• Nenhum resultado encontrado

Esterilização cirúrgica voluntária na Região Metropolitana de São Paulo: organização e oferta de serviços, 1999

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Esterilização cirúrgica voluntária na Região Metropolitana de São Paulo: organização e oferta de serviços, 1999"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

COMISSÃO DE CIDADANIA E REPRODUÇÃO

Esterilização cirúrgica voluntária na Região

Metropolitana de São Paulo: organização e oferta

de serviços, 1999

Olinda do Carmo Luiz

Maria Teresa Citeli

Comissão de Cidadania e Reprodução - CCR

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP

R. Morgado de Mateus, 615

04015-902 São Paulo SP Brasil

Tel. (5511) 574-0399 Fax (5511) 575-7372

e-mail ccr@ax.apc.org website: www.ccr.org.br

(2)
(3)

Esterilização cirúrgica voluntária na Região Metropolitana de São Paulo:

organização e oferta de serviços, 1999

A década de 60 é apontada por inúmeros estudos como o início do processo de

declínio da taxa de fecundidade no Brasil em todos os segmentos sociais e em todo o país,

apesar das diferenças regionais. Citeli et al. (1998) ressaltam o caráter único, abrupto,

intrigante, inesperado, iníquo e perverso do fenômeno da queda de fecundidade no Brasil:

sua particularidade reside no fato de a queda da fecundidade ter ocorrido sem que o governo

tivesse estabelecido qualquer meta demográfica ou logrado implantar nos serviços públicos

programas efetivos de planejamento familiar que oferecessem atenção adequada às

necessidades de anticoncepção da população.

A peculiaridade da transição demográfica no caso brasileiro estimulou diversos

estudos que, com ênfase variável, apontam para múltiplos fatores, muitas vezes simultâneos

e conectados, que incidiram sobre esse processo e estabeleceram novos padrões culturais

relativos à reprodução: urbanização, industrialização, proletarização da mão de obra rural e

urbana, pobreza, entrada massiva da mulher no mercado formal de trabalho, incremento dos

anos de escolaridade de mulheres e homens, introdução (basicamente no mercado) de novas

tecnologias anticoncepcionais, mudanças institucionais no sistema de saúde e influência dos

meios de comunicação.

Berquó (1995) levanta questões éticas ao sublinhar a dívida social brasileira para com

a saúde das mulheres, decorrente justamente da falta de políticas na área da saúde

reprodutiva. Ela aponta que, hoje, as mulheres brasileiras apresentam uma taxa de uso de

anticoncepção próxima das taxas verificadas em países desenvolvidos; o que diferencia a

condição da brasileira é sua estreita margem de escolha, concentrada na pílula e na

esterilização cirúrgica. De fato, durante a década de 80, o aumento significativo da

(4)

principais métodos anticoncepcionais utilizados pelas mulheres em idade fértil. A última

Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, de 1996, mostra que 40% das mulheres com

idade entre 15 e 49 anos em união conjugal estavam laqueadas; 57% delas tinham realizado a

cirurgia antes dos 30 anos de idade e 34% tinham apenas um ou dois filhos.

Ao caráter legal ambíguo e à ausência de regulamentação têm sido atribuída a

responsabilidade pela recente situação da prevalência da esterilização feminina no Brasil.

Até recentemente, a situação legal da esterilização cirúrgica no Brasil era ambígua: enquanto

a Constituição Brasileira preconiza que todo casal é livre para escolher o anticoncepcional

que regule sua fertilidade, um artigo do Código Penal criminaliza qualquer tipo de lesão que

acarrete perda de função e órgão. Assim, ao interpretar a lei, o Conselho Federal de Medicina

(CFM) assumiu como ilegal a realização da esterilização cirúrgica, considerando-a

procedimento antiético, portanto não-recomendado.

Os estudos realizados até o momento e a ampla discussão em torno da esterilização

feminina passaram a enfocá-la levando em conta sua complexidade. A despeito de ser um

sério problema, principalmente quando realizada precocemente, a laqueadura tem de fato

sido uma alternativa. Qualquer medida para sua diminuição precisa levar em conta que a

gravidez não-planejada na adolescência é a primeira etapa para a esterilização precoce. Mais

do que coibir sua prática, os estudos apontam a necessidade de assistência à saúde

reprodutiva de forma ampla, adequada às necessidades de mulheres e homens e ao seu

imaginário, capaz de assegurar um projeto reprodutivo autônomo, incorporando o enfoque da

sexualidade e não apenas restringindo o acesso à esterilização cirúrgica como um mal a ser

evitado.

O reconhecimento da complexidade que envolve os fatores sociais relativos à

esterilização cirúrgica refletiu-se em mudanças no plano legal. A Lei do Planejamento

(5)

vetado; no ano seguinte, o veto presidencial foi derrubado, tirando a esterilização cirúrgica

da clandestinidade; a Portaria 144/97 normatiza os procedimentos, permitindo que o SUS –

Sistema Único de Saúde – os realize gratuitamente, em acesso universal a homens e

mulheres, segundo critérios que buscam impedir sua realização precoce e abusiva e ao

mesmo tempo garantam a oferta desse procedimento nos serviços públicos de saúde. São

estes os critérios legais para acesso à laqueadura ou vasectomia (Portarias 144/97 e 48/99):

y ter capacidade civil plena;

y ter no mínimo dois filhos vivos, ou ter mais de 25 anos de idade, independente do número de filhos; y manifestar por escrito a vontade de realizar a esterilização, no mínimo 60 dias antes da realização da

cirurgia;

y ter tido acesso a serviço multidisciplinar de aconselhamento sobre anticoncepção e prevenção de DST-AIDS, assim como a todos os métodos anticoncepcionais reversíveis;

y ter consentimento do cônjuge, se na vigência de união conjugal.

O serviço que realizar o procedimento deve oferecer todas as opções de meios e métodos anticoncepcionais reversíveis e seguros, bem como serviço multidisciplinar de aconselhamento sobre anticoncepção, visando desencorajar a esterilização precoce e informando sobre os riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais e dificuldade de reversão. A lei impõe, ainda, restrições quanto à realização da laqueadura durante o parto cesáreo, buscando coibir o abuso de partos cirúrgicos realizados exclusivamente com a finalidade de proceder à esterilização.

Entre os que defendem os direitos reprodutivos no Brasil (ativistas e pesquisadores), com base no reconhecimento de que a proibição pura e simples não evita o abuso de esterilizações precoces – ao contrário, contribui para que seja movimentado um mercado paralelo, estimulando a cumplicidade de médicos e pacientes e contribuindo para manter a taxa de cesáreas em níveis indesejados – houve uma avaliação positiva da nova legislação. No entanto, para que o acesso à esterilização voluntária se concretize de forma consciente e informada, para além de uma legislação coerente torna-se necessário que os serviços de saúde disponham de organização apropriada aos requisitos impostos pela lei. Esperava-se, portanto, que mudanças importantes tivessem ocorrido nos últimos dois anos, tanto na ampliação da oferta como na forma como a esterilização cirúrgica é oferecida à população.

(6)

A pesquisa

Esta pesquisa, desenvolvida de julho a dezembro de 1999, buscou verificar e documentar as principais mudanças ocorridas na organização dos serviços após a publicação da nova Lei do Planejamento Familiar, no que se refere à oferta de esterilização cirúrgica voluntária. Buscou-se uma verificação empírica da forma como essas mudanças vêm ocorrendo e uma avaliação se de fato a nova situação teria ampliado o acesso voluntário e consciente a esse método anticoncepcional, com oferta garantida pelos serviços públicos de saúde.

A presente pesquisa teve pois como objetivos:

y traçar o perfil do funcionamento dos serviços públicos de esterilização cirúrgica na Região

Metropolitana de São Paulo;

y identificar os serviços que realizam vasectomia e laqueadura tubária nessa região;

y reconstituir breve histórico dos serviços – por que foram implantados, desde quando é realizado o

procedimento, profissionais que atuam etc.;

y identificar o impacto da nova legislação nos critérios de indicação da esterilização cirúrgica

adotados pelos serviços;

y verificar em que medida o funcionamento dos serviços está de acordo com as determinações da Lei

do Planejamento Familiar.

O presente relato resume os principais resultados, com caráter predominantemente

descritivo. Foram identificados dados populacionais e de serviços de saúde relativos aos 39

municípios que compõem a Região Metropolitana de São Paulo, com uma população total

em torno de 15 milhões de habitantes (sendo que o município de São Paulo, o principal,

abriga 9,8 milhões). Como uma boa parte dos serviços que oferecem laqueadura e

vasectomia no Estado de São Paulo não estavam cadastrados no SUS, procedeu-se a sua

identificação por meio de contatos com cada uma das Secretarias de Saúde dos municípios

(7)

pela saúde da mulher em cada município foi aplicado questionário para localizar os serviços.

Foram identificadas 37 unidades de saúde de todas as redes administrativas que oferecem

laqueadura e/ou vasectomia em toda a RMSP (Tabela 1).

Tabela 1

Serviços de esterilização cirúrgica na RMSP por tipo de prestador, 1999

Prestadores N %

Municipais 25 68

Estaduais 6 16

Credenciados* 6 16

Total 37 100

* Cinco serviços filantrópicos e um privado.

Dentre os 39 municípios que integram a RMSP, 16 deles, abrangendo mais de 2

milhões e meio de pessoas (14,7% da população total da região), não dispõem de serviços

que ofereçam laqueadura ou vasectomia (na maioria são municípios pequenos, mas três deles

são populosos – Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e Guarulhos, este último com mais de 1

milhão de habitantes – v. Quadro 1). Dentre os 23 municípios restantes, dada a insuficiência

dos recursos disponíveis para pesquisar todas as unidades identificadas, procedeu-se à

seleção de uma amostra, considerando alguns critérios que visavam simultaneamente sua

representatividade do universo e a garantia de que as várias formas de inserção da unidade na

rede pública estivessem representadas. Assim, selecionaram-se inicialmente as unidades

localizadas em municípios com mais de 200.000 habitantes, assegurando a inclusão de

unidades localizadas em municípios nas duas formas de gestão do SUS (gestão Plena da Atenção

Básica, PAB, e gestão Plena do Sistema de Saúde, PSS); no caso da cidade de São Paulo (que não

se inclui em nenhuma dessas formas de gestão), foram escolhidas unidades igualmente

distribuídas pelas quatro regiões geográficas (Norte, Sul, Leste e Oeste), contemplando

(8)

população inferior a 200 mil habitantes foram incluídas de modo a contemplar hospitais que

fossem referência formal para mais de um município; e finalmente, foram incluídas unidades,

independente da localização, de modo a garantir a presença de pelo menos um de cada dos

seguintes casos: hospital filantrópico conveniado com município; hospital filantrópico

conveniado com o estado; e serviço ambulatorial municipal que faz somente vasectomia.

Chegou-se assim a uma amostra de 23 serviços (62% do total), situados em

municípios que abrangem mais de 14 milhões de pessoas (cerca de 80% da população total

da RMSP). A distribuição das unidades selecionadas por tipo de prestador de serviços de saúde

reflete a do universo pesquisado: 17 municipais, três estaduais, três credenciadas junto ao

SUS.

Os resultados apresentados a seguir são referentes a essas 23 unidades selecionadas,

nas quais outros dois questionários foram aplicados aos responsáveis pelos serviços

hospitalares que oferecem o procedimento cirúrgico e aos dos serviços ambulatoriais que

constituem referência para a cirurgia, oferecendo aconselhamento e acesso aos métodos

reversíveis de anticoncepção.

As informações obtidas através dos questionários foram agregadas e analisadas

buscando-se principalmente identificar a adequação da organização às novas determinações

legais e o impacto que a legislação provocou na oferta da esterilização cirúrgica. Os

principais aspectos analisados foram:

y requisitos para indicação da esterilização cirúrgica, procurando responder as perguntas: Há acesso à

esterilização voluntária? Em que casos o procedimento é indicado?

y atividade de aconselhamento: Os serviços oferecem aconselhamento para desestimular a realização

da esterilização cirúrgica?

y oferecimento de alternativas não-definitivas para a anticoncepção: Há disponibilidade de todos os

métodos seguros e reversíveis (DIU, preservativo, diafragma, geléia espermicida, anticoncepcionais hormonais) em quantidade e qualidade suficiente?

(9)

Dentre as 23 unidades, sete haviam sido criadas após a promulgação da Lei do

Planejamento Familiar (1997). Dentre as 16 já existentes antes da Lei, em sete dos serviços,

ou quase a metade, seus responsáveis revelaram não ter sido promovida qualquer mudança

no atendimento, em decorrência dos requisitos da nova legislação.

Essa informação é coerente com os achados sobre a adequação da oferta de serviço

aos novos requisitos: no que concerne os requisitos de idade, conjugalidade e número de

filhos da/o candidata/o à esterilização cirúrgica, mais da metade dos serviços simplesmente

não os respeitam (Tabela 2).

Tabela 2

Adequação dos serviços de esterilização cirúrgica na RMSP aos critérios legais,

1999

Critério legal De acordo % Em desacordo % Total %

Idade (+ 25 anos) 10 43 13 57 23 100 Conjugalidade 9 40 14 60 23 100 Nº filhos vivos 9 40 14 60 23 100 Risco à saúde 22 96 1 4 23 100 Aconselhamento 19 83 4 17 23 100 Consent. inform. 22 96 1 4 23 100 Oferta de MR* 21 91 2 9 23 100

* Oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis.

É muito freqüente a crítica à idade estabelecida pela lei, mesmo naqueles serviços que

respeitam a norma legal. Alguns, para contornar a determinação, consideram a idade mínima

simultaneamente ao número de filhos vivos, por exemplo impedindo o acesso de usuários

com menos de 25 anos mesmo que tenham dois filhos vivos, ou daqueles que, mesmo tendo

acima de 25 anos, não tenham filhos. A justificativa quase unânime para tal recusa é a

alegação do risco de arrependimento. Uma médica responsável pelo planejamento familiar

em um grande hospital relatou que deliberadamente não cumpre a lei no caso da idade, por

(10)

mas, quando perguntados separadamente sobre cada requisito, evidenciavam sua aplicação

simultânea.

Além de associado à idade, o requisito número de filhos vivos também é pouco

respeitado, sendo encontrado um serviço que apenas realiza a esterilização em quem tenha

cinco ou mais filhos vivos. Em outro serviço vigora a exigência de que o último filho tenha

pelo menos 3 anos de idade. Um outro exige ainda que os dois últimos filhos vivos sejam da

atual união.

Quanto à conjugalidade, 61% dos serviços exigem união estável, o que não é exigido

pela norma, e alguns ainda estabelecem um tempo mínimo de união. Um dos serviços

normatizou o mínimo de seis anos de união.

Em um número significativo de serviços (40%), os responsáveis entrevistados referem

utilizar um critério “social”, favorecendo o acesso à esterilização cirúrgica de usuários com

condição sócio-econômica precária associada a um número grande de filhos. Alguns

entrevistados acham que o critério social deveria pesar mais que os demais. Um serviço

exige avaliação psicológica.

Em três serviços, os responsáveis relataram indicar a cirurgia com base em pedido de

vereadores.

Embora a maioria das unidades não disponham de dados sistematizados sobre a

proporção de homens e mulheres que buscam a esterilização cirúrgica, alguns serviços

referem um aumento da procura por vasectomia, mesmo sem estatísticas que comprovem

essa afirmação. A explicação seria, segundo os entrevistados, decorrência da crise econômica

e financeira do país, da desmistificação em relação ao medo da impotência e de uma

disseminação da informação “boca-a-boca”.

Por não poder fazer a laqueadura pós-parto, um dos hospitais visitados reinterna o

(11)

pela realização da laqueadura.

Com apenas duas exceções, em todos os serviços (91%) os responsáveis disseram

oferecer os métodos reversíveis de anticoncepção e 30% referiram não haver falta de

métodos. Quando perguntados sobre os métodos disponíveis no dia da entrevista, porém,

constatou-se que, de forma significativa, muitos não estavam disponíveis. Houve apenas dois

casos em que todos os métodos estavam de fato disponíveis para oferta aos usuários; na

maioria dos casos, havia apenas dois ou três. A Tabela 3 mostra a freqüência de

disponibilidade dos diversos métodos anticoncepcionais. O método menos freqüente é o

anticoncepcional injetável e o mais presente a pílula, seguida do preservativo masculino.

Tabela 3

Métodos anticoncepcionais reversíveis disponíveis no dia da visita em 23 serviços que oferecem esterilização cirúrgica na RMSP, 1999

Método Disponível % Não disponível % Total %

Pílula 15 65 8 35 23 100

Preservativo 14 61 9 39 23 100

Diafragma 12 52 11 48 23 100

DIU 12 52 11 48 23 100

(12)

Lei fica no papel

Apesar de existirem serviços de excelente qualidade técnica, ainda prevalece, nos

serviços estudados, uma boa distância entre a lei que autoriza a realização de cirurgia de

esterilização quando solicitada, e os serviços efetivamente oferecidos pelos hospitais

públicos da Grande São Paulo no momento. A maioria cumpre apenas em parte as normas

legais. Os obstáculos vão desde a falta de insumos adequados até clientelismo eleitoral,

passando, em muitos casos, por uma arraigada cultura de resistência à esterilização, entre

médicos e outros profissionais de saúde.

A pesquisa constatou uma freqüente objeção à idade mínima estabelecida pela lei. O

principal argumento invocado pelos profissionais de saúde para contra-indicar a cirurgia em

jovens adultos é o risco de arrependimento por parte do homem ou da mulher, por se tratar de

método irreversível. Uma médica responsável por planejamento familiar em um grande

hospital disse que deliberadamente não cumpre a lei, por já ter testemunhado “inúmeros

casos de arrependimento”. “Existe uma grande procura pela laqueadura. As pessoas não

estão bem informadas a respeito da lei quando fala em 25 anos ou dois filhos. Exigimos

ambos, pois é irreversível e tem um problema social que é o arrependimento”.

Os estudos disponíveis sobre arrependimento foram realizados antes da

regulamentação legal da esterilização cirúrgica (Osis, 1998; Hita, 1999). A maioria deles

associa o arrependimento à falta de orientação e informação. Para qualquer conclusão a

respeito do arrependimento no novo contexto em que o aconselhamento é obrigatório, seria

necessária nova investigação, buscando verificar se a prevalência de arrependimento se

mantém nos mesmos índices e quais seus determinantes, avaliando-se inclusive a qualidade

do aconselhamento. Mesmo assim, antes da Lei, a porcentagem de insatisfação após a

cirurgia, constatada nos diversos estudos, girava em torno de 11% a 20%, o que indica que

(13)

satisfeitas, o que não é pouco e, portanto, não justifica o sistemático não-cumprimento dos

requisitos legais.

Outro argumento para justificar a mudança de critério de idade mínima, apresentado

pelos responsáveis por grandes centros hospitalares que também oferecem tratamento para

infertilidade, seria a grande demanda em seus serviços pela reversão da esterilização,

segundo eles revelando grande incidência de arrependimento. É preciso ressaltar, no entanto,

que muito poucos serviços realizam a reversão da esterilização cirúrgica. É natural que a

demanda por reversão, por menor que seja em termos percentuais, se concentre nesses

poucos serviços, dando a impressão de que o arrependimento é muito grande, o que pode não

corresponder à realidade.

De uma maneira geral, os responsáveis pelos serviços entrevistados eram médicos e

houve uma certa unanimidade em afirmar que os critérios impostos pela lei são muito

permissivos. Os serviços existentes antes da legislação utilizavam critérios mais rígidos e

parece haver uma certa nostalgia do tempo anterior à lei. Um dos entrevistados relatou existir

um conflito entre o que o médico pensa e o que a lei define, indicando que os médicos se

ressentem por não mais poder decidir quem pode ter acesso à esterilização, prerrogativa

tornada nula pelos critérios da lei que faculta a esterilização voluntária.

Embora a lei nada mencione sobre a formação de comissões para o enquadramento

dos casos nos critérios, quase dois terços (61%) dos serviços mantêm uma comissão de

profissionais para decidir quem pode fazer a esterilização cirúrgica. Essa iniciativa parece

uma reminiscência do período em que não havia regulamentação, requerendo profunda

avaliação de cada caso para indicar a cirurgia (também cumpria o intuito de resguardar os

profissionais de uma possível ação penal, já que a esterilização era tida por ilegal). A Lei em

vigor explicita os critérios com muita clareza, o que dispensaria a discussão para decisão

(14)

implantados após 1998, articula-se à alta incidência de critérios mais rígidos que os

normatizados ou mesmo novos critérios, em desacordo com a lei.

Muitos entrevistados referiram um significativo aumento da demanda após a publicação

da lei o que, segundo alguns, estaria prejudicando o acesso das mulheres com indicação

clínica (risco à saúde) à cirurgia. A falta de vagas de fato ainda é um problema a ser

contornado. A minimização desse problema poderia ser obtida com pequena alteração nas

normas, sem prejuízo de todo o arcabouço legal. A proibição da realização da cirurgia no

puerpério para as mulheres que optaram pela esterilização na vigência da gravidez, com o

intuito de dissociá-la do parto cesáreo, obriga a uma nova internação após os 42 dias do

parto, requerendo nova disponibilidade de vaga e acarretando maiores custos.

Na época da aprovação das normas para a esterilização, as taxas de parto cesáreo

constituíam um sério problema de saúde pública, justificando a medida. Atualmente essas

taxas ainda são altas, mas tudo indica que estarão decrescendo, graças a campanhas pelo

parto normal e à nova política de remuneração do Ministério da Saúde: este estabeleceu

“quotas”, ou limites progressivamente mais baixos, ano a ano, acima dos quais as

maternidades não são remuneradas pelos partos cesáreos; com isso, as unidades tendem a ser

mais cautelosas ao optar pela cesariana. Diante desse novo contexto, não se justificaria a

manutenção da proibição de realização da laqueadura no pós-parto imediato, pois esta é mais

fácil do ponto de vista técnico, desde que os demais critérios sejam mantidos (manifestação

da vontade 60 dias antes da cirurgia, idade e número de filhos, aconselhamento etc.).

A pesquisa também detectou que, para além da escassez de vagas – acarretando na

prática a necessidade de priorizar certos casos –, o que parece prevalecer é uma enraizada

resistência dos profissionais ao cumprimento da lei. Tudo se passa como se boa parte dos

profissionais, inconformados em não mais deter o poder de decidir quem pode se candidatar,

(15)

moral à livre escolha da esterilização cirúrgica. Ora, a rede pública de saúde é obrigada ao

cumprimento da lei e ao respeito aos direitos reprodutivos da população que demanda os

serviços.

Para concluir, ressalta-se a necessidade de fiscalização do Ministério da Saúde,

através de seus órgãos de avaliação e controle, para que os critérios sejam os mesmos em

toda a rede pública de saúde, impedindo que cada hospital imponha suas próprias regras; e,

também, da difusão mais ampla das normas legais junto à própria população, para que esta

(16)

Quadro I Municípios da RMSP e situação atual de oferta de esterilização cirúrgica - 1999

Município População Prestador * Procedimento oferecido

1 Barueri 200.881 municipal Laqueadura e vasectomia

2 Caieiras 66.672 municipal Vasectomia

3 Cajamar 47.719 municipal terc. Laqueadura

4 Carapicuíba 353.924 municipal Laqueadura e vasectomia 5 Cotia 139.031 fil. estadual Laqueadura e vasectomia 6 Diadema 333.207 municipal Laqueadura e vasectomia

7 Embu 219.638 municipal Vasectomia

8 Ferraz de Vasconcelos 137.581 estadual Laqueadura e vasectomia 9 Franco da Rocha 105.920 estadual Laqueadura e vasectomia 10 Itapecerica da Serra 124.879 municipal Laqueadura e vasectomia 11 Jandira 82.843 municipal Laqueadura e vasectomia 12 Juquitiba 23.019 2 municipais Laqueadura e vasectomia 13 Mauá** 371.055 municipal Laqueadura e vasectomia 14 Osasco 655.479 municipal Laqueadura e vasectomia 15 Pirapora de Bom Jesus 11.988 municipal Vasectomia

16 Rio Grande da Serra 37.649 municipal Vasectomia 17 Santa Isabel 43.412 fil. municipal Laqueadura 18 Santana de Parnaíba 67.368 municipal Vasectomia 19 Santo André 629.700 1 municipal e

1 fil. municipal

Laqueadura e vasectomia 20 S. Bernardo do Campo 715.222 municipal Laqueadura e vasectomia 21 São Paulo 9.923.063 6 municipais,

4 estaduais e 1 fil. estadual

Laqueadura e vasectomia 22 Suzano 193.476 fil. estadual Laqueadura

23 Taboão da Serra 195.926 2 municipais Laqueadura e vasectomia

24 Arujá 57.449 Nenhum

25 Biritiba-Mirim 21.417 Nenhum

26 Embu Guaçu 46.130 Nenhum

27 Francisco Morato 120.143 Nenhum

28 Guararema 18.015 Nenhum

29 Guarulhos 1.085.582 Nenhum

30 Itapevi 149.317 Nenhum

31 Itaquaquecetuba 260.573 Nenhum

32 Mairiporã 55.888 Nenhum

33 Mogi das Cruzes 336.147 Nenhum

34 Poá 89.558 Nenhum

35 Ribeirão Pires 104.963 Nenhum

36 Salesópolis 14.390 Nenhum

37 S. Caetano do Sul 135.585 Nenhum

38 S. Lourenço da Serra 11.475 Nenhum

39 Várzea Grande Paulista 32.177 Nenhum

Fonte dos dados populacionais: Estimativa da Fundação SEADE para 1999 [www.seade.sp.gov.br].

(17)

priv. estadual: hospital privado conveniado com o estado; municipal terc.: hospital municipal terceirizado ** temporariamente suspenso.

(18)

Referências bibliográficas

BARROSO, Carmen. Direitos reprodutivos: a realidade social e o debate político. Cadernos de

Pesquisa, São Paulo, n.62, p.52-6, ago. 1987.

BERQUÓ, Elza et al. Brasil, um caso exemplar: anticoncepção e partos cirúrgicos à espera de uma ação exemplar. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p.366-81, 1993.

_________. A saúde das mulheres na “década perdida”. São Paulo, 1995. mimeo. [Comun. apres. ao

Seminário “Eqüidade entre os sexos: uma agenda para a virada do século”, Fundação Carlos Chagas] BRASIL. [Leis etc.] Lei 9.263 de janeiro de 1996. Diário Oficial, Brasília, n.10, 15 jan. 1996.

BRASIL. [Leis etc.] Portaria n.144, de 20 de novembro de 1997. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde/ Ministério da Saúde, 1997.

CITELI, M. Teresa, SOUZA, Cecilia M., PORTELLA, Ana Paula. Reveses da anticoncepção entre mulheres pobres. In: In: DUARTE, Luiz F. D. Doença, sofrimento e perturbação: perspectivas

etnográficas. Rio de Janeiro. Ed. Fiocruz, 1998.

CORREA, Sonia, PETCHESKY, Ross. Advancing reproductive rights beyond Cairo and Beijing. In: SEM, Germain A., CHEN, L. (eds.) Population policies reconsidered: health, empowerment and rights. Boston: Harvard University Press, 1994.

DORA, Denise D. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e direitos humanos: conceitos em movimento.

In: ARILHA, Margareth, CITELI, M. Teresa (orgs.) Políticas, mercado, ética: demandas e desafios no

campo da saúde reprodutiva. São Paulo: Ed. 34, 1998.

FARIA, Vilmar E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. In: CIÊNCIAS Sociais Hoje. São Paulo: ANPOCS; Vértice, 1989.

HITA, M. Gabriela. Arrependimento da esterilização: fenômeno pouco provável entre mulheres carentes de Salvador. Campinas, 1999. mimeo. [Apres. ao Encontro sobre Gênero e Reprodução,

IFCH/UNICAMP]

MARTINE, George. Brazil’s remarkable fertility decline: a fresh look at key factors. Cambridge [Mass., EUA]: Harvard Center for Population and Development Studies, 1995. (Working Papers Series, n.95.04).

MINELLA, Luzinete S. A produção científica sobre esterilização feminina no Brasil nos anos 80 e no início dos 90: um debate em aberto. Rev. Bras. Estudos Pop., Brasília, v.15, n.1, 1998.

OSIS, M. José. Estudo comparativo das conseqüências da laqueadura na vida das mulheres. Campinas: CEMICAMP, [1998]. mimeo.

SOUZA, Marta R. Uma contribuição ao debate sobre cesárea e esterilização: estudo prospectivo no município de São Paulo. São Paulo, 1999. mimeo.

VIEIRA, Elisabeth M. A esterilização de mulheres de baixa renda em região metropolitana do sudeste do Brasil e fatores ligados à sua prevalência. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.28, n.6, p.440-8, 1994.

Referências

Documentos relacionados

No Estado do Pará as seguintes potencialidades são observadas a partir do processo de descentralização da gestão florestal: i desenvolvimento da política florestal estadual; ii

A regulação da assistência, voltada para a disponibilização da alternativa assistencial mais adequada à necessidade do cidadão, de forma equânime, ordenada, oportuna e

5.1 Para as pessoas com deficiência fica reservado 5% (cinco por cento) do total de vagas oferecidas no concurso público de provas e títulos, conforme disposto no Anexo III

Salvo se estabelecido de forma diversa, por escrito e antes do leilão, o VENDEDOR será responsável pelo pagamento da comissão de venda, a qual recai sobre o valor do lote no momento

1.2.2 Objetivos Específicos Os objetivos específicos desta pesquisa são: a identificar se a presença de argumento ecológico AE afeta as atitudes dos indivíduos pesquisados; b avaliar

1) Bybee K, Prasad A. Stress-related cardiomyopathy syn- dromes. In: Pheochromocytoma, Dia- gnosis, Localization and Treatment. Blackwell Publishing 2007. Tako-Tsubo-like

Antes do período de abertura de discussão pública (exigido pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) optou-se por realizar uma sessão pública de

Quando os Cristais são colocados a menos de 20 cm do nosso corpo, com uma intenção real, eles começam a detectar o que está a mais no físico, no emocional, no mental e no