevou uma área nodular sólida de aproximadamente 13 mm no seu maior eixo, adjacente à vertente ântero-interna do 4º arco costal esquerdo, em aparente localização subpleural, colocando-se como hipótese de diagnóstico infiltração pela neoplasia de base. A doente realizou radioterapia externa, entre 18 de maio e 16 de

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junho, para tratamento paliativo dessa lesão, obtendo melhoria significativa da dor no arco costal. Ainda em junho, surgiu um nódulo na região inguinal direita, indolor e sem sinais inflamatórios, com aproximadamente 20 mm de diâmetro, sendo colocada a hipótese de plasmocitoma extra-medular.Em julho, por doença em rápida progressão*, com anemia, hipercalcemia, hiperuricemia e insuficiência renal, a doente retomou tratamento de quimioterapia com o protocolo RVD, iniciando o 1º ciclo no dia 12 de julho.

No dia 9 de agosto de 2016, a doente refere cansaço, anorexia e dor ao nível do 4º arco costal esquerdo, que agrava com o decúbito dorsal. Ao exame objetivo, apresenta-se lúcida e colaborante, eupneica (18 cpm), bradicárdica (51 bpm) e hipotensa (PAS 123 e PAD 79 mmHg). Exibe mau estado geral, palidez mucocutânea e IMC de 19,5 Kg/m2. Ao nível do 4º arco costal esquerdo, nódulo com aproximadamente 15 mm de diâmetro no seu maior eixo, doloroso á palpação superficial; na região inguinal direita, nódulo indolor com 10 mm de diâmetro no seu maior eixo. Equimoses dispersas nos antebraços e região pré-tibial de ambos os membros inferiores e pés edemaciados. Força muscular grau 4 ao nível dos membros superiores e grau 3 nos membros inferiores. A doente não consegue caminhar sem apoio.

Face à diminuição do diâmetro do nódulo inguinal de 20 para 10 mm, após realização do 1º ciclo de quimioterapia com o protocolo RVD, opta-se por não realizar biópsia do mesmo, visto que a hipótese de plasmocitoma extra-medular é o diagnóstico presumível.

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Discussão

O MM já não pode ser considerada uma única doença, mas uma mistura de diferentes entidades de doença, com muitos subtipos moleculares [11] e características clínico-patológicas variáveis [9]. Na doente deste caso clínico a dor óssea foi a primeira manifestação (tal como se verifica em 70% dos casos [10]) e a doença óssea (que ocorre em 90% dos casos [6, 9]) foi a sua principal manifestação no decurso da doença. A doença óssea, associa-se a menor sobrevida global, sugerindo que esta contribui significativamente para o mau prognóstico ou, alternativamente, que a biologia do MM com doença óssea é distinta [9].

Apesar da doente ter sido submetida a cirurgia por fratura de L5 após queda da própria altura, o diagnóstico de MM só foi estabelecido na sequência de um episódio de insuficiência renal aguda, 6 meses após essa cirurgia. O MM da doente foi classificado no estádio ISS-III, com um estudo citogenético por FISH inconclusivo e sem anomalias cromossómicas clonais detetadas no cariótipo.

A abordagem de tratamento inicial não incluiu TACH e não obteve resposta. O TACH veio a ser efetuado após a primeira recaída, sem tratamento de indução e obteve uma MBRP, ainda que, com manutenção da dor óssea. O TACH, está atualmente indicado, como tratamento padrão, em doentes elegíveis que recaem após terapêutica primaria que não o inclua, mas com terapia de indução de alta dose prévia [13].

Em seguida, durante aproximadamente 2 anos, a doente foi tratada com fármacos de diferentes classes em monoterapia e em várias combinações, face à sua doença progressiva, praticamente sem obter resposta. Assim sendo, ocorreu progressão no primeiro ano após o diagnóstico e durante o tratamento. Cada uma destas caraterísticas é preditora de mau prognóstico [1, 12] e permite considerar o MM como doença de alto risco, independentemente das anomalias citogenéticas [12].

Finalmente a doença evoluiu e perdeu a dependência da MO, com progressão extra-medular, sob a forma dum presumível plasmocitoma, numa altura em a doente apresentava uma sobrevida global apenas ligeiramente superior a 6 anos. Neste caso clínico, decidir qual a melhor abordagem terapêutica perante a progressão acelerada, refratária aos vários esquemas de tratamento usados, no sentido de aumentar a sobrevida, é um grande desafio. Os doentes que desenvolvem plasmocitomas extra-medulares têm um mau prognóstico, pois a doença torna-se independente do microambiente da MO. O seu desenvolvimento pode ocorrer a qualquer momento no

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decurso da doença e está frequentemente associada à aquisição de novas anomalias cromossómicas, tais como deleção 17p, sobreexpressão do gene Myc e perda de 1p. Nesta fase da doença, é critica a determinação dos tratamentos anteriores, bem como a resposta obtida com cada um dos esquemas efetuados, para orientar a abordagem terapêutica. As recomendações atuais sugerem que se realizem esquemas de combinação, idealmente com fármacos para os quais a doença não é resistente. Contudo, devido à sua relativa raridade, não existem ensaios clínicos randomizados suficientes que permitam escolher um tratamento de forma bem fundamentada, no contexto do plasmocitoma extra-medular. Ainda assim, é sugerido como esquema de primeira linha para tratamento da doença extra-medular uma associação de 7 fármacos: bortezomib, dexametasona, talidomida, cisplatina, doxorrubicina, ciclofosfamida e etopósido (VDT-PACE) e, se possível, subsequente consolidação com TACH. Nos doentes com mau estado clínico deve optar-se por um regime baseado em daratumumab ou numa antraciclina [12].

O tratamento do MM está a mudar rapidamente devido à disponibilidade de um número crescente de fármacos eficazes. O recurso a combinações de fármacos com efeito sinérgico, permite respostas mais profundas e duradouras, traduzindo-se num aumento da sobrevida e qualidade de vida dos doentes. Contudo, o plasmocitoma extra-medular continua a ser um desafio terapêutico difícil, bem como a leucemia de plasmócitos [12].

A estratificação do risco na recaída, com base nas anomalias cromossómicas e no perfil de expressão genética, é um campo emergente que permitirá entender melhor a biologia da doença nesse momento [1]. As alterações citogenéticas podem diferir a cada recaída [12], principalmente pela seleção da doença subclonal [2]. Contudo, é provável que muitos estudos genómicos mostrem apenas as alterações genéticas da população predominante nesse momento e não de todas as populações subclonais [9]. Esta heterogeneidade intraclonal, característica do MM, tem impacto no tratamento, pois permite a resistência a fármacos e recaída, pela evolução e progressão das populações minoritárias [3, 9]. A progressão pós-tratamento é então determinada pelos clones de plasmócitos malignos que repovoam os nichos da MO [3]. A abordagem de tratamento atual, baseada em indução, manutenção e consolidação [18], manipula essa pressão seletiva [3]. Por outras palavras, tenta diminuir a carga tumoral o mais possível, para reduzir o número de subclones agressivos, impedir o desenvolvimento de mutações secundárias no início da doença e modificar a biologia da doença, ou seja, conduzi-la no

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sentido da competição clonal permitir a dominância dos clones mais indolentes [18]. O objetivo final é repovoar os nichos com clones mais indolentes que estão associados a melhores resultados a longo prazo, mas, na doença de alto risco, tal estratégia pode facilitar a seleção de clones mais agressivos que prejudicam a sobrevivência após recaída [3].

Em conclusão, os novos fármacos têm prolongado a sobrevida dos doentes com MM, permitindo conhecer melhor a história natural da doença e observar na prática clínica a sua evolução até fases avançadas, à semelhança do que ocorreu no caso clínico apresentado. Apesar dos progressos feitos na abordagem terapêutica, a cura é uma realidade ainda distante.

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Agradecimentos

Ao Dr. Carlos Martins, um muito obrigado por toda a disponibilidade e apoio na realização deste trabalho.

À minha família, em especial ao meu irmão, agradeço pelo apoio e incentivo na realização deste trabalho.

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Tabela  1  |  Critérios  de  diagnóstico  para  Gamapatia  Monoclonal  de  Significado  Indeterminado,  Mieloma Assintomático e Mieloma Múltiplo (adaptado do International Myeloma Working Group) [8]
Tabela  2  |  Alterações  Genéticas  detetadas  por  FISH  (adaptado  do  International  Myeloma Working Group) [2]
Tabela  4  |  Estadiamento  do  Mieloma  Múltiplo  segundo  o  R-ISS  (adaptado do International Myeloma Working Group) [11]

Referências

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