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Mobilidade estrutural por raça no Brasil

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Academic year: 2021

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Mobilidade estrutural por raça no Brasil

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Daniel Biagioni2

Palavras-chave: classe social; mobilidade estrutural; marginalidade estrutural; raça

Resumo

Utilizando o esquema de classes sociais EGPS, buscou-se na mobilidade estrutural (vista nas perspectivas de fluidez intergeracional e impacto do aparecimento de novas oportunidades de mobilidade) observar o impacto da modernização brasileira nas oportunidades de mobilidade social por raça (branco, pardo e preto) entre gerações. A hipótese de marginalidade estrutural por raça, que prevê forte desvantagem dos negros em relação aos brancos no processo de mobilidade estrutural, foi aceita. A metodologia empregada foi o modelo log-linear SHD. O banco de dados utilizado foi a PNAD de 1996.

1 Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em

Caxambú – MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

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Mobilidade estrutural por raça no Brasil

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Daniel Biagioni

1. Introdução

Este texto analisa o impacto da mobilidade estrutural segundo classes e raça utilizando taxas relativas de mobilidade social no Brasil em 1996. A hipótese de trabalho defende que houve maior efeito da mobilidade estrutural para os brancos, em seguida para os pardos e, em terceiro lugar, os pretos. Esta disposição confirmaria da hipótese de

marginalidade estrutural (Costa-Pinto, 1963) em decorrência da modernização

brasileira que agiu diferentemente nas oportunidades de mobilidade estrutural por raça como um efeito da segregação ocupacional. A metodologia empregada foi o modelo log-linear SHD multiplicativo. O banco de dados utilizado é a Pesquisa Nacional por amostragem Domiciliar (PNAD) do ano de 1996.

2. Teoria

Aqui é apresentada a revisão teórica que sustenta a nossa hipótese de trabalho. Primeiramente façamos revisão de como o desenvolvimento econômico impulsionou a mobilidade estrutural no Brasil de 1950 a 1980. Depois relacionamos o forte impulso dessa mobilidade com os motivos teóricos da diferença de oportunidade por raça.

2.1. Desenvolvimento nacional e estrutura de classes

O Brasil é um país marcado pela sociologia que buscou desvendar seus aspectos mais proeminentes com estudos que caracterizavam as particularidades institucionais e culturais do processo de desenvolvimento (modernização) da nação. São exemplos dessa corrente de estudos os seminais trabalhos Freyre (1933) que montou um mosaico de três raças para apresentar um Brasil culturalmente rico, apesar dos vícios e, em suas palavras, “possível”. Holanda (1936) com a linha interpretativa dos traços culturais do brasileiro cordial que determinam em muito os malogros e sucessos da sociedade enquanto projeto ibérico de colônia que conquistou a sua emancipação, mas não se desvinculou de características patriarcais e patrimonialistas. Prado Jr. (1949) que conseguiu pensar ao longo da história da colonização brasileira, nas particularidades de cada região, uma pintura que reflete o Brasil atual, tanto rural quanto urbano. Também Faoro (1958) com a interpretação histórico-política do patrimonialismo brasileiro apoiado pelos então donos do poder4.

Em seguida, uma série de estudos consolidou de forma hegemônica a utilização teórica de classes sociais no Brasil. As classes, no bojo da discussão, eram atores históricos que determinavam a suposta Revolução Burguesa e consolidavam a relação de desenvolvimento e dependência capitalista. Tal Revolução, episódio marcante de ascensão burguesa, teria o sentido de adaptar o aparelho de Estado então obsoleto às

3 Este trabalho é fruto da dissertação de mestrado em sociologia pela UFMG. Agradeço a orientação de

Carlos A. Costa-Ribeiro e Danielle C. Fernandes e a banca composta pelos professores Ana M. H. C. de Oliveira, Jorge A. Barbosa e Simone Wajnman. Os resultados são de minha responsabilidade.

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necessidades de expansão burguesa. Ou seja, as elites burguesas se propuseram a atuar como revolucionárias ao nível das estruturas do poder político e não somente na economia, já parcialmente dominada por estes. O propósito maior era de realizar a internalização dos centros de decisão político e promover a nativização dos circuitos dominantes. Dessa discussão Fernandes (1974) é o principal expoente.

Para o autor a revolução burguesa foi realizada dentro da ordem. Ou seja, houve a preservação das estruturas econômicas e privilégio senhorial. O rompimento do Brasil com o estatuto colonial por influência do liberalismo esteve calçado na manutenção de poder político dessas elites (ou sociedade civil) na chamada “burocracia dominadora”. Ela perpetuou formas de dominação nada compatíveis com a onda liberal como à dominação patrimonial e a produção escravagista. Isto demonstra o controle político que essas elites possuíam para manutenção das vias econômicas. A ideologia revolucionária (“necessidade histórica”) continha práticas conservadoras (“revolução encapuzada”). A ordem legal estabelecida e a constituição da sociedade civil deram sentido à revolução na Independência.

A modernização econômica no Brasil se deu por meio da expansão interna do capitalismo mercantil de produção visando o consumo interno (com o aumento do número das cidades) e a exportação (pela produção estar liberta da estagnação agrária que imprimiu dinamismo à produção nacional, motivo de inserção do Brasil no sistema econômico mundial). Assim, o país foi modernizando suas estruturas econômicas, mesmo que limitadamente e de forma heterogênea. O processo social de expansão e universalização da ordem social competitiva é um exemplo dessa modernização. Dentro deste bojo, dois “tipos humanos” foram centrais nas transformações econômicas e fortalecimento do capitalismo mercantil. O primeiro foi o fazendeiro de café que, sofrendo as pressões externas sobre os custos sociais da produção escravista, passou a renunciar as formas estamentais de acumulação de capital e suas correspondentes bases materiais (escravo) e suporte social (patrimonialismo). Esse ator social sacrifica os privilégios da ordem estamental para se inserir por completo nos mecanismos econômicos de mercado competitivo. O segundo é o imigrante familiarizado com as técnicas sociais de acumulação de capital de ordem competitiva, como nas fazendas de plantio de café que utilizou a “racionalidade adaptativa” para gerar sua própria riqueza.

Esses dois agentes sociais, imbuídos de prática econômica liberal, configuraram ao capitalismo mercantil brasileiro uma formalização ao avesso do “liberalismo conservador”, por assim dizer, proposto no primeiro momento. As amarras conservadoras perderam muito com o passar do tempo e o liberalismo encontrou uma brecha pela qual pode encontrar terreno fértil. No entanto, isso não quer dizer que a elite conservadora não soube se adaptar as inovações sociais trazidas com o liberalismo. O coronelismo é um exemplo de adaptação deste modelo para a política local (Leal, 1976). As práticas conservadoras se mantiveram como velhos hábitos que perduram.

Fernandes coloca que as práticas de conservação política e econômica nas mãos das elites para manter a posição social geraram um regime de classes de crescentes desigualdades como resultado desta manutenção. Costa-Ribeiro (2002: 20) fez referência a Fernandes (1968: 69), segundo Sociedade de classes e Subdesenvolvimento na seguinte passagem: “O regime de classes vincula-se, portanto, a um aumento

crescente das desigualdades econômicas, sociais e políticas, preservando distâncias e barreiras sociais antigas, nas relações entre estratos sociais diferentes, ou engendrando continuamente novas.” A forma como a elite brasileira teve de assegurar

para si o poder político e econômico foi por meio das constantes criações de barreiras institucionais de acesso à mobilidade social ascendente.

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Se pensarmos o grande volume de mobilidade estrutural (mobilidade promovida pelo surgimento de novas vagas no mercado de trabalho), o conceito de “modernização conservadora” se encaixa aos fenômenos (transformações) ocasionados pelo processo de industrialização brasileiro. Segundo Domingues (2002: 460), modernização conservadora é a “recusa a mudanças fundamentais na propriedade da terra. Os

grandes proprietários manteriam, destarte, controle também sobre a força de trabalho rural, e não seria capaz, portanto, de se libertar de relações de subordinação pessoal e de extração do ‘excedente’ econômico por meios mais diretos.” O conceito trás a idéia

da subordinação do trabalhador mantida com o esforço da manutenção da antiga ordem rural onde a predominância desse tipo de poder político era majoritária.

A progressiva passagem do sistema político brasileiro para uma sociedade mais aberta democraticamente pôde ser vista pelas tentativas de quebra das amarras que as elites, não apenas rurais, mantiveram sobre o sistema político para a manutenção do controle econômico. O sindicalismo brasileiro é um exemplo clássico da dificuldade de obtenção de direitos aos trabalhadores (Vianna, 1978), assim como a “cidadania regulada”, política adotada pelo Estado pós-30 que privilegiava um conjunto de ocupações protegidas por lei. Como Santos (1998: 105) coloca: “os direitos dos cidadãos são decorrentes dos direitos das profissões.” O sistema de cidadania regulada gerava um sistema de estratificação da cidadania. As classes rurais, inseridas neste contexto institucional, estavam ainda mais limitadas ao acesso às classes urbanas. Ficava ainda mais restrita à possibilidade de ascensão social e, consequentemente, acesso a melhores condições de vida. Já as ocupações não tidas como elite (manuais, por exemplo) estavam limitadas em seus direitos, sejam os benefícios da cidadania regulada dirigida à um nicho específico de profissionais de alto nível técnico.

Oliveira (2003: 128-9) afirma que o desenvolvimento industrial veio como apoio financeiro indispensável da produção agrícola. A necessidade de manter o prestígio da antiga ordem se torna evidente e necessária neste contexto de proteção à ordem institucional vigente. O processo de industrialização se alimentava do atraso da economia de subsistência por financiar a agricultura moderna e a industrialização. As culturas de subsistência baixavam os custos de reprodução da força de trabalho nas cidades e facilitava a acumulação de capital industrial, facilitando consideravelmente o desenvolvimento das cidades e suas regiões. A modernização tinha como base o atraso rural. A estrutura social estava configurada para esta organização social. A raça foi fator importante na explicação da composição ocupacional deste período. Ser negro, deste ponto de vista, estava para o trabalho tradicional, assim como ser branco estava para o trabalho moderno. A segregação ocupacional por raça tinha as suas bases na produção agrícola e no desenvolvimento seletivo, aqui como o processo de modernização. A raça, portanto, é um fator importante para desvendarmos a dinâmica da estratificação social no Brasil via mobilidade estrutural.

2.2. Raça e Desvantagens Estruturais

É aqui que a preservação da diferença por raça no acesso a melhores vagas no mercado de trabalho garantiria a preservação do desempenho produtivo agrícola sob o estigma ultrapassado da ordem escravagista. A dicotômica idéia entre arcaico e moderno faz sentido quando pensamos na rigidez com a qual os hábitos se modificam. Mesmo o Estado endossando a igual aptidão dos seus cidadãos, o estamento se faz ainda presente na segregação ocupacional dos negros no mercado de trabalho.

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Costa-Pinto (1963) classifica este segregação racial como efeito da “marginalidade estrutural” no mercado de trabalho. Entende-se marginalidade estrutural na seguinte passagem:

Uma sociedade em desenvolvimento é (...) uma sociedade desigualmente desenvolvida, na qual é possível encontrar, de alto a baixo, como uma característica estrutural, a coexistência de dois padrões de estrutura social: o padrão tradicional em declínio e o novo, emergente e moderno, em expansão. A essa situação é que propusemos chamar de “marginalidade estrutural”, que basicamente resulta do fato de as diferentes partes da sociedade tradicional não se transformam no mesmo ritmo, desde que cada uma delas oferece diferentes graus de resistência à própria mudança. Dessa diferença de ritmos com que resulta este característico básico das sociedades em transição: a sua estrutura social é marginal, no sentido de que nela coexistem dois padrões, ou estilos, de organização social, o arcaico ou tradicional, que embora remanescente já não é mais suficiente forte para dominar, e o novo, o emergente, que embora já presente, ainda não ganhou força bastante para predominar. (Costa-Pinto, 1963: 293, citado por Liedke Filho, 1999: 96).

Neste contexto, as relações raciais são heranças do passado escravagista que alocavam os trabalhadores negros em ocupações menos prestigiosas. Isto se deu, segundo o autor, como resistência cultural a inclusão do negro nos setores modernos da sociedade5. A passagem do rural para o urbano carregou consigo este estigma social. Mas mesmo os que conseguiram realizar esta passagem sofreram com a redução do seu status social como cidadãos (Costa-Ribeiro, 1995).

De acordo com Costa-Pinto (1967), classe e raça devem ser pensadas como dois componentes separados, como na concepção weberiana de “classe” e “classe social”. A posição econômica estaria desatrelada da noção de posição social (prestígio na sociedade). Ou seja, ocupar uma dada posição não quer dizer que este compartilhe dos mesmos privilégios sociais, sejam estes negros, por exemplo. A segregação no mercado de trabalho, portanto, não seria totalmente apreendida pela posição ocupacional, mas

nas desvantagens de acesso a elas. A estrutura ocupacional nos traria pistas de como os

negros são impedidos de ascender socialmente via mobilidade social por mais aptos a desempenhar a função exigida no mercado de trabalho. Mesmo que haja garantia do Estado em manter a igualdade jurídica, as características de raça socialmente definidas trariam desvantagens mediatas e imediatas na competição por melhores vagas no mercado de trabalho.

Importante ressaltar que na distribuição de oportunidades de acesso a classes em nossa sociedade encontram-se antes desigualdades individuais perante as de classes propriamente. Mesmo o componente coletivo dar muitas das explicações sobre a organização social e seu funcionamento (estratificação), as características individuais são reais impedidores de acesso a melhores posições ocupacionais, como vemos nas desvantagens por raça. Esta sim fóssil do passado escravagista ainda presente no

5 Não deixamos de pensar as diferenças de inserção em melhores posições sociais decorrente da

desigualdade educacional e outros fatores objetivos que impliquem na comprovação do mérito que facilite o acesso a melhores vagas no mercado de trabalho e, consequentemente, a classes mais próximas do topo da estrutura social. Mas nosso interesse maior está em pensar a passagem de um país rural para o urbano e a barreira de acesso à ascensão social via mobilidade estrutural entre as gerações (pai e filho). Nosso objetivo está em entender a ação da mobilidade estrutural como um processo de transformação da estrutural social brasileira e de aguda segregação racial no mercado de trabalho como parte fundamental deste processo.

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imaginário coletivo brasileiro que opera na especificidade dos indivíduos (Florestan, 1964). O sistema de classes possui a sua própria fluidez social, assim como as características individuais ligadas à raça possuem as suas, peculiares a todas as outras por se tratar de um mecanismo de herança da ordem estamental escravagista.

Dada às características de hábitos estamentais ainda vigentes, haveria uma barreira que opera em várias dimensões sociais que impede a passagem dos negros de ascender às posições de classes superiores a sua atual, principalmente na mobilidade estrutural. O negro estaria ligado culturalmente (visão da demanda de força de trabalho como em Bowles e Gintis [2000] ou Bourdieu [2002]) às ocupações rurais e manuais, que implicaria num menor prestígio social e condição de vida. Este mecanismo de sociedade rural e arcaica perduraria mesmo após o Brasil se tornar uma nação majoritariamente urbana e industrial. O desenvolvimento industrial tardio e rápido foi um importante fator que contribuiu para diferenciar o impacto da mobilidade estrutural e consolidar diferenças por raça nos padrões nada igualitários de agregados de oportunidade no mercado de trabalho herdados do regime escravocrata.

Assim, a passagem dos “dois Brasis” (Lambert, 1959) seria fortemente marcada pela desigualdade racial, suplantando a noção de setores (ocupação rural/ urbano; ocupação manual/ não manual), com e sem a capacidade de desenvolvimento. E a segregação racial no mercado de trabalho se mantém forte ainda hoje persistente pelas desvantagens acumuladas por parte dos negros (Schwartzman, 2001).

Sustentado em nossa breve revisão teórica apresentamos a hipótese deste trabalho: a mobilidade estrutural observada neste contexto de desenvolvimento econômico contribuiu para ascender a classes dos brancos mais que os pardos, e estes, mais do que os pretos. Isto é, devido ao “ciclo acumulativo de desvantagens” (Hasenbalg e Valle Silva, 1992) os negros possuem ponto de partida desvantajoso para competir no mercado de trabalho pelos melhores postos, sem mencionar mais detidamente nos impedimentos devido à discriminação pura (Valle Silva, 1981).

Acreditamos, portanto, que a mobilidade estrutural aqui analisada apresentará resultados desvantajosos mais para pretos que para os pardos. Sendo a gradação fenotípica um componente determinante da discriminação racial (Telles, 2003), os pardos apresentarão maiores chances de ascender de classe que os pretos.

3. Metodologia

Aqui é apresentada a metodologia de construção do esquema de classes EGPS utilizada nesse estudo. Nos segundo momento é apresentada rapidamente a técnica estatística empregada para análise da mobilidade estrutural (modelo log-linear SHD).

3.1. Esquema de classes sociais

Este trabalho utiliza uma variação de duas tipologias com base em teorias distintas, mas que pode ser classificada como vertentes da teoria weberiana. A primeira influência foi o esquema de classes sociais proposta por Goldthorpe (1980) e a segunda foi a escala de status socioeconômico proposto por Valle Silva (1988). Desses dois modelos surgiu o esquema de classes sociais proposto por Costa-Ribeiro (2007) para apreender ao máximo às particularidades da estrutura social brasileira.

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Este novo modelo é intitulado esquema EGPS. Costa-Ribeiro (2002; 2003) chamou atenção às semelhantes na distribuição por classes e as propriedades estatísticas entre os dois métodos6. Scalon (1999) também demonstra esta proximidade partindo do esquema de Valle Silva para construir um esquema com propriedades de classes nos desenhos do EGP. Além das semelhanças, as diferenças realçam quais as opções mais cabíveis a serem tomadas para melhor descrever a estrutura ocupacional e, conseqüentemente, a segregação ocupacional por raça no mercado de trabalho brasileiro e as diferenças de oportunidade de mobilidade.

As diferenças entre os métodos foram percebidas cruzando as categorias, onde se chegou a dezenove categorias de posições sociais mantendo a relevância das categorias originais conforme as duas metodologias que servem de base para a alternativa (Costa-Ribeiro, 2003: 430)7. Entre os profissionais estão os de nível alto [I] e baixo [II]. Essa é a elite profissional do esquema de classes. É aqui que se encontram os indivíduos com melhores rendimentos e educação. Os trabalhadores não-manuais se dividem em trabalhadores de escritório de nível alto [IIIa1] e baixo [IIIa2] e trabalhadores de supervisão de nível alto [IIIb1] e baixo [IIIb2]. A decomposição entre trabalhadores não-manuais de escritório e de supervisão é uma inovação deste esquema de classes. Os pequenos proprietários estão divididos entre os urbanos e rurais. Entre os urbanos estão os com empregados [IVa] e sem empregados [IVb]. Os pequenos empregadores também se dividem em com empregados [IVc2] e sem empregados [IVc1]. A divisão entre os empregadores com e sem empregados é uma distinção importante para os estudos da estratificação pelas alterações de composição na estrutura ocupacional ocorrida no Brasil entre as gerações com a forte redução da camada rural. Ter empregados para os pequenos proprietários é um indicador de mais estabilidade no mercado de trabalho (Graziano, 1982). Assim, possivelmente os pequenos proprietários rurais sem empregados apresentaram mais migração rural–urbano por estarem mais vulneráveis à mobilidade estrutural que os pequenos proprietários com empregados. Os pequenos empregados (urbano) sem empregados também estariam em posição mais vulnerável às oscilações da economia e do mercado de trabalho em relação aos pequenos empregadores com empregados (Neves, 1997).

Os técnicos e supervisores do trabalho manual [V] é uma classe composta por ocupações que estão acima das ocupações manuais. Os técnicos e supervisores do trabalho manual garantem o cumprimento das tarefas desempenhadas pelos trabalhadores manuais. Já os trabalhadores manuais estão divididos entre os trabalhadores qualificados e os trabalhadores não-qualificados. Os trabalhadores qualificados são compostos por trabalhadores da indústria moderna [VIa], indústria tradicional [VIb] e de serviços [VIc]. Essas ocupações exigem qualificação técnica e são melhores remuneradas que as ocupações não-qualificadas. A divisão entre indústria moderna e tradicional é uma adaptação desse esquema de classes para a complexidade da indústria nacional que se desenvolveu de forma heterodoxa. Esta divisão já estava prevista na escala de Valle Silva.

Entre os trabalhadores manuais não-qualificados há a divisão entre rural e urbano. Os trabalhadores urbanos estão divididos em trabalhadores não-qualificados da indústria [VIIa1], serviços [VIIa2], serviço doméstico [VIIa3] e ambulantes [VIIa4]. Essas divisões buscam atender a complexidade do mercado de trabalho, especialmente

6 A correlação entre os dois métodos é de 0,95.

7 Ver disposição das classes no quadro 1 (em anexo). A desagregação da estrutura social em dezenove

classes tem o objetivo de homogeneizar ao máximo as categorias de análise e, assim, termos um mapa consistente das desigualdades duráveis (Tilly, 1998).

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no Brasil onde essas ocupações são via para a entrada dos indivíduos de origem rural, com baixa qualificação e baixas condições de vida. Na área rural estão os trabalhadores manuais [VIIb]. Está é a posição mais baixa no esquema de classes proposto. Ela reúne todas as dificuldades possíveis para a mobilidade ascendente por se tratar de estar na área rural e não ser empregador, mas sim trabalhador, manual e não-qualificado.

A hierarquia de classes é imprescindível no estudo da mobilidade social por organizar verticalmente as classes segundo a quantidade de poder neles encontradas, uma em relação às outras, e as dificuldades objetivas de melhora das condições de vida (Hout, 1983). A ordem das classes foi obtida mediante a distribuição padronizada da média entre renda e educação, além da homogeneização entre classes rurais, manual urbano e não-manual urbano. Quanto maior a distribuição entre as variáveis, maior a seu nível na hierarquia, com é possível observar no gráfico 1 (em anexo).

3.2. Modelo log-linear SHD

As taxas relativas de mobilidade visam mapear a associação entre origem e destino, comparando as chances de movimentação entre as classes, uma em relação à outra e entre gerações. A fluidez social da estrutura de classes (também chamada de mobilidade circular) e a mobilidade estrutural são analisadas a partir das taxas relativas de mobilidade social. Vejamos pontualmente os modelos que seguem a nossa análise.

Para a análise relativa da mobilidade se utiliza o modelo de mobilidade perfeita (que pressupõe associação zero entre origem e destino) como referência de ajuste aos demais modelos empregados em análise, pois não se encontra sociedade perfeitamente igualitária. O modelo log-linear aditivo segue genericamente a seguinte expressão, onde R representa a linha, C representa a coluna e Fij representa a freqüência observada de i em linha e j em coluna. F é a freqüência esperada da célula (i,j) e o termo μ representa a média da equação. Os termos λiO e λjD são, respectivamente, os efeitos marginais da de origem e destino. O termo λijOS representa a interação entre origem e destino.

log Fij = μ + λi + λj + λij

A mobilidade estrutural é fruto da ficção entre a origem e destino ocasionado por fatores externos como mudanças econômicas, tecnológicas, demográficas e de fecundidade (Hout, 1989). A mobilidade estrutural é estimada de forma correta levando-se em consideração os efeitos da mobilidade circular. A mobilidade circular, grosso modo, é o efeito da competição por postos existentes no mercado de trabalho. A utilização do modelo log-linear para o calculo da mobilidade estrutural é restrita no Brasil (Costa-Ribeiro, 2007; cap. 4). Sobel, Hout e Duncan (1985) propuseram analisar a mobilidade estrutural segundo os efeitos da mobilidade circular para melhor estimar o impacto das transformações estruturais anulada à associação de origem e destino (mobilidade circular). Ou seja, busca-se o impacto líquido da mobilidade estrutural.

Para tanto foi proposto uma parametrização específica do modelo de quase-simetria para a tabela de mobilidade social. De acordo com este modelo, pressupõe-se que não há associação simétrica entre origem e destino e que a força da diagonal principal é desconsiderada (herdeiros). A equação do modelo de quase-simetria pode ser expressa da seguinte forma multiplicativa (Sobel, Hout e Duncan, 1985: 361):

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Em que Fij é a freqüência esperada na célula (i, j), i é a classe de origem e j é classe de destino O termo αj é o parâmetro marginal assimétrico, representando a heterogeneidade marginal das distribuições de origem e destino. Os termos βi e βj são os parametros marginais simétricos e δ ij é o parametro de associação simétrica.

Em nosso teste para analisa a mobilidade estrutural teremos, além do modelo de mobilidade perfeita, os modelos específicos para a mobilidade estrutural. O primeiro é o Modelo de Fluidez Constante (Constant Social Fluidity ou CnSF) que exclui a interação entre as três variáveis analisadas (origem, destino e raça), que pode ser expressa pelo termo λijkODR, e mantém a interação entre origem e destino, o termo λijOD. Ou seja, se o modelo melhor se ajustar aos dados indicará que há associação entre origem e destino e esta associação não se altera por raça. O modelo pode ser expresso da seguinte forma aditiva:

log Fijk = μ + λiO + λjD + λkR + λikOR + λjkDR + λijOD

O segundo modelo é o log-multiplicativo (Multiplicative Layer Effect Model ou Unidiff) que inclui o termo de interação entre a origem e o destino (yij) que pode ser

definido de várias formas (padrões de associação). Nós utilizaremos o padrão aditivo de quase-simetria. Este termo (yij) é multiplicado por outro descrevendo a força de

associação na variável de interesse (fk), ou seja, a raça. Este termo indicará qual a raça

que está mais associada à origem e destino e quanto, se o modelo melhor se ajustar aos dados. O modelo pode ser expresso da seguinte forma multiplicativa:

log Fijk = t0 + tiO tjD λkR λikOR λjkDR exp(yijfk)

A fonte de dados para elaboração da análise será a PNAD – Pesquisa por Amostragem Domiciliar / IBGE – do ano de 1996. Este banco de dados foi escolhido por possuir abrangência nacional e por conter as variáveis que possibilitem o estudo da mobilidade social intergeracional total, quais sejam: ocupação do pai do respondente (quando o respondente tinha 15 anos), a primeira ocupação do respondente e a ocupação atual do respondente. Essas informações estão contidas no suplemento de mobilidade social (variáveis cujos códigos vão de 4739 a 4743).

A amostra conta com 39470 homens de todo o Brasil com idade entre 25 a 64 anos com informação da posição de classe atual e do respectivo pai. A escolha por não incluirmos mulheres na amostra merece atenção. Foi realizado o teste contendo ambos os sexos, porém o modelo que avalia a desigualdade nos padrões de mobilidade estrutural por raça não se ajustou8. Os modelos log-lineares unidiff, como veremos mais adiante, não podem ser testados com apenas duas categorias, homem e mulheres separadamente neste caso em particular (Xie, 1992). Portanto, o texto tratará apenas dos homens como uma aproximação do mercado de trabalho ou, como convencionalmente é denominado pelos estudos da estratificação social, por meio da “visão convencional” (Sorensen, 1994). A proposta de estudar a mobilidade via fluidez social somente para os homens já foi demonstrada por Scalon (1989: 137-159). No entanto, o estudo da mobilidade estrutural por sexo não foi contemplado neste estudo ou por outro utilizando dados para Brasil. Caberia, em outra oportunidade, uma investigação minuciosa dos padrões de mobilidade estrutural por sexo segundo educação para o Brasil em painel. Uma excelente revisão da mulher no mercado de trabalho e seus rendimentos por uma série de coortes foi realizada por C. Oliveira e Rios-Neto (2006).

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4. Análise da Mobilidade Estrutural

No quadro abaixo estão os ajustes dos modelos testados para mobilidade estrutural para três raças para o Brasil segundo a metodologia proposta por Sobel, Hout e Duncan, (1985). O modelo 1 trás a mobilidade perfeita. Este modelo é uma referência de ajuste para os demais por se tratar da situação hipotética de não associação entre origem e destino. Vemos que o ajuste BIC é elevado em relação aos outros dois modelos. Os ajustes dos modelos se fazem pelo critério BIC segundo a teoria Bayesiana (Raftery, 1986). Este critério é importante, pois ele pondera o número de caso da amostra pelos graus de liberdade em busca do modelo mais parcimonioso. Quanto menor o valor do teste, melhor o modelo se ajusta aos dados, validando as suas informações perante os outros modelos testados.

Em seguida temos dois outros modelos. O Modelo de Associação Homogêneo e o Modelo Log-multiplicativo. O primeiro indica que existe associação entre origem e destino e que está associação não se altera por raça. O segundo modelo indica a associação entre origem e destino em função da raça, discriminando a força de associação por raça. Segundo o critério BIC temos o modelo log-multiplicativo o que mais bem se ajusta aos dados (BIC = -7354,2)9. Isto indica que há diferença na mobilidade estrutural por raça e que ela interfere na associação entre origem e destino. Esta primeira informação já os leva a crer na aceitação da hipótese que aponta a diferença de mobilidade estrutural por raça (brancos, pardos e pretos) no Brasil. Seguimos com os outros resultados decorrentes do ajuste do modelo.

Quadro 2

Ajustes dos modelos para mobilidade estrutural (matriz quadrada de 19 classes) para três raças. 1996. Brasil

Modelo df G2 p rG2 BIC DI

1. Mobilidade perfeita 972 16027,9 0,0 0,0 5740,9 23,5 2. Q-S homogêneo 801 1123,6 0,0 93,0 -7353,7 4,8 3. Q-S unidiff 799 1186,2 0,0 93,1 -7354,2 4,5 Fonte: Tabulação do autor.

O ajuste do modelo log-multiplicativo explica bem os dados, segundo suas propriedades, em 93,1%. Ou seja, a mobilidade estrutural observada explica os dados em 93,1% da associação estatística não alcançada pelo modelo de mobilidade perfeita. O mesmo valor apresenta a simetria da associação entre origem e destino acima e abaixo da diagonal principal, indicando que a força da imobilidade e a elevada relação entre as chances de mobilidade ascendente e descendente (apenas 7% da mobilidade estrutural não são simétricas). Importante colocar que a associação entre origem e destino desconta força da diagonal principal (herança) e leva em consideração a simetria de mobilidade entre as classes (distribuição uniforme das chances de mobilidade ascendente e descendente em relação a diagonal principal).

9 A diferença de ajuste entre os modelos segundo as estatísticas BIC e X2 (com gl) é mínima, mas

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Segundo os demais parâmetros, a força de associação entre origem e destino é diferente por raça. Os brancos apresentaram associação de 10% acima dos pardos e 7% acima dos pretos. Os pretos apresentaram associação 3% acima dos pardos. A associação entre origem e destino está mais relacionada aos brancos, depois os pretos e, em último, os pardos. Ou seja, a origem social pesa menos para os pardos em relação às demais raças na definição do destino social. O efeito mais elevado da origem social foi para os brancos. Como temos os pretos concentrados na base da estrutura de classes (65,1% na origem e 29,7 no destino), a maior associação com a origem social torna-se um impedidor da mobilidade ascendente para este grupo (ver gráficos 2 e 3 em anexo para uma visão geral da distribuição de classes por raça).

O efeito da mobilidade estrutural (índice global de mobilidade estrutural), por outro lado, apresentou valor intermediário para os pardos. Os brancos apresentaram mobilidade estrutural 18% acima dos pardos e 22% acima dos pretos. Os pardos apresentaram mobilidade estrutural 4% acima dos pretos. Ou seja, os brancos, além de apresentaram maior associação entre origem e destino, também apresentaram maior efeito da mobilidade estrutural. Concentrados no topo da estrutura de classes, com maior associação entre origem e destino, também tiveram o efeito positivo da mobilidade estrutural para a ascensão social.

Os pardos apresentaram maior efeito da mobilidade estrutural que os pretos. A associação entre origem e destino nestas duas raças não é necessariamente positivo para o processo de mobilidade, pois os pretos, como já mencionamos, estão concentrados nas classes base da estrutura social. Os pardos também, mas a associação entre origem e destino é mais faca em relação aos pretos. Portanto, os pardos, em relação aos pretos, aproveitaram duplamente do processo de mobilidade estrutural com menor associação entre origem e destino e maior impacto da mobilidade estrutural. Os pretos, por sua vez, foram duplamente penalizados. Um, pela forte associação com origem nas classes próximas a base da estrutura social. Dois, pela fraca força da mobilidade estrutural (comparativamente aos pardos e brancos) que pouco favoreceu os pretos de ascenderem na estrutura de classes.

A hipótese deste trabalho foi confirmada. Houve desvantagem na mobilidade estrutural experimentada pelos negros (pardos e pretos) em relação aos brancos ocasionada pela modernização. A raça parda apresentou comportamento intermediário aos extremos branco e preto, respectivamente superior e inferior na oportunidade de mobilidade social.

Como sabemos que a associação entre origem e destino é forte e distinta por raça, faz-se importante apresentar o grau de subestimação da mobilidade estrutural utilizando a metodologia de cálculo de multiplicadores estruturais enviesados, uma correção que incorpora a associação entre origem e destino e pode ser apresentada em gráfico (Hout, 1989; Costa-Ribeiro, 2007). Quando o parâmetro ln(αj) é maior que zero

indica que a mobilidade estrutural expandiu a classe. Quando é menor que zero indica redução da classe. A relação entre os valores positivos e negativos é igual à zero, portanto a distribuição dos valores segue o valor igual a um para cada categoria de interesse de estudo (Sobel, 1983). No nosso caso para cada raça. Apresentamos as medidas no gráfico 4 (em anexo).

A mobilidade estrutural segundo parâmetros enviesados favoreceu o aumento das classes não-manuais e manuais em detrimento da redução das classes rurais. As exceções, que não alteram o cenário de modernização da estrutura de classes, foram: (ai) no setor não-manual, os pequenos proprietários empregadores [IVa] apresentaram

(12)

parâmetro negativo para os pardos; (aii) a classe de técnicos e supervisores do trabalho

manual [V] também apresentou parâmetro negativo para pardos e pretos; (aiii) a classe

de pequenos proprietários sem empregados [IVb] para brancos e pardos; (bi) no setor manual houve parâmetro negativo nas classes de trabalhadores manuais qualificados,

serviços [VIc] para todas as raças; (bii) assim como para todas as raças na classe de trabalhadores manuais qualificados da indústria tradicional [VIb]; (ci) no setor rural

todas as classes tiveram efeito negativo da mobilidade estrutural. Estes dados gerais nos mostram que a industrialização e a urbanização modernizaram a estrutura social brasileira com redução das classes tradicionais (base da estrutura social) e aumento das classes identificadas com a economia moderna (topo da estrutura).

Segundo a tabela 1 (em anexo), a redução das classes rurais foi forte para todas as raças. No entanto, esta distribuição modernizadora da estrutura de classes não foi semelhante entre as raças. O resultado que mais chama atenção é a quase total força da mobilidade estrutural das classes rurais dos pretos em direção as classes não-manuais (99,4%). Força está mais elevada que observada nas demais raças (3,39 para os pretos, 2,23 para os pardos e 2,85 para os brancos). As classes manuais pouco se beneficiaram da mobilidade estrutural para esta raça. Os pardos apresentaram distribuição da força da mobilidade estrutural mais homogênea em relação às demais raças. Da redução das classes rurais, 63,4% foi para a expansão das classes não-manuais e 36,6% para as classes manuais. Quanto aos brancos, a redução rural da mobilidade estrutural favoreceu a expansão não-manual em 81,9% a manual em 18,1%.

Interessante observar que o resultado da mobilidade estrutural é complementar ao alcançado por Costa-Ribeiro (2007) ao analisar a segregação na estrutura de classes via mobilidade social para o Brasil em 1996. O autor constatou que a desigualdade nas chances de mobilidade (associação origem e destino controlada por educação) por raça (branco/preto) está mais presente no topo da estrutura de classes que nas demais classes. Isso de fato impediria da mobilidade ascendente dos negros às classes mais altas. Assim, o nosso resultado corrobora com os achados do autor ao mostrar que a mobilidade estrutural dos pretos (e porque não dizer dos pardos em certa medida) aqui analisada apresentou maior efeito nas classes do topo da estrutura, se controlado os efeitos da origem social (multiplicadores estruturais enviesados). A força da origem de classe apresentou efeito mais elevado nas classes médias e baixas e a mobilidade estrutural, por sua vez, apresentou maior efeito nas classes altas (aqui entendidas como classes não-manuais), cujas barreiras de mobilidade não foram suficientes para a ascensão social dos negros.

Com o cálculo de multiplicadores estruturais enviesados nos foi possível observar os efeitos da mobilidade estrutural em relação à associação entre origem e destino. Foi-nos possível observar que houve grande redução do setor rural para o urbano e que esta passagem se apresentou para todas as raças. Para os pretos a mobilidade estrutural teve efeito concentrado apenas nos extremos da estrutura social, pois os valores dos multiplicadores estruturais estiveram concentrados nas classes não manuais de rotina (não-manual rotina, nível alto de supervisão [IIIa2] e não-manual rotina, nível baixo de serviços [IIIb2]). Para os pardos, assim como para os brancos, o efeito da redução do setor rural teve impacto majoritário no setor não-manual e, em menor quantidade, no setor manual.

(13)

5. Conclusão

Este artigo analisou a mobilidade estrutural por raça por meio do modelo de mobilidade estrutural de Sobel, Hout e Duncan (1985). O resultado proeminente foi a confirmação da hipótese de que os brancos se favoreceram mais com a mobilidade estrutural, em seguida, os pardos e, por fim, os pretos. O método de Hout (1989) para multiplicadores

estruturais enviesados permitiu corrigir a visão da distribuição dos efeitos da

mobilidade estrutural. Vimos que pretos tiveram maior alcance nas classes não-manuais de rotina dada a força da mobilidade estrutural, os brancos e pardos também estiveram concentrados nas classes não-manuais, mas também estiveram distribuídos ao longo da estrutura social.

A mobilidade estrutural analisada aqui apresenta apenas um período (ano de 1996) entre duas gerações. Sabe-se que a mobilidade estrutural perdeu força na década de 80 e nos anos 90 este declínio se acentuou. Por outro lado, a fluidez social brasileira, também analisada por meio do esquema de classes EGPS, mostra-se em elevação ao longo das décadas de 70, 80 e 90. Isto nos dá um cenário de menor mobilidade ascendente, menos mobilidade estrutural e mais fluidez social (Costa-Ribeiro, 2007). Certamente, esse padrão de mobilidade, tendo em vista as distribuições da estrutura social por raça, são mais favoráveis para os brancos que, além de possuírem origem social concentrada nas classes do topo da estrutura, também se beneficiam da herança (fluidez social mais acentuada) e da mobilidade social que impulsionou estes para as classes que apresentam melhores condições de vida. Nesta relação de fluidez social e mobilidade estrutural, os pardos estão como categoria intermediária entre brancos e pretos. Estes, por sua vez, possuem elevada associação entre origem e destino, estando eles concentrados na base da estrutura social e que também foram os que menos se beneficiaram com a mobilidade estrutural (índice global de mobilidade estrutural). Em outras palavras, a modernização brasileira aumentou a desigualdade racial por classes no Brasil. Os pretos são os menos beneficiados pelo processo de expansão industrial e migração rural/ urbana (quadro 3 em anexo). Em seguida os pardos e, por fim, os brancos.

A estrutura de classes organizadas pelas condições de vida apresenta distribuição de origem do topo para os brancos, nas classes intermediárias para os pardos e na base para os pretos. Os indicadores de mobilidade estrutural e de fluidez social confirmam a manutenção desta distribuição de classes de destino por raça em 1996. Seguindo o cenário da mobilidade intergeracional alcançado, a desigualdade de agregados de oportunidade tende a se acirrar com o passar do tempo e das gerações.

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(16)

ANEXO

Quadro 1

Esquema de classes hierarquizada segundo renda e educação padronizada e organizada segundo setores

Classes Setores

I - Prof e Adm, nível alto não-manual

IVa - Pequenos Propriet., empregadores

II - Prof e Adm, nível baixo

IIIa - Não-manual rotina, nível alto

V - Técnicos e supervisores do Trab. Manual

IIIb - Não-manual rotina, nível baixo

IVb - Pequenos Propriet., sem empregados

VIa - Trabalhadores Manuais Qualif., Ind. Moderna manual

VIc - Trabalhadores Manuais Qualif., Serviços

VIIa2 - Trabalhadores Manuais Não-qualif., Serviços

VIIa4 - Trabalhadores Manuais Não-qualif., Ambulantes

VIIa1 - Trabalhadores Manuais Não-qualif., Industria

VIb - Trabalhadores Manuais Qualif., Ind. Tradicional

VIIa3 - Trabalhadores Manuais Não-qualif., Serv Domest

IVc1 - Pequenos Prop. rurais, com empregados rural

IVc2 - Pequenos Prop. rurais, sem empregados

(17)

Gráfico 1

Classes em ordem hierárquica pela distribuição padronizada de renda e escolaridade -1 -0,5 0 0,5 1 1,5 2 I - P rof e Adm , nív el al to IVa Pe queno s P ropr iet., em pregad ore II - P rof e Adm , ní vel b aixo IIIa2 - Nã o-m anua l rotin a, ní vel a lto ( sup ervi sã IIIa 1 - N ão-m anua l rotin a, ní vel a lto ( escr itór V - T écni cos e sup ervi sore s d o T rab . M anu IIIb 1 - N ão-manua l rotin a, ní vel bai xo ( escr itór IVb Pequ enos Prop riet., s em em preg ad IIIb 2 - N ão-m anua l rot ina, nível bai xo ( servi ço VIa - T rab alha dore s M anu ais Qua lif., In d. M ode VIc - T raba lhado res M anua is Q ualif., Ser viç VIIa 2 - T rab alhad ores Man uais Não -qua lif., Ser viç VIIa4 - T rabal hado res M anua is N ão-qualif., A mbu lan VIIa 1 - Tra balh ado res M anuai s N ão-qual if., Indus VIb - T rab alhad ore s M anuai s Q ualif ., In d. Tr adic io VIIa 3 - T raba lhado res M anuai s N ão-q ualif., Ser v D om IVc1 - P eque nos Pro p. r urai s, c om em preg ad IVc2 - P eque nos P rop. rura is, s em em preg ad VIIb - Tra balh ador es M anu ais Rur a D esvi o-p a dr ã o média educação renda Gráfico 2

Distribuição de classes de origem para homens de 25 a 64 anos. 1996

trabalho não-manual trabalho manual urbano trabalho rural

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0

I Iva II IIIa V IIIb Ivb Via Vic VIIa2 VIIa4 VIIa1 Vib VIIa3 IVc1 IVc2 VIIb

%

(18)

Gráfico 3

Distribuição de classes de destino para homens de 25 a 64 anos. 1996

trabalho não-manual trabalho manual urbano trabalho rural

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0

I Iva II IIIa V IIIb Ivb Via Vic VIIa2 VIIa4 VIIa1 Vib VIIa3 IVc1 IVc2 VIIb

%

branco pardo preto

Gráfico 4

Multiplicadores Estruturais Enviesados em forma Logarítmica estimados pelo Modelo Log-multiplicativo de Quase-simetria segundo setores. 1996. Brasil

Não-manual Manual Rural

-4 -3 -2 -1 0 1 2 I - P rof e A dm , ní vel al to IVa - Pe quen os Pr oprie t., em preg ador es II - P rof e Adm, níve l baix o IIIa 2 - N ão-m anual rotin a, n ível alto (s uperv isão ) IIIa 1 - N ão-ma nua l roti na, n íve l alto (es critó rio) V - T écnic os e supe rvis ores do Trab . M anua l IIIb1 Não-m anual rotin a, n ível b aix o (e scrit ório ) IVb - Pe queno s P ropri et., s em e mpr ega dos IIIb 2 - N ão-ma nua l rot ina, níve l baix o (s erviç os) VIa - Tr abal hado res M anu ais Q ual if., I nd. Mo derna VIc Trab alha dor es M anua is Qual if., S ervi ços VIIa2 - Trab alha dore s M anuai s N ão-qual if., S ervi ços VIIa 4 - Tr abal hado res M anuai s N ão-q ualif. , Am bul ant es VIIa 1 - Tr abalh adore s Ma nuais Nã o-q ualif ., Ind ustri a VIb - T rab alha dores Man uais Qu alif., Ind. T radic iona l VIIa 3 - Trab alha dore s Ma nuais Nã o-q ualif ., S erv D om est IVc1 - P equ enos Prop. rura is, c om em preg ados IVc2 - P equ enos Prop. rurai s, s em em preg ado s VIIb - T raba lhado res Man uais Rur ais branco pardo preto

(19)

Tabela 1

Multiplicadores Estruturais Enviesados por raça e setor. 1996. Brasil Branco Pardo Preto

Não-manual 2,85 (81,9%) 2,23 (63,4%) 3,39 (99,4%) Manual 0,63 (18,1%) 1,29 (36,6%) 0,02 (0,6%) Rural -3,48 (-100,0%) -3,52 (-100,0) -3,41 (-100,0) Fonte: tabulação do autor.

Quadro 3

Efeitos da mobilidade estrutural segundo raça

Raças Fluidez social Mobilidade estrutural líquida

brancos/ pardos e pretos + +

pardos/ pretos - +

Referências

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