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O outro imaginado: concepções ressentidas sobre campo e cidade

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o

Outro Imaginado:

Concep~oes

Ressentidas

Sobre Campo e Cidade

Marcia Pereira dos Santos

1

Resumo: Abstract:

o

artigo discute as concep<;,oes de The article discuss the conceptions campo e cidade elaboradas por ho­ of country and city elaboreated by mens e mulheres que ainda tern 0 men and womem that still have the campo como espa<;,o de vida. Tais country as a space of life. These concep<;,oes sao analisadas

a

luz das conceptions are analysed in light of discussoes sobre a rela<;,ao: historia, the discussions about the relation memoria e ressentimento, apontan­ history, memory and resentment, do para a questiio das identidades dos and also, pointing to the question of sujeitos em destaque. the identities that was brought in

prominence.

Imaginar 0 outro implica, necessariamente colocar-se no lugar dele. Imaginar 0 outro impoe aceitar seu universo, conhecer suas tramas, experimentar seus cheiros, suas cores, ouvir seus sons, vigiar suas condutas, analisar suas decisoes. Imaginar 0 outro significa tomar-Ihe 0

lugar e avaliar, sentir, representar 0 que esse universo permite aos seus. Imaginar 0 campo ou a cidade, configura<;oes historicamente

construidas dentro de urn imaginano de oposi<;ao, impoe imaginar como os seus se sentem em rela<;ao aos outros. E assim tentamos imaginar urn campo e uma cidade saidos das falas daqueles que estao no campo. Nao daqueles que estao na cidade, cujas vozes se perdem no burburinho cotidiano da urbs, no farfalhar de ruas e avenidas pontuadas de vida, mas sim daqueles cujas vozes se elevam junto com uma chuva rompante que clareia a noite, como se fosse luz de neom, mas que impoe apenas urn brilho difuso de relampago.

1 Professora do Curso de Hist6ria, Campus Avam,ado de CataHio da UFO, desde 1998. Mestre em Hist6ria Social pela UFU, defendeu em 2001 a dissertac;ao de mestrado: 0 Campo (Re) Inventado: transformat;oes da cullura popular rural no

sudeste Goiano (1950-1990).

OPSIS • Revista do

Imaginar campo e cidade passou Inglaterra industrializada (Williams, 198( truir ideais e imagens do que se desconh cern campos pacific os, bucolic os, cheios nua. Nascem cidades de cores brilhante: e produtiva. Ou nascem campos arredio dos e indolentes; nascem cidades maligl descontrole. Imagens caras a quem sabe atraves de imagens, nunca atraves dele n sas imagens criadas sobre campo e cida von tades nao expressas de desvendar 0 s' do que se desconhece.

Enos processos de recorda<;ao, vemos emergir cidades e campos imagiill des vivid as, esses campos e essas cidade~

e dos outros. De todos.

Pesquisamos 0 campo. 0 camp. do pela luta diana imposta pela terra e p. exige dedica<;ao total (Santos, 2001). De mas esse campo sente-se roubado, sente­ se estivesse sendo sugada sua seiva, torr que perde a fibra, que perde 0 verde.

or

culpado, nao se ve 0 inimigo. Ve-se apel que nao devolve 0 que the foi dedicadl 1997). 0 homem que esta no campo Goi mas a noite que chega trazendo-Ihe a de de ter em algum ponto do caminho perd (Naxara, 1992). E preciso compreender se?

Encontramos entao 0 outro. Nl do outro e 0 eu que se evidencia, que se homens e mulheres que tentam explica: tanto a imagem do outro como referenl que

e

ressentimento, tal como nos ajud dor prolongada, porque sentida como IT

te e cans ado (Ansart, 2001: 20-1). Ao mostrar-nos quem

e

0 hOl campo, 0 caipira se 0 quisermos (Cane

(2)

_llnaClo: Concep<;oes Ressentidas

Campo e Cidade

Marcia Pereira dos Santos

1

Abstract:

'The arnc'le discuss the concepnons of country and city elaboreated by men and womem that still have the country as a space of life. These conceptions are analysed in light of the discussions about the relation history, memory and resentment, and also, pointing to the question of the identities that was brought in prominence.

implica, necessariamente colocar-se no lugar impoe aceitar seu universo, conhecer suas tramas, suas cores, ouvir seus sons, vlg1ar suas decisOes. Imaginar 0 outro significa tomar-Ihe 0 teT)re:sellltat 0 que esse universo permite aos seus.

ou a cidade, configura<;oes historicamente imaginirio de oposi<;ao, impoe imaginar como rela<;ao aos outros. E assim tentamos imaginar saidos das falas daqueles que estao no campo. na cidade, cujas vozes se perdem no burburinho farfalhar de ruas e avenidas pontuadas de vida, vozes se elevam junto com uma chuva rompante se fosse luz de neom, mas que impoe apenas

Hist6ria, Campus Avam;ado de Catalao da UFo. desde

Social pela UR], defendeu em 2001 a dissertaltao de

Inventado: transformat;oes da cultura popular rural no

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

Imaginar campo e cidade passou, no mundo ocidental desde a Inglaterra industrializada (Williams, 1989), a ser urn processo de cons­ truir ideais e imagens do que se desconhece e apenas se imagina. Nas­ cern campos padficos, bucolicos, cheios de uma gra<;a inocente e inge­ nua. N ascem cidades de cores brilhantes em sua diniimica barulhenta e produtiva. Ou nascem campos arredios, atrasados, de jecas barrigu­ dos e indolentes; nascem cidades malignas, territorios da disputa, do descontrole. Imagens caras a quem sabe que 0 outro existe, mas 0 ve atraves de imagens, nunca atraves dele mesmo. Mas ate que ponto es­ sas imagens criadas sobre campo e cidade nao sao, tambem desejos, vontades nao express as de desvendar 0 segredo do que nao se domina, do que se desconhece.

Enos processos de recorda<;ao, nos tramites da memoria que vemos emergir cidades e campos imaginados. Como se fossem realida­ des vividas, esses campos e essas cidades, van apoderando-se dos seus e dos outros. De todos.

Pesquisamos 0 campo. 0 campo goiano, urn universo marca­ do pela luta diaria imposta pela terra e por urn sistema economico que exige dedica<;ao total (Santos, 2001). De sol a solo campo sobrevive, mas esse campo sente-se roubado, sente-se perdendo as for<;as, e como se estivesse sendo sugada sua seiva, tornando-se, assim, arvore morta que perde a fibra, que perde 0 verde. Olha-se em volta e nao se ve urn

culpa do, nao se ve 0 inimigo. Ve-se apenas 0 trabalho arduo e ingrato

que nao devolve 0 que the foi dedicado (Woortmam & Woortman1,

1997).0 homem que esta no campo Goiano nao sente 0 dia que nasce,

mas a noite que chega trazendo-Ihe a dor de nao ter mais identidade, de ter em algum ponto do caminho perdido a sua referenda de mundo (Naxara, 1992). E preciso compreender-se, mas como compreender­ se?

Encontramos entao 0 outro. Num processo de trocas ao falar do outro

e

0 eu que se evidencia, que se expressa. Assim, encontramos

homens e mulheres que tentam explicar-se a 5i mesmos, usando para tanto a imagem do outro como referenda. Vma referenda que e dor, que e ressentimento, tal como nos ajuda a pensar Pierre Ansart, uma dor prolongada, porque sentida como morte lenta, que deixa impoten­ te e cansado (Ansan, 2001: 20-1).

Ao mostrar-nos quem

e

0 homem da cidade, 0 homem do

(3)

retrato:

uai, 56 0 home na cidade eforgado. 0 imprego cume~a

nove hora, dispois cinco hora pode vortd pra casa. Num capin6, num prant6 intao ta

e

mais injuado do que cansado. Nois aqui nao, quando chega a tardinha ta pregado

A imagem construida por seu Joaquim Pereira, um homem de mais de 70 anos, roceiro como define a si mesmo, e aquela mediada

pelD trabalho. Referencia fundamental da vida do homem do campo,

0

trabalho define 0 sujeito, sua moral, suas virtudes. A facilidade do tra­

balho urbano, expressada na fala de seu Joaquim, cria a oposic;:ao fun­ damental entre ele e 0 outro. Enquanto ele levanta-se antes do sol,

movido pelo mugir do gado, pela cultura do leite, 0 seu outro dorme

tranqiiilo esperando a aurora para dispor-se ao trabalho. Quando, para seu Joaquim ja esta chegando a hora de almoc;:ar, nove horas e marco da vida no campo, para seu par urbano 0 trabalho esta apenas comec;:ando,

mas vejam, 0 trabalho desse "urbanoide" nao cans a, enjoa, e tedio,

porque desligado do natural, porque nao se liga ao que

e

vida: a nature­ za. A imagem

e

dura: 0 urbano e 0 espac;:o do nao trabalho e 0 nao

trabalho para 0 homem que esta no campo

e,

diria Antonio Candido,

condicionante a marginalidade, a estar fora da ordem. 0 que seu Joa­ quim cobra de seu par urbano

e

estar ativo para a vida. A noite chega e estar "pregado", significa estar extenuado porque passou se 0 dia todo

na lida com a terra, com os animais, com os neg6cios que regulam 0

cuidado com II terra.

o

homem urbano perdeu a terra. Nao tem contato com ela, nao sofre por ela. Sua vida tediosa embaralhada por questoes que "en­ joam", nao responde ao que importa: ao plantar e colher. 0 hornern da cidade nao sabe trabalhar, porque nao sabe que trabalho significa pro­ duzir fruto, produzir tuia cheia!

Eu nao gosto da cidade. Aqui tem mais coisa que na cidade. Aqui oce ve passarim caned. Tudo aqui e mi6 que na cidade, tudo. Eu num gosto de barui atrapaiano eu durmi direito, urrano. 0 povo na cidade dormi

e

de madrugada. Aqui eu durmo cedo, agora eu vo durmi mai5 cedo. La na cidade vira uma confusao, luis dimais.

OPSIS - Revista do Nie,

A gente acustuma cum a levantd. Neim! Ate a agU4

Barulho, confusao. Silencio, desencontrados. 0 tempo do campo e 0 tel

res, sao unicos, opostos (Williams, 1989). S gem desse mundo incompreensivel, il6gico. , verso comum, mas que se exc1uem. E se eXI Tudo

e

melhot no campo, tudo e mais suavi Falamos de tempos? Nao, certamente, falat dades. De sujeitos buscando explicar-se no

E

pteciso que entendam 0 outro, 0 outro q\J

se a si mesmo. Se a agua, substancia divina, fertiliza, que faz brotar a vida

e

ruim, quem assim? S6 aquele difetente de mim, que setembrina que vem abafar 0 seco invemo (

florescer os Ipes, que renova a mae terra, pI lmposslve

. ' Iacostumar-se com 0 " povo " qU(

hora de levantar! Tempos diferentes? Sim, t

marcos diversos: 0 trabalho, os animais, a tel

que escuta passaros se tessente. A cidade

e

vel, nao tem nada, porque petdeu 0 essench

jado pot maquinas espanta 0 sono de quem

da natureza. A cidade entao e artificial, inv Deus. A cidade iluminada ...pelo anjo da luz Imagem cruel. Dolorosa, ressentic mem a sua identidade. Setia esse 0 inimigo

Ah! Eu acho aqui muito

nao vou mora

tao

As

vei5

Cataliio, a gente assim, 51 Agora 5e

ace

quise passia planta, num tem um mat mexe cum essas coisa, 1m

num tem isso, ne? Lava intfio e isso. Agora 0 que

mais eu num gosto nen ninhum.

(4)

home rid

cidade

e

/org.uio. 0 imprego cllmet""

dispois cinco hora pode vorta pra casa. N um num pranto intJo ta e mais injuado do que Nois aqui nao, quando chega a tardinha ta

por seu Joaquim Pereira, urn homem de como define a 8i mesmo,

e

aquela mediada fundamental da vida do homem do campo, 0

sua moral, suas virtudes. A facilidade do tra­ na fala de seu Joaquim, cria a oposi<;ao fun­ Enquanto ele levanta-se antes do sol, pela cultura do leite, 0 seu outro dorme

para dispor-se ao trabalh(). Quando, para a hora de almo<;ar, nove horas

e

marco da urbano 0 trabalho esta apenas come<;ando, "urbanoide" nao cansa, enjoa,

e

tedio, porque nao se liga ao que

e

vida: a nature­ urbano

e

0 espa<;o do nao trabalho e 0 nao

esta no campo

e,

diria Antonio Candido, a estat fora da ordem. 0 que seu Joa­

e

estar arivo pata a vida. A noite chega e estat extenuado porgue pas sou se 0 dia todo

os animais, com os negocios que regulam 0

perdeu a terra. Nao tern contato com eIa, tediosa embaralhada por questoes que "en­

importa: ao plantar e colher. 0 homem da porgue nao sabe que trabalho significa pro­ cheia!

gosto da adade. Aqui tem mais coisa que ria

Aqui oce

ve

passarim cantd. Tudo aqui e mio

Pf'J I,UU<KK, tudo. Eu num gosto de barui atrapaiano direito, urrano. 0 povo na cidade dormi

e

de

Aqui eu durmo cedo, agora eu va durmi

Una cidadevira uma confusao, luis dimais.

OPSIS - Reuista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

A gente acustuma cum aquele horario de durmi e de levantd. Neim! Ate a agua e mais ruim!. »

Barulho, eonfusao. Silencio, tranqiiilidade. Tempos desencontrados. 0 tempo do campo e 0 tempo da ddade nao Sao pa­ res, sao unicos, opostos (Williams, 1989). Seu Agenor constroi a ima­ gem desse mundo ineompreensivel, ilogieo. Mundos diversos num uni­ verso comum, mas que se excluem. E se excluem em termos de valor. Tudo

e

melhor no campo, tudo e mais suave, mais lento, mais normal. Falamos de tempos? Nao, certamente, falamos de homens, de identi­ dades. De sujeitos buseando explicar-se no intuito de convencimento.

E

preciso que entendam 0 outro, 0 outro que se ve, para que entenda­

se a si mesmo. Se a agua, substancia divina, regida por deus, ehuva que fertiliza, que faz brotar a vida

e

ruim, quem con segue viver num lugar assim? So aquele diferente de mim, que nao chora com a chuva setembrina que vern abafar 0 seeD inverno do eerrado, que vern deixar florescer os Ipes, que renova a mae terra, preenchendo-a com seiva.

E

impossivel aeostumar-se com 0 "povo" que dorme de madrugada, na

hora de levantar! Tempos diferentes? Sim, temporalidades regidas por marcos diversos: 0 trabalho, os animais, a terra, a agua; 0 campo natural que esc uta passaros se ressente. A cidade

e

barulhenta ineompreensi­ vel, nao tern nada, porque perdeu 0 essenciaL 0 barulho artificial, for­

jado por maquinas espanta 0 sono de quem so ouve 0 ronronar macio da natureza. A cidade entao

e

artificial, inven<;ao oposta ao reino de Deus. A cidade iluminada ...pelo anjo da luz, Lucifer!

Imagem cruel. Dolorosa, ressentida. A cidade rouba do ho­ mem a sua identidade. Seria esse 0 inimigo a combater?

Ah! Eu acho aqui muito mia. Eu num posso fold que nao vou mora ld. As veis tem que mora. Sabe, porque Cataliio, a gente assim, si bem dize, so tem a casa, ne? Agora se oce quise passU num tem quintal, num tem planta, num tem um mato. Purque eu so acustumada a mexe cum essas coisa, mexe cum porco, cum vaca. La

num tem isso, ne? Lava goma, lamparina num tem, intJo

e

isso. Agora 0 que eu vo foze ld? Eu sei custura,

mais eu num gosto nem de olba maquina, de jeito ninbum.

(5)

o

inimigo esta ai,

e

preciso resignar-se a ele. Se ele veneer e preciso sucumbir. Mas a dor permanecera como marca do nao traba­ lho (Santos, 1997). Na cidade nao existe 0 trabalho do homem da ro<;:a com "vaca e porco", exlste trabalho com maquinas. Despidas de calor as maquinas nao sao born trabalho, calejam maos, mas nao recebem urn afago como 0 pequeno bezerro ou 0 do sem ralia que segue 0 dono pelos campo;>, pelos pastos, procurando nada, apenas acompa­ nhar seu companheiro das "vastas solidoes". Nao existe espalio, nao tern planta, na cidade nao tern ceu.

t

bunito ve aquele tantao de luz briano, aqui na rora

e

so dois poste. Mais nois ve a formosura cia lua eas istrela.

Na cidade a energia eletrica roubou 0 brilho da lua, das estre­ las, dos pequenos vaga-Iumes que plscam luz, 0 mato na beira das estradinhas, dos caminhos que levam uma casa a outra, nao urn muro cercando uma casa, mas mato, mais terra, mais animais, caminhos dos que se entendem e se reconhecem. A cidade

e

irreconhecivel, nao evi­ dencia meu eu, nao me satisfaz. 0 homem do campo busca,

a

seme­ lhanya de Narciso, apaixonar-se por si.

Paixao que permitiri que se fique onde esta, que se 'viva a vida que se quer, que se siga os caminhos pelos quais se cresceu, caminhos que viram homens e mulheres vivendo e lutando. Trabalho e terra: faces do homem da roya, do roceiro, do caipira, de urn sujeito que sente a incerteza de nao mais saber quem e, apenas quem fol (Candido, 1998). Todas as imagens construidas sobre a cidade pelos sujeitos al­ canliados por nossa pesquisa veem carregadas de sentimentos. Senti­ mentos ressentidos, perdidos em uma dor de perder-se, de nao se re­ conhecer no outro e de nao se reconhecer em seus pares. A cidade venceu, com seu barulho, com suas luzes ela roubou do homem do campo 0 seu sonho: de que sua vida era a melhor do mundo. Nesse caso:

A questtio essencial colocacia, as vezes de dificil respos­ ta,

e

a necessiciade de compreender e explicar como 0 ressentimento manifesta-se, a quais comportamentos serve de fonte e que atitudes aspira, consciente ou in­ consciente. Sem duvicia, localiza-se aqui um ponto es­ sencial e particularmente significativo. (Ansart, 2001: 21).

OPSIS - Revista do Niese

Dai nossa incursao por essas falas d( trever que 0 seu e urn espalio vulnecivel, qu nao e mais 0 unico trabalho possivel, deixOl desses homens e mulheres criarem seus filhos te, as porteiras. Mas as porteiras abertas nao deixam entrar tambem. Deixam que a luz ar que a necessidade do banco, que 0 remedic entrem nesse mundo e 0 seduza, com suas flo

suas oportunidades imperdiveis a cidade entJ esteve fora, mas agora entra dominadora, col

A cidade mata 0 campo.

E 0 campo esta ressentido. Sua logic gulho esfacelado. Ele precisa da cidade. A len gos

e

marca do medo de perder tudo, de perd dade. Lembrar-se do antes, faz esquecer-se d hoje e apenas 0 resultado da aliao nefasta do uma forliada rememoraliao esse processo cria so materialmente, mas absorvido afetivamen1

Ocampo esta ressentido.

Considera~oes de uma d Nossa perspectiva de pensar as image po produz tenta marcar uma tmjetotia que v em nossa pesquisa de mestrado concluida a un

Buscamos compreender 0 processo sou 0 sudeste goiano no periodo de 1950/ mudanlias na cultura dos hom ens e mulhere! espalio de vida. Atentamo-nos para uma nece mes e valores que nao impediu permanenciru ficados. Pelo contrario as mudanlias se faze que esta diferente: pelo mutitao controlado nao mais pelos mutiroes organizados segund pebs festas de santo nao mais sentidas come gioso mas de festejo profano; pelas rezas qu medico esta mais proximo e nao se gasta mai

gada para se alcanliar a cidade, 0 carro e 0 a pela callia jeans que nao implica em nada rna

(6)

, e

preciso resignar-se a eIe. Se ele veneer

e

dor permaneeera como marca do nao traba­

de nao existe 0 trabalho do homem da roc,:a

te trabalho com maquinas. Despidas de calor trabalho, calejam maos, mas nao recebem a bezerro ou 0 do sem rac,:a que segue 0

s pastas, procurando nada, apenas acompa­ s "vastas solidoes". Nao existe espac,:o, nao

'to

ve

aquele tantiio de luz briana, aqui na ro~a

e

. poste. Mais nois '1.le aformosura da lua eas istrela.

. eletrica roubou 0 brilho da lua, das estre­

urnes que piscam 1uz, 0 mato na beira das

s que levam uma easa a outra, nao urn muro mato, mais terra, mais animais, caminhos dos nhecem. A cidade

e

irreconheciveI, nao evi­ atisfaz. 0 homem do campo busca,

a

seme­

nar-se por Sl.

·tirique se fique onde esta, que se viva a vida caminhos peIos quais se cresceu, caminhos

eres vivendo e lutando. Traba1ho e terra: do roceiro, do caipira, de urn sujeito que 's saber quem

e,

apenas quem foi (Candido, consttuidas sobre a cidade pe10s sujeitos al­

'sa veem carregadas de sentimentos. Senti­ . os em uma dor de perder-se, de nao se re­

naa

se recanhecer em seus pares. A cidade com suas luzes ela roubou do homem do ue sua vida era a melhor do mundo. Nesse

tao

essencial colocalia,

as

'1.lezes de diftcd respos­

necessidade de compreender e explicar como a

'menta manifesta-se, a quais comportamentos

de

lante e que atitudes aspira, consciente au in­ • te, Sem dU'1.lida, localiza-se aqui um ponto es­ eparticularmente signi/icati'1.lo. (Ansart, 2001:

OPSIS Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

Dai nossa incursao por essas falas do campo que deixam en­ trever que 0 seu

e

urn espac,:o vulneravel, que 0 trabalho com a terra

nao

e

mais 0 unico trabalho possivel, deixou

a

mostra a necessidade

desses homens e mulheres criarem seus filhos abrindo-lhes, literalmen­ te, as porteiras. Mas as porteiras abertas nao apenas deixam sair, eIas deixam entrar tambem. Deixam que a luz artificial, que as maquinas, que a necessidade do banco, que 0 remedio cura mais que a prece,

entrem nesse mundo e 0 seduza, com suas novidades televisivas, com

suas oportunidades imperdiveis a cidade entra pelas porteiras. Nunca esteve fora, mas agora entra dominadora, colonizadora, arrebatadora.

A cidade mata 0 campo.

E 0 campo esta ressentido. Sua logic a foi substituida. Seu or­

gulho esfaceIado. Ele precisa da cidade. A lembranc,:a dos tempos anti­ gos

e

marca do medo de perder tudo, de perder-se. De perder a identi­ dade. Lembrar-se do antes, faz esqueeer-se do hoje, faz pensar que 0

hoje

e

apenas 0 resultado da ac,:ao nefasta do inimigo. Implicando em

urna forc,:ada rememorac,:ao esse processo cria urn novo espac,:o expres­ so materialmente, mas absorvido afetivamente.

Ocampo esti ressentido.

Considera~oes de um.a duvida.

Nossa perspectiva de pensar as irnagens de cidade que 0 cam­

po produz tenta marcar urna trajetoria que visualizamos e discutirnos em nossa pesquisa de mestrado concluida a urn ann atras (Santos, 2001). Buscamos compreender 0 processo de mudanc,:a porque pas­

sou 0 sudeste goiano no periodo de 1950/1990, acompanhando as

mudanc,:as na cultura dos homens e mulheres que tern 0 campo como

espac,:o de vida. Atentamo-nos para uma necessaria mudanc,:a de costu­ mes e valores que nao impediu permanencias ou reinvenc,:oes de signi­ ficados. Pelo contrario as mudanc,:as se fazem sentir justamente peIo que esta diferente: pelo mutirao controlado por associac,:oes rurais e nao mais pelos mutiroes organizados segundo a necessidade irnediata; pelas festas de santo nao mais sentidas como momento de fervor reli­ gioso mas de festejo profano; pelas rezas que nao mais curam, pois 0

medico esta mais proximo e nao se gasta mais urn dia inteiro de caval­ gada para se alcanc,:ar a cidade, 0 carro e 0 asfalto aproxirnaram tudo; pela calc,:a jeans que nao irnplica em nada mais que a escolha do tama­

(7)

nho certo pois nao imp6e a cultura do algodao, a escolha das cores, 0 doloroso trabalho da tecedeira. Um mundo todo diferente que se erigiu sem destruir totalmente 0 que era antes, mas que tambem nao se recu­ sou ao novo e com ele trocando escolhas foi se fazendo tambem. 0 campo diferente ve, tambem, uma cidade diferente que oferece escolas, que oferece oportunidades, para quem e jovem, para quem nao tem a terra como sinonirno de si, para aqueles cuja identidade esta a salvo. 0 momenta de perigo faz recorrer-se ao passado, (re) atualizando a teirna em resguarda-se sob uma identidade, sob uma significat;ao.

Influenciadas pelas discussoes sobre memoria que tenho em­ preendido venho procurando me envolver com os sentidos e com as paixoes de tantos relatos que pude coletar visitando fazendas circundantes ao nudeo urbano do municipio de Catalao. Nessa busca foi inevitavel defrontar-me com a questao das identidades e da busca por decifra-Ias e mante-Ias por homens que vivem 0 fun do seculo XX, sem, no entanto sentirem, a tao apregoada modernidade que atinge 0 mundo como um todo.

Essas vozes do presente que contaram dores, que fizeram es­ colhas, que abriram seus tesouros, hoje, (re) observadas, clam am por uma nova expressividade. Seu grito nao foi alto 0 bastante? Estao pre­ sas entre folhas e um titulo?

Entendendo 0 processo de recordat;ao como um processo de atualizar 0 passado (Seixas, 2001: 50-3), e posslvel visualizar em tais vozes uma dirnensao afetiva marcada por uma perda. E 0 que pude notar, 0 norte que dei para 0 inkio do texto 0 expressa, e que e preciso investigar mais 0 que essas vozes do presente deixam explicito: a ima­ gem negativa de cidade que pude observar e que, como apontado ante­ riormente, fala mais do campo que da cidade, permitem ver um ressen­ timento que acredito, estou forjando urna hipotese de pesquisa nesse momento, estar ligado a um processo de (des-re) construt;ao de iden­ tidade porque passou 0 campo brasileiro na segunda metade do seculo XX. A novidade esta no fa to de pensar como esses homens e mulheres reconstroem suas identidades justamente no momento de perigo que as mesmas pass am e, entao, essa identidade pontua-se peIo que ela deveria ser: 0 campo idealizado! Nao 0 campo do cotidiano, 0 campo trivial do dia-a-dia, mas 0 "bom campo", historicamente construido por urn irnaginario apregoador da oposit;ao campo e cidade. Nao

e

novidade a forma de vcr a cidade que os sujeitos que vivem no campo

=

OPSIS Revista do Nies

possuem, apresentando a cidade lugar ruim. pensar esse processo como urn gesto de defe se escoa. E e um processo sentido de forma £ e impotente frente a ele e, aqui estaria, se ac( Pierre Ansart, sobre as possibilidades da histc estariamos nos, investigando esse processo 1 de uma "hostilidade" entre campo e cidade ( apontaria para a questao da identidade que mesmo se construir, haja vista a dificuldade, mica, em se falar de uma identidade para 0 iS80 considerando que:

A tarefa do historiador

e

i

quando se propoe a analise. das hostilidades

{..J.

Ao me.

duvida da importaneia a encontre extrema difieuk todas as suas nuanras eC01

A di/iculdade

e

redobrada te de analisar os adios, mas,

10

que precisamente

nao

e

tl

10

que

e

negado eque se em mobil das atitudes, eoncep Situamo·nos aqui nas froT.

mites dos conhecimentos $j mentos nos eonduz, necess. fusas e, em parte incertas. (

Tentamos, assim, contemplar nov~ nos inquietando enos apresentando a relas espat;o inesgotavel de possibilidade de inves Nossa busca confunde-se, tambem com urn

memoria como pluralidade que nos condill mento do passado, mas percebendo que, tar

Lembramos menos para sublinham os autores mo memoria

e

menos um en; agir; impossibilid.ade, por

(8)

a culrura do algodao, a escolha das cores, 0

IXIJt;ll.ll. Urn mundo todo diferente que se erigiu

o que era antes, mas que tambem nao se recu­ trocando escolhas foi se fazendo tambem. 0

uma cidade diferente que oferece escolas, para quem

e

jovem, para quem nao tern a si, para aqueles cuja identidade ~sta a salv~. 0

It(:colrrel:-se ao passado, (re) amalizando a telIDa identidade, sob uma significas;ao.

discussoes sobre memoria que tenho em­ me envolver com os sentidos e com as que pude coletar visitando fazendas urbano do municipio de Catalao. Nessa busca com a questao das identidades e da busca por homens que vivem 0 flID do secul?

xx,

a tao apregoada modernidade que attnge 0

ptesente que contaram dores, que fizeram es­ tesouros, hoje, (re) observadas, clamam por

Seu grito nao foi alto 0 bastante? Estao pre­

.IDt()Ce:sso de recordas;ao como urn processo de 2001: 50-3), e possivel visualizar em tais marcada por urna perda. E 0 que pude o micio do texto 0 expressa,

e

que

e

preciso votes do presente deixam explicito: a ima­

pude observar e que, como apontado ante­ que da cidade, permitem ver urn ressen­ forjando urna hipotese de pesquisa nesse urn processo de (des-re) construs;ao de iden­ campo brasileiro na segunda metade do seculo

fato de pensar como esses homens e mulheres justamente no momento de perigo que essa identidade ponma-se pelo que ela ealizad.o! Nao 0 campo do cotidiano, 0 campo o ''born campo", historicamente construido da oposi~ao campo e cidade. Nao

e

a cidade que os sujeitos que vivem no campo

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

possuem, apresentando a cidade lugar ruim e vice-versa. A novidade

e

pensar esse processo como urn gesto de defesa de uma identidade que se escoa. E e urn processo sentido de forma fatal e, necessariamente, se

e

impotente frente a ele e, aqui estaria, se acompanharmos a leimra de Pierre Ansart, sobre as possibilidades da historia do ressentimento, aqui estariamos nos, investigando esse processo historicamente construido de uma "hostilidade" entre campo e cidade que, no caso em destaque, apontaria para a questao da identidade que se quer preservar, ou ate mesmo se construir, haja vista a dificuldade, geral e nao apenas acade­ mica, em se falar de uma identidade para 0 homem brasileiro. Tudo iS80 considerando que:

A tarefa do historiador

e

infinitamente mais delicada quando se propoe a analisar e compreender a evolufao

das hostilidades (...). Ao mesmo tempo 0 historiador nao duvida da importancia dos odios coletivos, embora encontre extrema dificuldade de compreende.tos em todas as suas nuanfas e contradifoes.

A dificuldade

e

redobrada quando se trata nao somen­ te de analisar os odios, mas compreender e explicar aqui­

10 que precisamente nao

e

dito, nao

e

proclamado; aqui­

10

que

e

negado e que se constitui, entre tanto como um mobil das atitudes, concepfoes e percepfoes sociais. (...} Situamo-nos aqui nas Jronteiras do conhedvel, nos Ii­ mites dos conhecimentos seguros; 0 estudo dos ressenti·

mentos nos conduz, necessariamente, a estas zonas con­ fusas e, em parte incertas.(Ansart, 2001: 29-30).

Tentamos, assim, contemplar novas preocupas;oes que vern nos inquietando enos apresentando a relas;ao campo e cidade como espas;o inesgocivel de possibilidade de investigas;ao para 0 historiador. Nossa busca confunde-se, tam bern com uma tentativa de apreender a memoria como pluralidade que nos conduz, nao apenas ao conheci­ mento do passado, mas percebendo que, tambem:,

Lembramos menos para conhecer do que para agir, sublinham os autores modernos. Nessa perspectiva, a memoria

e

menos um entender 0 passado do que um

(9)

-i

I

moria desinteressada, voltada para 0 conhecimento

puro edescompromissado do passado. (Seixas, 2001:53)

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OPSIS - Revista do Nies

o

Jornal

Como

Lugar de Memori

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Q

Memoria Coletiva e a

ACE

Resumo: Resum

Propomos neste texto aprescntar al­ Nous gumas reflexoes sobre 0 jornal como present lugar de memoria, a partir das ana­ journal lises de autores como Halbwachs e partir

Pierre Nora. comme

Atualmente,

a

ideia de memoria, so de preserva<;ao, conserva<;ao. Nada mais per re<;a com tanta for<;a e seja 0 principio norte diante da instabilidade de uma epoca em que ( se, dissolve-se.

o

seculo XX, com sua rapidez e melbor acabado dessas preocupa<;Oes. Nunca do progresso, nunca foram construidas tant

No entanto, essa preocupa<;ao com var a memoria, implica em uma nova cancel ria. Exemplificando essa questao, encontt3

Minas

de 26/05/1916 a seguinte descri<;ao o dia de ontem rompeu Ii

azul sem nuvens da esphe1 instante de transforma, nublado e triste. A tarde l

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