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A linguagem específica dos laníficios (tecelagem) portueses até inícios do século XX : um estudo na perspectiva da linguística de texto

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MARIA JOANA DE SOUSA PINTO GUIMARÃES DE CASTRO MENDONÇA

A LINGUAGEM ESPECÍFICA DOS LANIFÍCIOS

(TECELAGEM) PORTUGUESES ATÉ INÍCIOS DO SÉCULO

XX

UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA DE TEXTO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM TERMINOLOGIA E TRADUÇÃO FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

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Não esquecendo o inestimável apoio mais ou menos expresso recebido dos meus pais, do meu marido, dos meus irmãos e sobrinhos, quero agradecer ao Prof. Doutor António Franco a preciosa ajuda que se iniciou pela proposta do tema, se continuou pelas sugestões sempre oportunas, pelo conselho tão avisado e pela crítica construtiva permanente e muito contribuiu para a concretização deste trabalho.

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INDICE

0. Introdução 5 1. Fachsprachen, Linguagens de Especialidade 7

1.1. Origem e Definição: na Alemanha e em Portugal 1 1.2. Problemas inerentes à análise de uma Linguagem de Especialidade 12

1.3. Investigação no domínio das Linguagens de Especialidade 16

1.3.1. Na Alemanha 16 1.3.2. Em Portugal 27 1.4. Classificação das Linguagens de Especialidade 30

2. Textos de Especialidade 33 2.1. A perspectiva da Linguística de Texto 33

2.2. Análise de Textos de Especialidade 41

2.2.1. O modelo de Gópferich 43 3. A Linguagem dos Lanifícios em Portugal 46

3.1. Enquadramento Histórico 47 3.2. Divulgação e fixação do saber na área dos Lanifícios 54

3.3. Metodologia e Selecção do Corpus 59

4. Análise de Textos 63 4.1. Análise do Regimento do officio de Tecelães desta cidade de Lixboa de 3 de

Janeiro de 1559 63

4.2. Análise do Regimento da Fabrica dos Pannos de Portugal 68

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4.4. Análise de Lans e Lanifícios 92

5. Conclusão 105 Bibliografia Geral 107 Bibliografia da área têxtil e da área da História 117

Anexo 121

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«Sameei no meu quintal

O brio das tecedeiras; Nasceu-me uma rosa branca, Cercada de lançadeiras.»

In: Revista Lusitana, vol. XXXII, pág. 297

0. Introdução

«Une science ou un art ne commence à être science ou art, que quand les connoissances acquises donnent lieu de lui faire une langue». - Foi corn estas palavras que Pierre Tarin, médico responsável pela secção de Anatomia da

Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers,

organizada e publicada por Diderot e d'Alembert comentou a relação entre conhecimento e linguagem de especialidade. Se a tecelagem de lanifícios é uma arte, então o que se pretendeu através deste trabalho foi testemunhar, descrever e caracterizar a linguagem de especialidade própria da arte de tecer lã em Portugal, desde a sua consignação por escrito, passando por alguns momentos representativos do seu desenvolvimento, até ao estádio que atingiu nos princípios do século XX.

Neste estudo, realizado no âmbito da frequência de um Mestrado em Terminologia e Tradução, não se concebe Terminologia senão no sentido amplo de uma análise de termos no seu contexto, isto é, como parte integrante de textos em que se manifesta uma linguagem de especialidade. Tendo ao longo da parte curricular deste Mestrado realizado já algum trabalho na área dos lanifícios, a escolha deste tema foi de certo modo a consequência quase inevitável de um investimento pessoal na minha familiarização com a linguagem e os procedimentos técnicos do tratamento e sobretudo da tecelagem da lã.

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A opção de trabalhar também com textos antigos condicionou a metodologia seguida, uma vez que prescindi do recurso a meios informáticos que permitiriam levar a cabo o tratamento estatístico dos vários textos que analisei. A única vez em que apresento uma quantificação, no caso dos substantivos que ocorrem no Texto 3, a contagem foi feita manualmente, página a página, e justificou-se porque se anteviam resultados particularmente interessantes. A utilização de programas de tratamento e gestão de corpora ficará reservada para um trabalho futuro, feito exclusivamente a partir de textos actuais, cuja digitalização será bem mais simples; a textos modernos corresponderá então uma ferramenta de trabalho também ela mais evoluída do ponto de vista tecnológico.

O presente trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos principais seguidos de uma conclusão. No primeiro capítulo, faz-se uma breve exposição sobre a origem e definição das linguagens de especialidade na Alemanha e em Portugal, seguida da apresentação de algumas propostas para a classificação destas linguagens. O reconhecimento de que é a Alemanha o país onde a investigação neste domínio se encontra numa fase mais avançada reflecte-se um pouco por todo o trabalho, nomeadamente na bibliografia que consultei.

O segundo capítulo é dedicado aos textos de especialidade. Depois de uma apresentação sumária da evolução da disciplina da Linguística de Texto, faz-se alusão à aplicação dos seus princípios fundamentais à análise dos textos de especialidade. De seguida, o modelo de Gopferich (1995) é objecto de uma apresentação mais aprofundada, uma vez que serve de ponto de referência constante na parte prática do trabalho.

No terceiro capítulo, consagrado à linguagem dos lanifícios em Portugal, ao enquadramento histórico da indústria das lãs no nosso país, segue-se uma apreciação da divulgação e da fixação do saber nesta área, uma vez que esse é um aspecto com consequências muito importantes para o levantamento e a selecção de textos para análise. Seguidamente apresenta-se a metodologia adoptada e o processo 6

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de selecção do corpus de textos. Dado o grande volume das principais obras disponíveis, o corpus é composto apenas por excertos dessas mesmas obras. O seu estudo integral, além de ser incomportável num trabalho desta natureza, não contribuiria para um enriquecimento significativo dos resultados obtidos. Para facilitar o estabelecimento de comparações, optei por analisar em cada obra os capítulos relativos à operação da tecelagem.

O último capítulo é constituído pela análise de quatro textos considerados representativos dos diversos estádios de evolução da linguagem da tecelagem, sendo esses textos originais apresentados em anexo.

1. Fachsprachen, Linguagens de Especialidade

1.1. Origem e Definição: na Alemanha e em Portugal

Não seria razoável escrever sobre Investigação das Linguagens de Especialidade sem antes tocar em alguns pontos que fazem parte do seu historial. Se é certo que a história destas linguagens está ainda por fazer, é inegável que as suas raízes estão indissociavelmente ligadas ao fenómeno da evolução do mundo do trabalho. Com o evoluir do tempo, com a organização e estruturação dos primeiros

agregados populacionais e com o progressivo aumento do conhecimento e das exigências daí resultantes houve naturalmente uma diversificação das actividades e

1 Incluo aqui também o termo alemão, uma vez que vou tentar, ao longo dos dois primeiros capítulos

deste trabalho, que o meu olhar se detenha tanto quanto possível de forma paralela sobre a Alemanha e Portugal e as suas respectivas línguas. Já nos capítulos restantes analisarei apenas o caso português, embora partindo de princípios teóricos e modelos de análise defendidos sobretudo por linguistas alemães.

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uma necessidade de dividir tarefas, o que, por um lado, criou ao artesão a necessidade de sair de casa para as fábricas e, por outro, abriu a porta às futuras especializações. Na sequência da divisão de tarefas e da diversificação das diferentes actividades, que inicialmente estavam concentradas num único local de trabalho (que coincidia com a residência de quem trabalhava) e que eram desempenhadas de forma mais ou menos indiferenciada pelos vários elementos de uma família, foi-se assistindo ao longo dos tempos a uma progressiva separação entre esse mundo da residência e o mundo do trabalho tal e qual hoje o conhecemos. A independentização destes dois mundos foi simultaneamente uma separação física e uma separação de comunicação. Drozd / Seibicke (1973, 3) consideram que este afastamento da comunicação doméstica relativamente à que é própria dos locais de trabalho foi um factor determinante não só na formação das linguagens de especialidade, mas também na definição das próprias áreas de especialidade a que aquelas dizem respeito. Além disso, estes autores chamam a atenção para o facto de o termo Fach, no sentido de área do saber, ramo profissional, ser relativamente recente, começando a ser usado na Alemanha apenas nos finais do século XVIII, princípios do século XIX. No seu entender, antes de se terem constituído linguagens de especialidade existiriam Sachsprachen3 (linguagens de coisas). Sem precisarem

uma data4 a partir da qual se fez esta evolução, estes autores sustentam que houve

um afastamento gradual da comunicação linguística relativamente aos objectos / coisas (Sachen) a que se refere, de modo que se passou a falar desses objectos / coisas fora do ambiente em que são utilizados. Isto levou a que as diversas áreas de actividade se tornassem cada vez mais independentes e autónomas.

2 Cfr. Kalverkamper (1990, 113).

3 Mõhn / Pelka (1984,133) são outros dos autores que defendem que os Sachwortschãtze precederam

os Fachwortschátze.

4 Têm com certeza bons motivos para não o fazerem, porque tais desenvolvimentos são lentos,

estendem-se por gerações e são, por isso, difíceis de localizar pontualmente no tempo. A sua natural coexistência é um factor que determina esse esbatimento de fronteiras.

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Consequentemente, assistiu-se ao surgimento de uma metalinguagem e à necessidade de uma verbalização cada vez mais precisa. Assim se foram, também, definindo gradualmente grupos de pessoas especializadas nas diferentes áreas

{Fachmann5 ou Fachleute), que, usando linguagens próprias, orientadas segundo os

factores característicos e determinados pelas suas actividades, se foram afastando do comum das pessoas, não só nas suas habilitações, mas também na sua linguagem.

Em relação à língua portuguesa, não se afigura fácil estabelecer um percurso e uma cronologia idênticos aos referidos para a Alemanha, nem determinar o momento em que se tenha começado a utilizar uma expressão como "linguagem de especialidade", uma vez que a grande maioria das gramáticas tradicionais não aborda este tipo de linguagem, ficando-se pela distinção, aliás pouco conseguida, entre diferentes níveis de língua, como por exemplo o popular, o corrente, o familiar ou o poético6. Aquelas que abordam o tema fazem-no de um modo muito superficial .

Parece-me, contudo, que a escolha daquela designação - à semelhança do que aconteceu com a designação francesa langue de spécialité8 - não é alheia à opção

anglo-americana. Na língua inglesa, e de acordo com Beier (1999, 1405), a investigação deste tipo de linguagem foi devida, numa primeira fase, a necessidades muito específicas ligadas ao ensino do inglês como segunda língua; daí ter-se provavelmente privilegiado uma designação que remetia mais directamente para o contexto didáctico: Language for Special/ Specific Purposes (LSP). A expressão "linguagem de especialidade" revela-se, pois, como um decalque9 recente da expressão francesa referida, necessário para o preenchimento de uma lacuna lexical do Português, que continua, aliás, a não incluir nos seus curricula escolares ou

5 Sobre a definição de Fachmann, cfir. Kalverkãmper (1990, 97). 6 Cfr., a título ilustrativo, Figueiredo / Ferreira (2002, 18-21). 7 Cfr., por exemplo, Nunes / Oliveira / Sardinha, (1995, 25-28). 8 Sobre o emprego desta expressão, cfr. Kocourek (1991,18-21). 9 Cfr. Vinay / Darbelnet (1977, 47).

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académicos, de maneira deliberada e organizada, uma disciplina dedicada a este subsistema da língua portuguesa. Mais frequentes e, pelo menos para alguns, mais familiares do que a expressão "linguagem de especialidade" serão as expressões "linguagem especial" e "linguagem técnica", que Herculano de Carvalho (1973, 335) descreve como uma variedade sócio-cultural e que define assim, por oposição à linguagem comum:

«As linguagens especiais são primeira e primordialmente as linguagens técnicas. Estas serão constituídas, em contraste com aquela [linguagem comum], pelo inventário léxico peculiar às diversas comunidades menores compreendidas naquela comunidade extensa, cujos componentes se encontram ligados por uma forma particular de actividade -profissional sobretudo, mas também científica ou lúdica (de arte, dos desportos, dos jogos), em termos genéricos, cultural. [...] Tais palavras, modismos, expressões

fraseológicas, etc. ora são idênticas às da linguagem comum, com significação diversa ou (parcialmente) idêntica, mas usadas num sentido unívoco e bem definido, ora são peculiares e estritamente técnicas.»

Tão importante talvez como esta definição é a conclusão a que o mesmo autor (1973, 338) chega relativamente às origens destas linguagens:

«É uma necessidade tripla [...] a que faz nascer estas linguagens: a de designar conceitos desconhecidos do homem comum, porque alheios ao seu plano de agir; a de nomear (tanto quanto possível) inequivocamente, com uma precisão não consentida pela linguagem comum (onde abundam a homonímia e a polissemia) e portanto sem perigo de confusão ou equívoco; e finalmente a de referir objectivamente os objectos e processos, alheando o acto de referência de qualquer emoção ou atitude valorativa, usando para isso termos tanto quanto possível despidos de conotação.»

Apesar de devidamente identificadas, estas linguagens não foram objecto de investigação significativa, como o prova a seguinte afirmação de Paiva Boléo (1974, 278):

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«Mas não quero deixar de me referir às linguagens especiais e técnicas, próprias de uma determinada classe ou profissão. Quanto às primeiras, citarei apenas a gíria militar, quer do Colégio Militar, quer a do soldado em campanha, e a gíria dos estudantes. Quanto às segundas - as linguagens técnicas - alguma coisa está feita, mas há ainda muito a estudar, tanto em relação ao presente como ao passado.»

Como aliás se deduz da definição apresentada por Herculano de Carvalho (1973, 335)10, o léxico - talvez por ser aquele que mais "salta à vista" - é o principal

elemento em foco nas escassas análises feitas, ficando por tratar outros aspectos, como, por exemplo, certas particularidades morfo-sintácticas e pragmáticas, que julgo igualmente importantes, como adiante se verá (cfr. ponto 4.).

Na elaboração do presente trabalho, tomei como referência a definição que Hoffmann (1988a, 24) dá de Fachsprache, porque, segundo penso, é a mais completa e, por isso, mais susceptível de vir a ser adoptada universalmente:

«Fachsprache - das ist die Gesamtheit aller sprachlichen Mittel, die in einem fachlich begrenzbaren Kommunikationsbereich verwendet werden, um die Verstândigung der dort tãtigen Fachleute zu gewãhrleisten [...] Objekt der Fachsprachenforschung sind also Subsprachen, die der fachlichen Verstândigung in unterschiedlich geschichteten Kommunikationsbereichen von Wissenschaft, Technik, Õkonomie, materieUer Produktion, Kultur, usw. dienen. Gegenstand der Fachsprachenforschung sind Texte, die bei der Kommunikation in diesen Bereichen entstehen, mit ihrem ganzen Bestand an Lauten bzw. Buchstaben, morphologischen Mitteln, Formativen, Wortformen, Wortverbindungen, und Textkonstituenten hõherer Ordnung. Mit anderen Worten: Die Fachsprachenforschung hat es mit der Aktualisierung der Zeichen des sprachlichen Gesamtsystems in Fachtexten zu tun»1

10 Sobre este aspecto, cfr. também a nota 42 da pág. 339 desta mesma obra.

11 Tradução: «Linguagem de especialidade - é a totalidade dos meios linguísticos utilizados numa

área de comunicação delimitável do ponto de vista técnico, para garantir a comunicação entre os especialistas que aí exercem a sua actividade. [...] Objecto da investigação das linguagens de

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1.2. Problemas inerentes à análise de uma Linguagem de Especialidade

São várias as dificuldades com que a investigação das linguagens de especialidade se defronta. De seguida, e sem a preocupação de sistematizar, irei chamar a atenção para aquelas que parecem mais significativas, sobretudo quando se trabalha não a partir de textos actuais, mas sim de textos antigos, mais ou menos representativos dos diversos estádios de evolução de uma determinada linguagem de especialidade.

Relativamente à língua alemã, Fluck (1985, 28), por exemplo, é de opinião que com base nos materiais linguísticos dos dialectos tradicionais e conservadores seria possível ainda hoje fazer-se uma reconstituição parcial da linguagem do vinhateiro ou do pescador; contudo, em virtude da evolução das línguas e das coisas, tal exercício nunca ultrapassaria o valor de uma hipótese. No seu entender, a estrutura das linguagens de especialidade na época anterior à escrita ficará sempre por esclarecer.12 Ainda em relação ao alemão, e também de acordo com o mesmo autor, só a partir de meados do século XIV é que é possível seguir o curso das linguagens especialidade são, pois, sublinguagens, que servem para a comunicação técnica em áreas de comunicação diversamente estratificadas da ciência, da técnica, da economia, da produção material, da cultura, etc. Matéria da investigação das linguagens de especialidade são textos produzidos na comunicação nestas áreas, com todo o seu inventário de sons e/ou letras, meios morfológicos, formativos, formas de palavras, combinações lexicais e constituintes textuais de ordem superior. Por outras palavras: a investigação das linguagens de especialidade tem a ver com a actualização dos signos do sistema linguístico em textos de especialidade» (J. G.).

12 A verdade é que, já mais recentemente, e não só na Alemanha mas também noutros países europeus, a Linguística tem vindo a dar provas de um interesse cada vez maior pelo período de transição da linguagem oral para a linguagem escrita, em parte na sequência de outros trabalhos oriundos de áreas como a antropologia e a história da cultura. (A título de exemplo, cfr. Ong (1982)).

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de especialidade, pois só a partir dessa época é que existem testemunhos escritos, tais como regulamentos e actas das corporações de artes e ofícios.

Von Hahn (1983, 13), por sua vez, chama a atenção para o facto de os primórdios das linguagens de especialidade verdadeiramente alemãs - que situa entre os anos 500 e 800, só depois de o alemão se ter substituído ao latim - não coincidirem com nenhum momento de viragem fundamental da história da tecnologia, o que dificulta, em certa medida, o seu estudo. Este mesmo autor, depois de passar em revista as publicações por ele consideradas de especialidade feitas entre os séculos XII e XIX,13 sublinha a importância de se proceder a um

levantamento das fontes de linguagem de especialidade, com a enumeração dos diferentes géneros de texto de especialidade (Fachtextsorten)14 e contribuindo,

assim, para aquilo que, no seu entender, poderia ser uma história da comunicação e das suas técnicas.

Além disso, e talvez lançando um desafio, v. Hahn (1983, 8) defende que se justificaria uma análise das linguagens de especialidade sob dois pontos de vista distintos: por um lado, por parte das disciplinas teóricas que representam as diferentes áreas de especialidade - como, por exemplo, a Engenharia Química ou a Biologia - nas quais se utilizam essas linguagens (tendo como objectivo a fixação terminológica que geralmente acompanha a formação de uma teoria); por outro lado, por parte da Linguística (por razões ligadas à sua própria essência e razão de ser).

13 Parece-me interessante salientar o facto de v. Hahn (1983, 21) concluir, em relação aos escritos do

século XII, que o mais importante para o receptor/leitor destes textos não é a informação factual neles contida ou a aplicabilidade de uma determinada técnica neles descrita, mas os seus elementos de carácter mais especulativo e talvez mesmo lúdico.

14 Sobre a definição de Textsorte, cfr. Lux (1981, 273), ReiB / Vermeer (1984, 176). Em relação ao

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No contexto da complexidade da análise dos géneros de texto e a propósito do trabalho levado a cabo por Giesecke (1983) em relação a receitas manuscritas, Fluck (1985, 190 e seg.), por sua vez, regista precisamente duas perspectivas distintas:

«M. Giesecke hat z. B. an handschriftlichen Rezepten gezeigt, wie problematisch die Úbertragung eines modernen Textsortenbegriffs auf mittelalterliche Fachtexte sein kann, die hãufig andere, mit der heutigen Textdeklaration nicht vereinbarende Funktionen aufweisen. Dies mag ein Grund dafflr sein, dali die Beschreibung nhttelalterlicher Fachliteratur und neuere Fachsprachengeschichte immer noch relativ beziehungslos nebeneinander stehen und statt interdisziplinar, zumindest im Deutschen fur den mittelalterlichen Zeitemm haufig von Wissenschaftshistorikern (Juristen, Mediziner, usw.) und Philologen, fur den neueren vorwiegend von Linguisten eraibeitet werden».

No que diz respeito a Portugal e embora não versando directamente as linguagens de especialidade, há um trabalho que vale a pena referir, por fornecer algumas pistas que permitem entender melhor uma das dificuldades da análise destas linguagens. Trata-se de uma publicação sobre O uso da língua latina na

redacção dos textos científicos portugueses (Carvalho, 1991). Apesar de se debruçar

acima de tudo sobre os textos da área da medicina, este trabalho contém informações válidas para outras áreas de especialidade e toca numa série de aspectos que merecem ser sublinhados: em primeiro lugar, porque defende, um pouco à semelhança do que faz v. Hahn (1983, 21), o carácter quase exclusivamente

15 Trad.: «Com base, por exemplo, em receitas manuscritas, M. Giesecke demonstrou quão

problemática pode ser a transposição de um conceito moderno de género de texto para textos medievais de especialidade que, muitas vezes, apresentam outras funções não conciliáveis com o que o texto actualmente manifesta. Esta pode bem ser uma razão para o facto de a descrição da literatura medieval de especialidade e a história mais recente das linguagens de especialidade ainda continuarem relativamente independentes uma da outra e, em vez de serem abordadas de modo interdisciplinar, serem, pelo menos em alemão e para o período medieval, frequentemente tratadas por historiadores da ciência Guristas, médicos, etc.) e por filólogos e, para o período mais moderno, acima de tudo, por linguistas». (J. G).

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especulativo e discursivo da Ciência até à «aceitação do experimentalismo como forma activa e indispensável para dialogar com a Natureza» (ibid, 83); em segundo lugar, porque constata o número reduzido de publicações em língua portuguesa nos séculos XVI e XVII:

«Manuseando pacientemente a Biblioteca Lusitana de Barbosa Machado, contámos nela sessenta e três obras de Medicina de autores portugueses impressas nesse século (XVI), das quais cinquenta e quatro redigidas em latim [...] acrescendo ainda que das nove obras restantes não latinas apenas duas se apresentam redigidas em língua portuguesa. [...] A Medicina, que continuou a marcar a sua posição de privilégio no conjunto de temas cultivados no campo do saber, no século XVII, está representada por oitenta e nove obras de médicos portugueses das quais sessenta e oito foram redigidas em latim, dezasseis em português e cinco em castelhano» (ibid, 85 e seg.).

Torna-se assim evidente que o latim era por excelência a língua de comunicação científica transfronteiriça e que a sua importância, estatuto e divulgação contribuíram activamente para que algumas línguas nacionais não pudessem atingir tão cedo a sua maturidade e plenitude pelo menos em algumas áreas do saber. Nessa mesma medida faltam, relativamente ao português, as necessárias fontes para o seu estudo e descrição no âmbito das linguagens de especialidade.

Von Hahn (1983, 15) afirma, em relação às linguagens de índole mais técnica, que a «latinidade» (Latinitãt) de uma terminologia era com toda a certeza um critério para a avaliação da sua qualidade e ainda que o êxito de um aprendiz de uma arte ou de um ofício se podia medir pelo grau de domínio da terminologia latina de que dava provas.

No texto de Carvalho (1991, 90) e relativamente ao século XVIII, salienta-se o papel de Verney (Verdadeiro Método de Estudar, 1746) na defesa da tradução, para as línguas nacionais, das obras de autores estrangeiros, como meio para inverter o rumo tradicional das coisas; além disso, merecem também alusão as 15

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críticas de Teodoro de Almeida faz na obra Recreação Filosófica (1751, 8) àqueles que «fazem as sciencias annexas a algum idioma», neste caso o latim.

Por último, parece-me importante salientar o facto de em Portugal, e ao terminar o século XVIII, o uso do português na redacção das obras científicas não ser bem acolhido por toda a classe mais culta e o facto de haver quem se opusesse à publicação de traduções de obras desta natureza. Este é sem dúvida um obstáculo determinante, quando se considera o advento e a afirmação das linguagens de especialidade na área das ciências no nosso país e é um factor que não pode ser ignorado no âmbito da investigação de uma linguagem de especialidade.

1.3. Investigação no domínio das Linguagens de Especialidade

1.3.1. Na Alemanha

Mais uma vez e por questões organizativas, oriento-me pelos resultados dos trabalhos levados a cabo sobretudo em alemão. Para além de serem os que melhor conheço, a Alemanha é também um dos países em que esta investigação se encontra numa fase mais avançada e consolidada (veja-se, a título ilustrativo, a publicação da série Forum fur Fachsprachenforschung, da qual Hartwig Kalverkãmper é o editor, e que conta já com mais de 60 volumes exclusivamente dedicados a esta matéria). Assim sendo, a análise dos trabalhos desenvolvidos em alemão tem a vantagem de permitir acompanhar de uma forma modelar a evolução que a investigação das linguagens de especialidade sofreu ao longo dos tempos.

Há unanimidade em reconhecer que as origens da investigação das linguagens de especialidade alemãs, ainda que naturalmente não conduzida nos moldes em que

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é actualmente desenvolvida, estão consagradas no prefácio de Jacob Grimm ao

Deutsches Wórterbuch, datado de inícios do século XIX :

« 8. Sprache der hirten, jãger, vogelsteller, fischer, u. s. w. Ich bin eifrig alien wõrtern der âltesten stande des volks nach gegangen, in der sicher begriindeten meinung, dasz sie fíir geschichte der sprache und sitte die ergibigste ausbeute gewâhren».17

O interesse de Jacob Grimm pelas linguagens de especialidade prendeu-se sobretudo com a diversidade do vocabulário alemão, que se deve a razões históricas, e não tanto com um tratamento sistemático das diferentes terminologias de especialidade.

Na viragem do século XVIII para o século XIX, começou a assistir-se, por parte de linguistas conhecidos como Paul (1880) e Schirmer (1913)18, entre outros, a um despertar do interesse pela terminologia de algumas áreas mais específicas. Surgiram nessa altura numerosas monografias, que tinham como objectivo a representação da terminologia de diferentes áreas de especialidade, atendendo a aspectos etimológicos e de história da língua. .

Já no século XX, principalmente nas décadas de vinte e trinta, a chamada

Wirtschaftslinguistik (Linguística da Economia) foi responsável, não só na

Alemanha, mas também noutros países, como por exemplo nos Países Baixos (Universidade de Roterdão) e na Suíça, pelo reconhecimento da importância das linguagens de especialidade para a formação de especialistas, sobretudo do ramo comercial, e pela integração destas linguagens nos curricula universitários. Este

16 Cfr. Fluck (1985, 27) e v. Hahn (1983,9).

17 Trad.: «8. Linguagem dos pastores, caçadores, passarinheiros, pescadores, etc. investiguei afincadamente todas as palavras das mais antigas classes do povo, na firme convicção de que constituem o mais rico manancial para a história da linguagem e dos costumes» (J. G.).

18 Citados em Móhn / Pelka (1984,1 e seg).

19 Cfr. Klenz (1900), Brõcher (1907) e Schmidt (1909), citados em Móhn / Pelka (1984, 1 e seg.). 17

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facto ficou a dever-se, acima de tudo, a interesses de ordem económico-social. Importante para os linguistas mais ligados a este movimento foi a análise da evolução do significado de determinados conceitos e expressões da linguagem comercial .

Sensivelmente na mesma época, os trabalhos dos linguistas checos seguiam uma orientação estruturalista, para a qual a linguagem da economia era acima de tudo um meio de comunicação, entendido como um todo bem definido e estruturado. Foi nos membros do Círculo Linguístico de Praga {Cercle linguistique

de Prague) que teve origem a análise funcional da linguagem. Na primeira das

Teses do Círculo, publicadas em 1929, a linguagem é caracterizada como sistema de meios linguísticos que serve um determinado fim21. Em relação às linguagens de especialidade, foram sobretudo as ideias de Havránek (citado em Fluck, 1985, 13) sobre as diferenças funcionais da linguagem escrita as que mais marcaram a investigação. Partindo da sua teoria da linguagem escrita - que considera a língua um sistema polifuncional com vários estratos estilísticos -, os representantes da Escola de Praga definiram linguagem de especialidade como um estilo funcional. Estilo entende-se, neste contexto, como o princípio de selecção, adequação e uso de meios linguísticos que está subjacente à concepção / elaboração dos textos. A teoria de Havránek distingue quatro estilos funcionais, estando a linguagem de especialidade representada em dois estratos: o estilo técnico-prático

(fachlich-praktisch), utilizado no sector dos serviços, como, por exemplo, os transportes

públicos, e o estilo teórico-científico (wissenschaftlich-theoretisch), usado nas Ciências. Os outros dois estilos são o predominantemente comunicativo

(vorwiegend kommunikaiiv), usado no quotidiano, e o estilo estético (ãsthetisch), a

que se recorre na literatura. Associadas a estes quatro estilos estão quatro linguagens

20Cfr. Beier(1999, 1404).

21 Cfr. Faye / Robel (1969, 23): "De ce point de vue [de la fonction, J. G.] la langue est un système

de moyens d'expression appropriés à un but".

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funcionais22: a linguagem de coisas {Sachspraché), a linguagem científica

(wissenschaftliche Sprache), a linguagem quotidiana {Alltagssprache) e a

linguagem poética (poetische Spraché), respectivamente. Surgiram algumas críticas a este modelo de Havránek23, sobretudo pela falta de uma componente de linguagem oral, mas foi Barth (1971) quem melhor conciliou as vertentes oral e escrita, definindo linguagem de especialidade como um tipo funcional do uso da língua. E importante registar que a dimensão funcional, tão característica da Escola de Praga, é ainda hoje um elemento essencial da investigação das linguagens de especialidade. No primeiro quartel do século XX, surgiu também a revista e o movimento homónimo Wòrter und Sachen, para o qual Heller (1998, 3) reclama algum protagonismo, enquanto raiz histórico-científica da actual investigação das linguagens de especialidade, apesar de reconhecer que se trata de um movimento de cariz predominantemente histórico-cultural, ao qual interessava, acima de tudo, uma perspectiva etimológica e etnográfica. Directamente ligados à criação deste movimento estão os nomes de Rudolf Meringer, indogermanista austríaco, e Hugo Schuchardt, romanista alemão24. Enquanto o primeiro partia das palavras para chegar às coisas, o segundo concedia a primazia às coisas25, publicando uma série

22 A distinção entre linguagem funcional e estilo funcional, se bem que ignorada por alguns autores,

como por exemplo Fluck (1985), parece ser mais importante para outros como, por exemplo, Hoffmann (1985, 40), que cita a definição de Havránek (1967), segundo a qual o estilo funcional é determinado pelo objectivo concreto de um enunciado e é uma função do discurso (da parole), e a linguagem funcional, sendo uma função da langue, é determinada pelo conjunto de tarefas do complexo normativo dos meios linguísticos.

23 Cfr. Vachek, citado em Barth (1971,210). 24 Cfr. Heller (1998, 13 e segs.).

25 «Die Sache besteht fur sich voll und ganz; das Wort nur in Abhangigkeit von der Sache, sonst ist

es ein leerer Schall. [...] im Verhaltnis zum Wort ist die Sache das Primãre und Feste, das Wort ist an sie geknupft und bewegt sich um sie herum» (citado in Heller (1998, 18)). - Trad.: «O objecto existe por si só, total e plenamente; a palavra só tem existência na dependência do objecto, caso

(20)

de artigos intitulados Sachen und Wôrter, adoptando assim a ordem inversa daquela que Meringer preconizava. Apesar das divergências, ambos chegaram a conclusões semelhantes e contribuíram de forma determinante para a investigação das linguagens de especialidade .

De acordo com Beier (1999, 1404), a investigação na área das linguagens de especialidade foi, até finais dos anos oitenta, dominada pelos trabalhos levados a cabo na então República Democrática Alemã. Baumann (1995, 13) reconhece igualmente a forma hábil como, na Universidade de Leipzig, no início dos anos oitenta, os investigadores conseguiram aplicar a Estatística à análise dos textos de especialidade e incorporar nessa análise também a estilística de especialidade

{Fach(sprachen)stilistik), o que lhes proporcionou grande fama em toda a Europa,

chegando mesmo a falar-se de uma "Escola de Leipzig".

Durante muito tempo, a investigação das linguagens de especialidade ficou marcada por uma polarização entre aquilo que se considerava ser a linguagem de especialidade e a linguagem geral. A discussão pode facilmente resumir-se à pergunta: será que as chamadas linguagens de especialidade apresentam características especiais que as demarquem claramente da chamada linguagem geral? Associadas a esta dicotomia (linguagem geral vs. linguagem de especialidade), e numa tentativa de delimitar os vários subsistemas da língua, surgiram inúmeras designações tanto para a linguagem comum {Allgemeinsprache,

Gemeinsprache, Nationalsprache ou Standardsprache) como para a linguagem de

especialidade {Sondersprache, Technolek, Berufssprache, Werkstattssprache, etc.)27. Uma análise mais profunda da controvérsia em torno desta multiplicidade de

contrário é um mero som vazio. [...] em relação à palavra, o objecto é o elemento primário e consistente, a palavra está-lhe associada e move-se em torno dele». (J. G.).

26 Cfr, Heller (1998, 22) e Neto (1957, 135 e seg.). 27 Cfr. Drozd (1973).

(21)

termos - cuja tradução para português não me parece aqui tão pertinente - e da justificação para a sua existência ficaria já fora do âmbito do presente trabalho.

Trabant (1983, 29) refere-se a esta oposição (linguagem de especialidade vs. linguagem geral), utilizando para tal uma imagem que considero elucidativa:

«Die Gemeinsprache deckt alie allgemein bekannten Sachen mit Wõrtern ab, die Fachsprache dagegen benennt solche Sachen, die nicht allgemein bekannt sind, sondem nur von Fachleuten, Experten gewuBt werden. [...] Fachsprachen werden - bildlich gesprochen - ais in die Breite oder in die Tiefe gehende Annexe der Gemeinsprache angesehen».28

A polarização acima referida é sobretudo consequência de um trabalho que deu toda a prioridade ao estudo do léxico, e que encara as palavras da linguagem de especialidade como termos que por si sós devem dar um contributo para a compreensão global do enunciado de que fazem parte, igual ao que as palavras da linguagem geral dão com a ajuda do contexto em que estão inseridas. Além disso, esta orientação prescinde em boa medida da exploração dos meios sintácticos e da situação de comunicação29. O vocabulário de especialidade é também referido, no contexto da tradução de linguagens de especialidade, como o principal problema a resolver. Esta constatação mantém-se em parte ainda hoje, sendo os aspectos terminológicos (no sentido lexical) identificados como a principal dificuldade na tradução de textos de especialidade.

Aquela polarização começou lentamente a ser contrariada, através da atenta consideração de outros traços característicos das linguagens de especialidade. Este 28 Trad.: «A linguagem geral cobre com palavras todas as coisas do conhecimento geral, enquanto a linguagem de especialidade designa aquelas coisas que não são do conhecimento de todos, mas apenas do conhecimento de especialistas, peritos. [...] As linguagens de especialidade são vistas -falando de modo figurado - como anexos da linguagem geral que se estendem em largura ou se acentuam em profundidade». (J. G.)

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alargamento de horizontes fica a dever-se, acima de tudo, à tendência para a descrição linguística sob uma perspectiva comunicativo-funcional, muitas vezes protagonizada por representantes da chamada estilística funcional. Veja-se, por exemplo, a posição defendida por Schmidt (1969, 17):

«Sie (die Fachsprache) ist gekennzeichnet durch einen spezifischen Fachwortschatz und spezielle Normen fur die Auswahl, Verwendung und Frequenz gemeinsprachlicher lexikalischer und grammatischer Mittel; sie existiert nicht ais selbstandige Erscheinungsform der Sprache, sondem wird in Fachtexten aktualisiert, die aulier der fachsprachlichen Schicht immer gemeinsprachliche Elemente enthalten».

A dicotomia é ainda mais decisivamente posta em causa pela análise de outros planos linguísticos, como, por exemplo, o plano sintáctico. Schefe (1975, 25) é um dos autores que reconheceu o papel da sintaxe para a análise e caracterização dos textos de especialidade:

«Es ist nicht auszuschliefien, dali die Syntax zumindest zur heuristischen Abgrenzung von Fachsprachen dienen kann. Eine einheitliche Syntax der "Fachsprache" oder nur der "Theoriesprache" anzunehmen, hielie jedoch die Funktionahtat dieser Ebene im Ganzen auBer acht zu lassen. Die semantische Struktur des "Fâches" determiniert wesentlich die syntaktische Form ihrer Texte».

30 Trad: «Ela (a linguagem de especialidade) caracteriza-se por um vocabulário específico e por

normas especiais para a selecção, utilização e frequência de meios lexicais e gramaticais da linguagem geral; ela não existe como forma manifestativa autónoma da linguagem, mas é actualizada em textos de especialidade que, além do estrato característico de linguagem de especialidade, contêm sempre elementos da linguagem geral» (J. G.).

31 Trad.: «Não é de excluir que a sintaxe possa servir pelo menos para a delimitação heurística das

linguagens de especialidade. Admitir uma sintaxe homogénea da "linguagem de especialidade" ou apenas da "linguagem da teoria" seria contudo descurar totalmente a funcionalidade deste plano. A estrutura semântica da "área de especialidade" determina de modo substancial a forma sintáctica dos seus textos». (J. G.).

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A partir de meados dos anos setenta, verifica-se que, nos trabalhos de investigação das linguagens de especialidade, e como consequência directa das novas correntes linguísticas, da viragem pragmática (pragmatische Wendé), da teoria accionai e da Linguística de Texto32, se começou a dedicar uma atenção cada vez maior aos aspectos linguístico-textuais e teórico-accionais, para além dos factores comunicativo-pragmáticos. Simultaneamente, o conceito de linguagem geral {Allgemeinsprache) começou a ser utilizado sobretudo quando se recorreu a uma perspectiva histórica para a análise da génese das linguagens de especialidade ou da influência da comunicação de especialidade na comunicação global. Sempre que a tónica foi posta na descrição comparativa, no âmbito da Linguística Aplicada, o conceito de linguagem geral foi, por iniciativa de Hoffmann (1976), substituído pelo de Gesamtsprache, termo que a ser traduzido para português leva a uma denominação que, com certeza, causará alguma estranheza por não ser habitual na linguística portuguesa: linguagem global.

Para além dos esforços da Linguística Aplicada, no sentido de neutralizar a oposição entre linguagem geral e linguagens de especialidade, foram vários os autores que se empenharam em contrariar esta visão demasiado reducionista do problema.

Kalverkàmper (1978, 437) foi disso um exemplo, ao defender que toda a comunicação é comunicação de especialidade ou, pelo menos, comunicação "for special purposes", i.e. para fins específicos ou de especialidade, e ao afirmar que a distinção entre linguagem geral e linguagem de especialidade não é sustentável nem do ponto de vista linguístico nem do ponto de vista pragmático .

32 Cfr., por exemplo, Dressier, W. (1973), Guttenecht, C. (1977), Wunderlich, D. (1971, 1972 e

1974) e Maas, U. / Wunderlich, D. (1974).

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A negação desta dicotomia parece-me, de facto, fazer sentido, dada a enorme dificuldade em estabelecer uma fronteira entre os elementos pertencentes a uma eventual linguagem geral e os elementos pertencentes a uma linguagem dita de especialidade.

Um argumento claro a favor de que as linguagens de especialidade não podem existir sem a chamada linguagem geral e das influências recíprocas entre ambas é constituído pelos textos didácticos: são textos em que especialistas de uma determinada área transmitem conhecimentos específicos dessa área a destinatários não-especialistas. Associada a essa transmissão de conhecimentos específicos está também a transmissão de uma terminologia de especialidade, e essa é feita através da definição e da explicação de termos e conceitos, recorrendo ao uso de expressões da linguagem geral.

Benes (1970, 127) fala em stilistisch neutrale Wòrter (palavras estilisticamente neutras) utilizadas no estilo específico (ou de especialidade) e ainda de "palavras-base (Grundwõrter) presentes em todos os estilos". Niibold (1987, 53), a propósito de uma análise de um corpus de publicações em língua inglesa (da autoria de investigadores alemães), fala em dignity words e reconhece tratar-se de palavras que, não sendo termos técnicos, influenciam de forma determinante o estilo de um texto científico.

Voltando à diferente focalização de interesses por parte da investigação, importa dizer que se assistiu, numa fase posterior à da negação da polaridade linguagem geral / linguagem de especialidade, à afirmação de um novo modelo de análise das linguagens de especialidade, assente no princípio de uma escala variável

(gleitende Skala) de especificidade / especialidade (Fachlichkeit) dos textos e das

acções intencionais, que vai desde o extremamente pobre em traços de especialidade até ao extremamente rico nesses mesmos traços (Kalverkàmper, 1990, 117-119). Relativiza-se assim a polarização, uma vez que a maioria dos textos se encontra algures entre os dois extremos. Kalverkàmper, que inicialmente (1979) se insurgiu

(25)

contra o estatuto de axioma concedido à Fachlichkeit, no âmbito da investigação das linguagens de especialidade 34, pronunciou-se mais tarde (1983, 139) de novo sobre

este conceito:

«Fachlichkeit ais eine Qualitat von - wie auch immer erfafiten - Fãchern ist nicht der primáre Orientierungspunkt, nach dem sich die Versprachlichung (d.h. das Abfassen von [Fach-]Texten) richtet oder zu richten hat. In der Gemeinschaft von Fãchern und Sprachen sind nicht die Fâcher oder deren FachMchkeitsqualitãt mafigebend dafur, eine ihnen "zustehende" Fachsprache auch tatsáchlich zugeordnet zu bekommen; vielmehr ist die Sprache [...] dasjenige Medium, ûber das úberhaupt erst Fachlichkeit - und somit ein wichtiges Merkmal eines Fâches - signalisiert wird».35

Existe, assim, um espectro de diferentes graus de especialidade e consequentemente um espectro de linguagens de especialidade de diferentes graus. Isso aplica-se não apenas ao plano lexical, mas a todos os planos linguísticos, até ao próprio texto, impondo-se a distinção de géneros de texto de diferentes graus de especialidade. Kalverkàmper (1990, 121), ao introduzir o modelo da gleitende

Skala, de que já se falou, apresenta-o como um modelo pragmático-textual, no qual

a especialidade é vista como uma característica de textos-em-função (cfr. ponto 2.1.)36.

34 Von Hahn (1983, 64), que utiliza para o mesmo conceito o atributo heurístico, diz que fachlich,

específicas / de especialidade, são todas as acções, sobretudo de carácter instrumental que são executadas com fins racionais e não sociais.

35 Trad.: «A especificidade como uma qualidade de áreas de especialidade - qualquer que seja a

forma como estas são abordadas - não é o principal ponto de orientação, pelo o qual a verbalização (i.e. a redacção de textos [de especialidade]) se guia ou se deve guiar. Na comunidade de áreas de especialidade e linguagens não são as áreas ou o seu grau de especialidade que são determinantes para que também lhes seja de facto atribuída a linguagem de especialidade "que lhes cabe"; é antes a linguagem que é o meio através do qual se sinaliza a especificidade - e assim uma importante característica de uma área de especialidade.» (J. G.).

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As vantagens deste tipo de modelo residem no facto de não se traçar nenhuma fronteira artificial num continuum linguístico de diferentes graus de especialidade, que não só reflecte a realidade (onde não há de facto limites identificáveis), como permite abranger todas as constelações comunicativas: dentro de uma mesma área de especialidade (fachintern), entre áreas de especialidade distintas (interfachlich) e fora de uma área de especialidade (fachextern)

Gópferich (1995), que como adiante se verá (ponto 2.2.1.) trabalha exclusivamente com textos actuais, aplica este modelo a diferentes géneros de texto e introduz-lhe algumas alterações, transformando-o num modelo de espectros complementares (komplementare Spektren), sublinhando o facto de todos os textos revelarem traços de especialidade e traços que não são de linguagem de especialidade. A redução do grau de especialidade é associada a outros critérios como a diminuição do grau de abstracção, o alargamento do círculo de destinatários de um texto, etc.

E é aqui que, no entender de Hoffmann (1998b, 164), o círculo se fecha, uma vez que considera que para a avaliação do grau de especialidade quer de acções intencionais quer de textos não há nenhuma oposição que se possa substituir ao contraste entre linguagem de especialidade e linguagem geral:

«Die Gemeinsprache lãfit sich offenbar nur schwer neutralisieren, geschweige denn eliminieren; die Polarisierung von Fachsprache und Gemeinsprache bleibt in der Skalierung mehr oder weniger deutlich erhalten; Skalierungen mit vielfáltigen Merkmalkomplexen versprechen fur die Zufiinft eine differenziertere Beschreibung der Sprachvariation in Fachsprache und anderen Subsprachen auf der Grundlage exakter Merkmalvergleiche, wobei sowohl sprachliche (textmterne) ais auch aufiersprachliche (textexterne) Merkmale beriicksichtigt werden sollten.»

37 Para a definição destes conceitos, cfr. Mõhn (1979), que foi quem os cunhou.

38 Trad.: «É óbvio que só muito dificilmente a linguagem geral se pode neutralizar e muito menos eliminar, a polarização entre linguagem de especialidade e linguagem geral mantém-se mais ou menos nítida nos modelos de estratificação; estratificações com conjuntos variados de traços 26

(27)

1.3.2. Em Portugal

Considerando o que se passou em Portugal, não deixa de ser interessante o facto de um dos primeiros trabalhos que de certa forma se ocuparam das linguagens de especialidade ter precisamente o título "Palavras e Coisas" (em alemão Wôrter

undSacherí). Trata-se de um artigo da autoria de Francisco Adolfo Coelho (1914),

publicado na Revista Lusitana vol. XVII, págs. 1-16, de que Leite de Vasconcelos era o editor. À laia de introdução o autor escreve o seguinte:

«As Notas, cuja publicação se inicia aqui, foram coligidas pela maior parte há já anos bastante numerosos para auxílio privado de diversos estudos. Pondo-as ultimamente em certa ordem, pareceu-me que, ainda quando não fossem completadas de modo que formassem um todo que mereça o nome de um tratado, poderiam ter algum interesse e despertar até investigações mais amplas. Tais como saiem aqui não tem outra pretensão senão a de serem apontamentos incompletos.»

Para além das indústrias de construção, com os seus principais artífices (carpinteiros, pedreiros, e alvanéis), e sem deixar de lado o registo de documentos relacionados com a produção de telha, ladrilhos e cal, o autor menciona ainda outros sectores de actividade como, por exemplo, a fiação e a tecelagem, dizendo - em relação a esta última - que a nomenclatura da arte de tecelagem é por si só prova suficiente da transmissão da arte de tecer em Portugal desde o domínio romano. A

distintivos prometem para o futuro uma descrição mais diferenciada da variação linguística, tanto na linguagem de especialidade como noutras sublinguagens, com base em comparações exactas desses traços, sendo levadas em linha de conta tanto as características linguísticas (intratextuais) como extralinguísticas (extratextuais)». (J. G.).

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propósito deste trabalho, Neto (1957, 13 e seg.) afirma que «é quase certo que Adolfo Coelho conhecia os trabalhos de Meringer [...] bem como a notabilíssima pesquisa de Schuchardt» e não hesita em recorrer aos conceitos de objectologia e objectólogo39 para enquadrar e descrever a actividade levada a cabo por Adolfo Coelho. Infelizmente, este trabalho não parece ter tido sequência e, de qualquer modo, não deixa de ser um trabalho essencialmente centrado sobre o léxico, como acontece, aliás, com a maioria dos trabalhos posteriores sobre linguagens de especialidade realizados em Portugal.

Ainda na Revista Lusitana, vol. XXII, págs. 170-196, foi publicado em 1919 um outro artigo da autoria de Laranjo Coelho que, devido à temática que aborda, não pode deixar de ser registado aqui. Trata-se de um trabalho intitulado "Os cardadores de Castelo de Vide - subsídios para a etnografia (indústrias) do distrito de Portalegre". O que este estudo revela - naturalmente entre outras coisas - é que as actividades produtivas, as da ciência e das técnicas parece não terem interessado, com as suas respectivas linguagens, tanto à "sciencia da linguagem" (ou "glortologia") como aos etnólogos e etnógrafos. É evidente que isto não significa que ilusteres filólogos como, por exemplo, Carolina Michaèlis de Vasconcelos e José Leite de Vasconcelos, ou nomes talvez não tão conhecidos, que publicaram os seus textos nomeadamente na Revista Lusitana, não se tenham dedicado a aspectos de linguagens específicas, sobretudo numa perspectiva literária, etimológica e dialectológica. Mas seria necessário esperar mais algum tempo para que surgissem outros trabalhos que se apresentaram declaradamente também com uma vertente linguística. É o caso do texto de Maria Helena Nogueira de Morais «A dobadoira. Estudo linguístico, etnográfico e folclórico», de que a primeira parte foi publicada no vol. VII, 1955, págs. 129-249, e a conclusão no vol. VIII, 1957, págs. 61-152 da

Revista Portuguesa de Filologia - texto que refiro aqui por se prender de algum

39 De acordo com Neto (1957, 135), estes são neologismos introduzidos no Português por Paiva

Boléo.

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modo com a área a que se reporta a linguagem específica que me ocupa. Neste contexto, convém recordar ainda a importância de alguns trabalhos de outros etnólogos portugueses como é o caso de Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Jorge Dias sobre temas tão variados como os pisões portugueses4 , os arados portugueses41 ou os sistemas de moagem .

Depois de Cintra (1963)43 ter chamado a atenção para o reduzido número de textos portugueses não literários que tivessem sido estudados por linguistas e de ter, com isso, sugerido que haveria aí um filão a explorar, poucos foram, no entanto, aqueles que se dedicaram à análise das linguagens de especialidade. Além disso, os trabalhos existentes, salvaguardando alguma excepção44, para além de estarem um pouco dispersos, carecem de serem atribuídos a uma classificação que os coloque no conjunto dos textos dedicados a linguagens específicas.

A título de exemplo, refiro o trabalho de Herculano de Carvalho (1953), curiosamente também ele intitulado "Coisas e Palavras", sobre os primitivos sistemas de debulha na Península Ibérica. Mas continua a ser um trabalho acima de tudo de carácter etnográfico, enquadrando-se numa série de estudos dialectológicos levados a cabo pelo autor.

Já muito mais recentemente e sob uma perspectiva diacrónica, Verdelho (1998) oferece-nos uma boa visão panorâmica das terminologias na língua portuguesa, chamando a atenção para aspectos como a génese e a configuração

40 Oliveira, V. de / Galhano, F. (1977). 41 Dias, I (1982).

42 Oliveira, V. de / Galhano, F. / Pereira, B. (1983).

43 Este autor realizou trabalhos na área da historiografia medieval portuguesa, dos dialectos

portugueses e dos textos medievais portugueses não-literários, mas, mesmo neste último domínio, o seu objectivo foi, acima de tudo, encontrar informações sobre a linguagem utilizada nas diferentes regiões do território português.

(30)

linguística das designações científicas e técnicas, a dicionarização dos tecnoletos ou ainda para a linguagem das ciências e das técnicas na memória textual portuguesa.

Martins (1999), à semelhança de Cintra (1963), escreve sobre a tipologia dos diferentes textos mais antigos escritos em português, mas mais uma vez a perspectiva não é a da análise da linguagem de especialidade, mas a da datação dos documentos e da sua análise scripto-linguística.

Se se comparar o trabalho feito, por exemplo, na área da dialectologia e da análise das linguagens populares com o que existe no domínio das linguagens de especialidade, o desequilíbrio torna-se ainda mais evidente

1.4. Classificação das Linguagens de Especialidade

Uma das primeiras necessidades sentidas por quantos se dedica(ra)m ao estudo das linguagens de especialidade foi a da sua classificação. A própria definição que Hoffmann dá de linguagem de especialidade (cfr. ponto 1.1.) deixa já o caminho aberto para uma classificação possível. Ao falar em Kommunikationsbereich (área de comunicação) está já implicitamente a estabelecer a distinção entre aquilo que considera serem diferentes Subsprachen (sublinguagens ou subsistemas). Perante a constatação da enorme variedade de materiais caracterizáveis como uma linguagem de especialidade - e com o intuito de melhor estruturar o fenómeno destas linguagens -, foram feitas ao longo dos anos tentativas de estruturação horizontal, em função das diferentes áreas de especialidade, por exemplo, Medicina, Física, Matemática, Electrónica, Construção Civil, etc. com as suas respectivas linguagens. Cedo porém, esta divisão deu provas de não ser suficiente, uma vez que não é fácil

45 Cfr., a título ilustrativo, a bibliografia da obra Linguagem Regional e Linguagem Popular no

Romance Regionalista Português de Verdelho (1982, 191).

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decidir se existe, por exemplo, uma linguagem - de - especialidade técnica e uma linguagem científica ou se há uma linguagem geral da ciência e, a seu lado, linguagens de especialidade de cada um dos ramos da ciência (Química, Física, etc.).

Fluck (1985, 16) defende que este não é um problema que se faça sentir da mesma maneira em relação às linguagens de especialidade dos ofícios e considera que cada ofício tem uma linguagem própria e um vocabulário fixo e ainda que estas linguagens sofrem, muitas vezes, influências dialectais, o que leva à existência de diferenças de carácter regional.

Kalverkàmper (1990, 100) critica aqueles que consideram que há tantas linguagens de especialidade quantas as áreas de especialidade, acusando-os de um erro de perspectiva, pois no seu entender a constituição de uma área de especialidade está directamente dependente da linguagem.

Foi sem dúvida devido a todas estas dificuldades que se tentou, para além da estruturação horizontal, uma estratificação vertical das linguagens de especialidade, que desse conta das diferentes variantes dentro de um mesmo tipo de linguagem. Neste contexto, surgiram diversas propostas de modelos de estratificação, que se podem enquadrar em duas categorias diferentes: os que partem de critérios estilísticos e os que partem de critérios comunicativo-pragmáticos. Os investigadores da Escola de Praga apresentaram modelos da primeira categoria, com apenas dois estratos: o estilo prático-utilitário e o estilo teórico-científico . Contudo, este esquema não é rígido, uma vez que o estilo prático é diferenciado, do mesmo modo que existem vários estilos dentro do estilo teórico-científico.

Já Ischreyt (1965, 39), orientando-se por critérios pragmáticos, procede a uma tripartição e distinção entre a linguagem da oficina (Werkstattsprache), a linguagem - de - especialidade científica {wissenschaftliche Fachsprache) e a linguagem dos vendedores {Verkãufersprache).

(32)

Por sua vez, Hoffmann (1976) apresenta um modelo com cinco estratos, que dependem da aplicação de critérios como o grau de abstracção, a forma linguística, o meio e os agentes da comunicação.

Porém, v. Hahn (1983, 76 e segs.) prefere um modelo tridimensional, distinguindo entre três vectores: distância comunicativa (Kommunikationsdistanz), acções intencionais {Handlungerí) e destinatários (Adressaterí). Ao definir estes três eixos, o autor afirma que a distância comunicativa pode variar entre a comunicação directa, i. e. comunicação face-a-face, e a anónima, quando há várias instâncias intermediárias. Em relação ao conceito de 'distância comunicativa', que considera inovador, v. Hahn identifica uma série de critérios que podem ajudar a determiná-lo.

São eles o grau de conhecimento dos destinatários, a existência de instâncias intermediárias, o número de passos de intermediação, o canal de comunicação e o grau de desfasamento temporal. Já o segundo eixo é baseado na teoria dos actos de fala e divide-se em instrução, organização e informação. Ao terceiro eixo, e comparando-o com o modelo de Ischreyt, por exemplo, v. Hahn acrescenta uma quarta categoria, distinguindo entre Nutzung (utilização), Vermittlung (mediação),

Technologie (tecnologia) e Wissenschaft (ciência).

A avaliação que Gópferich (1995, 37) faz dos diferentes modelos reflecte bem as limitações dos mesmos, e julgo importante reter as exigências que coloca à apresentação deste tipo de propostas:

«Ein Modell der vertikalen Schichtung, das die Differenziertheit der sprachlichen Realitat in einem Fachgebiet adaquat widerspiegeln soil, muB jedoch so gegliedert sein, dali jeweils nur pragmatisch und sprachlich tatsãchlich verwandte Textsorten der gleichen Kategorie zugewiesen werden; es muB also auf einem textsortenorientierten Ansatz beruhen und die Gemeinsamkeiten der Textsorten durch Abstraktion verdeutlichen».47

47 Trad: «Um modelo de estratificação vertical, que tenha por objectivo reflectir adequadamente o grau de diferenciação da realidade linguística de uma área de especialidade, tem, no entanto, de estar

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Para concluir, penso que v. Hahn (1983, 82) tem razão, quando defende que o grau de diferenciação dos modelos é controverso e que além disso o tipo de análise que se pretende levar a cabo condiciona a grelha de elaboração do modelo: para trabalhos de teor lexicográfico bastará uma grelha mais rudimentar do que para trabalhos que incidam sobre questões de carácter comunicativo-pragmático.

Além disso, parece-me importante referir ainda que os dois tipos de articulação (horizontal e vertical) não podem ser considerados separadamente, porque nem todas as linguagens de especialidade abrangem todos os estratos verticais e porque existem sempre diferenças entre duas linguagens do mesmo estrato vertical.

2. Textos de Especialidade

2.1. A perspectiva da Linguística de Texto

Uma vez que a análise de textos sob uma perspectiva da Linguística de Texto constitui a parte prática do presente trabalho, é com certeza oportuna uma referência breve à génese e à evolução desta disciplina e àqueles que são os seus principais conceitos.

articulado de modo a que apenas os géneros de texto que sejam de facto pragmática e linguisticamente aparentados sejam atribuídos à mesma categoria; tem, pois, de assentar numa abordagem que tenha como referência os géneros de texto e de dilucidar por abstracção os pontos comuns dos géneros de texto». (J. G.).

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Neste sentido, vale a pena recordar que o termo "texto" (de origem latina), tal como hoje o conhecemos, é o resultado de longas discussões sobre a língua. Cícero e Quintiliano, que viveram, aliás, em épocas distintas, foram dois dos mais ilustres representantes da Retórica clássica, a eles se devendo a utilização metafórica do verbo "texere" e o recurso ao termo "textus" para designar o estilo. Segundo Ehlich (1984, 10), embora "textus" pareça remeter para os conceitos de conexão e coerência (trama), os dois mestres da Retórica utilizam-no com outro significado, salientando a noção de estilo, cujas quatro qualidades Quintiliano considerou serem a correcção, a clareza, a elegância e a adequabilidade.

Há ainda um segundo significado atribuído a "texto", que se manteve em uso durante muito tempo: na Idade Média, "texto" era sinónimo de texto do Evangelho e reportava-se às letras do evangeliário, que constituíam assunto de um sermão, ascendendo à categoria de "original" e "autêntico", por oposição aos comentários, aditamentos, traduções, etc.48. Este segundo significado foi depois, segundo Vater (1992, 15), alargado à literatura "mundana", facto que explica a importância dada ao traço sémico "escrito" na definição pré-científica de "texto".

É este segundo significado de texto que, no entender de Ehlich (1984, 11), se impôs na Literatura: a obra literária toma a posição do texto bíblico e passa a ser analisada filologicamente, mantendo os traços de autenticidade e originalidade.

Na Linguística, prevaleceu o sentido metafórico, ainda que não utilizado da mesma forma em que o foi por Cícero e Quintiliano, mas sim reportando-se essencialmente ao produto final: texto é o que está unido, coeso, coerente, bem "tecido".

Não será por acaso que, quando se fala no termo "texto", se refere obrigatoriamente a Retórica; e quando se vai no encalço de disciplinas precursoras da Linguística de Texto, a Retórica surge, sem dúvida, como uma delas, tanto no seu sentido mais lato (como arte do discurso público), como no seu sentido mais

Cfr. a definição lexicográfica de Silva (1959).

(35)

restrito (como retórica escolar ou arte do discurso partidário, exercida principalmente diante dos tribunais). De facto, a Retórica regulamentou a produção de discursos através de um conjunto de técnicas ou preceitos (praecepta) e estabeleceu que as matérias a tratar obedecem a cinco fases de elaboração: inventio,

dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio, sem nunca perder de vista o objectivo

final, ou seja - aquilo a que hoje se chamaria -, o efeito comunicativo do discurso: convencer o receptor. Ora, são sobretudo as três primeiras fases, aquelas em que se pode reconhecer uma maior ligação à Linguística de Texto: segundo a Retórica, a procura e escolha de ideias (inventio) e a sua ordenação (dispositio) podem ser controladas de modo sistemático; além disso, a Retórica defendeu também que os textos são portadores de uma interacção com objectivos definidos e que se pode treinar a transição ou passagem da ideia à expressão (elocutio).

A obra Einfuhrung in die rhetorische Textanalyse (Plett, 1975) é apenas um exemplo da proximidade inegável entre a Retórica e a Linguística de Texto; outro testemunho é a conclusão de de Beaugrande / Dressier (1981, 63) relativamente à paráfrase50 ou ao paralelismo (recursos tão explorados na Retórica), através dos

quais se manifesta um fenómeno de recorrência, e que contribuem para um maior equilíbrio e uma maior precisão dos textos, factores determinantes para a interpretação e aplicação, por exemplo, de textos jurídicos de carácter legislativo.

De acordo com Junker (citado in Heinemann / Viehweger (1991, 21)), apesar de se ter debruçado acima de tudo sobre palavras simples, grupos de palavras ou frases, a Retórica clássica não pode deixar de ser vista como antecedente da Linguística de Texto e da Pragmática de Texto, pois orientou-se tendencialmente para a totalidade de um texto (Textgamheit). No entender de Heinemann / Viehweger (1991, 21), o mesmo se pode concluir relativamente à Estilística, que se afirmou como disciplina autónoma no século XIX e que, tendo raízes notórias na Retórica, é também

Cfr. Lausberg(1967,75). Cfr. igualmente Fuchs (1980).

(36)

precursora da Linguística de Texto. Também ela reconhece o papel primordial da

elocutio, sublinha o princípio da selecção dos recursos linguísticos em função de um

determinado fim e se orienta sobretudo pelo efeito do discurso.

Muito embora existam alguns pontos comuns entre a Retórica e a Estilística, há todavia algumas diferenças significativas entre estas duas disciplinas. Se, por um lado, a Estilística dirigiu o seu interesse para a fase da expressão e para o recurso aos meios estilísticos, por outro lado incluiu na sua análise não apenas o discurso oral, mas também o texto literário e, posteriormente, analisou ainda enunciados / textos provenientes das mais diversas áreas da actividade social.

Durante muito tempo, não foi porém o texto a ocupar o centro das atenções da Linguística. Seguindo uma orientação apoiada no estruturalismo e na Gramática Gerativa Transformacional, os estudos linguísticos, como o tinha feito a chamada gramática tradicional, incidiram sobretudo na frase, considerando-se que todas as estruturas que ultrapassassem as fronteiras desta recaíam no âmbito da Estilística. Dressier (1973, 6) considera que Zellig Harris (1952) deu um passo importante na direcção daquilo que viria a ser a Linguística de Texto, através da sua discourse

analysis, na qual alargou os métodos estruturais do distribucionalismo americano da

fonologia, da morfologia e da sintaxe ao plano textual.

Mas só nos anos sessenta se começou a defender de modo programático que a unidade fundamental, o signo linguístico original, primário, é o texto51 e que o homem escreve e fala por meio de textos52. Este modo de ver as coisas está associado a uma mudança de paradigma, que permitiu ultrapassar a Linguística

51 Cfir. Hartmann (1971, 10).

52 «Auf einer dritten Reflexionsstufe ist also ais hõchste sprachliche Einheit der Text zu suchen. Der

Mensch redet und schreibt in Texten, oder zumindest intendiert er es: sie sind die primaren sprachlichen Zeichen, in denen er sich ausdriickt» (Dressier, 1973, 12). - Trad.: «Num terceiro nível de reflexão, deve, pois, procurar-se o texto como a mais elevada unidade linguística. O Homem fala e escreve em textos, ou pelo menos é essa a sua intenção: eles são os sinais linguísticos primários, através dos quais se exprime». (J. G.).

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voltada quase exclusivamente para a língua enquanto sistema (desde Saussure até Chomsky) para se chegar a uma Linguística marcadamente funcional e comunicativa. Essa passagem ficou conhecida no meio alemão por

"kommunikativ-pragmatische Wende" - viragem pragmática.

Muito embora tenha surgido numa altura em que predominava ainda o primado da frase, a Teoria dos Actos de Fala53 contribuiu em vasta medida para forçar esta viragem, e a prova é que foram vários os autores que se empenharam na sua aplicação no plano textual54. À luz daquela teoria, mais do que uma sequência de frases com ligações gramaticais, um texto é uma acção linguística intencional complexa, através da qual aquele que fala / escreve estabelece uma relação comunicativa com aquele que ouve / lê. É por assim dizer nesta linha que a noção chomskiana de competência linguística é substituída pela noção de competência comunicativa55, definida como a capacidade dos indivíduos de comunicarem uns com os outros em conformidade com situações variáveis de natureza normativa, social, psíquica, etc.

Um texto é simultaneamente texto-em-função (Schmidt, 1973, 145) etexto-em--situação (Weinrich, 1976, 16), logotexto-emetexto-em--situação-com-função.

De Beaugrande e Dressier, na obra Einfuhrung in die Textlinguistik (1981), estabelecem sete critérios para a definição de um texto: (1) coesão e (2) coerência, dois conceitos centrados no próprio texto e ainda (3) intencionalidade, (4) aceitabilidade, (5) informatividade, (6) situacionalidade e (7) intertextualidade, conceitos estes mais manifestamente ligados à comunicação tanto do ponto de vista do produtor / emissor como do receptor dos textos. Alguns destes conceitos serão explorados mais à frente na parte prática deste trabalho.

53 Cfr. Austin (1965) e Searle (1969).

54 Gópferich (1995, 166) refere, neste contexto, os trabalhos de Sandig (1973), Schmidt (1973) e van

Dijk (1977) entre outros.

Referências

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