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Sexualidade e reprodução nas trajetórias da primeira geração de jovens infectadas pelo HIV/Aids via Transmissão Vertical

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Academic year: 2021

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Sexualidade e reprodução nas trajetórias da primeira geração de jovens infectadas pelo HIV/Aids via Transmissão Vertical

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo examinar os eventos reprodutivos presentes nas trajetórias de jovens mulheres vivendo com HIV. Utilizaram-se dados produzidos pela pesquisa “GENIH: gênero e infecção pelo HIV”, estudo transversal com amostragem probabilística desenvolvido em unidades de saúde do município de São Paulo. A análise compreende as biografias de 112 jovens de 18 a 24 anos, estratificadas segundo via de infecção (transmissão vertical – TV – ou outras vias – OV). Há diferenças significativas entre os grupos em relação à idade da primeira relação sexual, ao tempo de vida sexual ativa, à experiência de conjugalidade, ao número de gestações e à indução de aborto. Apesar de iniciaram-se mais tardiamente do que as demais, as jovens infectadas por TV apresentaram menor intervalo de tempo entre a primeira relação sexual e a primeira gravidez. Fatores associados à preparação para a sexualidade, às relações de gênero e o sentido social que a maternidade carrega parecem ter efeito muito maior sobre as práticas de contracepção e os projetos de maternidade do que a idade da primeira relação sexual.

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Introdução

Estudos desenvolvidos com jovens no Brasil e na Europa sugerem que não existe mais um rito de passagem formal que caracterize a entrada na vida adulta (BOZON, 2002), mas uma diluição desse processo. A entrada na juventude e a transição para a vida adulta se manifestariam pela multiplicidade e acumulação de “primeiras vezes” experienciadas pelo sujeito (CALVÈS et al., 2006). A cada uma dessas experiências inaugurais o jovem adquiriria atributos sociais de maturidade. As primeiras experiências sexuais e reprodutivas teriam grande importância nesse cenário de autonomização social do jovem.

Desde a década de 80, os jovens vivenciam a socialização para a sexualidade em um contexto marcado pela epidemia do HIV. Por tratar-se de uma doença transmissível por via sexual, os sentidos produzidos socialmente sobre a Aids construíram-se a partir de representações sobre a sexualidade já presentes nas culturas que entravam em contato com a epidemia. Ainda na década de 80, e mais intensamente na década seguinte, houve um aumento no número de diagnósticos entre mulheres e menores de 15 anos (BARBOSA; VILLELA, 1996). Desde então, a construção social do tema passou a estar permeada também pelas representações sociais sobre a mulher heterossexual - público que inicialmente parecia protegido de uma potencial infecção pelo HIV - produzindo uma rede complexa de significações sobre as mulheres e a Aids.

Considerando esse contexto, o presente trabalho teve como objetivo examinar os eventos reprodutivos presentes nas trajetórias de mulheres jovens vivendo com HIV/Aids, avaliando as especificidades daquelas infectadas por transmissão vertical (TV) e daquelas que infectaram-se outras vias (predominantemente infecção por via sexual).

Métodos

Os dados aqui analisados foram produzidos no âmbito do Estudo GENIH1 - pesquisa transversal, de amostragem probabilística que entrevistou mulheres de 18 a 49 anos, usuárias das 18 unidades de referência ao tratamento de HIV/Aids no município de São Paulo. Foram coletados dados sociodemográficos, características do primeiro e do último relacionamento afetivo-sexual, além de informações sobre

1 O “Estudo GENIH: gênero e infecção pelo HIV” foi realizado com financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPq.

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comportamento sexual, reprodutivo, contraceptivo e preventivo à IST/AIDS ao longo da vida.

Para fins do presente estudo, utilizaram-se as entrevistas realizadas com as mulheres vivendo com HIV/Aids com idades entre 18 e 24 anos que já haviam tido relações sexuais. Atendiam a esse critério 112 jovens, sendo 66 infectadas por TV e 46 por outras vias (predominantemente pela via sexual). Foi realizada uma análise descritiva bivariada - por meio do software SPSS – das variáveis relacionadas aos contextos de iniciação sexual e aos eventos reprodutivos presentes nas trajetórias desse grupo de entrevistadas.

Resultados

As jovens infectadas por TV tiveram a primeira relação sexual em média aos 16,35 anos, enquanto as infectadas por outras vias o fizeram em média aos 15,30 anos. Observaram-se diferenças significativas entre os grupos, de acordo com a via de infecção, com relação ao tempo de vida sexual ativa e ao número de parceiros sexuais (entre as que declararam cinco anos ou mais de atividade sexual).

Nos dois grupos, a maioria das jovens declarou já ter casado ou morado com parceiro e já ter engravidado. Quando considerado o total das mulheres vivendo com HIV/Aids sem diferenciação pela via de infecção, tem-se que 58,9% já engravidaram. Esses eventos, no entanto, foram relatados com maior frequência por aquelas que se infectaram por outras vias. Também se observaram diferenças significativas entre os grupos com relação à quantidade de gestações e de parceiros com quem tiveram filhos.

Com relação à idade em que engravidaram pela primeira vez, nos dois grupos foi mais frequente que a primeira gestação tenha ocorrido antes dos 20 anos. A média da idade da primeira gestação foi de 18,67 anos para as que se infectaram por outras vias e de 18,8 anos para as que se infectaram por TV. Quando observada a diferença entre a idade da primeira relação sexual e da primeira gravidez, obteve-se que metade das infectadas por TV viveram essa experiência até dois anos após a primeira relação sexual, enquanto entre as demais, o evento ocorreu majoritariamente três anos ou mais após a iniciação. Em 81% dos casos de engravidamento entre as infectadas por TV, a gravidez não foi planejada.

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Entre as jovens infectadas por outras vias nenhuma relatou ter provocado aborto. Já entre as infectadas por TV, cinco jovens declararam já ter interrompido uma gestação2.

Discussão

Observaram-se diferenças importantes nas trajetórias das jovens vivendo com HIV/Aids. De modo geral, as jovens infectadas por TV apresentam biografias sexuais mais tradicionais (iniciação sexual tardia, poucos parceiros, filhos do mesmo parceiro) do que as infectadas por outras vias.

É importante ressaltar que cerca de 60% das jovens infectadas por outras vias recebeu seu diagnóstico durante a gestação, pois fizeram o teste para detecção do HIV como parte do acompanhamento pré-natal.

Apesar das diferenças encontradas entre as trajetórias sexuais e reprodutivas dos dois grupos, chama a atenção que quando observada a idade em que ocorreu a primeira gravidez, os dois grupos se aproximam. Embora as infectadas por TV se iniciem sexualmente mais tarde, a primeira gestação ocorre mais rapidamente.

Esses dados indicam que o fenômeno da gravidez na adolescência não está necessariamente associado à idade de iniciação sexual. Fatores associados à preparação para a sexualidade, às relações de gênero e o sentido social que a maternidade carrega parecem ter efeito muito maior sobre as práticas de contracepção e os projetos de maternidade do que a idade da primeira relação sexual (KNAUTH, 1999; AQUINO et al., 2006; CABRAL, 2011).

Cabe destacar que as jovens entrevistadas pelo estudo correspondem à primeira geração de infectadas por TV que conseguiu chegar à juventude e a vida adulta - e consequentemente à vivência da sexualidade com parceiro. A cronificação da epidemia, as novas tecnologias de tratamento e os baixos índices de transmissão vertical trouxeram uma nova configuração para os direitos reprodutivos das pessoas vivendo com HIV/Aids. Se no início da epidemia, a possibilidade de engravidamento

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O estudo GENIH apresentava uma questão referente à prática de aborto induzido no corpo de seu inquérito, aplicado por uma entrevistadora treinada. À essa questão todas as jovens que compuseram o estudo responderam negando a prática de aborto. No entanto, ao final da entrevista a entrevistadora oferecia o netbook em que registrava as respostas à entrevistada, e esta respondia novamente à questão sobre a prática de aborto, sem que a entrevistadora viesse a conhecer sua resposta. As jovens que informaram já ter praticado o aborto apenas o fizeram ao responder a questão de modo anônimo, não foi possível, portanto, obter nenhuma informação sobre o contexto em que esse evento ocorreu.

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era rechaçada, atualmente há certo consenso e legitimidade do desejo reprodutivo, mas com a condição de que a gravidez seja planejada (CABRAL, 2017), aspecto que não foi observado entre a maior parte das entrevistadas, independentemente da via de infecção.

Referências

AQUINO, E.M.L. et al. Gravidez na Adolescência: a heterogeneidade revelada. In: HEILBORN, M.L. et al (org.) O aprendizado da sexualidade: reprodução e

trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Garamond/Editora Fiocruz, 2006. p. 310-363.

BARBOSA, R.; VILLELA, W. A trajetória feminina da Aids. In: PARKER, R.; GALVÃO, J. (org.), Quebrando o Silêncio. Mulheres e Aids no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 1996. p. 17-32.

BOZON M. Des rites de passage aux “premières fois”. Une expérimentation sans fin? Agora débats-jeunesses, n. 28, p. 22-33, 2002.

CABRAL, C.S. Práticas contraceptivas e gestão da heterossexualidade agencia

individual contextos relacionais e gênero. 2017. Tese (Doutorado em Saúde

Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

CALVÈS, A. E. et al. Le passage à l’âge adulte: repenser la définition et l’analyse des “premières fois” In : ANTOINE, P.; LELIEVRE, E. (dir.) États flous et

trajectoires complexes. Observation, modélisation, interprétation. Paris: INED,

2006. p. 137-156.

KNAUTH, D. R. Subjetividade feminina e soropositividade. In: BARBOSA,R. M.; PARKER, R. (orgs.). Sexualidades pelo avesso. Direitos, identidades e poder. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, 1999. p. 121-136

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