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O satírico nas crônicas de Stanislaw Ponte Preta

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Academic year: 2020

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O S A T Í R I C O N A S C R Ô N I C A S D E S T A N I S L A W P O N T E P R E T A

J o ã o Batista Ernesto de M O R A E S *

INTRODUÇÃO

S é r g i o Porto, criador de Stanislaw Ponte Preta, iniciou-se no jornalismo como c r í t i c o de cinema no J o r n a l do Povo, de propriedade de Aparicio T o r e l l i , o B a r ã o de Itararé; em seguida, foi para a revista Sombra, e desta passou para o j o r n a l D i á r i o C a r i o c a . Foi no D i á r i o que veio à luz o ilustre personagem Stanislaw Ponte Preta. Passou depois pelos jornais Ú l t i m a H o r a e D i á r i o da Noite; foi t a m b é m colaborador das revistas Mundo Ilustrado, Fatos e Fotos e O C r u z e i r o , a l é m da especializada Revista de M ú s i c a Popular.

Mas a sua a t u a ç ã o n ã o se restringiu apenas a esses jornais e revistas: trabalhou no r á d i o , onde c o m e ç o u em 1950 na R á d i o M a y r i n k Veiga; f o i roteirista de cinema, tendo, inclusive, escrito o roteiro do filme A s C a r i o c a s , l a n ç a d o em 1968; trabalhou ainda no que ele chamava de "a m á q u i n a de fazer doido": a t e l e v i s ã o . A l é m do Stanislaw Ponte Preta Show, que ele p r ó p r i o apresentava, produziu v á r i o s programas televisivos e participou de n o t i c i á r i o s como redator e apresentador.

S é r g i o porto foi o continuador de uma t r a d i ç ã o satírica iniciada, no s é c u l o X X , n ã o por acaso, pelo seu primeiro p a t r ã o , A p a r í c i o T o r e l l i . O B a r ã o

Departamento de Biblioteconomia e Documentação - Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP- 17515-901 - Marília - SP.

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de Itararé, p s e u d ô n i m o de T o r e l l i , testemunhou e comentou grande parte da história do Brasil na primeira metade deste s é c u l o , desde a R e v o l u ç ã o de 30, passando pelo Estado N o v o (quando T o r e l l i foi detido e esteve preso j u n t o com Graciliano Ramos) a t é a r e e l e i ç ã o de G e t ú l i o Vargas em 1950.

O B a r ã o de Itararé ficou t a m b é m conhecido pela c r i a ç ã o de m á x i m a s , como a que diz: "Cada J â n i o com a sua mania".

Stanislaw Ponte Preta segue a trilha aberta pelo B a r ã o de I t a r a r é : c r i a ç ã o de e x p r e s s õ e s , sátira a figuras p ú b l i c a s e um forte apelo popular. Depois da morte de S é r g i o Porto, este caminho foi seguido em parte, a t é onde a censura permitiu, pelos redatores do Pasquim, na d é c a d a de 70.

Os anos oitenta nos trazem as p u b l i c a ç õ e s Casseta P o p u l a r e Planeta D i á r i o , que, em sua fase p r é - G l o b a l , faziam um trabalho bem elaborado de sátira, com altas doses de i n v e n ç ã o , mas ligados com seus antecessores. A i n d a na d é c a d a de 80, surge t a m b é m o Macaco S i m ã o , personagem criado pelo cronista J o s é S i m ã o , da Folha de S ã o Paulo. Podemos considerar o Macaco S i m ã o como o l e g í t i m o herdeiro de Stanislaw Ponte Preta, a t é porque este cronista serve-se de algumas c r i a ç õ e s de Stanislaw utilizadas em suas c r ô n i c a s .

A SÁTIRA

Abordaremos neste trabalho o l i v r o de Stanislaw Ponte Preta intitulado P r i m e i r o Festival de Besteira que Assola o P a í s - F E B E A P Á , l a n ç a d o em 1966. O l i v r o é composto de duas partes segundo o seu autor:

A primeira parle tem pretensões de ser mais uma reportagem do que uma coletânea de crônicas (...) e a segunda, onde vai uma coleção de crônicas e casos do cotidiano, sem compromisso com a realidade nua e crua (Ponte Preta, 1981, p. 27-28)

Dentre as duas partes do l i v r o , optamos pela "realidade nua e crua" da primeira parte, porque é justamente neste p e d a ç o da obra que e s t ã o os elementos de sátira que mais nos interessam justamente por tratarem de aspectos da vida p o l í t i c a nacional.

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Segundo J o ã o A d o l f o Hansen (1991) "a sátira é um s u b g ê n e r o do c ô m i c o c o m o m a l e d i c ê n c i a , ocupando-se de v í c i o s que causam horror". N o texto em q u e s t ã o , Stanislaw Ponte Preta ocupa-se em difamar os homens p ú b l i c o s n ã o por causa de sua improbidade administrativa, mas por conta de um outro v í c i o : a falta de inteligência.

A respeito do emissor da sátira falaremos mais adiante, quando abordarmos a figura da "persona" satírica. Quanto ao objeto da sátira, o autor deixa bem claro j á no primeiro p a r á g r a f o do l i v r o :

É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da "redentora", cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem "otoridades", sentindo a oportunidade de aparecer, já que a "redentora", entre outras coisas, incentivou a prática do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo -alguns apontavam dois dedos duros para ambas as coisas) , iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar (Ponte Preta, 1981, p. 9).

E curioso o fato do autor batizar o seu l i v r o de F e s t i v a l de Besteira que Assola o P a í s . Ora, um festival p r e s s u p õ e uma modalidade de c o m p e t i ç ã o mais ou menos organizada, onde os participantes t ê m a p r e t e n s ã o de aparecer com algum destaque; pode-se perceber uma certa c o n o t a ç ã o positiva. P o r é m , ao instituir um festival cuja modalidade de c o m p e t i ç ã o é a "besteira", cria-se uma nova s i g n i f i c a ç ã o para a palavra, subvertendo o sentido original e adicionando-lhe um sentido inverso. Podemos perceber aí mais uma das c a r a c t e r í s t i c a s da sátira: o mundo pervertidamente à s avessas, onde o que deveria ser o "caos" pode ser organizado dentro de alguns limites, como explica o autor:

O resumo abaixo foi feito na coluna 'Fofocalizando', publicado no vespertino Última Hora, junto com as crônicas que motivaram a série de livros. São apenas tópicos colhidos pela agência informativa 'Pretapress' - a maior do mundo, porque nela colaboram todos os leitores de Stanislaw - e aqui relembrados sem a menor preocupação de exaltar este ou aquele membro do F E B E A P Á . Vão na base da bagunça, para

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respeitar a atual conjuntura, e sua ordem é apenas cronológica (Ponte Preta, 1981, p. 10).

E a forma de o r g a n i z a ç ã o introduz um elemento diferente na maneira do autor conduzir a sua sátira aos costumes nacionais. Se pensarmos em L i m a Barreto, por exemplo, podemos perceber melhor estas d i f e r e n ç a s .

E m L i m a Barreto temos a c r i a ç ã o de lugares (Estados Unidos d a B r u z u n d a n g a ) e de personagens ( N u m a P o m p í l i o ) para retratar, de forma extremamente satírica, as elites dominantes do p a í s e sua falta de projetos nacionais.

Em Stanislaw Ponte Preta temos duas d i f e r e n ç a s b á s i c a s em r e l a ç ã o a L i m a Barreto: Stanislaw n ã o lança m ã o de um lugar i m a g i n á r i o onde se passa a a ç ã o , nem todos os seus personagens s ã o totalmente ficcionais; o e s p a ç o é bem definido, é o Brasil concreto, real, com personagens do c e n á r i o nacional, com seus verdadeiros nomes. Observemos alguns exemplos:

O secretário da Segurança de Minas Gerais, um cavalheiro chamado José Monteiro de Castro - grande entusiasta do Festival de Besteira - proibia (já que fevereiro ia entrar) que mulher se apresentasse de perna de fora em bailes carnavalescos "para impedir que apareçam fantasias que ofendam as Forças Armadas". Como se perna de mulher alguma vez na vida tivesse ofendido as armas de alguém! (Ponte Preta, 1981, p. 11).

O senhor Juraci Magalhães tomava posse no Ministério das Relações Exteriores. A tônica de seu discurso era "continuar a obra de Vasco Leitão da Cunha". Continuar a obra de Vasco Leitão da Cunha era uma boa maneira de dizer que não estava pretendendo fazer nada (Ponte Preta, 1981, p. 18).

Pode-se observar que os e s p a ç o s e s t ã o bem delimitados (Minas Gerais, M i n i s t é r i o das R e l a ç õ e s Exteriores) bem como as personagens envolvidas e s t ã o devidamente identificadas: J o s é M o n t e i r o de Castro, Juraci M a g a l h ã e s e Vasco L e i t ã o da Cunha.

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Podemos citar outro exemplo, tirado da c r ô n i c a " O informe secreto", em que o cronista d i z o seguinte:

O episódio abaixo, para evitar mau-olhado, vamos logo explicando, caso tenha semelhança com pessoa viva ou morta é mera coincidência. Ainda com o devido cuidado, vamos colocá-lo num certo país da América Latina que eu nem quero saber o nome (Ponte Preta, 1981, p. 31).

É uma e s t r a t é g i a tipicamente c ô m i c a , a de negar para melhor afirmar aquilo que se quer dizer, pois um "certo país da A m é r i c a Latina que eu nem quero saber o nome", s ó pode ser, com certeza, o Brasil.

A outra d i f e r e n ç a b á s i c a é que Stanislaw utiliza-se de uma abordagem aparentemente j o r n a l í s t i c a para dar voz aos elementos satirizados. Geralmente ele toma falas de algumas autoridades e as transcreve, entre aspas, como numa n o t í c i a de j o r n a l . Pode-se a t é lançar a q u e s t ã o : a simples t r a n s p o s i ç ã o de uma fala de a l g u é m constitui-se num elemento literário?

A resposta é s i m , pois o autor n ã o reproduz de maneira fiel todas as d e c l a r a ç õ e s , como se as tivesse gravado. Antes, p i n ç a - a s de um determinado contexto e as reescreve de acordo com outras c o n v e n i ê n c i a s , revitalizando-as em uma nova s i t u a ç ã o de sátira, o que caracteriza a c r i a ç ã o literária. Vejamos alguns exemplos:

O ministro da (que Deus nos perdoe) Educação, Sr. Suplicy de Lacerda, que viria a se tornar um dos mais eminentes membros do Festival, reunia a imprensa para explicar aquilo que o coleguinha Nelson Rodrigues apelidou de óbvio ululante. Disse que ia diminuir os cursos superiores de cinco para quatro anos. E acrescentou: "Agora, os cursos que tinham normalmente cinco anos passam a ser feitos em quatro. Não é bacaninha? (Ponte Preta, 1981, p. 10).

Segundo Tia Zulmira "o policial é sempre suspeito" e - por isto mesmo - a policia de Mato Grosso não é nem mais nem menos brilhante do que as outras policias. Tanto assim que um delegado de lá terminou um relatório sobre um crime político

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com estas palavras: "A vítima foi encontrada às margens do rio Sucuriú, retalhada em quatro pedaços, com os membros separados do tronco, dentro de um saco de aniagem, amarrado e atado a uma pesada pedra. Ao que tudo indica parece afastada a hipótese de suicídio (Ponte Preta, 1981, p. 17).

O riso provocado pela leitura do texto é o riso de zombaria, ou seja, é aquele riso que exclui, que impossibilita a identificação entre o satirista e o objeto de sua sátira. E interessante notarmos que Stanislaw Ponte Preta n ã o escolhe como alvo nenhuma personagem em especial, mas v á r i a s personagens que, n ã o por acaso, e s t ã o ligadas com o poder. Parece ó b v i o que seu objetivo principal seja o ataque aos militares que tinham d e s t i t u í d o o presidente eleito, J o ã o Goulart, e assumido o poder. Mas Stanislaw em nenhum momento ataca diretamente o golpe ou os militares, refere-se ao golpe apenas de passagem, chamando a r e v o l u ç ã o de a "redentora", o que j á é bastante i r ô n i c o e certamente n ã o precisa de maiores c o m e n t á r i o s .

Como resultado, temos o que p o d e r í a m o s chamar de sátira " m e t o n í m i c a " , ou seja, ao atacar facetas do poder, o cronista acaba por atacar indiretamente o poder central.

Para n ã o dizer que nenhuma referência é feita ao poder central, podemos encontrar a seguinte passagem:

O cidadão Aírton Gomes de Araújo, natural de Brejo Santo, Ceará, era preso pelo 23 Batalhão de Caçadores, acusado de ter ofendido "um símbolo nacional", só porque disse que o pescoço do Marechal Castelo Branco parecia pescoço de tartaruga, e logo depois desagravava o dito símbolo quando declarava que não era o pescoço de S. Exa. que parecia com o da tartaruga: o da tartaruga é que parecia com o de S. Exa. (Ponte Preta, 1981, p. 24).

A passagem transcrita é a t í p i c a c o n s t r u ç ã o de uma caricatura, onde um aspecto da a p a r ê n c i a física de uma pessoa é destacado e distorcido para gerar um efeito c ô m i c o . O processo que o autor usa para fazer a caricatura o exime de qualquer responsabilidade direta com o fato: ele usa a figura de um personagem que n ã o sabemos se é verdadeiro ou n ã o .

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PERSONA

S A T Í R I C A

Quando um autor produz textos satíricos n ã o é incomum confundir-se a figura do criador com a figura do narrador ou da "persona s a t í r i c a " . Tanto isto é verdade que G r e g ó r i o de Matos ainda é apresentado como a l g u é m de costumes dissolutos, farrista, temperamental e, segundo H A N S E N (1991) " h á m é t o d o e racionalidade na c o n f e c ç ã o de efeitos de desmedida e d e s e q u i l í b r i o da

persona, sendo redutor p r o p ô - l a s como p r ó p r i a s da personalidade do autor."

Desta forma, devemos considerar a persona satírica como um "ator m ó v e l " c o n s t r u í d o com base em c o n v e n ç õ e s r e t ó r i c a s , isto é, retoma temas, processos, t e n s õ e s que s ã o recorrentes.

A c r i a ç ã o da persona Stanislaw Ponte Preta segue um processo singular. O p r e f á c i o do primeiro l i v r o de Stanislaw, T i a Z u l m i r a e E u , é feito pelo p r ó p r i o S é r g i o Porto, afirmando:

De fato Stanislaw Ponte Preta foi criado junto comigo e, praticamente, é meu irmão de criação. Moramos na mesma casa, tivemos a mesma infância e muitas vezes comemos no mesmo prato. Hoje, no entanto, embora vivendo ambos do jornalismo, j á não somos tão ligados: raramente nos vemos, poucos são os nossos gostos comuns e acredito que seria uma temeridade da minha parte se continuasse companheiro fraterno do irrequieto autor deste livro, nas suas andanças e intemperanças por este mundo de Deus.(...) O leitor há de - por força - compreender o quanto é comprometedora, para um jornalista modesto e que tem esperanças de ser levado a sério, a companhia constante de amigo tão atrabiliário (Ponte Preta,

1968, p. 8).

O criador vem a p ú b l i c o desvencilhar a sua imagem de sua criatura para que n ã o paire nenhuma d ú v i d a quanto à identidade de u m e de outro: Stanislaw é irrequieto, atrabiliário, irreverente; ao passo que S é r g i o Porto é um "jornalista modesto e que tem e s p e r a n ç a s de ser levado a s é r i o " . P o d e r í a m o s a t é dizer que temos aí o retrato e seu negativo que, apesar de serem um na e s s ê n c i a , s ã o dois na a p a r ê n c i a .

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Mas o processo n ã o se esgota aí. A grande d i f e r e n ç a de S é r g i o Porto e sua c r i a ç ã o é que o p r ó p r i o Stanislaw se incumbe, por sua vez, de criar outras

personas satíricas, de acordo com suas c o n v e n i ê n c i a s . A s s i m , temos uma

família: T i a Z u l m i r a , Primo Altamirando, Rosamundo, B o n i f á c i o Ponte Preta.

Para tia Z u l m i r a , Stanislaw reserva as o p i n i õ e s mais á c i d a s e contundentes. Vejamos:

- Segundo tia Zulmira 'o policial é sempre suspeito'. Comentário que introduz uma nota sobre uma ação da polícia (Ponte Preta, 1968, p. 17).

- Meu filho, tá na cara, embora eu esteja dizendo isto em sentido figurado. Não tá na cara não, mas "escavações para tuberosidades isquiáticas" só pode ser porta-nádegas, afirma ela após o cronista comentar uma portaria do Ministério do Trabalho que sugeria que os comerciários tivessem a seu dispor assentos com "escavações para as tuberosidades isquiáticas (Ponte Preta, 1968, p. 36).

-A melhor vacina para controle de natalidade era a que eu adotava no meu tempo. (...) Cada um dormia num quarto (Ponte Preta, 1968, p. 110).

- Certos padres, quando pedem para Deus, estão querendo para Dois (Ponte Preta, 1968, p. 117).

Primo Altamirando, ou somente M i r i n h o , é apresentado c o m o o escroque da família, sempre disposto a dar um golpe em qualquer pessoa. Stanislaw conta que, certa vez, um parente rico morreu; quando M i r i n h o j á ia colocar a m ã o no dinheiro deixado pelo falecido no cofre, descobriu-se que a ú l t i m a vontade do falecido era ser enterrado com seu dinheiro. Ajeitado o dinheiro no c a i x ã o , M i r i n h o ficou inconformado e pensando u m j e i t o de pegar a h e r a n ç a para s i . N a hora de fechar o c a i x ã o , o esperto rapaz t i r a t o d o o dinheiro, coloca u m cheque no lugar e d i z que se o defunto precisar de dinheiro ele p o d e r á descontar o cheque.

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O p i n i õ e s de Stanislaw a respeito de M i r i n h o :

-Ora, o Mirinho vocês conhecem e, se não conhecem, perguntem na polícia, que lá eles sabem (Ponte Preta, 1968, p. 65).

- Nefando parente (Ponte Preta, 1968, p. 135).

- Abominável parente (Ponte Preta, 1968, p. 66).

Stanislaw classifica Rosamundo como o d i s t r a í d o da família. N a c r ô n i c a " O correr dos anos" o cronista nos conta que, certa vez, Rosamundo ficou muito impressionado com a i n a u g u r a ç ã o da A d u t o r a do Guandu, c o n s t r u í d a para garantir o abastecimento de á g u a a t é o ano 2000, segundo as autoridades. P o r é m , ao chegar em casa e deparar-se mais uma vez com a falta de á g u a , Rosamundo limitou-se a exclamar:

- Puxa, como os anos passaram depressa! (Ponte Preta, 1968, p. 127).

E por f i m temos B o n i f á c i o Ponte Preta, classificado por Stanislaw como o patriota da família. A respeito dele temos a seguinte a f i r m a ç ã o :

Mesmo subindo a ladeira ele conseguia marchar, enquanto assoviava baixinho o hino dos Dragões da Independência (Ponte Preta, 1968, p. 53).

A c r i a ç ã o destes v á r i o s personagens permite ao cronista se resguardar quando é n e c e s s á r i o emitir o p i n i õ e s que poderiam comprometer a sua imagem num tempo de extremo autoritarismo e permite, t a m b é m , que haja uma maior leveza no texto, evitando o c a n s a ç o que a p r e s e n ç a constante de uma s ó "persona" poderia causar.

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CONCLUSÃO

A sátira p o l í t i c a costuma florescer nos momentos em que h á uma maior r e p r e s s ã o política. Assim atestam as obras de L i m a Barreto, B a r ã o de Itararé, o pessoal do Pasquim, s ó para ficarmos no s é c u l o X X .

A figura de Stanislaw Ponte Preta teve o seu auge justamente depois do golpe militar de 1964, que cassou o presidente J o ã o Goulart e colocou o p a í s numa ditadura que durou vinte e um anos. A figura de Stanislaw era popular porque ele conseguia captar e traduzir o pensamento daquele ser inefável que os p o l í t i c o s f r e q ü e n t e m e n t e chamavam de povo. N ã o por acaso, o j o r n a l onde ele escrevia, " Ú l t i m a H o r a " fundado por Samuel Wainer, tinha um forte apelo popular.

Mas, afinal que tipo de riso suscitam as c r ô n i c a s de Stanislaw Ponte Preta?

E o riso de zombaria, aquele riso de e s c á r n i o , que exclui completamente a possibilidade de identificação entre o satirista e o objeto da sátira. Esta é a chave de seu sucesso. Certamente os seus leitores deveriam sentir-se vingados por mais uma vez estarem e x c l u í d o s do processo de escolha dos rumos do p a í s e, n ã o podendo protestar abertamente, satisfaziam suas f r u s t r a ç õ e s rindo dos poderosos com Stanislaw.

Pois s ã o justamente estes o objeto principal da sátira, é principalmente a fala dos representantes do poder que o cronista cita, torcendo suas falas para extrair delas p r ó p r i a s todo o seu material de trabalho.

A linguagem de Stanislaw, aliás, é um dos grandes destaques da obra e certamente merece uma maior a t e n ç ã o . Podemos, como efeito ilustrativo, mencionar a " i n t e r f e r ê n c i a das s é r i e s " como um dos recursos empregados pelo autor para conseguir o efeito c ô m i c o desejado. Segundo Bergson, a d e f i n i ç ã o para a interferência das séries é:

Uma situação será sempre cômica quando pertencer ao mesmo tempo a duas séries de fatos absolutamente independentes, e que possa ser interpretada simultaneamente em dois sentidos absolutamente diversos (1980, p. 54)

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A o referir-se aos governadores estaduais, Stanislaw classifica-os de "governadores escalados", introduzindo uma terminologia tipicamente utilizada no futebol. Ora, quem escala a l g u é m é o t é c n i c o do time, sem consultar qualquer pessoa, da mesma forma que os governadores eram indicados pelo governo federal sem nenhum tipo de consulta à p o p u l a ç ã o .

Em outro texto, Stanislaw refere-se a um mendigo nos seguintes termos:

Seu João é um mendigo muito digno que exerce o seu mandato na Igreja de São Paulo Apóstolo (Ponte Preta, 1968, p. 139).

A ironia neste caso é finíssima: o autor aproxima o fato de o mendigo ficar sentado, à toa, na porta de uma igreja, esmolando, com a a ç ã o dos p o l í t i c o s do Legislativo, ou seja, exercer o mandato e nada fazer o dia inteiro é a mesma coisa.

R E F E R Ê N C I A S B L I B I O G R Á F I C A S

BERGSON, H . O Riso: ensaio sobre a significação do cômico. Trad. de Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

HANSEN, J. A . Anatomia da sátira. (Conferência apresentada na FCL - UNESP Araraquaraem 1991)

PONTE PRETA, S. Primeiro Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ 1. São Paulo: Círculo do Livro, 1981.

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B I B L I O G R A F I A C O N S U L T A D A

B A K H T I N , M . A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.

BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1977.

HANSEN, J. A. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia no século X V I I . São Paulo : Cia das Letras/Secretaria de Estado da Cultura, 1989.

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