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Reflexões sobre os primórdios da fotografia de teatro em Portugal

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TEATRO E IMAGENS

Actas do

1.º Encontro

OPSIS

Base Iconográfica de Teatro em Portugal

Edições Colibri

.

Centro de Estudos de Teatro

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Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação

ENCONTRO OPSIS – BASE ICONOGRÁFICA DE TEATRO EM PORTUGAL, 1, Lisboa, 2010

Teatro e imagens : actas / 1º Encontro OPSIS… ; [org.] Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. – (Extra-colecção)

ISBN 978-989-689-241-8

I – UNIVERSIDADE DE LISBOA. Faculdade de Letras CDU 792.04

061.3

Título: Teatro e Imagens – Actas do 1.º Encontro OPSIS Base Iconográfica de Teatro em Portugal

Organização: Maria João Brilhante, Paula Magalhães e Filipe Figueiredo

Edição: Edições Colibri / Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Depósito legal n.º 329 514/11

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do projecto

OPSIS – Base Iconográfica de Teatro (PTDC/EAT/69595/2006) Lisboa, 2011

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REFLEXÕES SOBRE OS PRIMÓRDIOS

DA FOTOGRAFIA DE TEATRO EM PORTUGAL

Filipe Figueiredo

(Centro de Estudos de Teatro Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Bolseiro do projecto OPSIS (PTDC/EAT/69595/2006)

Em torno da ideia de fotografia de teatro

No âmbito do projecto OPSIS, incluindo a pesquisa e recolha icono-gráfica, surgiram de imediato duas questões importantes para a compreen-são dos objectos fotográficos: uma delas de carácter ontológico – O que é a

fotografia de teatro?; a outra, da ordem dos factos – Existe uma fotografia de teatro em Portugal? Este texto, apesar do estado inicial da investigação,

procura sistematizar algumas reflexões acerca desta prática na segunda metade do século XIX e princípios do seguinte.

A primeira noção que se obtém prende-se com o elevado número de registos fotográficos relacionados com o teatro desde os primórdios da fo-tografia em Portugal. (Na base OPSIS, o corpo maioritário é composto por c. de 9000 imagens, num universo de 12000 registos) É também re-conhecido que essas imagens, sistematicamente, condicionaram o acesso do público ao teatro e são responsáveis pelo moldar de diversos conceitos da prática teatral. De resto, em pleno século XXI, e em período de clara afirmação da cultura visual, é já impossível que a fotografia não tenha con-taminado com a sua carga viral um espaço que lhe está tão próximo, desde as suas origens, na exploração da pose e da representação.

Por outro lado, em 2002, a fotógrafa Susana Paiva constatava que a fotografia sobre teatro continuava a «cumprir, única e exclusivamente, a função de divulgação mediática, de satisfação instantânea da imprensa.»1

____________________

Teatro e Imagens, Lisboa, Edições Colibri/Centro de Estudos de Teatro, 2011, pp. 85-98

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e que os principais agentes do teatro apenas pontualmente reconheciam na fotografia a dimensão de um instrumento de trabalho criativo.

Pois se o registo fotográfico do teatro é inquestionável, falta conhecer os detalhes dessa prática e aferir a consciência que os seus agentes têm do alcance da mesma e avaliar a fotografia na dupla condição de documento e monumento.

Definição do objecto e categorias:

A que se alude através da expressão fotografia de teatro?

Inevitavelmente fala-se do objecto fotográfico que tem como referen-te o referen-teatro. E logo aqui surge o primeiro problema: a abrangência do signi-ficante teatro e todo o universo semântico que o termo evoca – do espaço ao texto, do actor à representação – permite quase tudo incluir, fazendo cair sobre o conceito o espectro da indefinição.

Com base nas tipologias da base OPSIS, identificam-se os principais corpos de imagem fotográfica nos seguintes grupos:

1. Fotografia de espaços teatrais 2. Fotografia de cena

3. Retrato de actores

Fotografia de espaços teatrais

No âmbito das fotografias de espaços teatrais, considerando vistas exte-riores, interiores e detalhes de arquitectura ou decoração, é possível alcançar duas conclusões: são poucas as imagens exclusivas desta categoria no século XIX e não é possível identificar autores exclusivos desta categoria, mesmo no século XX. Por norma, os registos de maior qualidade devem-se a fotógrafos com vasto trabalho na área da arquitectura, ainda que possam ter realizado retrato ou paisagem. São fotógrafos habituados a conciliar, com rigor, nas suas construções visuais, o respeito pelo espaço arquitectónico e uma elevada plas-ticidade (como Domingos Alvão, Mário Novais ou Fernando Guerra). Pon-tualmente, outros fotógrafos de proveniências diferentes, como sejam a foto-grafia criativa e autoral, vão contribuindo com um olhar mais subjectivo, mas sempre reflectindo sobre o espaço, as suas vivências e desígnios (por exemplo, Daniel Blaufuks com o portefólio sobre o Teatro Éden).

Não obstante a qualidade e o interesse destes registos, em que a sua atenção cede ao fascínio da arquitectura, da luz e do espaço construído, seria forçado assumir os seus autores como fotógrafos de teatro.

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Parece ser nas categorias de fotografia de cena e de retratos de

acto-res que estes objectos estabelecem uma relação mais profícua, porque

con-tínua e consequente, com a actividade teatral, pelo que são especialmente essas as aqui referidas ao falar-se de fotografia de teatro.

Fotografia de cena

Por fotografia de cena consideram-se as imagens produzidas a partir do processo de encenação ou do espectáculo com o qual mantêm uma li-gação expressa, por via dos adereços de cena, dos figurinos, das poses, ou outro elemento, podendo o registo fotográfico ser realizado tanto no espaço do teatro como no estúdio dos fotógrafos ou outros locais preparados para o efeito. Claudia Balk (2002) alude especificamente a este aspecto da (re) construção do espaço da encenação e das suas consequências nas primeiras décadas da fotografia, alertando quer para a impossibilidade do registo fo-tográfico in loco, no palco, quer para a consequente intensificação de uma carga dramática por força da sua simulação.

Contribui para este deslocamento, por um lado, os sistemas de ilu-minação serem limitados, responsáveis por uma luz de fraca intensidade, que inclusivamente levavam a manter as luzes da sala acesas durante o espectáculo de forma a melhorar a visibilidade sobre o que se passava no palco. A situação do Teatro de S. Carlos – principal palco de teatro nacional naquele tempo – é ilustrativa das transformações operadas na 2.ª metade do século XIX: em 1850 foi instalada a iluminação a gás; a 1.ª experiência com iluminação eléctrica terá ocorrido em 1883 e a instalação definitiva foi inaugurada em 22 de Maio de 1886 (Silva, 2007: 17). Só então terá sido possível uma maior intensidade da iluminação, mais favorável aos registos fotográficos no S. Carlos. Os restantes teatros só gradual e posteriormente terão aderido à novidade da electricidade.

Por outro lado, a sensibilidade dos materiais fotográficos era ainda pouco adaptável à penumbra típica dos palcos e só o advento de uma nova tecnologia resultante da frutuosa combinação da gelatina e do brometo de prata (por Richard L. Madox, em 1871) e a sua produção industrial nos finais da década de 80 e princípios da de 90 veio proporcionar ao fotógrafo a possibilidade do registo da cena nos palcos de teatro propriamente ditos. Desta feita pode-se arriscar tipificar a fotografia de cena em dois grupos: 1. Fotografias que registam situações de cena;

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Pelas razões referidas, só a partir da viragem do século teremos tido “verdadeiros” registos de cena, não sendo, contudo, ainda possível identifi-car os primeiros registos que evidenciam esta alteração no modus operandi dos fotógrafos. Não são de resto muitos os exemplos deste tipo de imagens antes do final do século. Pode-se mesmo dizer, como se verificará mais adiante, que são imagens de outra tipologia cujas fronteiras são difíceis de definir – retratos de actor em personagem –, que engrossam o volume de imagens relacionáveis com a cena.

Retratos de Actor

A categoria retratos de actor é aquela em que se verifica maior núme-ro de imagens e logo importa identificar algumas especificidades.

Quanto aos suportes, a presença mais significativa é a de imagens co-ladas sobre cartão que variam nos seus formatos. Os mais frequentes são o

carte-de-visite (provas com c. 9x5,5cm coladas sobre cartões 10,5x6,5cm)

e, mais generoso nas suas proporções, o Cabinet (provas com c. 14x10cm coladas e cartão 16,5x10,5cm) (Fig. 1), embora se encontrem com facili-dade outros menos vulgares, como o Victoria (12,5x8cm), o Promenade (18x10cm) ou o Imperial (25x17,5cm), podendo, pontualmente surgir for-matos não uniformizados. (Fig. 2)

Fig. 1 Retrato de Taborda. s.d. Emilio Biel. Biblioteca-Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

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Fig. 2 Actor Taborda. [anterior a 1895] Fotógrafo não identificado. Biblioteca – Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

Noutros casos, chegam até hoje imagens frágeis que não foram co-ladas em qualquer suporte, como era hábito, e que apresentam sinais de degradação. Outras foram coladas em suportes de arquivo inadequados e com danos irreversíveis. (Fig. 3)

Fig. 3 Actor Taborda. Fotógrafo não identificado [1909, anterior a...] Biblioteca-Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

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Além dos danos sobre a imagem, estas práticas dificultam o processo de datação e reconhecimento de autoria, informação que surge amiúde nas costas das imagens ou dos cartões de suporte.

No que toca a aparência das provas, verificam-se as tecnologias mais usadas na época, desde provas de albumina com os habituais tons quentes, dos amarelados aos purpúreos, até às provas de tons neutros, próprios das emulsões de gelatina e brometo de prata, mais comuns a partir da década de 1890.

Verifica-se ainda uma grande profusão de retratos fotográficos divul-gados sob a forma de postal ilustrado, em especial a partir da década de 80, possibilitadas pelas novas tecnologias de impressão gráfica. Surgem, assim, colecções de grande edição que garantiam o acesso do público aos retratos dos seus actores predilectos. (Fig. 4)

Fig. 4 Eduardo Brasão na peça Afonso VI, por Bobone. Postal editado por Paulo Guedes [final do séc. XIX ou início séc. XX]

Biblioteca-Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

Destaca-se neste contexto o trabalho de Bobone, J. J. da Costa Fer-nandes ou Arnaldo Fonseca, muitos deles publicados pela Casa Paulo Gue-des. Estes postais foram, assim, responsáveis pela difusão de uma imagem de teatro de poses e expressões dramáticas exageradas, produzidos com baixos custos e adquiridos por um leque de população muito vasto, seguin-do a tradição das cartes-de-visite.

Refira-se também que o acesso a muitos destes retratos pode ser feito através das publicações periódicas como O Contemporâneo (1875-1879) e

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Fig. 5 O Contemporâneo, capa com retrato do actor António Pedro Sousa, por A. Fillon, impresso em prova de albumina [1878]

Biblioteca-Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

Destaca-se o primeiro pela publicação na primeira página de retra-tos fotográficos de individualidades do mundo teatral, da autoria de Al-fred Fillon. Segue a mesma linha gráfica e editorial da publicação fran-cesa Paris-Théatre, iniciada pelo menos um ano antes, que contaria com a colaboração de fotógrafos de grande reputação como Carjat ou Nadar. Enquanto O Contemporâneo usava verdadeiras provas fotográficas em pa-pel de albumina, o Paris-Théatre recorria à recente técnica de reprodução fotomecânica – woodburitype ou fotogliptia. Contudo, são evidentes as se-melhanças no lay-out adoptado, em que o retrato marca especial presença, envolto numa moldura profusamente desenhada, ao centro da primeira pá-gina. Afirmava-se, assim, o particular interesse que a fotografia suscitava entre os meios artísticos e especificamente na vida teatral.

Por seu lado, O Ocidente (1877-1915) (Fig. 6) apresenta desde o seu início reproduções de fotografias em gravuras de Alberto Macedo, onde se incluem retratos de actores e outras figuras relacionadas com a actividade teatral. O desenvolvimento das técnicas de reprodução, em especial o

half-tone em 1889, tornam possível mais tarde a publicação de fotografias em

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Fig. 6 O Ocidente, capa com retrato do actor João A. Rosa, autor da Opera «Derelita», gravura de Alberto Macedo a partir de fotografia de A. Sollas [publicado 21.01.1885,

fotografia anterior a 1884].

Em relação ao conteúdo destas imagens – retratos de actor –, a distin-ção já não é tão simples e suscita algumas dúvidas. Contudo, afiguram-se como arrumos possíveis os seguintes:

1. Retrato à civil

2. Retrato do actor em personagem 3. Retrato de expressões

Um significativo conjunto de imagens corresponde a retratos de actor que permitem uma identificação independente de qualquer representação ou personagem, sendo por isso considerados retratos à civil, (Fig. 7) sem pose, para além da pose que, segundo Barthes (1989), sempre existe em todas as fotografias. Seguem no seu registo os modelos vulgarizados no seu tempo, constituindo-se uma prática de contornos bastante estandardi-zados. Desta forma, é facilmente identificável o retrato de plano aproxima-do, com uma colocação ligeiramente enviesada, tronco e ombros quase a três quartos e o olhar dirigido para fora de campo. Consideram-se dentro desta tipologia as mais antigas imagens fotográficas que associam o retrato fotográfico com o contexto do teatro.

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Fig. 7 Retrato de João Rosa, Pai. Fotógrafo não identificado [1884, anterior a...] Biblioteca-Arquivo

do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

À medida que se avança na segunda metade do século XIX aumentam de forma significativa as imagens de teatro filiáveis na categoria de retrato do actor em personagem. São imagens que remetem para o espaço da re-presentação, sem, contudo, proporem obrigatoriamente uma leitura directa de uma peça ou cena. Normalmente com apenas um actor/personagem em foco, relacionam-se com o texto dramatúrgico e com a encenação por via do guarda-roupa e dos adereços – dimensão material mais objectiva –, mas muito também por via da pose que procura sintetizar o carácter e os traços mais vincados da personagem. (Fig. 8)

Fig. 8 Actriz Delfina na peça O Barba Azul. Fotógrafo C. da Rocha [1889?] Biblioteca – Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

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Na fotografia da actriz Delfina (1869), na peça «O Barba Azul» (ada-patada por Francisco Palha), resulta evidente a sumptuosidade do guarda-roupa que caracterizara o espectáculo. Aliás, o fausto da produção, repor-tado nos principais jornais da época, fizera rivalizar esta apresentação, no Teatro da Trindade, com a estreia da «Inês de Castro», no Teatro Variedades e a representação das «Tentações do Demónio», no Teatro D. Maria II. Quanto ao cenário não é possível determinar se estamos no estúdio do fotógrafo ou em qualquer outro espaço. Em todo o caso, atendendo às dificuldades refe-ridas atrás, não deverá ser o palco. De resto, parece ser o mesmo fundo que surge noutros registos fotográficos, pelo que se oferece como um espaço neutro no que diz respeito à identificação da peça. Ainda no mesmo local volta a ser fotografada a actriz Delfina com a actriz Rosa Damasceno, com participação na mesma peça.

É especialmente esta categoria a que os editores de postais prestam maior atenção nas colecções da viragem de século, inteiramente dedicadas ao teatro. Publicam-se retratos de actor em personagem, identificando na legenda a personagem e a peça a que diz respeito. Noutros casos, ainda, é acrescentada a «fala» da personagem reforçando a expressão já exagerada que o actor realiza para este tipo de registo. É disso exemplo um retrato de João Rosa Jr. na personagem de Senhor Rebello da peça «Triste Viuvinha» (1897) em que a inscrição da fala «E acabou-se! Arre!» enfatiza a já ex-pressiva pose do actor. (Fig. 9)

Fig. 9 João Rosa Jr., no papel de Sr. Rebelo em Triste Viuvinha – «E acabou-se! Arre!» Fotógrafo Arnaldo Fonseca [1897?] Biblioteca – Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa).

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São estes os casos em que surgem dificuldades na definição das fron-teiras entre retrato de actor em personagem e fotografia de cena, ainda mais se se entender que só na viragem do século XIX para o XX se pode falar de uma verdadeira fotografia de cena.

Numa primeira análise, resulta fácil associar os retratos de actor à

civil aos grandes planos que emolduram o rosto e os ombros, assim como

os retratos de personagem aos planos mais abertos de corpo inteiro. Pare-ce compreensível e justificada a nePare-cessidade de convocar o contexto para identificar a cena e a personagem.

Contudo, esta associação em torno dos retratos de actor, face a um conjunto alargado de imagens, não parece tão pacífica ao catalogar algu-mas fotografias, que aqui se designam por retrato de expressões. (Fig. 10)

Fig. 10 Actor Vale. Fotógrafo Baptista & Vasques [19?] Biblioteca – Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II (Lisboa)

São registos de expressões faciais de vários actores realizados nos finais do século XIX e princípios do seguinte e resultam de uma associa-ção entre o jogo teatral e a natureza humana de modo a criar ou reforçar a imagem da “versatilidade” do actor e transmitir a ideia das suas superiores qualidades. Ficaram na memória colectiva os retratos de Taborda ou do ac-tor Vale, sistematicamente reutilizados e convocados numa alusão às suas muitas capacidades de representação. Contudo, algumas destas imagens não se relacionam com qualquer personagem, não existe qualquer identi-ficação com uma representação teatral, mas o actor empresta o seu corpo com vista à materialização de expressões de valor universal, através de exercícios de expressão facial.

Em 1906, um artigo na Ilustração Portuguesa (12.11.1906: 458) alu-dia às qualidades de Taborda e da sua máscara «infinitamente móvel, so-berbamente expressiva». No fundo, parecia tratar-se de tentativas de imo-bilizar sentimentos e emoções, alegria, tristeza, ódio, admiração, etc. e,

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como escreve Paula Magalhães, «Evidenciam a perspectiva da época sobre o modo ideal de interpretação realista e a importância dos dois actores [Taborda e Vale]», cujo talento «residia fundamentalmente na capacidade ilimitada de mutação do rosto»2.

Se é inequívoca a relação destas imagens com o teatro, estas não pa-recem esgotar-se nem na justificação de um gosto realista nem na atitude narcísica dos seus intérpretes. O conceito que carregam de expressão de

emoções, a par da sua dimensão gráfica e plástica, facilmente evoca os

desenhos de Charles Le Brun no Traité des Passions (1698), inspirado em Descartes (1649), ou as experiências, não muito distantes no tempo, de Douchenne de Boulogne (1862), com que pretendia obter a verdade da expressão. Não eram imagens de teatro, mas certamente Duchenne par-tilhava, nestas experiências, algumas das preocupações da representação teatral, tanto mais que as realiza com a ajuda do fotógrafo Adrien Tourna-chon (1825-1903), irmão de Nadar (Félix TournaTourna-chon, 1829-1910) com quem já em 1854-5 havia produzido uma série de retratos do mimo Charles Deburau ilustrando várias expressões, como surpresa e riso. Não longe destes retratos, as imagens de Disdéri do mimo Paul Legrand, que se po-dem ver numa prova de cartes-de-visite “uncut”, com oito poses distintas, enunciam a mesma a abordagem.

Outro confronto que parece ser interessante, mais próximo no tempo das fotografias dos actores portugueses, é o proporcionado pelo trabalho do fotógrafo F. Holland Day, em especial na obra The Seven Words (1898), em que cada quadro da série materializa uma emoção-expressão, ainda que remetendo para uma dimensão ficcional, a da história de Cristo.

Mais do que tudo, estes confrontos afirmam-se de grande interesse na identificação e problematização de tipologias, possibilitando, assim, um entendimento mais alargado das imagens de teatro.

Últimas considerações

Os trabalhos de análise sobre o corpus fotográfico da base OPSIS, apesar de incipentes ainda, permitem desde já identificar algumas realida-des de maior interesse na reflexão sobre a prática de fotografia de teatro.

Tal como Barthes defendia que a fotografia tinha origem no teatro, no contexto português, pelo menos, o surgimento de uma fotografia de teatro confunde-se com a própria origem da fotografia. Alguns praticantes do novo medium, na sua maioria fotógrafos imigrantes, como Rochini ou Fillon, produziram um número elevado de registos relacionáveis com o teatro e, por isso, recenseados na base OPSIS.

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Desde cedo se verifica o emergir da prática dos retratos de actor, fi-liando-se na categoria do retrato mais genérico, que, como defende Gisèle Freund corresponde à «(...) ascensão de amplas camadas da sociedade a um estatuto de maior significado no plano político e social.»3. Se, como

refe-re Malraux (O Museu Imaginário), primeiro a fotografia refe-registou o que era notável, para logo passar a ser notável o que era fotografado, pode-se dizer que cedo se compreendeu, também em Portugal, o papel potenciador da fo-tografia na promoção das carreiras dos actores e actrizes da segunda metade do século XIX, tal como David Garrick ou Sarah Bernarhdt o haviam feito, antecipando o trabalho de divulgação e promoção dos tempos modernos.

No contexto português, se não se concorreu com tamanha extravagân-cia, pelo menos é certo que muitos dos mais destacados actores, a partir das últimas décadas do século XIX, podem rever-se nas diferentes fases da sua vida artística, no registo alquímico que a fotografia produzia.

Os exercícios fotográficos compostos de múltiplas imagens e a abor-dagem colectiva de objectos fotográficos revelam o papel extremamente importante da série, da sequência de imagens, onde o todo é claramente superior à soma das partes, resultando esse como um importante princípio que deve nortear o trabalho de análise de fotografias de teatro.

A prática alargada dos retratos de actor, nas suas variadas facetas, com os contornos que aqui foram aflorados, permite tomar consciência da capa-cidade que a fotografia tem, a partir da fracção de segundo da exposição, de convocar um universo alargado de conceitos e significados e permitir construir uma identidade do teatro nas suas diversas figurações.

Notas

1 Susana Paiva, “Duas revelações frontais e uma determinada fixação nas costas

antecedidas por breve introdução”, Teatro em debate(s), Lisboa, Livros Horizon-te, 2003.

2 Paula Magalhães, Os dias alegres do Ginásio: memórias de um teatro de

comé-dia, Dissertação de Mestrado em Estudos de Teatro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (policopiada), 2007.

3 Gisèle Freund, La Fotografia como documento social, Barcelona, Hustavo Gili,

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Referências bibliográficas

BALK, Claudia (2002). “ “Theatricality” and photography – iconographic similarities in nineteenth-century role portraits: postures, costumes and spatial situations” in European Theatre Icnography, Proceedings of Eu-ropean Science Foundation Network, Roma, Bulzoni.

BARTHES, Roland (1989). A Câmara Clara. Lisboa: Edições 70.

BOULOGNE, D. de (1862) Mecanisme de la Physiologie Humaine, (2ª ed. Paris: J. B. Baillière, 1876).

PAIVA, Susana (2003). “Duas revelações frontais e uma determinada fixação nas costas, antecedidas por breve introdução”. Teatro em Debate(s) Lis-boa: Livros Horizonte (pp. 301-304).

PAVÃO, Luís (1989) The Photographers of Lisbon, Portugal, from 1886 to 1914. Rochester Film and Photo Consortium Occasional Papers. N.º 5, March 1990. Rochester, New York: Rochester Institute of Tecnology. SENELICK, Laurence (2002) “Theatricality before the camera: the earliest

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SILVA, Catarina Branco Leite da (2007) Estudo da Eficiência Luminosa e Energética do Sistema de Iluminação Pública da Cidade do Porto (Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

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Keywords

Imagem

Fig. 1 Retrato de Taborda. s.d. Emilio Biel.
Fig. 2 Actor Taborda. [anterior a 1895] Fotógrafo não identificado.
Fig. 4 Eduardo Brasão na peça Afonso VI, por Bobone.
Fig. 5 O Contemporâneo, capa com retrato do actor António Pedro Sousa,   por A. Fillon, impresso em prova de albumina [1878]
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