• Nenhum resultado encontrado

Átomos e democracia no Brasil: a formulação de políticas e os controles democráticos para o ciclo do combustível nuclear no período pós-1988

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Átomos e democracia no Brasil: a formulação de políticas e os controles democráticos para o ciclo do combustível nuclear no período pós-1988"

Copied!
478
0
0

Texto

(1)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

RENATA HESSMANN DALAQUA

ÁTOMOS E DEMOCRACIA NO BRASIL:

A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E OS CONTROLES DEMOCRÁTICOS PARA O CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR NO PERÍODO PÓS-1988

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO DR. MATIAS SPEKTOR

Rio de Janeiro 2017

(2)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

RENATA HESSMANN DALAQUA

ÁTOMOS E DEMOCRACIA NO BRASIL:

A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E OS CONTROLES DEMOCRÁTICOS PARA O CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR NO PERÍODO PÓS-1988

Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em História, Política e Bens Culturais.

Rio de Janeiro 2017

(3)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Dalaqua, Renata H.

Átomos e democracia no Brasil: a formulação de políticas e os controles democráticos para o ciclo do combustível nuclear no período pós-1988 / Renata Hessmann Dalaqua. – 2017.

458 p.

Tese (doutorado) – Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.

Orientador: Matias Spektor. Inclui bibliografia.

1. Política nuclear - Brasil. 2. Energia nuclear - Brasil - História. 3. Política energética - Brasil. I. Spektor, Matias II. Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III.Título.

(4)
(5)

i

AGRADECIMENTOS

Ao concluir esta tese de doutorado, sou tomada pelo sentimento de alegria, justificado pela realização do trabalho acadêmico e pela constatação de que várias pessoas e instituições me apoiaram neste projeto.

Antes de mais nada, preciso agradecer aos meus pais, Janete e Rinaldo. O apoio deles nesta trajetória foi incondicional e me deu segurança para seguir em frente. Os meus irmãos, Gustavo e Giovana, caminham comigo e eu sou muito grata pela sua companhia. Junto com o meu sobrinho Bruno, eles nunca deixaram eu me sentir sozinha.

Tenho a felicidade de ter uma família grande e, apesar da distância, sempre presente. Gostaria de agradecer aos meus tios e tias, primos e primas, avôs e avós pelo carinho nestes anos em que eu não tive muitas novidades para contar, a não ser sobre a minha pesquisa. Minhas avós Izaltina e Aparecida são, para mim, uma grande fonte de inspiração.

Ao Professor Matias Spektor, meu orientador, tenho muito a agradecer. O seu contínuo incentivo, a sua generosidade em compartilhar seu tempo e conhecimento comigo certamente enriqueceram este trabalho. Ao longo dos anos, o Prof. Matias me apresentou a oportunidades de capacitação e auxiliou-me na obtenção de financiamentos de pesquisa. Sou grata por todas essas oportunidades, tendo podido aprender muito nos projetos desenvolvidos em parceria com

Nuclear Proliferation International History Project, Carnegie Endownment for International Peace e Hewlett Foundation.

Com o amparo dos Professores Celso Castro (Fundação Getúlio Vargas – FGV) e Sabina Frederic (Universidad Nacional de Quilmes), participei de uma missão de estudo na Argentina que permitiu-me avançar na redação da tese. Agradeço a eles por essa oportunidade, financiada por meio de uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 2016/2017.

(6)

ii Na FGV, contei com o apoio dos professores e da equipe do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Devo agradecimentos especiais ao Bruno de Marco Lopes, cujo auxílio facilitou a execução deste trabalho. Também sou grata ao Carlo Patti, então pesquisador de pós-doutorado no CPDOC e atualmente professor da Universidade Federal de Goiás, pelas ínumeras conversas sobre a história do programa nuclear brasileiro.

Os professores que participaram da minha banca de qualificação e da banca de defesa – Dr. Laercio Vinhas, Dra. Maria Helena de Castro Santos, Dra. Mônica Herz, Dr. Paulo Grijó Vilarouca e Dr. Paulo Wrobel – contribuíram com preciosas observações para o aprimoramento deste trabalho. Além deles, eu também gostaria de agradecer aos entrevistados que colaboraram com a pesquisa por sua receptividade e abertura às minhas dúvidas e inquietações.

No Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), onde trabalhei durante parte do doutorado, pude desenvolver e aplicar as habilidades de pesquisa e, ainda, conhecer pessoas maravilhosas. Gostaria de agradecer aos meus colegas e amigos Sônia Rocha, Rafael Costa e Laís Ramalho. A convivência com os conselheiros do CEBRI, Embaixadores Luiz Augusto de Castro Neves, José Botafogo e Marcos Castrioto de Azambuja, contribuiu para o meu crescimento profissional e, também, para esta pesquisa.

Ao longo destes últimos anos, tive a sorte de compartilhar o Rio de Janeiro com amigos inteligentes e divertidos, a farofa carioca: Ana Maria Raietparvar, Débora An, Diana Helene, Filipe Marino, Francisco Russo, Gleiton Bonfante, José Colaço, Luciane Ferrareto, Natália Helou, Rui Fernandes e Samuel Leal.

Também sou grata pela deliciosa companhia dos amigos-cientistas sociais da UNICAMP, com quem aprendo todos os dias: Ana Coelho, André Keller, André Santos, Fernanda Antoniolli, Heber Rebouças, Maria Angélica Rodrigues, Nara Roberta, Paula Berbert, Pedro Angeli e Tatiana Gonçalves.

(7)

iii É um privilégio ter amigas que me acompanham desde sempre, mulheres incríveis como Daniela Marcondes, Fernanda Spinello, Giovana Suzin, Isadora Kwiatkowski, Larissa Bindo, Mayara Barros e Roberta Knopki.

Há, ainda, os amigos espalhados pelo mundo que me fazem sentir em casa em qualquer lugar: Charlotte Kaulen, Fernanda Rocha, Katie Murtaugh, Julia Manske, Sean Mulholland e Tiago Melo.

(8)

iv

RESUMO

Este trabalho analisa os principais desenvolvimentos relacionados ao ciclo do combustível nuclear no Brasil da Nova República, dedicando especial atenção aos mecanismos de controle democrático aplicados à política energética nuclear. Com auxílio da bibliografia especializada e de pesquisa empírica, são apresentados estudos de caso sobre a implantação de diferentes etapas da cadeia de produção da energia nuclear: 1) mineração e processamento de urânio em Caetité, BA; 2) enriquecimento isotópico de urânio em Resende, RJ; e 3) construção da usina nuclear de Angra 2 em Angra dos Reis, RJ. Os estudos de caso permitem a análise em profundidade da trajetória tecnopolítica brasileira e a identificação dos desafios que marcam a formulação da política energética nuclear em um contexto democrático. A comparação entre esses estudos revela aspectos que caracterizam a política nuclear no Brasil da Nova República, como o protagonismo presidencial na tomada de decisão, o papel dependente do Legislativo, a diversificada teia de instituições de controle, a dificuldade de limitar a interferência política nas instituições do setor, os obstáculos para comunicação entre o operador nuclear e as comunidades vizinhas, os contornos que a nuclearidade assume em cada uma das etapas do ciclo do combustível, entre outros. Ao adotar uma perspectiva original para o estudo da trajetória nuclear no Brasil, essa pesquisa pretende proporcionar uma melhor compreensão sobre a conciliação entre os imperativos da democracia e as exigências da competência tecnológica no campo nuclear, comumente caracterizado por seu excepcionalismo.

(9)

v

ABSTRACT

This work analyzes the main developments related to the nuclear fuel cycle in contemporary Brazil, paying special attention to the mechanisms of democratic control applied to nuclear energy policy. Based on literature review and empirical research, the thesis presents case studies about the implementation of different stages of the nuclear fuel cycle: 1) uranium mining and processing in Caetité, BA; 2) uranium enrichment in Resende, RJ; 3) construction of Angra 2 nuclear power plant in Angra dos Reis, RJ. The case studies allow in-depth analysis of Brazil’s technopolitical trajectory and the challenges that affect nuclear energy policymaking in a democratic context. The comparison between the cases reveals aspects that characterize Brazil's nuclear policy in the New Republic period, such as the president’s decisive part in decision making, the dependent role of the legislature, the diverse web of accountability institutions, the difficulty of setting limits to political interference in the nuclear institutions, the obstacles affecting the communication between the nuclear operators and the neighboring communities, the contours of nuclearity in each stage of the fuel cycle, among others. By adopting an original perspective for the study of Brazil’s nuclear trajectory, this research aims to provide a better understanding of the conciliation between the imperatives of democracy and the requirements of technological competence in the nuclear field, commonly characterized by its exceptionalism.

(10)

vi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Principais etapas do ciclo do combustível nuclear sem reprocessamento, conhecido como “ciclo aberto”. ... 71 Figura 2. Principais etapas do ciclo do combustível nuclear com reprocessamento, conhecido como “ciclo fechado”. ... 72 Figura 3. Trecho do aditamento n°8/2016 ao contrato estabelecido entre a INB e o CTMSP, com tarjas sobre o prazo de implantação e o valor correspondente. Fonte: INB. ... 208 Figura 4. Trecho do aditamento n°5/2008 ao contrato estabelecido entre a INB e o CTMSP, com tarjas sobre as metas de capacidade de instalação e o preço global dos equipamentos e serviços. Fonte: INB. ... 212

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Matriz de oferta de energia elétrica – Brasil. Fonte de dados: MME (2016, p. 06). ... 68 Gráfico 2. Variação do preço do urânio no mercado internacional (1965 – 2009). Fonte: AIEA (2009, p. 2). ... 101 Gráfico 3. Produção de U3O8 na URA/INB (2000-2015). Fonte de dados: INB. ... 127 Gráfico 4. Importação de urânio natural pela INB (2010-2015). Fonte de dados: INB. ... 128 Gráfico 5. Recursos repassados pela INB ao CTMSP (2000-2016). Fonte de dados: INB. .. 210

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Princípios democráticos e a formulação de políticas públicas. ... 43 Quadro 2. Abordagem analítica para a política nuclear com ênfase em princípios, processos, mecanismos e condições democráticas. ... 89 Quadro 3. Principais atos dos licenciamentos ambiental e nuclear para a exploração da jazida cachoeira (1997-2000). ... 115 Quadro 4. Características do Regime Tecnopolítico Autônomo. ... 198 Quadro 5. Principais atos dos licenciamentos ambiental e nuclear para a primeira cascata de centrífugas da unidade de enriquecimento de urânio. ... 217 Quadro 6. Principais atos dos licenciamentos ambiental e nuclear para a usina de Angra 2. 289 Quadro 7. Relação das proposições legislativas iniciadas por membros do Congresso

(11)

vii

LISTA DE SIGLAS

ABA: Associação Brasileira de Antropologia

ABACC: Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares ABDAN: Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares

ABEN: Associação Brasileira de Energia Nuclear ABIN: Agência Brasileira de Inteligência

ACRJ: Associação Comercial do Rio de Janeiro ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade

AFEN: Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear AIEA: Agência Internacional de Energia Atômica

AMAN: Academia Militar dos Agulhas Negras AMATER: Movimento Ambientalista Terra ANC: Assembleia Nacional Constituinte

ANPOCS: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais AOI: Autorização de Operação Inicial

AOP: Autorização de Operação Permanente APR: Análise Probabilística de Riscos

AUMAN: Autorização para Utilização de Material Nuclear

BND: Bundesnachrichtendienst (Serviço Federal de Inteligência alemã) C&T: Ciência e Tecnologia

CBF: Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

CCCEN: Centro de Coordenação e Controle de uma Situação de Emergência Nuclear CEA/França: Commission à l’Energie Atomique (Comissão de Energia Atômica) CEA: Centro Experimental Aramar

CEME: Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos

CFEM: Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais CGU: Controladoria-Geral da União

CGVAM: Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde Ambiental CNAAA: Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto

CNEN: Comissão Nacional de Energia Nuclear CNO: Construtora Norberto Odebrecht

(12)

viii CNPE: Conselho Nacional de Política Energética

CNPq: Conselho Nacional de Pesquisas

CODIN: Coordenação de Instalações Nucleares

COEND: Coordenação de Energia Elétrica, Nuclear e Dutos COMOC: Coordenação de Mineração e Obras Civis

CONAMA: Conselho Nacional do Meio Ambiente CONSEG: Conselho de Segurança

COPESP: Coordenadoria para Projetos Especiais CPI: Comissão Parlamentar de Inquérito

CPMA: Comissão Paroquial do Meio Ambiente CPRM: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais CPT-BA: Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia

CRIIRAD: Commission de Recherche et d’Information Indépendantes sur la RADioactivité (Comissão de Investigação Independente e Informação sobre Radioatividade)

CSN: Conselho de Segurança Nacional

CTMSP: Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo CTS: Ciência, Tecnologia e Sociedade

DEST: Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais DNPM: Departamento Nacional de Produção Mineral

EIA: Estudo do Impacto Ambiental

EMBASA: Empresa Baiana de Águas e Saneamento ESG: Escola Superior de Guerra

FCN: Fábrica de Combustível Nuclear FEC: Fábrica de Elementos Combustíveis

FIRJAN: Federação das Indústrias do Rio de Janeiro GSI: Gabinete de Segurança Institucional

GTI: Grupo de Trabalho Interministerial

HEU: Highly Enriched Uranium (urânio altamente enriquecido)

IBAMA: Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IEA: Instituto de Energia Atômica

INB: Indústrias Nucleares do Brasil INC: Instituto Nacional do Câncer

(13)

ix INEMA: Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos

INES: International Nuclear Event Scale (Escala Internacional de Eventos Nucleares) IPEN: Instituto Pesquisas Energéticas e Nucleares

IRD: Instituto de Radioproteção e Dosimetria

KfK: Kernforschungszentrum Karlsruhe (Centro de Investigação Nuclear de Karlsruhe) LABGENE: Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica

LAI: Lei de Acesso à Informação

LEU: Low Enriched Uranium (urânio fracamente enriquecido) LO: Licença de Operação

MCTI: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MD: Ministério da Defesa

MDIC: Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços MF: Ministério da Fazenda

MM: Movimento de Mulheres

MMA: Ministério do Meio Ambiente MME: Ministério de Minas e Energia MP: Ministério Público

MPOG: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão MRE: Ministério das Relações Exteriores

NISA: Nuclear and Industrial Safety Agency (Agência de Segurança Nuclear e Industrial) NSG: Nuclear Suppliers Group (Grupo de Fornecedores Nucleares)

NUCLEBRÁS: Empresas Nucleares Brasileiras NUCLEI: Nuclebrás Enriquecimento Isotópico NUCLEN: Nuclebrás Engenharia

NUCLEP: Nuclebras Equipamentos Pesados

NUSTEP: Companhia de Exploração de Patentes de Enriquecimento por Jato-Centrífugo OAB: Ordem dos Advogados do Brasil

OEA: Organização dos Estados Americanos ONU: Organização das Nações Unidas P&D: Pesquisa e Desenvolvimento PDG: Programa de Dispêndios Globais

(14)

x PNE 2030: Plano Nacional de Energia 2030

PNE: Peaceful Nuclear Explosion (Explosão Nuclear Pacífica) PROSUB: Programa de Desenvolvimento de Submarino

PWR: Pressurized-Water Reactor (Reator de Água Pressurizada) REDETEC: Rede de Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro

RENUCLEAR: Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares RIMA: Relatório de Impacto Ambiental

SAE: Secretaria de Assuntos Estratégicos

SAPÊ: Sociedade Angrense de Proteção Ecológica SBF: Sociedade Brasileira de Física

SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SCCC: Sistema Comum de Contabilidade e Controle SES-MG: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais SIM: Sistema de Informação sobre Mortalidade

SINDMINE: Sindicato dos Mineradores de Brumado e Micro Região SIPRON: Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro SPE: Sociedade de Propósito Específico

STF: Supremo Tribunal Federal STN: Secretaria do Tesouro Nacional

STR: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caetité e Pindai SUS: Sistema Único de Saúde

SVS: Secretaria de Vigilância em Saúde TAC: Termo de Ajustamento de Conduta TCU: Tribunal de Contas da União

TEPCO: Tokyo Electric Power Company (Companhia de Energia Elétrica de Tóquio) TNP: Tratado de Não Proliferação Nuclear

UNACON: Unidade de Alta Complexidade em Oncologia UNEB: Universidade Estadual da Bahia

UNFCCC: United Nations Framework Convention on Climate Change (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas)

URA: Unidade de Concentrado de Urânio

(15)

xi USP: Universidade de São Paulo

UTM: Unidade de Tratamento de Minério

(16)

xii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

I. Justificativa ... 2

II. Objetivo ... 8

III. Marco conceitual: excepcionalismo nuclear, nuclearidade e tecnopolítica ... 9

IV. A trajetória nuclear do Brasil ... 14

IV.1 Os anos iniciais: acordos secretos e desrespeito à legislação (1930-1963) ... 15

IV.2 A ditadura militar e a gestão autoritária da política nuclear (1964-1985) ... 19

IV.3 A opção nuclear em disputa na transição política (1985-1988) ... 29

IV.4 Atividades nucleares em uma democracia emergente (1988 - atual) ... 37

V. Metodologia e fontes ... 41

V.1 Entrevistas ... 44

V.2 Estudos de caso ... 46

VI. Estrutura da tese ... 53

CAPÍTULO 1. CONTROLES DEMOCRÁTICOS E SISTEMAS TECNOLÓGICOS: BASES PARA A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PARA O CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR ... 56

1.1 Democracia e controles democráticos ... 57

1.1.1 Reflexões sobre a formulação de políticas para tecnologias complexas em um regime democrático: avaliação de riscos e construção de confiança ... 62

1.2 O ciclo do combustível nuclear e os desafios para a democracia ... 68

1.2.1 Principais atores do setor nuclear no Brasil ... 80

1.3 Princípios, processos e controles democráticos na política nuclear brasileira... 88

1.3.1 Justificativa para a escolha dos mecanismos de controle democrático relevantes ... 91

1.3.2 Riscos do controle democrático ... 94

1.3.3 Como será utilizado o quadro? ... 95

CAPÍTULO 2. A MINERAÇÃO E O PROCESSAMENTO DE URÂNIO EM CAETITÉ ... 97

2.1 Antecedentes ... 99

2.1.1 O acordo nuclear com a Alemanha e a prospecção de urânio no Brasil ... 99

2.1.2 O início da extração de urânio em Poços de Caldas ... 101

2.1.3 Primeiros passos para a exploração de urânio em Caetité ... 104

2.2 Atores, processos e objetivos na tomada de decisão... 106

2.2.1 A abertura da mina da cachoeira, em Caetité ... 106

2.3 Licenciamento, regulação e fiscalização das atividades ... 109

(17)

xiii

2.3.2 Problemas e desafios no licenciamento nuclear ... 115

2.3.3 Um início de operação tumultuado ... 117

2.3.4 A supervisão do TCU sobre as atividades nucleares... 121

A relação CNEN-INB: entre possíveis conflitos de interesse e reveses da política .... 125

2.3.5 Ajustes no licenciamento ambiental ... 129

2.3.6 A demanda por monitoramento e produção de dados sobre impactos na saúde .... 134

2.4 Comunicação, consulta e participação social... 145

2.4.1 Inserção regional, programas sociais e atividades de comunicação da INB em Caetité... 145

2.4.2 Desafios para a comunicação e tensões com movimentos sociais ... 151

2.5 Controle parlamentar ... 163

2.6 Discussão ... 170

CAPÍTULO 3. O ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO EM RESENDE ... 175

3.1 Antecedentes ... 177

3.1.1 O acordo nuclear com a Alemanha e a busca do enriquecimento de urânio via jato centrífugo (1975-1987) ... 178

3.1.2 O programa autônomo/paralelo e o desenvolvimento das ultracentrífugas ... 184

3.2 Atores, processos e objetivos na tomada de decisão... 186

3.2.1 Quando um país se torna nuclear? O pronunciamento de Sarney em 1987 ... 186

3.2.2 Um regime tecnopolítico em evidência ... 192

3.2.3 A morte lenta do jato centrífugo ... 198

3.2.4 Ajustes à nova ordem política e a parceria entre a Marinha e a INB ... 202

3.2.5 Obstáculos no caminho da autonomia tecnológica e da autossuficiência do combustível nuclear... 209

3.3 Licenciamento, regulação e fiscalização das atividades ... 214

3.3.1 Licenciamento nuclear e ambiental ... 214

3.3.2 A controvérsia sobre salvaguardas internacionais (2004) ... 217

3.3.3 A supervisão do TCU e o desafio de aplicar procedimentos-padrão a um projeto de tecnologia sensível ... 224

3.4 Comunicação, consulta e participação social... 229

3.4.1 Inserção regional, programas sociais e atividades de comunicação da INB em Resende ... 229

3.5 Controle parlamentar ... 237

3.6 Discussão ... 240

CAPÍTULO 4. A CONSTRUÇÃO DA USINA NUCLEAR DE ANGRA 2 EM ANGRA DOS REIS ... 244

(18)

xiv

4.1 Antecedentes ... 245

4.1.1 O acordo nuclear com a Alemanha e o projeto de Angra 2 ... 245

4.1.2 Questionamentos sobre o projeto nuclear na CPI de 1978 e a posterior desaceleração do programa da Nuclebrás ... 249

4.1.3 A transição política e as mobilizações antinucleares ... 255

4.1.4 Tentativas para reestruturar o programa nuclear e viabilizar a retomada de Angra 2 (1985 - 1990) ... 262

4.2 Atores, processos e objetivos na tomada de decisão... 265

4.2.1 Articulações nos governos de Fernando Collor e de Itamar Franco (1990-1994) . 265 4.2.2 As campanhas contra e a favor de Angra 2 ... 278

4.3 Licenciamento, regulação e fiscalização das atividades ... 283

4.3.1 O recomeço das obras e os processos de licenciamento: descompassos entre cronogramas e pressões na emissão das licenças ... 283

4.3.2 Ajustes no licenciamento: o Ministério Público e a celebração de um TAC ... 291

4.4 Comunicação, consulta e participação social... 295

4.4.1 A convivência com o risco nuclear e o planejamento para emergências ... 295

Fase inicial (1978-1985) ... 296

Os acidentes de Chernobyl e de Goiânia e o acirramento das tensões em Angra dos Reis (1986-1992) ... 298

O PEE e o fortalecimento da estrutura local para coordenação de emergências (1993-2010) ... 303

Inovações após o acidente de Fukushima (2011- atual) ... 305

Dinâmicas de aprimoramento: conhecimentos técnicos, acidentes internacionais e experiências do risco nuclear ... 308

4.4.2 Inserção regional, programas sociais e atividades de comunicação da Eletronuclear em Angra dos Reis ... 311

4.5 Controle parlamentar ... 314

4.5.1 O acidente de Fukushima e a repercussão no Congresso Nacional ... 319

4.5.2 Posicionamentos dos parlamentares sobre os custos financeiros associados às usinas nucleares ... 325

4.5.3 A composição política da Eletronuclear, os casos de corrupção na empresa e a atuação dos mecanismos de controle ... 327

4.6 Discussão ... 337

CAPÍTULO 5. ANÁLISE COMPARATIVA: O QUE OS ESTUDOS DE CASO REVELAM SOBRE A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E OS CONTROLES DEMOCRÁTICOS PARA O CICLO DO COMBUSTÍVEL NUCLEAR NO BRASIL? ... 343

(19)

xv a) Processos pelos quais são escolhidos os tomadores de decisão, sejam eles políticos

eleitos ou a alta burocracia ... 343

b) Mecanismos pelos quais as decisões são tomadas e tornadas públicas ... 347

5.2 Qual é o papel do público na formulação e implementação das políticas para o ciclo do combustível nuclear? ... 355

c) Acesso aos mecanismos para representação de interesse ... 355

d) Debate público ... 360

e) Participação dos cidadãos ... 367

5.3 Quais são e como funcionam as instituições de supervisão e de accountability no ciclo do combustível nuclear? ... 369

f) Accountability no interior dos órgãos onde as decisões são tomadas ... 369

g) Accountability externa aos órgãos onde as decisões são tomadas ... 372

h) Tratamento dos parâmetros legais ... 377

5.4 Qual o papel desempenhado pela tecnologia? ... 384

i) O excepcionalismo nuclear e as implicações do caráter dual da energia nuclear ... 384

j) A construção da nuclearidade nas diferentes etapas do ciclo do combustível nuclear 387 5.5 Conclusões ... 388

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 393

Possibilidades futuras de pesquisa ... 398

FONTES E BIBLIOGRAFIA ... 400

ANEXO I. PESQUISA DE CAMPO: VIAGENS E ENTREVISTAS ... 452

(20)

xvi

As long as the abilities to produce and destroy stand in balance, everything proceeds more or less as it always has (…) men are the lords of the world they have built and are still masters of the destructive potential they have created.

A change in all of this was possible only with the discovery of atomic energy or, better, with the invention of a technology driven by the processes of nuclear energy, for it is not natural processes that are unleashed here. Instead, processes that do not occur naturally on earth are brought to earth to produce a world or destroy it.

(21)

1

INTRODUÇÃO

A presente tese abordará os principais desenvolvimentos relacionados à implantação das diferentes etapas do ciclo do combustível nuclear no Brasil da Nova República, propondo uma análise a partir de conceitos da Ciência Política e dos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). O objetivo desta pesquisa é entender a formulação da política nuclear desde a redemocratização, com ênfase na aplicação de mecanismos de controle democrático a esta tecnologia marcada por seu excepcionalismo1.

Por ciclo do combustível nuclear, entende-se o conjunto de etapas do processo industrial que transforma o mineral urânio, desde quando ele é encontrado em estado natural até a sua disposição final. No Brasil, as principais etapas são: mineração e produção de concentrado de urânio; conversão em gás hexafluoreto de urânio; enriquecimento do isótopo físsil do urânio; reconversão em pó de dióxido de urânio; produção de pastilhas de urânio; fabricação do combustível; queima do combustível no núcleo do reator; gerenciamento e armazenamento de rejeitos radioativos2.

Já os controles democráticos dizem respeito às práticas e aos aspectos institucionais do processo político que refletem as preferências e as demandas da sociedade, garantem a responsabilização dos governantes por sua atuação no exercício do poder e asseguram os direitos dos cidadãos3. Além de representar valores democráticos em si mesmos, esses

1 O conceito de “excepcionalismo tecnopolítico nuclear” foi formulado por Gabrielle Hecht (2010) para

destacar como propriedades físico-químicas dos materiais nucleares, juntamente com fatores históricos e políticos, fazem com que o nuclear seja considerado algo excepcional – quase sempre oposto ao convencional (ex.: armas nucleares versus armas convencionais; submarinos nucleares versus submarinos convencionais; guerra nuclear versus guerra convencional).

2 Embora o Brasil tenha o domínio sobre as diferentes etapas do ciclo do combustível, nem todos os

processos são realizados no país. A etapa de conversão é realizada no exterior, bem como a maior parte do enriquecimento de urânio.

3 Essa definição dialoga com três princípios orientadores da democracia, sintetizados por Abrucio e

Loureiro (2004a, p. 81) da seguinte maneira: “Primeiro: o governo deve emanar da vontade popular, que

se torna a principal fonte de soberania. Segundo: os governantes devem prestar contas ao povo, responsabilizando-se perante ele, pelos atos ou omissões cometidos no exercício do poder. E, terceiro: o Estado deve ser regido por regras que delimitem seu campo de atuação em prol da defesa de direitos básicos dos cidadãos, tanto individuais como coletivos”.

(22)

2 parâmetros podem constituir meios para políticas públicas responsivas, responsáveis, eficazes e eficientes (ABRUCIO; LOUREIRO, 2004b, p. 53; AVRITZER; FILGUEIRAS, 2010, p. 521).

A análise acerca dos controles democráticos na política nuclear abordará os processos pelos quais são escolhidos os tomadores de decisão, os mecanismos pelos quais as decisões são tomadas e tornadas públicas, o acesso aos meios para representação de interesse, o debate público, a participação dos cidadãos, as medidas de accountability e o tratamento dos parâmetros legais. O recorte temporal privilegiará acontecimentos ocorridos após 1988, pois a Constituição promulgada em tal ano inaugurou uma nova ordem político-legal no país. Ademais, o Decreto-Lei 2.464, de 31 de agosto de 1988, extinguiu as Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás) e iniciou uma reestruturação no setor nuclear brasileiro.

I. Justificativa

A análise da política energética nuclear sob a perspectiva dos predicados da democracia busca dialogar com o contexto atual, em que projetos de infraestrutura têm sido alvo de disputas socioambientais, gerando embates jurídicos e políticos em diferentes países4. Do ponto de vista acadêmico, esse tipo de problema foi abordado por pesquisadores vinculados às áreas de Ciências Sociais, Relações Internacionais e Direito5. Comum a essa bibliografia emergente é o interesse em compreender e refletir sobre as possibilidades e os limites para participação social na definição e no controle de projetos

4 A transposição do Rio São Francisco e a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e

Belo Monte são os exemplos mais recentes de controvérsias socioambientais em projetos de infraestrutura no Brasil. No exterior, destacam-se os conflitos relacionados aos projetos dos oleodutos Keystone XL e Dakota Access Pipeline, nos Estados Unidos; do novo sistema ferroviário Stuttgart 21, na Alemanha; da hidroelétrica de Inambari, no Peru; entre outros.

5 Para estudos sobre o Brasil, ver Abers (2016), Fuchs (2016), Hochstetler (2017; 2016; 2011), Hochstetler

e Tranjan (2016), Zhouri (Org.) (2011). Para pesquisas internacionais, ver Aldrich (2008), Boudet e McAdam (2012), Khagram (2004), Sherman (2011).

(23)

3 de infraestrutura e as implicações disso para a qualidade da democracia nos países em questão.

No Brasil, dentre os diferentes tipos de projetos de infraestrutura realizados no período recente, os que mais enfrentaram oposição de grupos organizados pertencem ao setor energético, como é o caso das hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. Tais controvérsias suscitaram reflexões na imprensa e análises na academia sobre os interesses envolvidos no planejamento energético, a qualidade do debate público, as oportunidades para participação social, os instrumentos de contestação legal e as estratégias de oposição dos movimentos sociais (ABERS, 2016; BERMANN, 2012; BRUM, 2011; FUCHS, 2016; HERNÁNDEZ; MAGALHÃES, 2011).

Nos últimos anos, as investigações da polícia federal realizadas no âmbito da Operação Lava Jato e de seus desmembramentos revelaram outros graves problemas nas principais empresas de energia e eletricidade do país, como a Petrobras e a Eletrobras (BORGES, 2015; JUSTI, 2015). De particular relevância para o tema desta tese é a descoberta do esquema criminoso conhecido como “Eletrolão”, em 2015, que apontou a ocorrência de desvios de recursos financeiros em obras do setor elétrico, incluindo a usina nuclear de Angra 3. De acordo com as investigações, as empresas de construção e engenharia negociavam vantagens nos processos de licitação e contratação das obras e, por essas, pagavam propina a agentes políticos e funcionários das estatais de energia, como a Eletronuclear (JFRJ, 2016). O processo sobre a usina de Angra 3 resultou na prisão do então diretor-presidente da Eletronuclear, o Almirante Othon Pinheiro da Silva – um ator respeitado pela sua contribuição para o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrífugas no Brasil. Como consequência dessas investigações, os contratos de Angra 3 foram denunciados e as obras suspensas. No momento, a estatal estuda maneiras de retomar as obras da usina. Segundo o atual presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira

(24)

4 Junior, a paralisação das obras representa um custo anual de R$ 1,4 bilhão (ORDOÑEZ, 2016).

Não obstante a detecção de fraudes na licitação e contratação da usina de Angra 3 e as repetidas denúncias sobre favorecimento à construtora Odebrecht e a empresas alemãs durante a construção de Angra 2, o problema da corrupção no setor nuclear foi apenas tangencialmente abordado por pesquisas acadêmicas no Brasil6. Já no plano internacional, o acidente nuclear ocorrido em Fukushima, em 2011, chamou a atenção de acadêmicos para fragilidades no sistema regulador da energia nuclear no Japão – como

deficits de transparência e accountability, ausência de independência do órgão regulador,

emprego de métodos defasados para a análise de riscos – que se encontravam interligadas com os problemas de conflitos de interesses e práticas de corrupção (KINGSTON, 2012; TANTER, 2013)7.

Analistas renomados afirmaram que a tragédia de Fukushima poderia ter sido evitada, que o tsunami de grande magnitude era passível de ser previsto pelas instituições encarregadas da operação e da supervisão das usinas nucleares – a Tokyo Electric Power

Company (TEPCO) e a Nuclear and Industrial Safety Agency (NISA) (ACTON; HIBBS,

2012, pp. 1-2). Porém, métodos defasados para análise de riscos e falhas na supervisão do operador pelo órgão regulador fragilizaram o setor nuclear japonês. Na raiz desses problemas, especialistas apontaram a falta de independência das instituições e relações

6 A mais detalhada análise acadêmica sobre as suspeitas de corrupção e favorecimento a empresas

veiculadas na imprensa na década de 1970, durante o início da construção de Angra 2, foi conduzida por Campos (2012). Deve-se mencionar que tais denúncias já haviam sido abordadas por outros autores, como Girotti (1984) e Oliveira (1999).

7 No dia 11 de março de 2011, um terremoto medindo 9 pontos na escala Richter gerou um tsunami, que

invadiu a central nuclear de Fukushima, no Japão. As fortes ondas afetaram os sistemas de refrigeração que bombeavam água para esfriar as barras de combustível nuclear no interior dos reatores. A interrupção nesse sistema causou superaquecimento nos três reatores que estavam em operação, havendo derretimento de combustível e liberação de radiação para o meio ambiente. O acidente levou à evacuação de 80.000 pessoas, que viviam em um raio de até 20 quilômetros da central nuclear (ONISHI; FACKLERAUG, 2011). Na Escala Internacional de Eventos Nucleares (International Nuclear Event Scale – INES), o acidente foi categorizado como de número 7, o tipo mais grave de acidente. Dados disponíveis no site da AIEA: <http://www-ns.iaea.org/tech-areas/emergency/ines.asp>. Acesso em: 20 de janeiro de 2017.

(25)

5 escusas entre o lobby governamental a favor da energia nuclear e a indústria privada nuclear. Investigações apontaram uma forte “cultura de cumplicidade” entre os atores, voltada para suprimir evidências que poderiam apontar para problemas na operação das usinas e ancorada na falta de accountability no setor nuclear (ACTON; HIBBS, 2012, p.

25; ONISHI; BELSON, 2011; SOVACOOL, 2011, p. 281)8.

O desastre de Fukushima mostrou que, além das consequências negativas para a ordem democrática, abusos na formulação e gestão da política nuclear também podem trazer riscos para a saúde e o meio ambiente.Em vista dos problemas identificados no caso japonês, Sovacool (2011, p. 287) chamou atenção para a importância das práticas de boa governança, transparência e accountability na garantia da segurança dos sistemas tecnológicos nucleares.

Para além dos estudos sobre o sistema nuclear japonês, o acidente de Fukushima impulsionou pesquisas sobre as diversas respostas nacionais àquela catástrofe. No âmbito da União Europeia, por exemplo, Johnstone e Stirling (2016) notaram que o Reino Unido manteve seus planos para ampliar o parque gerador nuclear, enquanto a Alemanha optou pelo phase out gradual da energia nuclear. Após analisar esses dois casos em profundidade, os autores destacaram o elevado peso de fatores relacionados ao sistema político, às instituições e à cultura democrática na tomada de decisão sobre a geração de eletricidade a partir de fonte nuclear. Nesse sentido, os autores enfatizaram que a geração de energia nuclear foi e continua sendo uma escolha política – e não uma necessidade científica como argumentam alguns defensores dessa tecnologia (JOHNSTONE; STIRLING, 2016, p. 11).

8 Após o acidente de Fukushima, pesquisadores universitários que trabalhavam para mensurar o fallout

radioativo relataram a ocorrência de censura por parte dos órgãos do governo no Japão. Segundo reportagem do New York Times, os pesquisadores em questão foram instruídos a não divulgar dados que pudessem causar preocupações na população e a não falar com a mídia sobre o assunto (MCNEILL, 2014).

(26)

6 O caráter político das escolhas energéticas, as controvérsias socioambientais, os questionamentos jurídicos, os riscos associados à tecnologia nuclear e a comprovação da ocorrência de práticas ilícitas na contratação das obras da usina de Angra 3 demonstram a urgência de se ampliar os estudos voltados para a análise da qualidade da democracia no Brasil, dos aspectos do processo decisório e da gestão da política energética. Dentro desse contexto acadêmico e político, a presente tese deseja contribuir com o avanço dos estudos sobre controles democráticos, expandindo-o para as políticas de geração de energia nuclear.

Do ponto de vista conceitual, esta pesquisa é importante pois almeja produzir conhecimento sobre a difícil conciliação entre os imperativos da democracia e as exigências da competência tecnológica no campo nuclear, comumente caracterizado por seu excepcionalismo. A partir da coleta e do exame de dados empíricos, os estudos de caso desenvolvidos nesta tese são úteis para revelar as tensões que marcam a formulação da política energética nuclear em um contexto democrático. Os desafios identificados serão analisados com o auxílio da bibliografia especializada em teoria democrática e de conceitos desenvolvidos no campo dos estudos CTS, constituindo uma abordagem original para a pesquisa acadêmica sobre o setor nuclear no Brasil.

Esta tese também tem pretensões empíricas na medida em que busca contribuir para a melhor compreensão dos processos de formulação e implementação de políticas na área nuclear do Brasil9. Mais especificamente, o trabalho apresenta, pela primeira vez, estudos detalhados sobre a implantação de três diferentes etapas do ciclo do combustível nuclear. A reconstrução dos principais marcos desses processos foi possível a partir de extensa

9 Em diversas passagens desta tese, referências à formulação da política energética nuclear virão

acompanhadas de menções à implementação. Essa associação de termos mostra que, por vezes, ambos estágios do processo político se apresentam interligados. Essa constatação já foi feita por outros pesquisadores, como Rua (2009, p. 101), para quem a implementação de políticas pode ser compreendida como a “formulação em processo”.

(27)

7 pesquisa documental, viagens a campo e dezenas de entrevistas em profundidade com os principais atores envolvidos na formulação e na implementação da política nuclear brasileira. A promulgação da Lei de Acesso à Informação, em 2011, permitiu a obtenção de documentos até então restritos, como o contrato para o fornecimento de ultracentrífugas para a planta de enriquecimento de urânio, em Resende, no estado do Rio de Janeiro, e os seus aditamentos. Ao que tudo indica, esta é a primeira pesquisa acadêmica a dispor de tais documentos.

Por fim, este estudo tem um componente normativo na medida em que apresenta uma análise ancorada em controles democráticos compreendidos como meios para políticas públicas mais responsivas, responsáveis, eficazes e eficientes. A dimensão normativa do trabalho ganhou peso durante os anos de preparação do mesmo, que coincidiram com os escândalos de corrupção no campo nuclear revelados pela operação Lava Jato e seus desmembramentos10. A perspectiva do controle democrático se reporta aos problemas que acometem o setor público e a política nuclear no Brasil, ao propor que a adoção de instrumentos que dão visibilidade aos atos do poder público, convidam os cidadãos a participar da formulação e gestão de políticas e aumentam as possibilidades de accountability podem proporcionar ganhos de segurança física, legitimidade política e respeito à legislação.

10 Além dos processos da Operação Lava Jato em Curitiba, foi criada uma força‐tarefa no Rio de Janeiro

para investigar supostos crimes de corrupção, desvio de verbas e fraudes em licitações e contratos na Eletronuclear. Essa força‐tarefa é responsável pelas operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade. Os processos penais relacionados a essas operações podem ser consultados no portal online do Ministério Público sobre a Lava Jato: <http://lavajato.mpf.mp.br/desmembramentos/rio-de-janeiro>. Acesso em: 9 de junho de 2017.

(28)

8 II. Objetivo

O objetivo desta pesquisa é entender a formulação da política nuclear no Brasil no período pós-autoritário, com ênfase na aplicação de mecanismos de controle democrático a essa tecnologia marcada por seu excepcionalismo.

Para alcançar essa meta principal, a pesquisa buscará responder as perguntas listadas abaixo.

1. Como os atores políticos, o arcabouço legal e os ideais democráticos que

norteiam a ordem política no Brasil interagem na formulação das políticas do ciclo do combustível nuclear?

2. Quais os mecanismos de controle democrático aplicáveis à formulação da política nuclear?

3. Nos casos selecionados,

3.1.Quais são os atores que participam da tomada de decisões? 3.2.Como esses atores se relacionam?

3.3.Quais os principais mecanismos pelos quais as decisões são tomadas e tornadas públicas?

3.4.Quais são e como funcionam as instituições de supervisão e de accountability?

3.5.Quais os mecanismos que possibilitam a representação de interesses?

3.6.Quais as instâncias de comunicação e debate público? 3.7.Quais as oportunidades para a participação dos cidadãos? 3.8.Qual o papel desempenhado pela tecnologia?

(29)

9 Por meio dessas questões, pretende-se contribuir com a produção de conhecimento acerca da formulação da política nuclear desde a redemocratização.

III. Marco conceitual: excepcionalismo nuclear, nuclearidade e tecnopolítica

Programas nucleares fazem parte de um grupo de projetos de Big Science liderados pelo Estado, caracterizados por sua ampla escala e pelo longo prazo para sua conclusão, assim como pela necessidade de elevadas quantias de dinheiro e de colaboração entre diferentes especializações científicas. Embora a execução deste tipo de obras públicas seja feita de modo a contemplar objetivos variados, ela é sempre “um meio tecnopolítico através do qual Estados modernos tentam visualizar seu poder e expressar sua autoridade” (ABRAHAM, 2006, p. 64). São exemplos de tais projetos a construção de novas cidades, grandes hidrelétricas, imensos arranha-céus, programas espaciais e nucleares.

Apesar da identidade compartilhada com outros projetos de Big Science, a criação de um complexo industrial nuclear é marcada pelas especificidades da tecnologia em questão. Nesse sentido, Hecht (2010) propôs o conceito de excepcionalismo tecnopolítico nuclear para destacar como propriedades físico-químicas dos materiais nucleares, juntamente com fatores históricos e políticos, fazem com que o nuclear seja considerado algo excepcional. O excepcionalismo nuclear se apresenta de diferentes maneiras. Em uma escala micro, a descoberta da fissão nuclear significou a possibilidade de dividir átomos, o rompimento das unidades fundamentais da matéria. Ainda, em uma escala macro, o domínio desse processo levou a uma outra divisão – desta vez, no tempo histórico. A inauguração da “era nuclear” se fez sentir em todo o globo com o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945 (HECHT, 2009)11.

11 Em A Condição Humana, a filósofa Hannah Arendt considerou as explosões de Hiroshima e Nagasaki

como o marco inicial do mundo moderno em que vivemos (ARENDT, 1958, p. 6) Em outro trabalho, Arendt também se referiu à dimensão simbólica do poder e da violência atômica: “o escopo da devastação

(30)

10 Na era nuclear, a posse desse novo tipo de armamento representou ganhos geopolíticos relacionados a status, poder militar e prestígio internacional para alguns países. Concomitantemente, os esforços para evitar que demais nações obtivessem bombas atômicas se tornou um dos principais objetivos do então nascente sistema de governança global. Tal sistema foi fortalecido ao longo dos anos e hoje conta com uma ampla infraestrutura para a não proliferação nuclear, incluindo tratados, agências e normas internacionais12.

Além do aspecto bélico, a era nuclear também se caracteriza pela utilização desta tecnologia para fins pacíficos: a fissão nuclear é uma fonte importante de eletricidade, radioisótopos contribuem com a melhoria da agricultura e da produção de alimentos e técnicas de radiação são úteis no diagnóstico e no tratamento de doenças. Os usos pacíficos da tecnologia nuclear também fazem parte do regime internacional de não proliferação, o qual admite cooperação e assistência técnica nesta área aos países que se comprometeram a não desenvolver armamentos.

Ao longo dos 70 anos que se passaram desde o início da era nuclear, diversas nações estabeleceram programas nucleares com diferentes graus de sucesso. Atualmente, nove países possuem armamentos nucleares e 30 produzem eletricidade a partir de fontes nucleares13. Embora seja evidente que a criação de um programa nuclear possa servir a propósitos variados, o foco dos analistas e dos diplomatas quase sempre recai sobre potenciais casos de proliferação, considerados ameaças à paz e à estabilidade internacional. Como notou Abraham (2006, p. 51), uma das consequências desta visão

desencadear morte e destruição tão vastas, essa fonte de energia recém descoberta teve um poder simbólico estranhamente impressionante desde o momento do seu nascimento” (ARENDT, 2005 [1963], p. 158).

12 Para análises atuais sobre os principais aspectos do regime internacional de não proliferação nuclear, ver

os artigos reunidos em Busch e Pilati (Eds.) (2015).

13 Dados para 1º de janeiro de 2017, fornecidos pela World Nuclear Association. Disponível em:

<http://www.world-nuclear.org/information-library/facts-and-figures/world-nuclear-power-reactors-and-uranium-requireme.aspx>. Acesso em: 19 de janeiro de 2017.

(31)

11 limitada e da fixação da diplomacia com a bomba é que elas acabam por “reforçar a aura particular das armas nucleares como objetos a serem cobiçados e desejados”.

Certamente, o discurso do excepcionalismo nuclear e as práticas a ele associadas privilegiam o caráter bélico em detrimento de outros significados que possam estar atrelados a um programa nuclear nacional. Tendo em vista o objeto de estudo desta tese – a política energética nuclear em uma democracia emergente –, é fundamental atentar para outras questões que possam estar presentes na opção nuclear, tais como reivindicações de modernidade, independência e autoridade. Uma vez que, no Brasil, as atividades envolvendo materiais nucleares sejam prerrogativas do Estado, é importante também considerar a relação entre o projeto nuclear e outros empreendimentos estatais, entre o setor nuclear e outros grupos de interesses.

Neste sentido, o conceito de nuclearidade, desenvolvido por Hecht, representa uma ferramenta analítica importante. Em suas pesquisas sobre atividades nucleares, a autora argumentou que o nuclear não é tanto uma propriedade essencial das coisas como é distribuída nas coisas e inscritas nos corpos. Para a autora, a nuclearidade não é definida apenas em termos científicos e/ou tecnológicos, “é um espectro tecnopolítico que muda ao longo do tempo e do espaço” (HECHT, 2006, p. 322). Os diferentes graus de nuclearidade e as ambiguidades do estado nuclear foram explorados por Hecht (2012) através de estudos históricos sobre a extração de urânio no Gabão, Namíbia e África do Sul. Essas pesquisas indicaram que as definições do que é nuclear foram negociadas e contestadas várias vezes ao longo do surgimento e da evolução do regime internacional de não proliferação nuclear, alterando o escopo do controle internacional sobre materiais e equipamentos associados à energia nuclear.

As observações de Hecht encontram respaldo nos casos apresentados nesta tese. Em cada uma das etapas do ciclo do combustível nuclear abordadas, a nuclearidade se

(32)

12 apresenta de maneira distinta. O urânio é extraído da terra e transformado por diferentes intervenções tecnológicas – mineração, beneficiamento, conversão, enriquecimento, queima – e a sua nuclearidade é construída, negociada, alterada, negada, combatida em diferentes contextos históricos, geográficos e políticos.

Como será mostrado no Capítulo 2, em Caetité, na Bahia, há um embate acerca da construção da nuclearidade da mineração de urânio. Enquanto atores do setor nuclear tentam minimizar o caráter nuclear do minério de urânio, grupos da sociedade local e ONGs internacionais se articulam para construir a nuclearidade e afirmar a excepcionalidade do urânio. Naquele contexto, a nuclearidade do minério está na base de reivindicações da sociedade por infraestrutura e serviços na área da saúde.

Já em Resende, no Rio de Janeiro, a nuclearidade do urânio é regulada por regimes internacionais de controle, que têm por objetivo atestar o caráter pacífico do projeto de enriquecimento de urânio no Brasil. Como será analisado no Capítulo 3, a maneira como a regulação externa se materializa nas instalações de Resende é singular, com painéis que limitam o acesso visual às centrífugas. Essa configuração é influenciada pela história do engajamento brasileiro com o regime de não proliferação nuclear e pelas prescrições de políticas defendidas pelos atores nacionais.

Em Angra dos Reis, a nuclearidade dos reatores de potência é afirmada nos documentos que compõem o planejamento de emergência nuclear, nos testes de sirenes que acontecem mensalmente – sempre no dia 10, às 10h – e nos exercícios bienais que simulam uma situação de crise nuclear. Nesse caso, é possível compreender as dinâmicas de negociação de contrapartidas para o município e as demandas por melhorias no planejamento para emergências em um diálogo com a nuclearidade das usinas – tanto as que estão localizadas no litoral fluminense quanto aquelas situadas em lugares distantes, como Ucrânia e Japão.

(33)

13 Além de excepcionalismo nuclear e nuclearidade, outras noções do arcabouço de Hecht são relevantes para a presente pesquisa. O conceito de tecnopolítica foi proposto pela autora para se referir a “práticas estratégicas de conceber ou utilizar a tecnologia para sancionar objetivos políticos” (HECHT, 1998, p. 15). Segundo Hecht, a tecnopolítica difere da política por duas características principais. Em primeiro lugar, ela é conduzida por tecnologistas em vez de políticos eleitos. Ademais, o poder tecnopolítico está ligado ao conhecimento especializado e é expresso em artefatos e/ou práticas materiais (Ibid., pp. 89-90).

No Capítulo 3 desta tese, a tecnologia de enriquecimento de urânio será apresentada dentro desse marco conceitual, sendo considerada um meio para exercer poder. Todavia, esse não é um meio qualquer, uma vez que a materialidade tem características específicas, recursos que – juntamente com os contextos cultural e institucional em que estão inseridos – podem ser determinantes para o sucesso ou o fracasso de uma agenda política (HECHT, 1998, p. 15).

O mesmo capítulo apresentará o regime tecnopolítico brasileiro que se desenvolveu centrado nas centrífugas, aqui denominado como regime autônomo devido a sua origem no programa nuclear autônomo/paralelo e a sua ênfase na autonomia como meta política e tecnológica. A discussão sobre o conceito de regime tecnopolítico também é baseada no trabalho de Hecht, que elaborou essa ideia para capturar a natureza fundamentalmente híbrida (tecnológica e política) das atividades desempenhadas pelas instituições, atores e artefatos de um sistema tecnológico14. Uma característica central desses regimes é que os artefatos fornecem a base e, por vezes, até mesmo os mecanismos para o exercício do poder. Agendas políticas guiam o processo de concepção de sistemas tecnológicos, ao

14 Nesta tese, sistema tecnológico é definido de acordo com a perspectiva de Thomas Hughes (1983), como

uma rede de artefatos, conhecimentos e instituições conectados uns com os outros, que operam de maneira coordenada para atingir determinados objetivos.

(34)

14 mesmo tempo em que são construídas durante desenvolvimentos tecnológicos (HECHT, 1998, p. 163).

Essas considerações são valiosas para entender o programa nuclear brasileiro, cujo desenvolvimento foi historicamente afetado por instabilidades políticas e restrições financeiras. O estudo aqui apresentado mostra que, a despeito desses desafios, desenvolvimentos no setor nuclear são continuamente reivindicados e realizados pelos membros do regime tecnopolítico autônomo. A força de tal regime advém do sucesso da tecnologia de ultracentrifugação no Brasil. Aqui, as centrífugas, para além de sua finalidade técnica imediata, constituem meios para impulsionar prescrições de política (e.g. determinados posicionamentos frente à ordem nuclear, alinhamento geopolítico com certos países) e programas tecnológicos (e.g. desenvolvimento nacional de materiais de alta resistência, construção de um submarino nuclear). Essas ideias serão apresentadas no Capítulo 3 e retomadas nas seções subsequentes.

IV. A trajetória nuclear do Brasil

A análise do desenvolvimento dos programas nucleares em diversas partes do mundo mostra o papel crucial do Estado nesses empreendimentos (SOVACOOL; VALENTINE, 2012; UEKOETTER, 2012). No Brasil, não é diferente. As principais instituições envolvidas fazem parte da estrutura do Estado, uma vez que os minérios e materiais nucleares constituem monopólio do Estado desde a década de 1960 (BRASIL, 1962) e as atividades envolvendo esses materiais (pesquisa, lavra, enriquecimento e reprocessamento, industrialização e comércio) têm sido prerrogativa estatal há várias décadas. Apesar dessas observações, a bibliografia sobre a trajetória nuclear brasileira pouco se dedicou a analisar aspectos da governança política para essa tecnologia. Essa é uma lacuna que o presente trabalho almeja preencher.

(35)

15 Mesclando fontes primárias e secundárias, essa seção fornecerá um panorama da história nuclear do Brasil com ênfase nos processos políticos que a moldaram e no desenvolvimento de competências nas diferentes etapas do ciclo do combustível nuclear. O objetivo desse esforço é trazer à tona questões quase sempre consideradas secundárias nos estudos sobre as atividades nucleares no país, mas que são centrais para a presente tese: tratamento dos parâmetros legais, representatividade, transparência e accountability nas políticas para o ciclo do combustível nuclear. Embora seja difícil separar as dimensões nacional e internacional no desenvolvimento atômico15, as páginas que se seguirão terão como foco principal “o mundo nuclear no Brasil” e não tanto “o Brasil no mundo nuclear”.

IV.1 Os anos iniciais: acordos secretos e desrespeito à legislação (1930-1963)

No Brasil, as primeiras pesquisas teóricas sobre física nuclear tiveram lugar na Universidade de São Paulo (USP) a partir da década de 1930 (CNEN, 2007). Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em meio à busca por matérias-primas estratégicas, os Estados Unidos estabeleceram um acordo com o Brasil para a prospecção de minérios radioativos neste país (Idem; GUILHERME, 1957, p. 83). Os resultados desses esforços foram positivos e, em julho de 1945, um contrato de caráter secreto foi formalizado por meio de troca de notas entre o Itamaraty e a Embaixada Americana (OLIVEIRA, 2012). Desconhecendo a totalidade das aplicações dos minerais físseis, o Brasil passou a exportar monazita, um composto de fosfatos de terras raras e tório, para os Estados Unidos (PEREIRA, 2013, p. 34).

A essas primeiras experiências com a área atômica, seguiu-se o desenvolvimento de um plano de ação para capacitar o país nesse campo. Em 1947, Álvaro Alberto da

(36)

16 Mota e Silva, oficial da marinha e entusiasta da tecnologia nuclear, escreveu a primeira política nuclear a ser aprovada pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN). O plano de Álvaro Alberto vislumbrava a possibilidade de o Brasil ir além da exportação de matéria prima estratégica e efetivamente promover o desenvolvimento de uma indústria nuclear nacional. Para tanto, o país deveria adotar o princípio das compensações específicas, segundo o qual acordos comerciais de exportação de minérios atômicos deveriam incluir condições que facilitassem o acesso a tecnologias sensíveis e o treinamento para tecnologistas brasileiros (CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL, 1947).

A implementação do plano teve início em 1951, com o estabelecimento do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a indicação de Álvaro Alberto a sua presidência. Embora o objetivo geral da instituição fosse promover pesquisas científicas e tecnológicas em todas as áreas do conhecimento, o CNPq tinha responsabilidades específicas quanto ao desenvolvimento da energia nuclear, como estimular pesquisas sobre recursos minerais relevantes e expandir a industrialização da energia nuclear (BRASIL, 1951).

À frente do CNPq durante o último governo de Getúlio Vargas (1951-1954), Álvaro Alberto buscou fomentar a pesquisa científica e o desenvolvimento do setor nuclear. O então Contra-Almirante e sua equipe estabeleceram contato com países onde a tecnologia nuclear se mostrava avançada na tentativa de obter equipamentos; em especial, ultracentrífugas e cíclotrons16. Essas negociações internacionais eram conduzidas em segredo, de modo que nem mesmo o Itamaraty recebia informações sobre as tratativas. Naquela ocasião, o Itamaraty era visto como um órgão muito ligado aos Estados Unidos,

16 O cíclotron é um acelerador de partículas carregadas, utilizando diferença de potencial elétrico. Com o

aumento da velocidade da partícula, um feixe vai tendo seu raio aumentado, numa trajetória em espiral, até que ele é deslocado em direção ao alvo a ser bombardeado. É utilizado para pesquisa na área de física nuclear experimental e também na produção de radioisótopos.

(37)

17 que poderia comunicar a este país as intenções do Brasil. Apesar desses esforços, o país não logrou êxito na aquisição de tecnologia (PEREIRA, 2013, p. 84).

A política proposta por Alberto sofreu revezes durante a presidência de Café Filho (1954-1955), que adotou uma postura menos nacionalista na área nuclear. As novas diretrizes que deveriam orientar a política nuclear apontavam os Estados Unidos como parceiro privilegiado para o desenvolvimento nuclear brasileiro e também incluíam a possibilidade de que organismos estrangeiros ou internacionais viessem a atuar na execução do programa nuclear (GUILHERME, 1957, p. 165). Além disso, a nova política retirou do CNPq o poder de negociar acordos com outros países na área nuclear, destinando tal atribuição ao Itamaraty. Por outro lado, houve elementos de continuidade, na medida em que o princípio das compensações específicas, idealizado por Álvaro Alberto, foi mantido nas diretrizes da política nuclear (PEREIRA, 2013, p. 92).

A nova orientação da política nuclear gerou críticas de membros do Congresso e de setores da sociedade, como alunos da Escola Politécnica de São Paulo e a União Estadual dos Estudantes de São Paulo que redigiram um manifesto contra a exportação de minérios atômicos para os Estados Unidos (PEREIRA, 2013, p. 123). A partir de uma visão nacionalista, estes grupos consideravam os acordos com os Estados Unidos desfavoráveis para o Brasil, uma vez que não geravam contrapartidas tecnológicas. Como exemplos, podem ser destacados os acordos de 1954 e 1955, pelos quais o Brasil recebeu trigo em troca de tório (CNEN, 2007).

Neste contexto, deputados tiveram acesso aos chamados “documentos secretos”: quatro documentos redigidos em inglês, sem indicação de procedência ou de destinatário. Esses documentos haviam sido encaminhados por Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar da Presidência nos primeiros meses do governo Café Filho, ao chefe de gabinete do CSN coronel José Luiz Bettâmio Guimarães, por meio de um ofício secreto, com a

(38)

18 intenção de que servissem de insumos para a nova política nacional de energia atômica (PEREIRA, 2013, pp. 87-88).

No ano seguinte, logo após a posse de Juscelino Kubitschek, alguns parlamentares começaram a solicitar mais informações acerca dos acordos para exportação de minérios atômicos, uma vez que os mesmos não se encontravam publicados. Segundo depoimentos do então deputado Renato Archer, os documentos relacionados com os acordos estavam na casa do diplomata Edmundo Barbosa, chefe do Departamento Econômico e Comercial do Itamaraty. Archer contou que, ao saber de tal fato, Kubitschek teria ficado espantado e ordenado a publicação dos documentos (MOREIRA; SOARES [Orgs.], 2007, p. 70-71; PEREIRA, 2013, p. 127).

Em 10 de fevereiro de 1956, a Câmara dos Deputados aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “o Problema da Energia Atômica no Brasil” (BRASIL, 1956). A CPI concluiu que as exportações de minérios atômicos para os Estados Unidos haviam desrespeitado a legislação nacional em vigor (SALLES, 1958). Após o fim da investigação, a CPI defendeu uma abordagem mais nacionalista para a política nuclear, retomando os planos defendidos por Álvaro Alberto e pelo CNPq. Essa foi a orientação seguida pelo Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), que, naquele mesmo ano, criou a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para coordenar o setor nuclear. Sob a supervisão da Presidência da República, a CNEN assumiu funções que antes eram executadas pela Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), do Ministério das Relações Exteriores, e pela Comissão de Energia Atômica (CEA) do CNPq (ANDRADE, 2006, pp. 98-99; BRASIL, 1956).

Embora o plano de metas de Kubitschek incluísse objetivos referentes à geração de energia elétrica a partir de fontes nucleares, não foi possível ir adiante com a obtenção de um reator de potência (ANDRADE; SANTOS, 2013). Porém, foi nesse período que o

(39)

19 Brasil conseguiu seus primeiros reatores de pesquisa, por meio do programa estadunidense de cooperação “Átomos para a Paz”17.

O presidente João Goulart (1961-1964) também se ocupou da questão nuclear, sancionando a lei nº 4.118, de 27 de agosto de 1962, que decretou o monopólio da União sobre os minérios e materiais nucleares. Essa mesma lei dispôs sobre a CNEN, tornando-a umtornando-a tornando-auttornando-arquitornando-a federtornando-al, com tornando-autonomitornando-a tornando-administrtornando-ativtornando-a e fintornando-anceirtornando-a, direttornando-amente subordinada à Presidência da República. Em vigor até os dias de hoje, o artigo 24 desta legislação admite à Comissão realizar atividades de caráter sigiloso e prestar contas sobre as mesmas “sigilosamente, a critério da CNEN, adotando-se um processo especial que o resguarde” (BRASIL, 1962).

IV.2 A ditadura militar e a gestão autoritária da política nuclear (1964-1985)

Após o golpe de 1964, que depôs o governo do presidente João Goulart, o regime militar estabeleceu uma política nuclear baseada na aquisição de usinas nucleares para gerar eletricidade e criar condições para o estabelecimento de um complexo industrial nuclear autônomo no Brasil.

Segundo as diretrizes adotadas pelo governo do Marechal Costa e Silva, em 1967, o Brasil deveria, no longo prazo, procurar adquirir todas as tecnologias necessárias para o domínio do ciclo de produção do combustível nuclear. Além de medidas internas para fortalecer as competências nacionais na área de treinamento e pesquisa, o documento também previa acordos com países nuclearmente desenvolvidos, visando a acelerar a implantação da indústria nuclear no Brasil (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1967).

17 Em 1957, o IEA-R1 se tornou o primeiro reator a entrar em funcionamento no hemisfério sul, no Instituto

de Energia Atômica (IEA), em São Paulo. Dentre os propósitos para o qual o reator foi utilizado, destacam-se a formação de especialistas e a produção de radioisótopos (CNEN, 2007). Em 1960, foi adquirido o reator de pesquisa TRIGA Mark 1, localizado no Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o qual também foi usado para atividades de treinamento e de pesquisa associadas à produção de radioisótopos (Idem).

(40)

20 Dentre os principais atores envolvidos na formulação da política nuclear, destacava-se a CNEN, que – junto com o Ministério das Minas e Energia (MME) – assumiu as responsabilidades de planejamento e controle da política nacional de energia nuclear. Não obstante, os assuntos de segurança nuclear pertenciam à alçada do CSN e os de política internacional, ao Ministério das Relações Exteriores. À Presidência da República cabia a orientação geral da política nuclear (Idem).

Essas diretrizes, assim como a maioria dos documentos relacionados à política nuclear, foram formuladas e mantidas em segredo. O mesmo ocorreu com o “Conceito Estratégico Nacional”, desenvolvido em 1968. Tal documento afirma que a aquisição da ciência e da tecnologia nuclear era um meio para a superação da posição periférica do Brasil nas questões internacionais (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1968). Por esse motivo, o país não poderia aceitar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), um acordo internacional percebido pelo Brasil como um instrumento para cercear o desenvolvimento da energia nuclear em países não nuclearmente armados, sem resolver o problema das armas nucleares (PATTI, 2012, p. 83).

A posição mantida pela ditadura era a favor da utilização da energia atômica para fins pacíficos, incluindo as chamadas explosões nucleares pacíficas (Peaceful Nuclear

Explosions – PNE)18. Tal atitude representava uma mudança radical com relação à política externa de João Goulart, que tinha impulsionado discussões internacionais para um acordo de proibição de armas nucleares na América Latina e no Caribe. Ao longo das negociações que culminariam na adoção do Tratado de Tlatelolco, foi patente a guinada na orientação política do Brasil, que não mais admitia a possibilidade de renunciar à

18 A denominação PNE se refere a explosões de dispositivos nucleares para aplicações não militares, como

em grandes obras de engenharia (ex.: abertura de túneis e canais). Ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, os Estados Unidos e a União Soviética conduziram programas para PNE, realizando cerca de 150 explosões nucleares consideradas pacíficas. Mais informações disponíveis no site da Comissão Preparatória da Organização para Proibição Total dos Testes Nucleares (CTBTO): <http://www.ctbto.org/nuclear-testing/history-of-nuclear-testing/peaceful-nuclear-explosions/> Acesso em: 30 de maio de 2015.

Imagem

Gráfico 1. Matriz de oferta de energia elétrica – Brasil. Fonte de dados: MME (2016, p
Figura  1.  Principais  etapas  do  ciclo  do  combustível  nuclear  sem  reprocessamento,  conhecido  como “ciclo aberto”
Gráfico 3. Produção de U3O8 na URA/INB (2000-2015). Fonte de dados: INB 91 .

Referências

Documentos relacionados

A presente comunicação refere-se a um projeto de pesquisa cujo objetivo geral é de analisar as práticas de gestão das Organizações Sociais de Saúde (OSs) e

Este seguro prevê e regula a inclusão, automática dos cônjuges dos Segurados Principais que estejam em perfeitas condições de saúde, na qualidade de Segurados

Por sua vez, a complementação da geração utilizando madeira, apesar de requerer pequenas adaptações do sistema, baseia-se em um combustível cujas origens são mais diversifi

Mas existe grande incerteza sobre quem detém esses direitos em certas áreas do Brasil rural.. Esta é a posição do Brasil em relação à segurança de direitos de propriedade de

This infographic is part of a project that analyzes property rights in rural areas of Brazil and maps out public policy pathways in order to guarantee them for the benefit of

Considerando a presença e o estado de alguns componentes (bico, ponta, manômetro, pingente, entre outros), todos os pulverizadores apresentavam alguma

Conclusão: a mor- dida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças, havendo associação estatisticamente signifi cante entre hábitos orais

Vilson Refatti (M.C.R) 1ª