UNIVERSIDADE
DE
EVORA
MESTRADO
EM
ESTUDOS HISTORICOS EUROPEUS
DISSERTAÇÃO
DE
MESTRADO
A
TMAGEM
ANTICLERICAL
No
DISCURso
nBrÓruco
DE AFONSO COSTA:
MITO
OU
VERDADE?
Dissertação
realizada
Por:Alice
Maria
ReisPereira
Dissertação
orientada
Por:Professora
Doutora
M.
Fátima
NunesUNIVERSIDADE
DE
ÉVORA
MESTRADO EM
ESTUDOS HISTORICOS
EUROPEUS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A IMAGEM ANTICLERICAL
NO
DISCURSO RETÓRICO DE AFONSO COSTA:MITO
OUVERDADE?
t'R.s
)too
Uff
Dissertação
realizada
Por:Alice
Maria
ReisPereira
DissertaçÍio
orientada
Por:Professora
Doutora
M.
Fátima
NunesooEsta
A imagem anticlerical no disourso retórico de Afonso Costa: mlo ou verdade? Índice
Indice
!..
lndrce...
Resumo/Abstract ...
Introdução: Afonso Costa....
I
A
retórica deAfonso
Costa...2
A
lu República constrói uma imagem4.2
Oanticlerical...
4.3
Em defesa de Afonso Costa...5
Um republicano naWorld
Wide Web...3 Prólogo 4 5 8 25 46
2.t
Afonso Costa na gramática repú1icana...2.I.I
PercursoAcadémico2.L2
Qualidades2.1.3
Oratória...2.1.4
Impacto no Partido Republicano2.I.5
Anticlericalismo...2.1.6
Encarnação de ideais2.1.7
Admiração2.2
A
visão dos opositores...2.2.1
Oratória...2.2.2
Qualidades2.2.3
Defeitos e críticas2.2.4
Jacobinismo...2.2.5
Impacto na 1" República...2.2.6
Admiração2.2.7
Anticlericalismo...2.3
Imprensarepublicana... 86 87 92 942.3.1
O Mundo, entre 1900 e Abril de 1911 ...2.3.2
O Sécutlo, de 1910 a Abril de 1911 ...2.3.3
O Mando, de Abril de 1911 a Abril del9l2
2.4
Imprensa opositora 1083
O silêncio do Estado Novo...tt2
3.2
Afonso Costa nas edições do Estado Novo... 1203.3
Afonso Costa na imprensa do EstadoNovo...
...1354
O discurso historiográfico daDemocracia...
....,....1434.1
AfonsoCosta...
...,.143 .46\
I 47 485l
56 58 66 67 68 69 70 7T 74 74 75 75 158 ... 1 89t94
5.1
A
Internet como meio de comunicação demassas...
...1945.2
Afonso Costa nas páginas da WEB.... ..199Considerações Finais. ...208
2t8
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou verdade? Resumo/Abstract
Resumo/Abstract
A
IMAGEM AI\TICLERICAL
NO
DISCT]RSORETÓRICO
DE
AX'ONSOCOSTA:
MITO
OU
YERDADE
RESTIMO
A
presente dissertação pretende constituir um estudo sobre a construção da imagem anticlerical deAfonso
Costa, aolongo
dos tempos, através de umaleitura
atenta daquilo quefoi
dito
sobre este autor num universo historiográfico quevai
desde a lu República atéà acfualidade. Assim, ao longo do trabalho, analisaram-se inúmeras fontes
(ornais,
livros,enciclopédias,
dicionários,
sítios
da
Internet),
tendo-se
feito,
passo
a
passo,
uma desmontagemdo
discursoutilizado
pelos
diversos autores,tentando
encontrar pontos convergentes e divergentes.Por
outro lado,
confrontou-seo
discurso dosvários
autorescom
o
de
AfonsoCosta
tendo-se chegadoà
conclusãode
quea
sua imagemanticlerical
foi,
em
grande paÍte, construída durantea
lu República,quer
pela corrente deopinião
republicana, que assim o idolatrava, quer pela corrente de opinião que se opunha a este estadista.Assim
seformava uma imagem anticlerical que se cristalizou durante o Estado Novo. Apenas com a
historiografia da democraci4 talvez gragas ao distanciamento temporal e mental, indutor
de
objectividade,
se
faz
uma rectificação
desta imagem
que
foi
criada
por
uma historiograÍia baseada em emoções, eivada, pois, de grande subjectividade.THE
AIITICLERICAL
IMAGE IN THE RHETORICAL
SPEECH
OF'AFONSO COSTA:
MYTH
OR
TRUTH?
ABSTRACT
The
following
dissertation attempts to be a study about the construction of the anti-clerical imagefrom Afonso
Costa acrosshistory,
based on a careful readingof
historicalwriting
on this author that dates back tothe
I't
Republictill
present day. For this purpose, several sources such as newspapers, books, encyclopaedias, dictionaries and websites weresubject
of
analysis.
The
approach
in
speech
used
by
the
different authors
was deconstructed as a wayto find
similar and divergent points of view.Conversely,
the
speechused
by
severalauthors
was
confronted
with
Afonso Costa'sown
speech. Thus, concluding thathis
anti-clerical image wasin
great measurebúlt
during the
I't
Republic, eitherby
the
Republicanswho idolized
him
aswell
as by thosewho
strongly opposedthe
Statesmen.An
anti-clerical image wasúerefore
created and gained shapeduring
the Estado Novo. Onlywith
the historiographyof
democracy, and perhaps dueto a
distancein time
andmind, both
inducersof
subjectivity,
this
image,which
was createdby
a historiography basedin
emotion andfilled with
subjectivity, was rectified.A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou verdade? Prólogo
Prólogo
Afonso Costa!
Na
verdade,tudo
começou
num
seminário
de
Métodos
de lnvestigaçãoHistórica
quando,à
ltaz dahistoriografia
mais recente, se abordaram asnovas premissas da
história política
e dahistória
das mentalidades.As
biografias, que desde sempre nos fascinaram, levaram-nos a colocar,por
momentos, essa hipótese de trabalho.Não
obstante,a
retórica era igualmenteum
campo quenos
afraia desde hámúto.
E
assim, durante algum tempo, questionámos estas duas hipóteses, sabendo, de antemão, que seria nas águasferteis
das mentaltdades que o nossofuturo
trabalhoiria
desaguar.
De
entre alguns oradores de reconhecidomérito,
surgiuo
nome de Afonso Costa.A
aura mítica queo envolvi4
a
propósitodo
seu anticlericalismo, começou aseduzir-nos. E quando verificámos que ainda não tinha sido
feito um
estudo diacrónicosobre
a
construçãoda
sua
imagem
anticlerical,
encontriímoso
objecto
da
nossa investigação...Por
outro lado,
nos
seminários
de
Historiografia Europei4
Movimentos Culturais Europeus,História
Social Europeiae
A
Ideia
de Europa constatamos que arenovação da nossa
historiografia
se faz, actualmente,a
par e passo dessa outra-
e daqual
comunga-
que
é
a
europeia. Paraalém
disso,ao
perceberÍnosque os
nossos movimentos culturaisfluem
e refluem num mar comum a toda a Europa, tivemos umamaior
consciência de que há figuras quepelo
impacto que tiveram naHistória
não sepodem
limitar
às fronteiras políticas de
um
país,tanto mais que
se enquadram emmovimentos
culturais mais
vastos,
designadamenteo
Iluminismo,
o
Laicismo,
oPositivismo
e o
Anticlericalismo,
comunsa toda
a
Europa Ocidental.Neste
sentido,Afonso
Costa étfio
europeu quantoum Voltaire, um
Lockeou um
JeanMonnet.
Daíque
a
presente dissertação surjano
âmbito
de um
Mestradoem
Estudos Históricos Europeus até porque a imagem que dele se dá a conhecer é uma imagem europei4 poisé
vista
sob
o
prisma de
uma historiografia que, finalmente, se move nos
mesmoscenários
de
investigação
e
utiliza
as
mesmas
ferramentas
na
construção
do conhecimentohistórico.
Esta investigagão surge ainda no âmbito deste Mestrado comoum
estudo de casoda
realidade portuguesa que poderácontribuir
parao
alargamento dos estudos históricos europeus.Sabendo
que
a
historiografia,
com
as
suas
escolhas,
valorizações
eA imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou verdade? Prólogo
esta disSertação perceber de que fonna a historiografia contribuiu pdra a criação de uma
imagemld"
Afo*o
Costae
ao mesmotempo desmistificála,
tentandover
o
que seenconta do outro lado do
espelho daprópria História.
Para isso, e porquea
História pode bem serum
laboratório onde se produzem discursos contextualizados de acordo com ofim
a que se destinam e ainda porque a historiograÍia estiá intimamente ligada aoscontextos
em que
se produzem as
imagens, esfudámos quaselúoratorialmente
asfontes, fazendo, simultaneamentee uma espécie de arqueologia das ideias feitas em tomo
da
figura
deAfonso
Costa.Assim,
recorremosa
um
vastoconjunto de
fontes desdeobras panegíricas, passando
por
obrasde
referênciae
pela imprens4
num
universo temporal quevai
da
luRepública
até ao momento presente. Ressalve-se, contudo, que nãofoi
nossa intençãoir
em busca de imagens visuais, entenda-se, fotográficas, umavez
que
issoimplicava uma outra
metodologiade
investigação,ligada à história
da fotografia, que as vê enquanto objecto de arte, de intervenção pública e de sociabilidade.Por outro lado, ao quererÍnos demonstrar que as várias imagens de Afonso Costa foram, em gtande parte, criadas pelos poderes qtJe as produziram - uma vez que não há imagens sem intenção de memória nem memórias neutras
-
deÍinimos a estrufura desta dissertagão em frrnção dos regimes políticos que atravessaram o país ao longo do século)OÇ
o
que noslevou a
termosum
capítulo dedicadoà lu
Repúblic4 outro
ao EstadoNovo
eoutro
ao pós25
deAbril.
De igual
modo,pila
que pudéssemos averiguar da veracidadedo
discursoanticlerical
deAfonso
Costa, analisámo-lo emprimeiro
lugar,razão
pela qual
o primeiro
capítulo
lhe é
dedicado.Por fim,
e
porquea
Internet
setomou num meio de
comunicaçãode
massas bastante efrcaz, dedicámoso
último
capítulo do nosso trabalho à projecção da imagem deAfonso
Costa nas páginas web.Em
termos de metodologia adoptad4 dentrode
alguns capítulos-
nomeadamente oscapítulos sobre
a lu
República e sobre o EstadoNovo
-
opúmospor
agrupÍlÍ as fontes segundo a sua natureza (obras de referênci4 imprensa, etc.) ou segtrndo o ponto de vista de quem as produzia (seguidores de Afonso Costa, opositores, etc.) para melhor se fazer a sua análise.Longas foram as horas dedicadas a este trabalho e muitas foram as pessoas que
contribuíram
paÍaa
sua concretizaçáo.A
todas manifesto aminha
profunda gratidão, destacando,offi
primeiro lugar,
a
Professora
Fátima Nunes
pela
sua
constante disponibilidade,incentivo e
amizade assim comopela
orientação rigorosae
exigente queme
permitiu a
abertura de novos horizontesculturais
a partir
deuma
discussãoA imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou verdade? Prólogo
teórica
bastante enriquecedora;a
meus pais,
pelo
seu amor, incentivo, apoio
ecolúoração
que
sempreme
deram, mesmonos
momentosem
que
eu
estava mais rabugenta;a
meu irmão
Paulo
pela
preocupaçãoe
pelo carinho
constantes, pelainestimável ajuda
em Lisboa e pela
mdozinha dadana
parteinformâtica;
à
minha cunhada Teresa pela ajuda em Lisboa,pelo
apoioe pela
anrizade; ao Professor Pedro Lains pelas sugestõesiniciais
e pelo incentivo sempre presente; ao Professor Rui Ramos por meter
sugeridoo
esfudo deAfonso
Costa; ao Professor Fernando Ganieiro por ter despertado emmim
a possibilidad ede
fazerum trabalho a partir da anrílise de discurso;à
Professora TeresaAmado
por
me
ter
reacendidoo
gostopela retórica;
aos meus amigosAvelino e
Fátimapelo apoio incondicional
quer nos momentosde
desânimo quer na celebração das pequenas vitórias, pelas longas e férteis conversas e pela grande amizade; à minha amiga Fátima Baía pelo seu incansável incentivo e sincero carinho; ao meu amigo Pedro Silva pelas preciosas sugestões, pelo incentivo, pela disponibilidade dos encontros na BibliotecaNacional
e pelalonga
anrzade; aos meus amigos FátimaCorreia,
PaulaNicolau,
Mina
e
João,
Cila
e
Luís, Sílvia
B.,
Tucha
e
Zé
Carlos, Femanda Candeias,Sofia
4.,
FranciscaC.,
Cristina
R.,
Marisa, Isabel,
Margarida,Adrianq
Paula Duarte e Fernando por terem sido incansáveis no incentivo, na arrizade eno
acreditar emmim;
ao meu amigoAlberto
pela simpática anizade e pela tradugão do resumo para inglês; ao meu amigo cibemauta Marcelino pela grande amizade, pelas inúmeras sugestões epelo
inestimável incentivo transmitido online;
aos meus amigos CristinaAleixo,
Maria João, Bela, Paula Teixeira, ElsaGrilo,
Sílvia G., AnabelaGarcia
Rosália, Céu, Rosa,Martine,
Steph, Lisete, Xana,Mart&
LuísM.,
Manuela P., Sara eJoão Manuel, Ana Margalha, Fátima
A.,
Isabel Lourenço, Mu JoséL.,
Isúel
R.,Maríli4
Dor4
Rita4.,
Nanda e Tó, Leonor,Alcina,
Cristina, Odete, Helena R.,Alda,
Paula G., Gertrudes e a muitos dos meus familiares, em especial Elvira Reis, Sérgio e Nelson, por manterema
amirade eo
apoio apesar de se teremvisto
privados daminha
companhia duranteum
período de tempo bastantesignificativo, fruto
do meu envolvimento nesteprojecto;
aos Órgãosde
Gestão das EscolasE.B.I.
deAmarelej4
Abade
Correia da Serra (Serpa) e E.B. 2,3 de Colos, nas pessoas de F. Pereir4 Isabel Louzeiro, LeonardoVerde
e
Cristina
Paiv4 pelo
apoioinstitucional
e pela
amizade;a
mútos
dos meus alunos e colegas que, sem o saberem, me iam dando confianga para não desistir; a todosos professores que ao longo da
miúa
vida contribuírampaÍaaminha
formação pessoal.Por
último,
aqü
fica
o
agradecimento aos meus colegas de mestrado Femanda, Zé--Maria e Branca pela troca de ideias e pelo companheirismo dos primeiros tempos.A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou verdade? Introdução: Af,onso Costa
Introduç
áozAfonso
Costa
Corria
o
ano
de
1871.No
dia
6
de Março
nasciaem
Seia,filho
do
Dr.
Sebastião Fernandes da Costa e deD.
Ana Augusta Pereira da Costa, uma das figuras mais polémicas dahistória
poúuguesa:Afonso
Augusto da
Costa.Depois
deter
realiz-aÃo osprimeiros
exames secundários, inglessou no Liceu da Guarda em 1883. Três anos mais tarde, passou a frequentar oColégio de Nossa Senhora da Glória, no Porto, para concluir o curso secundrário. Em Outubro de
1887,
com
16
anos, ingressouna
Facúdadede Direito
da
Universidadede Coimbra
onde, revelando-seum
estudante singular, recebe, comvinte
e quatro anos de idade,o
grau de Doutor emDireito
com o
temade
dissertaçãoA
Egreja e
a
Questão Social.Em
1896, nessa mesma Universidade, inicia a sua cÍureira docente, regendo a cadeira de Economia Política.lEm
Junho
do
ano
seguinte, estreia-se
como
orador,
discursando
num
comício republicano, no Porto, tendo sido eleito deputado por essa cidade três anos mais tarde.Em
1898, tuberculoso, parte deCoimbra
paÍa a Suíça aÍim
de receber tratamento. Estafoi
a primeira dasmuitas
viagens quefez
ao
estrangeiro2por
motivos de
saúde.No dia
15de Margo
de
1900 discursapela primeira
vez
como
orador parlamentare
na viragem
do
üa
4
parao
dia 5
deOutubro
de
l9l0
é
inclúdo
no
elencoministerial
do
GovernoProvisório como
ministro
daJustiçq tendo
desempenhado essecargo
desde
Outubro
de
1910
até
Setembrode
1911, colocando esteministério
na vanguarda da República.3 Através dele, e mercê das medidas que pôsem
prâtic4 obteve grande prestígio e protagonismo, tornando-se a personalidade que mais se evidenciou no Governo Provisório. Desde 1911e
ate ao advento do sidonismo, em Dezembro de1917, manteve-se sem intervalos nas Câmaras. Para além de ter sido ministro da Justiça, durante o Govemo Provisório, Afonso Costa voltou ao poder em
l913-14,
como presidente doMinistério
I
E,
1895 concorreu ao magistério superior e em 1896 tornou-se lente substituto na Fac. de Direito da Univ' de Coimbra. Todaviq com regularidade leccionou apenas 8 anos. Em 1903 abandonou provisoriamente o ensino,tendo-lhe sido concedida uma licença oficial de 3 anos para trataÍ da laringe, indo para a Alemanha, Bélgica, Suíça e
França. Retomou a actividade docente em 1906, com uma inegularidade ainda maior, pois, a política absorvia-o muito. Em
l9l
I
foi transferido e tornou-se lente substituto na Escola Politécnica de Lisboa. Aí leccionou em191l--13 mas durante poucos meses em cada ano. Também foi lente substituto na Fac. de Ciências de Lisboa. A seguir,
passou paÍa a reôém-formada Fac. de Direito de Lisboa
-
para todos os efeitos, sua criação-
onde leccionou emiqt:-t j,
tendo sido seu Director. Em 1915 foi professor do Inst. Superior de Comércio de Lisboa. Cf. MARQUES, 1975:26-272 A
partir de 1904, quase todos os anos visitou os países da Europa Ocidental, sobretudo a França e a Suíça, mas
tambem a Alemanha e a Inglaterra, por motivos de saúde, profissionais ou de lazer. A partir de 1916 iniciou um periodo de viagens diplomáticas: França, Inglaterra e Espanha. Em Abril de 1918, depois do triunfo da revolta
iidonista e de ter sido preso, parte para França, tendo estabelecido residência em Paris. As suas viagens não param: Londres, Trianon, Bruxelas, §êwes, Genebrq Sevilha, entre outras, contam com a sua presença até 1937, arro da sua
morte.
3 A
constituição final do Governo
tiúa
sido decidida apenas no dia anterior graças à mão habilidosa de AfonsoCosta. No Largo de S. Paulo ninguém deu muita importância à constituição do Governo Provisório, pois, esperavam ansiosamente ô ini"io da Revolução. Afonso Costa reservou enttlo, para si, a pasta da Justiça. O nervosismo dos propostas. Cf. RAMOS, in MATTOSO (dir), 1994:438
1
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: ffonso Costae
ministro
das Finanças, situação que se repetiu entre Novembro de 1915 e Março de 1916. Por sua vez, de Março desse ano atéAbril
de
l9l7
esteve à frente doMinistério
das Finangas e deAbril
aDezembro de 1917foi
de novo presidente doMinistério
eMinisto
das Finanças, tendo ocupado as cadeiras do poder durante cerca de três anos e meio.aDepois da
revolta
sidonista, exilou-se em Parisse
em
deMarço de
1919foi
nomeado presidente da delegação poúuguesaà
Conferênciade
Paz.6Em
Julho desse anofoi
agraciadocom
a
ordem
da
Torre
e
Espada
e
em
Dezembro tomou-se
doutor honoris
causa pela Universidade de Estrasburgo.Por
sua vez, em Julhode
1922,foi
agraciadocom
a grã-cruz deSantiago. Três anos depois aceitou o convite para presidir a delegação portuguesa na Sociedade das Nações,
tendo sido demitido
desse cargoem Julho
de
1926.No
ano
seguintefoi
eleito membro da JuntaDirectiva
daLiga
de Defesa da República(Liga
de Paris), a qualfôra
criada para lutar contra a Ditadura.A
II
deMaio de
1937,com
66 anos de idade,Afonso
Costa morria em Paris, noHotel
Vernet, tendo sido sepultado em Neú11y-sur-Seine,no jango
de Roberto Burnay. Os seus restos mortais foram trasladados em Dezembro de 1950 para o cemitério de Pêre Lachaise e, emMaio
de
1965, parao
cemitério de Villaine-sur-Seine. Seis anos mais tarde,no dia
11 deMaio
de1971, chegaram finalmente a
Lisboq
porvia
aére4 e foram sepultados no dia seguinte, em Sei4em
jazigo
de família.Republicano desde a adolescênciq
Afonso
Costa deu os primeiros passos no mundo dapolítica
aquandodo
Ultimato. Assim, ainda como
estudante universiüário,participou
nomovimento
contra a Inglaterra e contra a Monarquia, tendo sido co-director e colaborador, emconjunto com
António
Joséde Almeida,
do
UltimatuÍn,um
periódico
estudantilde que
saiu apenasum
número,em Março
de
1890, onde subscreveuum
artigo intitulado
"A
Federaçãoo
Após 1917, e apesar de deputado de direito, eleito quatro vezes, sempre por Lisboa Oriental, Afonso Costa nunca
tomou posse do ieu lugar, não voltando a reentrar nas câmaras portuguesas. Num intervalo de nove anos, de
l9l7
a1926, Afonso Costa foi reeleito cinco vezes membro efectivo do Directório do Partido Republicano Português,
nunca tomando posse. Durante esse período foi ainda convidado paÍa o exercício de vários cargos, cujos convites declinou: pasta das Finanças (1921); constituição de governo (1922,1923 e 1924); presidente do Ministério (1923);
presidente do Ministério ou pasta das Finanças Q92D; chefia de um govemo partidário (1925). 3
Nessa altura, quando regressava da Conferência dos Governos Aliados,
foi
preso, no Porto, e transportado, primeiro, para o iorte da Trafaria e, depois, para Elvas, onde ficou encerrado durante 3 meses. Depois de solto,io.a-
or sius próprios partidários que o convenceram a sair de Portugal e a não regressar tÍIo cedo. E não voltou. Cf.MARQUES,1975:41 6
Lá"forqporém, continuou a desempenhar a sua actividade parlamentar. Nomeado chefe da delegaçâo portuguesa à
Conferência dePaz,participou nas muitas sessões que conduziram à assinatura do Tratado de Versalhes e dos quaÍro outros tratados com as nações vencidas (Tratados de Paz com a Áustri4 Bulgária, Hungria e Turquia). Em Londres,
esteve presente numa reunião da Comissão das Reparações (1921) e representou Portugal na Comissão de Dívida de Guerrí Og25). Participou na Conferência Económica de Genebra (1926) e representou Portugal na Conferência Financeira Internacional de Bruxelas e na lu Assembleia da Sociedade das Nações, tendo sido vice-presidente da 3u
Comissão e presidente da delegação portuguesa na Sociedade das Nações. Em1925-26 voltou a representar Portugal
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: ffonso CosíaAcadémica".
Nesseartigo,
Afonso
Costa defendeua
quedado
regime monárqúco
por
via
revolucionrária, apelandoà
organizaçáo estudantil.Ente
1890e
1891
foi
correspondente dojorral
O
Século,tendo integrado,
nessaaltura,
o
grupo de
conspiradores republicanos deCoimbra implicado na revolta de 31 de Janeiro.
Em
1897,já
Afonso Costa se destacava pelas suas ideias políticas avançadas, tornando-se um dos oradores mais fluentes da sua época ao mesmo tempo que fortalecia o bloco republicanona luta
contra
a
Monarqúa.
Possuidor
de
uma
oratória
fluente,
os
seus discursos eram entusiasticamenteouvidos pelo
quenão
foi
necessáriomuito
tempo parao
seunome
se ter tornado conhecido de Norte a Sul do país.Em
1901-1902, Afonso Costa exerceu funções como redactorpolítico
do diário portuense O NorteT e,em
1902, fez parte da Junta Directora do Norte,tal
comoem
l9A4
ftzera parte da ComissãoMunicipal
Republicana do Porto.Em
1905 entrou
paraa
Maçonaria, tendo
sido iniciado em
Lisboa,
na loja
Futuro,
assumindo o nome simbólico de "Platão".Na
Maçonaria,já
antes da proclamaçáa da República, tinha ascendido a grau elevado e,em
lgl3,
obtém o grau 30 (cavaleiroKadosch).
Em Julho de1934
ascendeuao
grau 33,
sendoindigitado,
em
1937, para Grão-Mestre
da
Maçonaria Portuguesa, cargo para o qual não chegou a ser eleito, por ter falecido.Em
Agosto
de
1906, os republicanos passama
ter
assentono
Parlamento. Desde essaaltura
e
até
1925,Afonso
Costafoi
eleito
depúado nove
vezes consecutivase
sempre com votações devulto
a revelarem a popularidade do estadista.Todavi4
foi
a partir do Verão de 1907 queo
protagonismo deAfonso
Costa e do Partido Republicano começaram a ganhar contornosque faziam prever
a
quedada Monarqúa.
Nesse Verão,já
com
João Francono
poder,
osrepublicanos realizaram
um
grandecomício
no
Porto onde
Afonso Cost4 António
José deAlmeida, Eduardo de Abreu e
António
Lús
Gomes se destacaram.Afonso
Costafoi
o dirigentepolítico
que mais marcou a vida da lu República, sobretudoate ao sidonismo, e a ele se devem as principais reformas empreendidas pelo novo regime nos campos
jurídico
e social, das quais se destacam as seguintes: conjunto das Leis da Família(lei
dodivórcio
e
do
casamentocomo contrato
civil,
protecçãodos
filhos,
perfilhação
dos
filhos
ilegítimos,
investigação da paternidade e da matemidade, concessão de alimentose
socorro às mães deÍilhos
ilegítimos);
Lei
do
RegistoCivil; Lei
da
Separação daIgreja e do
Estado; Leisobre
a
liberdade
de
Testar;
Lei
do Inquilinato;
Lei
da
ReorganizagãoJudiciária;
Lei
dosAcidentes de Trabalho; Código
das ExecuçõesFiscais; Código
da
ContribuigãoPredial; Lei
eleitoral-
que não reconhece, contudo, o direito de voto às mulheres, aos padres e aos militares-7 Em
1900, colaborou no jornal A Pátria, tendo também colaborado n'A Resistência.EnÍ:e Maio e Outubro de 1906
l
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: Afonso Costae
Lei
de Imprensa.Por outro
lado, também selhe
deveo
equilíbrio do
orçamento do Estados assim como aparticipação de Poúugal na lu Guerra Mundial.De
acordocom Oliveira
Marques,Afonso
Costafoi,
porventur4 entre
1910e
1930, o mais querido e o mais odiado dos portugueses.e Endeusado, tomou.se ummito,
um Messias. DoMinho
ao Algarve, a sua popularidade era enorme. Por outro lado, Rui Ramos refere que Afonso Costa pareciater
um
faro
parao
reclamo e procurava-o através de confrontoscom
a polícia,comícios,
dueloscom
conhecídos monárquicos,enfim,
atravésde
actos espeôtaculares.loNa
verdade,o
seuretrato
apareceureproduzido milhares
de
vezes,em livros,
em
jornais,
emcartazes, em panfletos, em estátuas, em azulejos e até em pratos de barro e de latêio e em bustos que se vendiam nas lojas de Lisboa e nas feiras de Tras-os-Montes. Para além disso, editaram-se postais
com
a
suaefigie. O
seu nome,ou
adjectivoscom
ele relacionados,foi
dadoa
ruas, escolas, clubes, centros sociais, bairros popularese
até abens de consumo e animais domésticos. Uma estatística de nomes de bebés revelaria a profusão de Afonsos nascidos entre 1906e
1925. Fizeram-se versos, quadras e canções em sua honra. Durante vinte anosfoi
prato de resistênciade
jomais
de caricaturas e de revistas lisboetas. Todos os centros do Partido Republicano tinham o seu retrato pendurado nas paredes.llMas
o
ódio
que thetiveram
também não conheceulimites.
SegundoOliveira
Marques, acusarÍrm-no de concussionário, deutilizar
e até de fabricar a lei para proveito próprio bem comodos
numerososamigos
e
até
da
sua clientela
de
advogado";
acusaram-nooutrossim
deenriquecer à custa da
política
e odiaram-no por ter sido o principal responsável pela participação de Portugal na Guerra. Por outro lado,falar
emAfonso
Costa, para quasetodo o
católico bem formado, era o mesmo que falar no diabo. Fôra o homem que expulsara os Jesuítas, qvecorrera
com os
fradese
com
as freiras, que
deixaraos
sacerdotesa
pedir
esmola,que
proibira
asprocissões, que deportaÍa os bispos, que criara o
divórcio,
que insultara, em sumae a consciência católica da nação e promovera a corrupção dafamília
e da sociedade. Fôra, de resto, o arrogante,8 Ao
introduzir a chamada "Lei Travão", que proibia o aumento de despesas ou a redução de receitas depois de aprovada a conta do Estado.
ecr. uaReuES,1975:15
r0
cf.
RAMosin MATToso (dir), 1994:361 tt
cf.
MAReUES, 1975:15t2
Enquanto advogado, Afonso Costa desempeúou a sua actividade do Minho ao Algarve. Correu todo o país tendo,
um pouco por todo o lado, clientela certa e julgamentos nos tribunais comarcais. As viagens constantes davam-lhe conhecimento directo de todo o país, dos seus problemas e aspiragões, pondo-o em contacto com gentes de todas as classes. Assim, Afonso Costa era conhecido do aldeão e do citadino, do pobre e do rico. Porque o apaixonavam as
defesas dos desprotegidos, chegou
a
defender pescadorese
operários, ente outros. De acordo com OliveiraMarques, Afonso Costa tornou-se em pouco tempo um dos mais famosos e brilhantes advogados do país. Mais tarde, em Paris, foi conselheiro jurídico da Companhia dos Diamantes até ao advento do Estado Novo e consultor
de numerosas entidades particulares e colectivas, tanto portuguesas como estrangeiras. O vaivém da sua vida profissional não parou: em vez de Lisboa-Porto, surgia agora
o
tiângulo Paris-Londres-Bruxelas. Também aA imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introduçâo: Afonso Costapossesso de'Satanás, que
afirmarapoder
acabar comareligião
em Portugal em duas gerações.Tagbém
para os monifuquicos, Afonso Costa era uma figura condenável dado que era oprincipal
obstrículo da restauragão da Monarquia.'3Em
suma, quase não houve, durantea
lu Repúblic4
livros
políticos,
jornais
e
outras publicaçõesque,
ao
abrigo
dosprivilégios
conferidos pelaliberdade
de
imprens4 não
teúam
enaltecidoou
denegridoa figura
e a
acçãopolítica
do eminente homem público.Objectivamente,
Afonso
Costa impôs-sena
vida
política
portuguesa durante cerca devinte
anos, estando sempre entre os dois candidatos republicanos mais votados ao Parlamento.Por
outo
lado,
foi
consideradoo político
mais radical
da lu
República.Vários
historiadores descrevem-nocomo
sendoum
homemde
fibra e
de
convicçõesem cujo íntimo fervia
umapaixão
desmesuradapelo
republicanismo,influenciado pelos
ideais maçónicose
anticlericais.Coragem
e
determinaçãosão
qualidadestambém
muito
associadasà
sua pessoatal
comoaudáci4
autoridade, flr;mez4vigor,
energiae
acção.Por
seutumo, as
suas intervenções nostribunais
e
no
Parlamentoficaram
célebresdado
o
seuarojamento,
inteligênci4
lucidez
eclarczade raciocínio.
Assim,
e porque soube montar uma poderosa máquina de propaganda-
segundo Pulido Valente-, Afonso
Costa tomou-se noherói
eno
símbolo das massas republicanas.Rui
Ramos,por
seu furno, chega mesmo a afirmar queAfonso
Costafoi
orei
sem coroa dos primeiros anosda República. Historiadores há que o comparÍIm ao Marquês de Pombal, a João Franco, a Costa Cabral, a Passos Manuel, entre outros.
Rui
Ramos defende igualmente queAfonso
Costa era um conservador,pois
dava muita atenção à forma de vestir, às boas maneiras, à educação e ao trato. De acordo com este autor, oseu comporüamento de
novo-rico,
com automóvel e casas no campo e na cidade,enquadravam--no
perfeitamenteno
modelo de
mentalidade burguesa.No
entanto, debaixo
dos
luxos
eganâncias, pulsava
um
fanático republicano.Assim,
para Ramos,o
republicanismo de Afonso Costa eraúsolutamente
sincero, eraasua religião pessoal. Era também o seu modo de vida, poisa
causa republicana dera-lhefama
enchera-lheo
escritório de clientes
e
frzera-o ministro.laAinda
segundo este autor,Afonso
Costa descendia daquelasfamílias de
lavradores que, comesforço, produziam
os
padres, médicose
advogadosque,
nasvilas
e
cidadesda
provínciq
funcionavam como os intermedirários entre a elite lisboeta e o resto do país. Antes de ocuparemesses
lugares,
esperava-seque
passassempelo
sarampo republicano
e
anticlerical
que contaminava todos os jovens provincianos nas escolas superiores do Estado liberal.A
curaviúa,
t3
cf. tr,tAReuES, 1975:16
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: Alonso Costageralmente, com o
primeiro
emprego ouo
casamento. Mas Afonso Costa contraíra a mania dasrevoluções numa época particularmente ürulenta. 15
O estudo da figura de
Afonso
Costa suscita ainda hoje um importante confrorÚo teórico eideológico,
pois,
se historiadoreshá
quesubliúam
o
caréç,ter democráticoda la
República, o qualfoi
interrompido pela acção da Ditadural6, outros há queúordam a l'República,
da qualAfonso
Costafoi
bandeira,como uma
contiru.ração dos regimesliberais
e
elitistasdo
séculoXD(17
Dentro desta perspectivq ainda há quem acentue o carácterjacobino
editatorial
quer do regime departido
dominante,isto
é, do Partido Republicano Portuguêsl8 quer da acçãodo
seuprincipal
dirigente.Feitas
estas breves considerações sobrea
vida e
a
acaãopolítica de Afonso
Costa,deteúamo-nos
agora na questãoreligios4
que thefoi tiio
cara. Ofinal
doAntigo
Regime, nos países da Europa do Sul,foi
marcadopor
uma contestação do papel da Igreja como instituição, pondo-se em causa a sua influência na sociedadecivil
e a sua ligagão ao Estado. Por outro lado, édado assente que os republicanos
viam
a Igreja Católica e os seus seguidores mais activos como elementos que exerciam uma influênciamuito forte
sobre a sociedade portuguesa dosfinais
do séculoXIX,
inícios
do
século)O( A
seguirà
Monarqui4 a Igreja
e
os
líderes jesuítas eramvistos como uma fonte de
reacções obscurantistasque
obstruíam
o
que
os
republicanos consideravam sera inevitavel
evolução progressistano
sentidodo
racionalismototal.
Assim, quandoa
Monarquiafoi
demrbada,a Igreja
substituiu-a comoinimigo
principal do
progresso republicano.Efectivamente, e de acordo
com
Fernando Catrog4 para o laicismo, ojesuít4
o frade e o\
padre apareciamcomo
propagadoresde uma visão
do
mundo
e de
uma
moral
anacrónicas,i
adequadas aos interesses da reacção política e do ultramontanismo, surgindo assim como natural a sua absorção do legado antijesuítico de Pombal e da herança anticongreganista do liberalismo.Uma
análise diacrónica permite mesmo surpreender uma preocupação constante na campanhalaica:
a
denúnciados maleÍícios civilizacionais que
o
clero,
sobretudoo
regular,
estaria a provocaÍ enquanto agente educativo, assistencial ou religioso.le SegundoAna
Marques Guedes, para alémdos
socialistas, e, posteriormente, dos anarqústas, os republicanos organizam uma,,
Cf. RAMOSin
MATTOSO(di),
1994:96. Neste sentido, refira-seo
texto da legenda de uma caricaturaapresentada por Bonifácio Serra, a qual sintetiza a imagem de Afonso Cost4 em 1914, no auge do seu poder e piestígio poútico: "Ataques parlamcntares e ataques de laringe. União apertada com O Mundo e separação com
brirtol Superavit de maisas,-superavit de deputaáos e superavit de foguetes! ontem mrligtro de Justiçq hoje das Finanças, àmanha de tudo porqu.... 'l'etat c'estnoi. Murros, lunetas e amigos... dos diabos.' Este era o Afonso
Costa de entiio: o todo-poderoso no seio do regime republicano." Cf. SERRA in REIS (dir), 1990:40 ru
É o caso de Oliveira Marques, Vitorino Magalhães Godiúo e António Pedro Vicente.
,, É o caso de António Costa Pinto, António José Telo e João Bonifácio Serra. lt É
o caso de Vasco Pulido Valente e Rui Ramos. 'e CATRoGA, 1988:2ll
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: lfonso Costaofensiva sem tréguas à Igreja, tentando convencer os portugueses do perigo que
o
clericalismo representa numa sociedade modema.20Por outro lado, se
já
o liberalismo tinha atacado o congreganismo,foi
apartir
da polémica emtorno
de Herculano quea
sociedade portuguesa se fracturou, claramente, emdois
campos,peranteoproblemadasrelaçõesentrealgrejaeoEstado,areligiãoeaciência.Apartirdaíos
binómios Igreja/clero,
espírito/instituiçãoforam unificados,
isto
é, clericalismo
e
catolicismo passarÍrm a ser uma e a mesma realidade que se opõe à verdade racional e à ciência.2lOr4
com a crescente influência da doutrinação cientista e a tomada de consciência de queo
clericalismo seria inseparável de outros aspectosda
orgattrzação da sociedade, a memória e aactuação da campanha anticongreganista
foram
paulatinamente integradas numa atitude crítica mais global à religião. Destaform4
parao
optimismohistórico
deAfonso
Costa, os propósitos de renovaçãodoutinal
e de empenhamento social manifestados pela Igreja, sob o magistério de LeãoXIII,
seriam meras panaceias tendentesa
adaptá-la aos novos tempospaÍ4
com isso, criar as condições propícias à reconstrução do antigo poderio que tinha exercido sobre a sociedade.22Assim
se compreende a oposição constante deAfonso
Costa perante a Igreja Católica e perante areligião,
encaradascomo
os principais baluartes da opressão social epolític4
ideia tanto mais difundida quanto mais a Igreja insistia na sua campanha contra as filosofias racionalistas, contra o liwe-pensamento, a Maçonaria, a Carbonátrra e a democracia liberal - republicana ou socialista. Para os mais radicais, este posicionamento daIgreja
funcionava como provairrefutavel
de que estavam certos.Não
espanta,assim,
segundo Catroga,que se tivesse
acenfuadofudo
o
que
pudessecontribuir
para acelerar a desmistificação do estatuto sacral do padre e da Igreja e paraliquidar
aadesão popular ao simbolismo religioso. De resto, na segunda metade do século
XfX,
reabriu-sea
polémica
acercada
patente contradigãoque existia, como
no
casodo
constitucionalismo monárquico português, entre orecoúecimento
dos direitos fundamentais do cidadão-
incluindo a liberdade de pensamento-
e a imposição, por via igualmente constitucional, de uma religião deEstado.
A
corrente do chamado catolicismo liberal ainda avançou com a fórmulalgreja
livre
noEstado
livre
para solucionara
questâo.Mas
tal
proposição era insuficiente para satisfazer as'o Com efeito, pela escrita e pela palavr4 denunciam
o
fanatismo, o Jesuitismo, a Inquisição e outros factos relacionados coma
preponderânciado
clero ao longo da história nacionale
estrangeira, defendendo, em contapartid4 um cristianismo não clerical, a tolerância e a liberdade da consciência. Dão uma ênfase particular àligaçãó trono/altar, por forma a juntar à corrente anticlerical um sentido de antimonarquismo, com especial importáncia em Lisboa
e
Porto. Estaliúa
de condutaé
mantida mesmo depois da proclamação de 1910, identificando.se, concludentemente, a República com a luta contra a Igreja: primeiro contra as congregações edepois contra o clero secular
-
aLei da Separação del91l
declarava liwes todos os cultos, proibia o ensino emgeral aos clérigos, defendia a escola laica, nacionalizava a propriedade da Igreja e vigiava de muito perto todas as
manifestações de culto. Cf. GUEDES,1990:9 2r GUEDES, r99o.9
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introduçâo: Afonso Costaintenções laicizadoras dos livres-pensadores, pelo que não admira que estes, desde os inícios da década de
7},teúam
animado uma campanha que culminará na Lei de Separaçãode
19fi.23Neste sentido, segundo
Cattog4
podemosver
na acção deAfonso
Costae do
Governo Provisório da República um ponto de chegada de um longocamiúo
que, bem vistas as coisas, seconfundia com o percurso do proselitismo laico desde o seu grande movimento de aranque, nos
inícios
dos anos 70. Logo, se aLei
da Separação correspondeu ao modo de pensar do ministro daJustiç4
e se este não era estranho àArte
Real, a objectividade da analise obriga, no entanto, adefender que as suas decisões
de
19ll
pretendiam rematara luta
entre dois poderes,isto
é, olongo
e atribulado processo de legitimação e de estruturação do Estado-nação, cuja unicidade de soberania entrava em choque com uma Igreja nostrílgica de um poder perdido.2a Daí que a onda radical tivesse ditado o sentido da legislação republicana nesta matéria e tivesse deixado isolados os que propunham uma solução mais cordata para as relações entre a Igreja e o novo regime. De facto, dada a hegemonia culfural que o catolicismo exercia na sociedade, o Estado, sem atropelar a liberdade de pensamento, teria de intensificar a socializaçáo da mundividência laica.Em sum4 de acordo com Fernando Catroga25, entre 1865 e 1911, a questiÍo religiosa
6ra
condicionada por uma estratégiacultural
totalizante, assente na convicção de que o homem só serealizarra como ser
livre e
feliz
quando conseguisseextinguir
a influência,tida por
anacrónic4do
estado teológico na sua maneira de pensar e de se comportar perante os actos essenciais davida individual
e colectiva.
Sendoo
laicismo um projecto
de revoluçãocultural altemativo
àmundividência católica, tudo o que respeitasse ànaturez4 ao homem e à sociedade não the podia
\,
i
ser indiferente,
daia
dessacralização dos fundamentosúltimos do
coúecimento
em nome do\
empolamentodo
sabercientíÍico,
o
que
conduana a
uma visão também
dessacralizada doI
cosmos, da sociedadee
dapolítica.
Poroufo
lado, a crítica anticlerical, dominanteno
seio domovimento laico do
final
do
séculoXIX
e princípios do
século)O(,
entroncouno
cientismo, enquanto reacfi:rrlização de uma atitude iluminista peranteo
mundo e perante avida,
uma vez que a ciência se tomou naprincipal
arma contra a essência da própria religião.Assim, progressivamente, assistiu-se ao fenómeno
da
secularizaçáo concretizado numa perda deinfluência do religioso,
especialmente nos meios urbanos, aprofirndando-se a brechaque
a
Revolução Francesatinha
abertono
seio
das relações entreIgrejas
e
sociedade. Não obstante, e de acordocom
Sérgio Campos Matos, nesseconflito
-
designadamenteno conflito
entre o temporal eo
espiritual, entre o Estado e a Igreja, que marcou grande parte da história de Portugal-
se traduzem algumas das virtualidades da cultura europeia: racionalidade, consciência'3 cATRoGA,1988:226
2o
CATRoGA, 1988 :233 -23 4
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
lntrodução: Alonso Cosíacrltrca, capacidade que
a
Europatem
de perÍnanentemente sepôr em
causaa
si propria
e
deintegrar a diferença.26
Todavia, durante
a
lu
Repúblicq
o
anticlericalismo
foi,
simultaneamente,factor
defractura
interna
do
regime
porque
se
é
certo que
atravésdele
os
sectoresmais
radicais procuravam galvanrzar uma opinião públicafavorávelà
limitação da intervenção social da IgrejaCatólica
Romana,não
é
menos
certo que
esta
encontrouna
resistênciaa
este
desiderato instâncias de reelaboração que thepermitiram
intervir.2TDe
resto,a
unidadee
a força
que aIgreja
Católica
conseguiu alcançar duranteo
EstadoNovo
sãoftuto
da
perseguição sofrida durantea
luRepúblic4
tendo esta contribuído, semo
saber, parao
fortalecimento do poder daIgreja em
Portugalno
períodoque
sethe
seguiu.Por
seuturno, de
acordocom
Vítor
Neto,conclui-se
ser
errada
a
tese
de
alguns,
segundoa
qual
a
Igreja Católica
se
teria
oposto globalmente à República. Na verdade, os documentos comprovam que se estabeleceu, sobretudo apósa
publicaçãoda
Lei
da
Separação,uma
fracturano
seio da estrutura eclesiástica. Se ahierarqúa
católica, passada a faseinicial,
reagiu embloco
contra
a nova ordempolític4
uma parte significativa do clero paroquial tomou uma posição republicana.2sSem embargo, da mesma
forma
quea
questÊloreligiosa
erao
tema quente queunia
emobilizava os militantes
republicanos radicais-
que defendiamo
cientismo
e
valorizavam oprogrcsso, combatendo
tudo
o
que se
aproximasseda
superstição,do
saudosismoe
do tradicionalismo-
era tambémo
tema que separavaos
antagonistasda
República anticlerical. Neste sentido, vários historiadores vêem nas medidas anti-religiosas deAfonso
Costa uma dasprincipais causas do aumento da impopularidade da República
junto
do povo. Com efeito, se assuas
medidas
agradaramaos
republicanosmais
radicais,
não
mereceraÍn,contudo,
grande admiração por parte da população, na sua maioria rural, católica e conservadorq que se mostrava ainda muito arreigada aos hábitos religiosos e à influênciadalgreja.2e Todavia, paraRui
Ramos, entre outros, o anticlericalismo afonsino, que culminou com aLei
de Separação do Estado e dasIgrejas, decorreu,
em
grandepÍrÍte,
deuma
estratégiapolítica
paraobter
o
apoio não
só
do proletariadourbano como
tambémda
burguesialiberal.
Contudo,a
questãoreligiosa
é
um aspecto de um tema mais vasto, que não é nossa intenção aprofundar neste trabalho.Na
verdade,com
esta dissertação pretendemos procuraÍ entendero
sentidoe
o
alcance das interpretações que a figura de Afonso Costa suscitou ao longo do tempo desde os alvores da26
cf. MATos, t999:425
"
Cf. FERREIRA, António Matos, in AZEVEDO,2000:81-82. 2tcf. NETo, 1987:678 2e
Sublinhe-se, no entanto, que a laicizaçáo operada na vida civil, mercê de uma redução significativa do papel da
Igreja Católica e do novo quadro institucional da família, com a outorga de importantes direitos à Mulher, abriu
I
A imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
[ntrodução: lfonso CostaRepública até
à
actualidade.Uma
imagem decerto controversa e passível de inúmeras leituras uma vez que encamou os anseios de uns e os receios deoufos.
Assim, para percebennos de que modo se construiu, destruiu e reconstruiu a imagem deAfonso
Costafoi
necessário proceder auma
análise sistemáticae
minuciosa das inúmerasfontes
existentes,pois,
o
autor em
esfudo suscitou umariqússima
produção ideológico-política. Apesar de não noster sido
possível ler todos os textos porventura escritos sobreAfonso
Costa, procurámos, ainda assim,ler
o
maior número possível de forma a podermos detectar os vários níveis de interpretação e perceber o seuprocesso evolutivo através da comparação. Para isso, e porque se
tata
de uma dissertação muitoligada
à
construçãoda memóri4
uma
vez
que as
imagens construídasem
cadatempo
sãocrivadas pelo olhar desse mesmo tempo, olhar esse que é orientado sempre por matrizes
político--ideológicas com o
fim último
de
o
perpetuar,importa
questionarse
não haverá uma memória--tipo para cada período histórico.Ao
longo deste trabalho esboçam-se essas memórias-tipo para se tentar perceber como seconstruiu
e
difundiu
a
imagem de Afonso
Costaem
cada períodohistórico.
Por outro
lado, pretende-se problematizar o porquê do esquecimento de que Afonso Costa é alvo nos tempos queco11em. Com efeito, se tivéssemos realizado um inquérito sobre quem
foi
Afonso Costa, a maior parte dosinquiridos não
saberia responder. Prova dissoé
que sempre que amigos, colegas detrúalho,
familiares e conhecidos nos perguntavam qual era o tema da nossa tese e respondíamos, de forma breve, o'Afonso Costa", perguntavam-nos de imediato: ooQuem é ele?" Saliente-se que neste gniverso de pessoas que ignoravam por completo a figura do importante estadista estavam inúmeros licenciados, cujafaixa
etaria sedelimita
entre osvinte
e poucos anos e os quarenta etal.
Curiosamente,era
de
entreos
de
faixa
etÁrtamais
elevadaque se
arriscavam,a
medo, respostas como: 'oFoi umpolítico
da lu República, nãofoi?"
Serviuo
nosso estudo, no mínimo, para alargar ocoúecimento
destepolítico
imerecidamente esquecido.Sabemos que
um
dos grandes problemas damemóriq
e outrossim daprópria históriq
consisteno
facto de estar sujeita a todoo
tipo
de manipulações.De
facto, não existe memória sem esquecimento e a forma como as sociedades têm construído e reconstruído as suas memóriasreflecte
dinâmicasculturais,
clivagense
lutas
pelo
domínio do poder simbólico,
segundo oconceito de Bourdieu.3o Naturalmente que as memórias não são neutras nem inócuas do ponto de
vista
político
e ideológico. Por isso, é de extrema importância analisaÍ não só o quefoi
dito sobreAfonso
Costa como tambémaquilo
quefoi
silenciado, uma vez que em história ü[o importantesão as vozes das fontes como o seu silêncio. Mas, para além das vozes e dos silêncios, existem os
contextos em que essas vozes e esses silêncios operam
já
sem falar em quem produz essas vozesA imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: lfonso Costae esses silêncios e com que objectivo o faz. Ora, em muitas das fontes analisadas, sobretudo nos periódicos O,lMundo e O Século se alude ao som dos hinos cantados e dos foguetes lançados; à
luz
dos
foguetese dos lustes;
à
cor
dos
balõesveneáanos,
dasflores
e
dos tecidos
que engalanavam as salas onde Afonso Costa ia discursar. Tudo isto constitui uma espécie deliturgia
cívica
que aojustificar
a
grandezado
momento, perpetua-o. Estafoi,
semdúvida, uma
dasformas utilizadas não só para engrandecer a imagem de
Afonso
Costa como para construir a suÍI memória.De acordo com Maria
IsúelJoão,
aliturgia
cívica, na sua expressãofestiv4
herdou uma partesignificativa
da tradição mais geral doritual
da festa doAntigo
Regime em queo
som, ahtz
e
a
cor
continuavama
ser elementos fundamentais da festa.3lR"fira-se
igualmente que a dimensão socialdo convívio
e dapartilha
de bens é outro elemento fundamental da festa. Por isso, encontramos nas várias referênciasa Afonso
Costatodo um
conjunto deiniciativas
que cgmprem esses objectivos: banquetes, recepções, bodos aos pobres e distribuições de esmolas.32Outrossim alucizaçáo
dos feriados nacionais33, oo plano das comemorações regulares,foi
alvo de uma atenção especial por parte dos republicanos.Por seu tuÍno, uma das cerimónias que se destacam no conjunto dos ritos comemorativos, pela persistência e importáncia que geralmente assume nos programas, é a sessão solene.
Trata--se de uma reunião
ou
encontro onde estão presentes os elementos do poder e as forças sociais mais representativas para" solenemente e em nome de todaa
comunidade, recordaro
passado, enaltecê-lo e contribuir para a sua divulgação. Os cenários sublinhavam o sentido da homenagem eo
carácter festivo dacerimóni4
nomeadamente através das flores, dos painéis pintados ou dos bustos dos homenageados descerrados em palco.A
palawa era, sem dúvida"o
elemento chave destetipo
de
cerimoniais.O
mesmo acontece nas conferênciase
congressosqfie,
geralmente, fazramparte dos programas das comemorações. Em regra, a conferência tinha objectivos quer dedivutgação quer pedagógicos. O público
privilegiado
eram os alunos das escolas e os sócios das31 por isso, as alvoradas rompiam com salvas de artilharia e os momentos altos das celebrações eram assinalados
com repiques de sinos ou disiaros das armas. Os foguetes soltos ou em girândolas atroavam os ares e a música das
bandas civis ou militares an-imava as ruas. os hinôs entoados em conjunto sublinhavam o sentido político das celebrações. A luz brilhava nas variadas iluminações que, como nos araiais populares, tinham um lugar importante
no
programa festivo. Lanternas, balões venezianos, fogachos, vidros de cores, lustres, conjugavam-se, nas celeürafOes mais bem sucedidas, para encher de alegria as noites dos cidadãos. Numa época em que a luz artificialera um bem escasso e precioso, as iluminações festivas rompiam as trevas esconjurando o negrume, o mal e as forças tenebrosas. Cf. JoÃO, 1999:39, vol. I
32
ôs
bodos aos pobres eram um prática comum em períodos festivos, justificada pelas graves carências daspopulações e o elàvado número de indigentes. Consistia, geralmente, na distribuição de alimentos básicos e de
.""p*,
o que era feito pelas Câmaras, pãr associaçõeg organismos de solidariedade social e grupos de cidadãos como formâ de se associarem às comemorações. Cf. JOÃO, 1999:401402, vol. I33
Deste modo,
o
decreto de 13 de Outubro de 1910 manteve os feriados religiosos, mas atribuiu-lhes outra conotação: oI
de Janeiro simbolizava a relação do indivíduo com a humanidade, dentro do espírito da fraternidadeA imagem anticlerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: lfonso Costamúltiplas
associagõese
organismoscom intuitos
educativose
culturais. Ora, todos
esteselementos referidos
por Maria
Isúel
João estilo bem presentesrus
fontes por nós analisadas, oque confirma a tese de que existe toda uma intencionalidade republicana na construção de uma imagem apologética de Afonso Costa, durante a lu
Repúblic4
de modo a que esta assim perdure pelo tempo fora.Mas se
apalawaé
o veículo essencial da comemoraçio, a escrita semprefoi,
e continua aser, a forma privitegiada das sociedades perpetuarem a memória. Daí que as publicações e todo o
género de inscrições ocupem
um
lugar destacadono
conjunto das práticas comemorativas. Daí tambémque
seteúa
tido
o
cuidadode
analisartão
pormenorizadamenteas fontes
escritas tentando-se percebero que
dizem eo
que querem dizer. Porouto
lado, as inscrições são uma forma ancestral de comemorar um acontecimento. Não é, pois, em vão que se descerram lápidesou
se glavam nomes dos homenageados na toponímia urbana. Hoje,no
entanto, com excepção de uma ruaDr.
Afonso Costa em Seia e outra emLisboq
pouco resta do 6eu nome na toponímia nacional.Igualmente os cortejos cívicos abundam nas notícias relativas a Afonso Costa durante a lu República.
A
'procissãocívica'
recorda a ligação desterito
com a procissãoreligios4
na qual acomunidade dos crentes exibe a sua fé. Ora, o cortejo era, antes de mais, uma forma da sociedade da época se rever
e
celebrara si
própria.3aAssim
se explicam os inúmeros cortejosfeitos
em honra deAfonso Costq muitos
deles anunciados na imprensa deforma a
ganhara
adesão do maior número possível de pessoas. Mesmo quando o estadista se deslocava de comboio, dezenasi
de apoiantes esperavam-no em cada estação só para lhe prestarem homenagem.\
E-
sum4 na
construçãoda imagem
deAfonso
Costa, quetem
em
si implícita
umaI
intencionalidade dememóri4
há queter
em conta um sem número de elementos que ainda que nos pareçam pouco relevantes deper st
fazemparte de um todo maior impregnado de uminfuito
político-ideológico. Por outras palawas, o estudo da imagem de Afonso Costa ao longo do tempo permite-nos perceber, simultaneamente, os mecanismos que estão na base da construção da suamemóriq
os quais se encontram intimamente ligados a concepçõespolítico-ideológicas,urflaYez
que não existem memórias neutras ou inócuas. Com efeito, se a memória é instância construtorae
solidificadora
de identidades,a
sua expressão colectiva também actuacomo
instrumento eobjecto de poder(es), quer mediante
a
selecçãodo
que se recordaquer do
que, consciente ou inconscientemente, se silencia. E, quanto maior é a sua expressão social, mais se colTe o risco deo
esquecido ser a consequência lógica da ooinvenção" ou "fabricação" de memória(s). Nas suasA imagem anúclerical no discurso retórico de Afonso Costa: mito ou
verdade?
Introdução: Afonso Costadimensões 'bolectivas, sobrefudo
quando
funciona
como
metamemória,
a
maÍgem
de manipulação e de uso político-ideológico aumenta.35Or2- ahistoriografia também funciona como fonte produtora e legitimadora de memórias. De acordo com Catroga, o esquecimento histórico é um processo, pelo que o
olhar
do historiador só não se enredará na sedução consensualizadora da memória colectiva ehistórica,
se a souber confrontar com perguntas como estas: quem é que quer que se recordeo
quê?E por
quê? Que versãodo
passadose regista
e
se
preserva?O
que
é
que
ficou
esquecido?Na
verdade, ahistoriografia, com as suas escolhas, valorizações e esquecimentos, também gera a oofabricação" de memórias,
pois contribui,
atravésdo
seu
carrznanativo e
da sua cumplicidade, directa ouindirecta,
com
o
do
sistema educativo,paÍa
o
apagamentoou
secundarizaçáode
memórias anteriores bemcomo
paÍaarefundação, socialização e interioy'rzaçáode novas memórias.36No
domínio dahistoriograÍia
a um período marcado, sob oinfluxo
da escola dos Annales e do marxismo,pela pimaztaconcedida
às estrufuras económicas e sociais e as condicionantesdo
.material',
parece retomar-se,no
contexto
da
chamadaNova História"
o
interesse pelo singular e oindividual,
nomeadamente pela história biográfica e as chamadas histórias de vida.3?Assim, na confluência da
História
das Ideias e das Mentalidades, tem-se verificado nos ultimos anosuma
renovada atençãopela história da História. Neste
sentido, debruçámo-nos sobre a imagem deAfonso
Costa num estudo diacrónico quevai
desdea
lu República até ao momento presente,com
o
objectivo de
confrontar as várias representações destepolítico
construídas ao longo do tempo.A
abordagem de um período relativamente longo, cerca de cem anos,justifica--se
uma vez que só
numa
perspectiva macro-temporal poderemoscaptar
as
variantes
dos discursos sobre si elaborados.A título
de exemplo, refira-se que enquanto vários autores omitemos
aspectosmais
negativosde
Afonso
Costa, outros evocÍLm-nosde forma
a
construir
uma imagem negativa da sua Íigura.Compreende-se a adoração que os republicanos tinham por
Afonso
Costa.Na
esteira depombal,
considerado pelos republicanoscomo uma
grandefigura da
nossapolítica
visto
que expulsara os jesuítas,tidos
comoum
dos maiores obstaculos à regeneraçãoe
ao progresso do país,Afonso
Costa surge aos olhos dos republicanos comoo
maior estadista que PoÚugal teve em toda a sua história.Tal
como Pombal, que passoudo mito
do maior estadista português, do «génio superior» que modemizouPortugal,parauma
nova imagem mítica-
espécie de negativo daquela outra variante-
em que se transforma, durante os anos 30,num
autocrata intolerante e'5 cf. cATRoGA,2ool:49 '6 cf. CATRoGA, 2ool: 5o-57