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Ecos de Dáfnis e Cloe em A VIa Sinuosa de Aquilino Ribeiro

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1 Ecos de Dáfnis e Cloe em A Via Sinuosa de Aquilino Ribeiro

Cristina Abranches Guerreiro CEC / FLUL

cguerreiro@fl.ul.pt

Em 19 de Julho de 1957, numa entrevista radiofónica, convidado por Igrejas Caeiro a identificar, na sua vasta produção literária, a obra sobre a qual recaía a sua preferência, Aquilino Ribeiro não parece ter hesitado em eleger A Via Sinuosa1, o seu primeiro romance (publicado em 1918), dedicado à memória de seu pai,João Francisco Ribeiro.

Recordando, em 1955, em Abóboras no Telhado (polémica e crítica), o dealbar da sua carreira, o autor alude ao “estado de graça” em que decorreu a composição desse primeiro romance (cinco anos depois da sua obra de estreia – o livro de contos Jardim das Tormentas, editado em 1913):

“À parte o primeiro capítulo que, representando como que os caboucos do edifício, me deu um certo trabalho, e fundi e refundi até encontrar o tom que convinha à harmonia do alçado, compus este romance quase em estado de graça. (...) O Jardim das Tormentas fora (...) uma espécie de rapsódia executada por um amador. (...) Toda a experiência que tinha da vida (...) permanecia intacta e ebuliente. A questão para mim, como para todo o escritor que começa, era saber extrair dela o que tinha de singular e precioso.

Cada homem é um mundo. Por isso mesmo, cada homem que se sabe contar é um livro nunca igual a outro livro. (...)

Na Via Sinuosa entreguei-me a essa tarefa com lisura e denodo. Além de sincero comigo, quis dar um lugar ao sol a seres e coisas, que se associavam, com maior ou menos extensibilidade, ao facto de eu existir. (...)

A Via Sinuosa era já o estudo ou memória romanceada dum conspecto mais amplo sobre o meio em que me achava, com os seus fenómenos especiais. Nítido ou viciado, era questão de lente. De resto, nunca pretendi que fosse do melhor cristal, mas, sim, assestada com a certeza de isenção e exactitude.” 2

O registo autobiográfico da narrativa – em que o protagonista, Libório Barradas, conta, na primeira pessoa, a história da sua atribulada adolescência –, em consonância com as afinidades entre a vida do autor e da personagem principal, sublinha a impressão de que o escritor se terá inspirado na matriz autobiográfica. Tal como o seu criador, também Libório se preparou para o acesso ao seminário num colégio de Lamego;

1Paulo Neto (2009), p. 96. 2

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2 predestinados, por vontade familiar, à carreira eclesiástica, ambos foram expulsos do seminário (embora em diferentes circunstâncias).

Tais afinidades terão levado alguns leitores a reconhecer a imagem de Aquilino no herói do seu primeiro romance. Refere o autor que o pároco da freguesia a que pertencia o Convento de S. Francisco lhe reclamara os livros que, no primeiro capítulo de A Via

Sinuosa, numa manhã de Sábado de Quaresma, Libório mutilara e roubara da biblioteca

do Convento, em busca das gravuras que prometera oferecer à sua amada Celidónia:

“Certos capítulos da Via Sinuosa e ainda das Lápides Partidas vieram, soletrados por almas pias, a causar-me engulhos imprevistos. (...) O velho convento da Ordem Terceira, que utilizei como pano de fundo nos dois romances acima referidos, possuía uma pequena livraria como todos os claustros. (...)

Pois aqui há anos recebi uma carta do pároco da freguesia que, geograficamente, parece superintender no património espiritual do convento, convidando-me, embora com mesurado intono, a devolver as espécies descritas na Via Sinuosa e Lápides Partidas. (...) E esta? Se digo nos meus livros (...) que assassinei, que roubei, havendo, admitamos, fantasiado um enredo auto-psicológico, cavalheiros com semelhante mentalidade metiam-me na cadeia e eram capazes de me enforcar, se ainda houvesse patíbulo.” 3

Sob o título “Solilóquio autobiográfico literário”4

, admitindo o natural reflexo de um artista nas suas criações, Aquilino refuta, porém, a identificação com a personagem Libório Barradas:

“A minha vida literária oscila (...) entre o espiritual e a realidade (...).

Enfim, a minha obra sou eu próprio. Mas as personagens a que procurei dar vida não são desdobramentos de mim mesmo. Frequentemente são apenas remates lógicos das personagens que cada um traz em gérmen na maneira de ser e de pensar, mas somente em gérmen. E estes gérmens desenvolvem-se nos romances, com a amplitude que permite a transposição. (...) Viram-me na pele do herói de (...) A Via Sinuosa e Lápides Partidas. Não é nada disto. A identificação tem limites.” 5

À luz destas palavras, como indícios de uma das principais fontes do romancista para a construção da personagem principal d’ A Via Sinuosa, parecem ganhar relevo duas breves referências que na obra figuram a um romance grego do século II da nossa era – Dáfnis e Cloe, de Longo6.

Tal como Dáfnis, o protagonista do romance de Aquilino apaixona-se por uma jovem camponesa. Na narrativa de Longo, a heroína chama-se Cloe – personificação do 3 Aquilino Ribeiro (1955), pp. 58-59; 65-66. 4 Manuel Mendes (1960), pp. 55-87. 5 Manuel Mendes (1960), pp. 60-61.

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3 substantivo comum όη (rebento verde, verdura, vegetal, erva) usada como epíteto de Deméter (protectora das sementeiras), com o sentido de “a verdejante”. À semelhança de Cloe, o antropónimo feminino Celidónia evoca igualmente a flora campestre: o substantivo comum “celidónia” designa uma planta papaverácea também conhecida por erva-andorinha.

No dealbar da adolescência, Celidónia é a primeira paixão de Libório. A sua beleza povoa a mente, as orações e os sonhos do jovem enamorado7, que anseia pela sua presença8. Visita-a em sua casa, passa serões sentado ao seu lado, sentindo-se acolhido pela família da amada como futuro genro9. Tal como no romance de Longo, é casto e verdadeiro, assente na fidelidade, o amor que une os dois jovens adolescentes10.

À semelhança de Dáfnis, são várias as etapas por que Libório passa na aprendizagem da linguagem física do amor. Bem diferente do casto sentimento que nutre por Celidónia é o desejo por Estefânia Malafaia, que o abala desde o momento em que inadvertidamente a contempla desnuda – numa noite em que a fidalga se vê obrigada a pernoitar em casa da família do jovem, e a mãe deste a instala, sem prévio aviso, no quarto que o filho costuma ocupar11. Inquieto o deixa também a imagem sensual de uma boieira que na margem do rio se refresca12. Inábeis e infrutíferos se revelam os primeiros avanços que a sua masculinidade esboça sobre a rústica Maria Folecha13. Na ociosidade de uma vida desbaratada na caça e no lazer, sempre que a vigilância da mãe o impede de visitar Celidónia, entrega-se ao prazer do jogo nas terras vizinhas14. Assim conhece Ana Potebórneo, sua “prazenteira mestra de amor”15, equivalente à personagem feminina Licénio do romance de Longo.

Ao aperceber-se das mudanças da puberdade no corpo de Celidónia, Libório sonha beijá-la16, mas (à semelhança de Dáfnis) a iniciação nos mistérios de Eros não altera o casto amor que por ela sente: “Uma luxúria impetuosa, insatisfeita, estuava em meu ser

7

Idem, ibidem, cap. V, pp. 119-120, 127; cap. XI, pp. 245-256. 8

Idem, ibidem, cap. II, p. 47. 9

Idem, ibidem, cap. XI, pp. 239, 241-242, 245-247. 10

Idem, ibidem, cap. XI, pp. 248-249; 251; cap. XIV, pp. 300-301. 11

Idem, ibidem, cap. II, pp. 60-61. 12

Idem, ibidem, cap. X, pp. 220-221. 13

Idem, ibidem, cap. X, pp. 230-232. 14

Idem, ibidem, cap. XI, pp. 256-257. 15

Idem, ibidem, cap. XI, pp. 258-259. 16

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4 até esparrinhar sobre Celidónia, a minha coelhinha loira. Mas a reserva dilatada em que medrara este amor continha-me. Celidónia ficava Celidónia.”17

Ao contrário, porém, do romance grego, esta história de amor não terá um final feliz. Embora não consiga esquecer a sua primeira paixão, Libório não é capaz de resistir aos encantos de D. Estefânia Malafaia18, uma dama da cidade, de elevado nível social, sedutora, culta e bem vestida. Esposa de um deputado, é ela quem intercede a favor de Libório, para o libertar do cárcere, na sequência do desacato de uma manifestação anti-clerical em que o jovem participara. Quando este a procura, para lhe agradecer, a sua beleza cativa a fidalga, que lhe elogia a simpatia, o porte, o louro dos cabelos19, traços que mais tarde a levarão a sugerir ao marido que o admita ao seu serviço20. Sem que o rapaz (inexperiente no amor) disso claramente se aperceba21, D. Estefânia assedia-o, pois, como refere, é preciso desejar com firmeza o que se almeja: “a vontade é a potência dispenseira dos milagres”22

.

Sem deixar de admitir o desejo que sente pela fidalga, Libório reconhece que é Celidónia quem o seu coração ama23. Quando Miguel de Malafaia o contrata como catalogador da sua biblioteca, o jovem é advertido das artes de sedução da fidalga: o padre Ambrósio, seu mestre, e a mãe de Celidónia aconselham-no a ser prudente; Celidónia chora, receosa24.

Ao entrar pela primeira vez na biblioteca de Miguel de Malafaia, Libório observa as personagens representadas nos panos de rás que revestem uma das paredes da sala: no aparato de um luxuoso ambiente de corte, um rei obeso e calvo e uma rainha jovem e airosa, a quem um pajem loiro, sentado aos seus pés, beija a mão, na presença do soberano.

“Na parede meã (...) panos de rás descreviam a gesta aparatosa da corte de Trebizonda. (...) num jardim de emaranhados caramanchéis e florescências fabulosas, a corte descuidada jogando às escondidas. E era todo um odéon de amor, por entre as árvores e as relvas. Ao pé do rei, mole e zoupeiro, o pajem beijava a mão, dissimuladamente caída na sombra, da mui formosa e arvéloa rainha de Trebizonda. Abaixo desta tapeçaria uma enorme veladora, no estilo de Beauvais, convidava aos devaneios doces do espírito. E parecia aquele recanto, na grave mansão

17

Idem, ibidem, cap. XI, p. 259; cf. cap. X, p. 223. 18

Idem, ibidem, cap. XIV, pp. 305-306. 19

Idem, ibidem, cap. VIII, pp. 180-181; 190-191. 20

Idem, ibidem, cap. XIII, p. 290. 21

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 307. 22

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 330. 23

Idem, ibidem, cap. VIII, p. 179; cap. X, p. 223. 24

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5

dos livros, feito para dama em penteador de rendas, perna cruzada e chapim à dependura da ponta do pé, ler a pastoral voluptuosa de um Longo.”25

Na economia da narrativa, a écfrase da cena de amor da tapeçaria funciona como prolepse da relação sentimental que o jovem manterá com a fidalga. No penúltimo capítulo, numa manhã de Primavera, o par troca beijos num cenário bucólico. Em analepse, são apresentadas as circunstâncias do início do envolvimento amoroso.

“Menos de dois meses que levava ao serviço dos Malafaia, e já o meu trabalho corria com ordem e aviamento. (...) Nas primeiras semanas, todas as manhãs, Domingos, o lacaio, ajeitava o escadote contra as estantes e (...) despejava sobre o tapete os séculos veneráveis. (...) Domingos tinha para comigo a morgue proverbial do criado de casa rica por todos os que se lhe figuram abaixo do amo. No dia em que, na doce molície da veladora, D. Estefânia e eu, lendo Dáfnis e Cloe, imitámos o lance dos namorados de Trebizonda dos panos de rás, tirei de sua sobranceria uma irónica vaidade. Meu amor revia-se em tudo, mesmo na alma de um lacaio.”26

O ambiente da biblioteca é propício à paixão – o conforto da veladora, a cena representada na tapeçaria, os livros com histórias de célebres amantes (como Adão e Eva, ou Dido e Eneias27):

“Nos panos de rás, a corte amoruda e descuidosa de Trebizonda incitava-me a amar. E eu amava apaixonadamente. Amava Estefânia, e era dela que recebia a grande ternura com que folheava os velhos e esquecidos autores.”28

Para se tornar mais grato aos olhos de D. Estefânia, Libório procura conservar e ajudar a decifrar os livros que ela aprecia29, com o mesmo empenho e motivação com que outrora, numa manhã de Sábado de Quaresma, em prol da atenção de Celidónia, mutilara as obras guardadas na biblioteca do Convento de S. Francisco, em busca das gravuras que lhe prometera oferecer30.

À loucura do amor proibido31, seguir-se-á, porém, a dor32. Os ciúmes de Estefânia, ao pretender a exclusividade do amor de Libório, levam-no a renunciar à paixão por Celidónia:

25

Idem, ibidem, cap. XIII, pp. 286-287. 26

Idem, ibidem, cap. XIV, pp. 307-308. 27

Idem, ibidem, cap. XIV, pp. 305; 325. 28

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 310. 29

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 310. 30

Idem, ibidem, cap. I, pp. 17-26. 31

Idem, ibidem, cap. XIV, pp. 315-317. 32

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6

“Chorando, confessei-lhe o pecado do meu primeiro amor. E, como ovelhinha branca imolada às iras celestes, assim o foi Celidónia à aplacação da minha deusa. Reneguei e renegando me aliviava”33

.

Mas não consegue evitar os remorsos que o assaltam, quando a fidalga insiste em conhecer a jovem camponesa34. O contraste entre ambas inspira-lhe um curioso sentimento de orgulho:

“E, tendo-as ali face a face, não me pude tolher de comparar: mulher uma de enlouquecer, porque sua carne era harpa de inefáveis melodias, e seu espírito inquieto e misterioso como o fogo e como o mar; formosa senhora outra de alma de tão puro quilate que nunca se forjara cofre de amor em metal mais raro. E senti orgulho, à vista de Estefânia, por ter amado Celidónia e por ela ser amado, um orgulho maior que a vaidade de me lembrar, diante de Celidónia, que Estefânia se deitava no meu leito.”35

Enfraquecida pelo ciúme da adúltera, a sua relação com Libório chega ao fim, quando o marido enganado descobre a traição de que foi vítima. Libório está só: à candura de um idílico amor adolescente, puro e são como a natureza do campo que o albergava, sobrepusera a aparente grandeza de um amor adúltero no fausto de um palacete à luz da dissimulação que a gente da cidade aprendeu a cultivar. Como o seu velho mestre lamenta, foi a cidade (“esta cidadezinha das nossas províncias, tão dissolvente em seu parasitismo”36) que fez fracassar a sua obra educativa, “realizada na calma e no amor”. Atormentado e só, Libório corta definitivamente as amarras que o prendem à terra que o viu crescer: apenas lhe resta partir para um destino incerto, sem rumo, sem saber para onde correrá a sua via sinuosa.

No final do romance, num post scriptum dirigido ao leitor, o autor promete a sequência das aventuras de Libório Barradas:

É possível que certas figuras deste livro voltem a público em dois trabalhos que estou alinhavando: LÁPIDES PARTIDAS, ou a subversão, com uma realeza valetudinária, dos valores antigos, e SOB O PENDÃO BÁRBARO, ou o estudo da Grande Guerra no aspecto português. É possível, dizia, que voltem ao tablado, pois que hoje em dia não há labor especulativo que possa subsistir por si só, e apenas curiosidade ou predestinação explicam a supervivência das letras portuguesas neste século tão utilitário. (...) E aqui está, Gracioso Leitor,

33

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 325. 34

Idem, ibidem, cap. XIV, pp. 325-328. 35

Idem, ibidem, cap. XIV, p. 329. 36

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justificada a dúvida em seguir o passo, entre outros, a este Libório Barradas, Homem do seu Tempo, que larguei, na sua revolta de adolescente, à primeira volta do caminho.”

Em 1945, a história de Libório prossegue em Lápides Partidas: depois de retomar por uns tempos a relação com a fidalga, volta para a serra e reencontra Celidónia, para de novo partir, no último capítulo da narrativa. Dez anos mais tarde, Aquilino alude às circunstâncias que protelam a última aba do tríptico:

“A Via Sinuosa é a primeira aba dum tríptico. Anos andados, compus o centro: Lápides

Partidas. Falta a última tábua: Sob o Pendão Bárbaro. (...) Como se justifica na carreira de um

escritor, que não deu tréguas à pena, procrastinação tão anómala? Um homem não existe por si, mas no polipeiro social. Um homem, que exorbita da mediocridade ambiente, passa a ser vítima dessa mediocridade por ilaqueação. Nunca mais é senhor dos seus movimentos. A sua vontade é condicionada. (...) Em nenhuma actividade se é mais prisioneiro do leitor, do livreiro, da bicha de sete cabeças que é o público, (...) do que na carreira das letras. (...) Assim fui levado a diferir a apresentação do Sob o pendão bárbaro, que é a meta no trânsito dum homem do meu tempo, segundo as vicissitudes sociais e as reacções da sua psique sempre inconformada e comum.”37

Dependente do editor e do público, o romancista deixaria inacabada a trilogia iniciada com A Via Sinuosa – uma obra que só por intercessão de João de Barros (que gozava de grande ascendente na Livraria Aillaud e Bertrand) lhe fora possível publicar. Contrariando as expectativas do editor, que não lhe augurara público, em menos de um ano foram duas as edições do primeiro romance de Aquilino38. Consciente da repercussão desse livro, aclamado como “um marco miliário na evolução das letras pátrias”39

, o autor atribui-lhe um lugar cimeiro na sua criação literária: “É mesmo provável que se eu não tivesse publicado mais nada que a Via Sinuosa, o meu nome, que corre ao alto de cerca de cinquenta obras, seria igualmente famoso”40

. Referências bibliográficas:

Longus (1989). Daphnis and Chloe, with the English translation of Georg Thornley, revised and augmented by J. M. Edmonds. London: William Heinemann.

Mendes, Manuel (1960). Aquilino Ribeiro. Lisboa: Arcádia.

Neto, Paulo (2009). “Urgueiras, tojeiras e linhos. O impulso dos sentidos”, in António Manuel Ferreira e Paulo Neto (coord.). Aquilino Ribeiro. Aveiro: Universidade de Aveiro, pp. 85-110.

Ribeiro, Aquilino (1918). A Via Sinuosa. Lisboa: Livrarias Aillaud & Bertrand.

Ribeiro, Aquilino (1955). Abóboras no Telhado (Polémica e crítica). Lisboa: Livraria Bertrand. 37 Aquilino Ribeiro (1955), p. 38. 38 Aquilino Ribeiro (1955), pp. 39; 42; 45. 39 Aquilino Ribeiro (1955), p. 36. 40 Aquilino Ribeiro (1955), p. 37.

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8 Ecos de Dáfnis e Cloe em A Via Sinuosa de Aquilino Ribeiro

Resumo:

Nítidos são os ecos de Dáfnis e Cloe em A Via Sinuosa, o primeiro romance de Aquilino Ribeiro, que narra na primeira pessoa a história da atribulada adolescência de Libório Barradas, entre a descoberta do amor e o desencanto que o impele a recomeçar algures a vida, num forçado exílio sem rumo certo.

Tal como Dáfnis, o protagonista do romance de Aquilino enamora-se de uma jovem camponesa cujo nome, Celidónia (tal como o de Cloe, em Longo), evoca a flora campestre (como substantivo comum, celidónia designa uma planta papaverácea também conhecida por erva-andorinha). À semelhança do herói de Longo, mesmo depois da sua iniciação nos mistérios de Eros, Libório mantém um casto amor pela sua Celidónia. Mas, ao contrário do modelo grego, a paixão entre os dois adolescentes não tem um final feliz no romance de Aquilino: contratado por Miguel de Malafaia para catalogar os tesouros da sua biblioteca, o jovem não consegue resistir aos encantos de D. Estefânia, a sedutora esposa do fidalgo. A écfrase da cena de amor representada na tapeçaria que Libório observa, ao entrar pela primeira vez na biblioteca, funciona como prolepse da relação sentimental que ele manterá com a fidalga: “Abaixo desta tapeçaria uma enorme veladora, no estilo de Beauvais, convidava aos devaneios doces do espírito. E parecia aquele recanto, na grave mansão dos livros, feito para dama em penteador de rendas, perna cruzada e chapim à dependura da ponta do pé, ler a pastoral voluptuosa de um Longo.” (Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1918, cap. XIII, p. 287). No penúltimo capítulo, numa manhã de Primavera, o par troca beijos num cenário bucólico. Em analepse, são apresentadas as circunstâncias do início do envolvimento amoroso, naquele dia “em que, na doce molície da veladora, D. Estefânia e eu, lendo Dáfnis e Cloe, imitámos o lance dos namorados de Trebizonda dos panos de rás.” (Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1918, cap. XIV, p. 308).

Enfraquecida pelo ciúme, a relação da adúltera com o jovem amante chega definitivamente ao fim, quando o marido enganado descobre a traição de que foi vítima. Atormentado e só, Libório corta definitivamente as amarras que o prendem à terra que o viu crescer: apenas lhe resta partir para um destino incerto, sem rumo, sem saber para onde correrá a sua via sinuosa.

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