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Responsabilidade extracontratual subjetiva e objetiva no Código Civil de 2002

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Academic year: 2021

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Ronaldo Gerd Seifert

Mestrando em Direito do Estado pela PUC-SP Professor das Faculdades de Valinhos e-mail: ronaldoseifert@yahoo.com.br

Resumo

A responsabilidade aquiliana é a teoria tradicional da responsabilidade civil extracontratual. O Código Civil de 2002 inovou pela inclusão de regra geral de responsabilidade civil objetiva, merecendo um estudo de sua extensão e abrangência ao lado da responsabilidade subjetiva. O estudo é iniciado com análise do desenvolvimento histórico do instituto da responsabilidade civil. Em seguida, o artigo 927, que traz as regras gerais referentes à responsabilidade civil, é colocado em evidência e estudado de forma que cada preceito seja analisado a partir de uma interpretação gramatical, teleológica, sistemática e objetiva. As principais implicações jurídicas, tanto no campo teórico quanto prático, decorrentes das alterações, são expostas. Por fim, as duas grandes teorias de responsabilidade civil são analisadas e comparadas.

Palavras-chave: Responsabilidade civil;

responsabilidade objetiva; culpa; risco.

Abstract

The subjective liability is the traditional theory of extracontractual civil liability. The Civil Code of 2002 innovated for the inclusion of general rule of objective civil liability, being important to be studied its extension compared to the subjective responsibility. The present search initiates with analysis of the historical development of the institute of the civil liability. Then, article 927, that brings the general rules to the civil liability, is placed in evidence and studied in a way that each rule is analyzed from a grammatic, teleological, systematic and objective interpretation. The main legal implications, as much in the theoretical field how much practical, decurrent of the alterations, are exposed. Finally, the two great theories of civil liability are analyzed and compared.

Key-words: Civil liability; objective liability; guilt;

risk.

Introdução

“Normalmente, a vida do homem deve correr imune de qualquer lesão aos seus direitos, seja qual for a sua natureza. O seu contato com outros seres exige um processo harmônico, sem envolver nenhum choque com os seus direitos subjetivos. Nada obstante, um prejuízo ocorre e a questão emerge de imediato: quem deverá ressarcir o dano, de como se deverá recompor o statu quo ante?” (SERPA LOPES, v. 5, p. 187).

No meio social, inevitavelmente, infrações e colisões ocorrem entre seus componentes. Sempre haverá pessoas sofrendo revezes, ocorrendo um descompasso, um desequilíbrio nas relações sociais por lesão a direito subjetivo. O estudo da responsabilidade civil visa a conhecer as circunstâncias e valores que restabelecem o equilíbrio após impacto. Procura determinar em quais danos há um responsável e, quando há, estuda a relação, o liame, entre um determinado dano e o seu responsável, assim como suas conseqüências.

subjetiva e objetiva no Código Civil

de 2002

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Embora a responsabilidade civil nem sempre tenha sido estudada ordenadamente como ocorre nos dias de hoje, ela, invariavelmente, esteve presente como necessidade intrínseca às sociedades.

Breve histórico da responsabilidade

Desde o início das civilizações, tem-se observado mecanismos estatais para responsabilizar os autores dos danos. Ainda que a forma de responsabilização escolhida por cada grupo ou sociedade possa ser muito diferente e variada, verifica-se que existe um senso comum de que o infrator precisa responder por aquilo que fez como forma de estabilização e manutenção do sistema social. Pelo fato de todos os cidadãos estarem cientes das conseqüências de seus atos danosos, a responsabilização é meio de fortalecimento da segurança e tranqüilidade às comunidades, à medida que desestimula a prática da infração.

No início, como efeito de responsabilidade por ato danoso, o estado legitimava a vingança privada. Com o passar do tempo, o estado ganhou espaço na execução das conseqüências do delito. Isso se deu paulatinamente por interferência dos líderes (políticos ou religiosos) que exerciam o julgamento de conflitos, extinguindo a legitimidade da vingança privada e trazendo-a para o estado. No mundo antigo, avanços na noção de responsabilidade puderam ser verificados em Israel e na Babilônia. Em Israel, a lei de Moisés impedia que os efeitos da responsabilidade recaíssem sobre terceiros, mais especificamente, sobre ascendentes ou descendentes: “Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado” (Deu. 24:16 – Nova Versão Internacional). Na Babilônia, o grande progresso se verifica na codificação de normas sobre responsabilidade. O Código de Hamurabi regulou penas e indenizações para infrações, destacando-se a “Lei do Talião”, isto é, “olho por olho e dente por dente”: § 196 “Se um awilum destruir o olho de um awilum, destruirão o seu olho” - § 200 “Se um awilum arrancou o dente de um awilum igual a ele, arrancarão o seu dente”.

O instituto de responsabilidade variou significativamente nas civilizações antigas, embora, em nenhuma delas, a noção tenha se aproximado do conceito moderno. Na sociedade romana, não se cogitava a culpa para efeito de responsabilidade, bastava que fosse causado um dano injusto. Além disso, a

conseqüência da infração não estava ligada à reparação. O valor pago pelo infrator à vítima tinha caráter punitivo, isto é, variava conforme a gravidade da conduta, pouco importando se o valor era inferior ou superior ao prejuízo causado.

Foi só no período moderno que a doutrina e jurisprudência trataram o instituto responsabilidade de forma próxima como fazemos. Nasceu a preocupação de, além de punir, ressarcir a vítima. Ademais, a noção de culpa passou a ser parte do conceito do instituto.

Responsabilidade civil e penal

Pode-se classificar a responsabilidade em civil e penal. A partir de um único fato, é possível que ocorram danos em duas esferas, merecendo tratamento e soluções distintas, porém paralelas. De um fato pode ocorrer 1) um mal causado ao corpo social, sendo causa de pena, e, ao mesmo tempo, um 2) mal causado especificamente à vítima, sendo causa de indenização. O que diferencia uma da outra é o valor protegido. Enquanto na responsabilidade civil mais se protege um interesse privado de ressarcimento, na responsabilidade penal, o interesse geral de reprovação prepondera. Ressalta-se, apenas, que, embora possam nascer ambas a partir de um mesmo fato, nem sempre assim ocorre. Há responsabilidade civil sem que haja penal e vice-versa. Destacamos que apenas a responsabilidade civil é objeto do presente estudo.

Responsabilidade contratual e extracontratual A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual (aquiliana). Enquanto a responsabilidade extracontratual se manifesta em virtude de desrespeito imediato à lei, a contratual ocorre por infração a uma obrigação assumida com base em autonomia de vontade. Embora os fundamentos sejam o mesmo, há diferença no que tange ao ônus da prova. Em regra, a responsabilidade extracontratual deve ser provada pela vítima, assim como nas responsabilidades contratuais cuja obrigação infringida é de meio. Já nas infrações de obrigações contratuais de fim, ocorre a presunção de culpa, cabendo ao autor do fato provar inexistência de culpa.

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Responsabilidade civil subjetiva e objetiva A forma de se verificar o responsável por um determinado dano pode se dar subjetivamente, dependendo da forma de verificação da culpa, ou objetivamente, caso em que não é necessária a presença da culpa.

No período neoclássico, quando foram estudados e aprofundados os fundamentos da responsabilidade civil, a culpa passou a compor a própria natureza do instituto. Não se falava em responsabilidade civil sem a verificação da culpa, que era seu elemento essencial. O aspecto psicológico do autor do dano deveria ser analisado. Ele só poderia ser responsabilizado por aquilo que conhecia ou deveria conhecer. Houve um avanço na noção de responsabilidade civil à medida que o causador do dano só seria responsável se dele fosse possível exigir uma conduta diferente.

No entanto, a culpa nunca foi um elemento fácil de se comprovar. Não raramente, a vítima do dano não dispõe de elementos suficientes para demonstrar a culpa do agente, de modo que o prejuízo causado, embora fruto de ato culposo, não pode ser ressarcido. A insegurança é observada na grande dificuldade de se provar a culpa em acidentes, até mesmo, comuns.

Por motivo de eqüidade, estabilidade social, nasceu a teoria da responsabilidade objetiva que visa suprir situações em que a responsabilidade subjetiva não se mostrava instrumento completo de paz social.

Diante da dificuldade de prova de culpa por parte da vítima e da necessidade de reparação dos danos, verificou-se a necessidade de se presumir relativamente a culpa em determinadas situações, cabendo, portanto, o ônus da prova ao agente (art. 1527, CC 1916). Em outros casos, não se presumia mais a culpa, criando-se responsabilidade objetiva (art. 1529, CC 1916), bastando a prova dos fatos, sem se questionar sobre a existência de culpa. Essa modalidade de responsabilidade objetiva não se equipara à teoria do risco, analisada a seguir.

A partir do final do século XIX, quando a revolução industrial trouxe novo ritmo à civilização, a vida urbana se tornou muito mais complexa. As fábricas, meios de transportes, grandes minérios, condução de energia por fios de alta tensão aumentaram a velocidade e o risco de vida, conseqüentemente, a incidência de lesões. O número de acidentes disparou. Direitos são atingidos a todo momento; bens deteriorados;

trabalhadores, transeuntes, passageiros lesionados, muitas vezes em larga escala. Com essa nova realidade, passou-se a questionar a capacidade da responsabilização subjetiva de abranger todos os casos em que o dano trazia um desequilíbrio à sociedade e verificou-se que não seria possível delimitar casuisticamente cada situação em que o agente seria objetivamente responsabilizado. Nasce, então, a teoria do risco, fundamentada na incongruência de, nas atividades lícitas, se socializar os danos e se privatizar os lucros.

Responsabilidade civil subjetiva

Na teoria clássica, a responsabilidade civil subjetiva está vinculada à ocorrência de um ato ilícito. Ato ilícito é todo ato contrário ao Direito ou à moral. No início, os atos ilícitos eram subdivididos em delitual e quase-delito. Em uma das concepções dessa subdivisão, delitual seria o ato que desrespeitasse uma proibição legal ou que tivesse uma pena expressa. Quase-delitos eram os atos que causassem um mal equiparável mas sem previsão casuística, sem previsão legal específica para o fato. Em qualquer dos casos, carregam o valor de reprovação. Por não haver distinção relevante para o direito civil, não se cogita mais essa subdivisão. Basta que seja contrário ao Direito ou à moral.

Na teoria clássica, o ato ilícito possui cinco elementos essenciais. É necessário que haja uma

conduta, uma lesão, um nexo-causal entre conduta e

dano e precisa ser verificada a culpa.

1) O primeiro elemento é uma conduta por parte do infrator. A conduta pode ser positiva (comissiva) ou negativa (omissiva). Destaca-se que é omissiva a conduta em que o agente se mantém inerte quando, pelas circunstâncias, deveria agir.

A conduta deve ser antijurídica, isto é, contrária ao Direito, não protegida por qualquer direito subjetivo. A conduta amparada pelo direito subjetivo não gera ato ilícito, ainda que provoque lesão, pois está adequada aos meios legais, configurando exercício regular de direito.

2) Há a ocorrência de dano à vítima. Para a doutrina clássica, não há ato ilícito sem que se verifique dano.

O dano pode ocorrer sobre coisas ou sobre a própria pessoa. Quando ocorre sobre coisas, a vítima é o seu proprietário, possuidor ou detentor. É o que se

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chama dano patrimonial, que compreende o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, a efetiva diminuição no patrimônio da vítima e o que ela deixou de ganhar. O dano que ocorre sobre a própria pessoa pode ser de ordem física, psíquica ou moral.

Carlos Albero Bittar define que dano “é a perda ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais e materiais” (2001, p.28).

3) É necessário que entre a conduta e o dano haja

nexo causal, isto é, que a causa direta do dano seja a

conduta. Não há ato ilícito se o dano não decorreu de um ato. O nexo causal é o próprio liame que une a causa (conduta) ao efeito (dano).

4) O último requisito é de ordem subjetiva: a culpa. O ato do infrator deve ser culposo.

A culpa lato sensu abrange a culpa estricto sensu e o dolo. Na culpa estricto sensu não há intenção. O infrator, ainda que preveja, não deseja causar o dano, mas o faz por imprudência, negligência ou imperícia. É imprudente aquele que age além dos limites que a cautela lhe impõe. É negligente aquele que não toma os devidos cuidados. É imperito o profissional em seu ofício que age com imprudência ou negligência. A diferença conceitual dessas três formas de culpa estricto sensu é bem sutil. Ademais, não está errada a afirmação que tanto a imperícia como a imprudência estão contidas no conceito de negligência, pois necessariamente está presente a falta de cautela.

A previsibilidade de possível dano é fundamental para se verificar a culpa estricto sensu. Ainda que o agente não tenha previsto, pelas circunstâncias normais, por regras de conduta ou pela situação concreta, deve ser possível a previsibilidade da lesão. É de tal previsibilidade que nasce o dever de agir com prudência e cautela. A sua conduta é negligente porque, podendo, não afasta a ocorrência do dano. Se não há previsibilidade, conseqüentemente, não há o dever de cautela, não havendo culpa.

O dolo pode ser puro ou eventual. No dolo puro há intenção de causar o dano. Já no dolo eventual, o agente não almeja lesar, mas prevê a possibilidade de se atingir bem de outrem e aceita com indiferença se assim ocorrer.

Embora no ilícito criminal a diferença entre o dolo e a culpa estricto sensu tenha repercussão, no âmbito civil basta que qualquer deles seja verificado.

Para que haja culpa, fundamental é a

imputabilidade do agente, ou seja, ele é responsável por seus atos. A vontade é elemento fundamental para a verificação da imputabilidade. A conduta deve ser voluntária, isto é, ela é desencadeada pela vontade sem vício. Logo, apenas os capazes se conduzem como fruto de vontade livre. Os demais não possuem a vontade juridicamente pura, sem vício. São inimputáveis, motivo por que sua conduta não pode causar ato ilícito. Como ensina o grande mestre Serpa Lopes, “a imputabilidade define-se como sendo determinação da condição mínima necessária a ser um fato referido e atribuído a alguém, como autor do mesmo e com o objetivo de torná-lo passível das conseqüências” (1962, v. 1, p. 565).

Portanto, quando se verifica uma conduta que gera um dano a outrem em virtude de culpa do agente, ocorre ato ilícito. Nasce, então, o direito da vítima de ser ressarcida pelo autor do fato lesivo.

Culpa

Não é possível que a lei defina todas as condutas permitidas e proibidas. Por isso, o legislador recorre a uma norma genérica para determinar em quais situações há responsabilidade. No entanto, não é tão simples que uma norma genérica seja aplicável dentro do valor justiça a todos os casos, sempre respondendo aos interesses coletivos de manutenção do equilíbrio social. Isso ocorre porque nem todos os danos ou infrações a direito causados por outrem são socialmente injustos. Não raramente o dano é causado em exercício regular de direito ou em legítima defesa. Por isso, a regra de responsabilidade subjetiva não se atém à verificação apenas dos fatos concretos, isto é, não basta a constatação de ato, dano e nexo-causal. Faz-se necessário um elemento psicológico, a culpa. A culpa tem a função de filtragem na norma genérica. Através de sua análise distinguem-se os casos em que há responsabilidade ou não do agente, ou seja, em quais situações é justo que o autor do dano responda por seu ato.

A culpa tem como base, além da já assinalada imputabilidade, a análise das circunstâncias internas do agente, assim como sua intenção, fatos e conseqüências que conhecia ou deveria conhecer. Mas a sua verificação não ocorre propriamente no interior do cérebro do infrator, pois, evidentemente, não é possível que se analise o que se passa no interior de alguém senão pela forma com que se conduz, pelas escolhas que faz. Parte-se do

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externo para o interno, isto é, analisa-se a conduta para que se conheça a natureza da vontade que levou a pessoa a se conduzir. Por isso, embora o desafio seja conhecer o interno do agente, os meios se encontram no lado externo. Mas esse caminho não pode ser seguido se o agente não for considerado em um contexto social. Do contexto social, tem-se o significado de sua escolha (vontade), pois ele conhece e vive os valores éticos e morais do seu meio. Tal é a culpa in abstrato. A análise subjetiva da conduta do autor do dano se estriba na sua comparação com a conduta do homem normal, prudente, equilibrado, adequado aos interesses coletivos, evidentemente, sem desconsiderar as peculiaridades que cercam o autor e o fato (GOMES, 1978). Aquele que, como fruto de sua vontade, age à margem da conduta equilibrada do homem normal, causando dano a outrem, ainda que não buscasse qualquer conseqüência lesiva, não poderá justificar o seu ato. Terá agido com culpa. Responderá pelos prejuízos provocados.

Um dos fundamentos da culpa é a moral. A conduta do homem é limitada e regulada, tendo como base os interesses sociais e com vistas à proteção dos direitos de cada um. A obrigação de se conduzir desta maneira e não daquela se dá em virtude de lei, de contratos e de costumes. Ora, se alguém se conduz dentro das normas e parâmetros sociais e causa dano a terceiro, não poderá ser responsabilizado. Não responde em virtude da moral que está inserida na lei. Como seria possível responsabilizar alguém que agiu dentro dos padrões sociais e da legalidade? O homem se sente responsável por reparar aquilo que realmente provocou, porém, a sua consciência repudia a idéia de arcar com o dano que não poderia prever e, muito menos, evitar, ainda que agindo prudentemente. A noção de moral rege o conceito de culpa à medida que responsabiliza os verdadeiros causadores do dano e tira a responsabilidade daqueles que estavam adequados à conduta exigida ou permitida pela sociedade.

Responsabilidade civil objetiva

No decorrer da história, como já assinalado, a responsabilidade civil subjetiva foi considerada insuficiente para abranger todos os casos em que se faz necessária a reparação de dano, gerando um desequilíbrio social. A industrialização, a expansão dos meios de transporte, o grande desenvolvimento tecnológico aumentaram o número de acidentes, dos

quais muitos não se enquadravam no conceito de culpa, e em outra gama era difícil de se provar a culpa. Não havia forma de compor os danos de tais vítimas com base na teoria da culpa. Os lesados, embora inocentes, teriam de suportar os danos causados por terceiros. Eis o desequilíbrio social.

Nasce, então, uma teoria que pregava responsabilidade sem culpa. A teoria da responsabilidade objetiva se desenvolveu justamente quando os valores individuais perdiam força frente aos interesses coletivos. Nasce quando o indivíduo começa a perder sua extrema liberdade em favor do interesse do todo, quando começa a noção de que as relações privadas devem estar adequadas à sua função social. Partindo da análise da coletividade, não do individualismo de Hobbes e Locke, percebe-se que, em certos casos, o ônus do dano cabe mais a quem o provocou que a quem sofreu, mesmo sendo ambos inocentes. Certos atos, embora não sejam culposos por estarem cercados de prudência, são praticados em favor e pela vontade do causador do dano, não da vítima. Daí criou-se várias noções de risco, tais como: risco-proveito, risco criado, risco profissional, risco excepcional e risco integral. Dessas, as duas primeiras são as mais difundidas.

Risco-proveito

Uma empresa é criada com a finalidade de trazer proveito, lucratividade aos seus sócios. Porém, esta mesma atividade que gera benefícios pode causar danos e prejuízos. No transcorrer da atividade, muitos podem ser lesados, sem que qualquer pessoa tenha incorrido em culpa. Surge a questão: quem deve arcar com o prejuízo? A vítima ou o agente? A resposta está pautada no princípio da eqüidade. Nada mais justo que responsabilizar aquele que adquire os proveitos da sua própria atividade, ao invés de deixar a vítima a amargar prejuízos por atividade lucrativa de outro. Ressalta-se que o agente não precisa colher concretamente lucro de sua atividade para que seja responsável pelos danos, basta que tenha agido com finalidade de obtê-lo. Portanto, quem, por sua atividade, busca um proveito, mas cria riscos, deve arcar com os seus prejuízos.

O risco-proveito abrange especialmente atividades empresariais. As empresas, em seu planejamento, podem projetar, calcular e separar um montante de seu capital para possíveis acidentes.

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não limite as possíveis vítimas e os possíveis tipos de dano, teve grande aplicação prática na proteção de funcionários por acidentes de trabalho, incluindo a noção de risco-profissional.

Risco criado

O risco criado possui uma concepção mais abrangente, em que também se encontra a noção do risco-proveito. É mais abrangente, pois não se limita à atividade empresarial, lucrativa, em que o proveito se verifica financeiramente, mas alcança todas as atividades, partindo do pressuposto que o homem age em seu benefício, não limitado a valores patrimoniais. Mesmo sendo mais abrangente, o fundamento é o mesmo. A atividade em si é realizada para o proveito de seu agente. Se tal atividade cria um risco, o agente pode colher os seus benefícios, mas não pode se furtar a arcar com os prejuízos dela resultantes.

Risco integral

Risco integral é a modalidade mais extremada da teoria do risco. Não há sequer a necessidade de se verificar um nexo-causal. Caso fortuito ou força maior não excluem a responsabilidade. Basta que exista certa relação do responsável com o fato lesivo, como o proprietário de área que possui árvore centenária de proteção ambiental destruído por raio imprevisível e inevitável. Pela teoria do risco integral, o proprietário do imóvel, pelo simples fato de assim o ser, deverá arcar com os prejuízos e indenizar por dano à coletividade. Poucos autores defendem essa modalidade de risco1.

Ponderações sobre a responsabilidade objetiva A responsabilidade civil objetiva foi amplamente criticada pelos defensores da corrente subjetiva. Muitos dos aspectos negativos levantados foram derrubados.

Afirmou-se que a responsabilização de alguém por dano causado sem culpa, sem sequer ter a escolha de se conduzir diferentemente, causaria a imobilidade à sociedade, desestimularia a produção, convidaria o homem a se comportar como uma estátua, pois, a qualquer momento, um fato seu, que foge ao seu controle, pode causar dano a terceiro e lhe trazer o ônus de reparar o dano. Previu-se o caos produtivo e conseqüente paralisação econômica, mas os fatos desmentiram tal

previsão pessimista. A aplicação da responsabilidade sem culpa, que, inicialmente, ocorreu no ambiente laboral e nos transportes, não afetou negativamente nos investimentos da iniciativa privada que, pelo contrário, aumentaram e frutificaram. Os empreendedores continuaram audazes e dinâmicos. Os resultados da objetivação da culpa foram positivos para a coletividade à medida que se passou a contabilizar no balanço da empresa os riscos da atividade e a agir de forma a diminuí-los, com maior prevenção e treinamento dos funcionários.

Outra crítica à responsabilidade sem culpa é que não está adequada à moral. É indiferente aos valores internos das pessoas. De fato, a responsabilidade objetiva se atém à verificação dos fatos, é materialista. Sua preocupação se volta mais ao dano em si do que ao seu provocador. Porém, é inegável que o aspecto material compreende um dos elementos da personalidade. O fato de ser ente físico faz com que o homem necessite de bens materiais. Preocupar-se com o aspecto material não pode ser subentendido como negação do conteúdo psicológico ou espiritual do homem, mas sim na valorização de suas necessidades essenciais.

Ademais, se a moral não é a base da teoria objetiva, a justiça e a eqüidade certamente são. Como já assinalado, a reparação de dano é meio garantidor de equilíbrio na coletividade, é forma de distribuir com justiça o ônus dos danos que ocorrem na sociedade, é instrumento de manutenção da paz social2.

Evidentemente, a eqüidade e a justiça têm valor sublime e são escoltadas pela moral à medida que defendem interesses sociais e individuais.

Há quem diga que a responsabilidade objetiva não se mostra eficiente para substituir a responsabilidade subjetiva. Afirmam que não é capaz de abranger todas as situações em que o dano deve ser ressarcido. De fato, ambas as afirmações estão corretas. Ainda que existam autores que defendam a vigência exclusiva da responsabilidade objetiva, não é essa a essência da teoria. A teoria objetiva nasceu para abranger a responsabilidade sobre fatos em que a teoria da culpa não incidia, mas que, por valor de justiça e eqüidade, deveria haver um ressarcimento. “A responsabilidade objetiva põe em pauta a insuficiência e não a inutilidade da culpa”(SILVA, p. 102)3. Portanto, as teorias objetivas

e subjetivas, ainda que possuam pressupostos filosóficos diversos, não se excluem, muito pelo contrário, se

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complementam. Elas podem ser aplicadas conjuntamente. A responsabilidade no Código Civil

O Código Civil de 2002 regulou a Responsabilidade Civil entre os artigos 927 e 954, no Título IX, Livro I da Parte Especial. O título está subdividido em dois capítulos. O Capítulo I trata “Da Obrigação de Indenizar” (arts. 927 a 943), regulando sobre as pessoas e os fatos em que há responsabilidade, e o Capítulo II trata “Da Indenização” (arts. 948 a 954), regulando os meios de reparação.

Embora tenha reservado um título específico sobre “Responsabilidade Civil”, o Código Civil possui outros diversos dispositivos referentes ao assunto. No Título IV do Livro I da Parte Especial (art. 389 a 420), foi regulado o inadimplemento de obrigações, conseqüentemente, diversos artigos são referentes à responsabilidade do inadimplente perante o seu credor, tais como o dever de indenizar (art. 389), a responsabilidade pela mora (arts. 395, 399 e 400), as perdas e danos (arts. 402 a 405). A responsabilidade civil também está presente de forma esparsa no código. Há dispositivos que tratam a responsabilidade de forma casuística, ou seja, na regulamentação das mais diversas relações, sejam contratuais, sejam tão somente obrigacionais, sejam por vínculos de parentesco, por fato de coisa ou de terceiro.

A seguir, serão analisados os artigos 927 e 934, pois refletem os princípios e bases da responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico.

Artigo 927

A responsabilidade civil pode ser regulada de forma casuística, tratando de fatos ou circunstâncias específicas e prevendo, muitas vezes, conseqüências especiais, como ocorre no direito contratual, sucessório, de família, de vizinhança, etc. Porém, ainda que descrição dos fatos e circunstâncias seja extremamente minuciosa, procurando abranger o maior número de situações, não há meios de prever e regular todas as possibilidades de danos. Os fatos da vida de uma sociedade são complexos, diversificados e, não raramente, inimagináveis. A riqueza de pessoas, de relações e de condutas exige que a regulamentação da responsabilidade civil deva conter, ao menos, uma norma genérica, norma abrangente, que de forma abstrata compreenda todas

as situações em que há o direito dever de reparação. A norma genérica não se prende a tipos específicos de pessoa, atividade ou dano. Ela é referente a todos, em todos os lugares, em todos os momentos.

O Código Civil reservou o artigo 927 para dispor as regras gerais de responsabilidade civil. O artigo 927 está assim disposto: “Aquele que, por ato ilícito (arts.

186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.Parágrafo único. “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

O caput estatui a obrigação do ofensor de reparar todo o dano causado por ato ilícito. À primeira vista, com a simples leitura do artigo, pode-se concluir que trata de responsabilidade subjetiva. Isso se dá porque, no caput, a reparação tem como pressuposto o ato ilícito. No entanto, essa primeira impressão logo se desmorona com um estudo mais aprofundado, sendo necessária a análise dos artigos 186 e 187 a que remete o 927.

O artigo 186 está assim disposto: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Esse é o conceito clássico de ato ilícito. Tem como base a culpa. Todos os componentes de ato culposo estão presentes. Assim como supra analisado, é necessário que sejam verificados uma conduta (comissiva ou omissiva); um dano; relação de causalidade entre conduta e dano; e a culpa4. Quando se verifica uma

conduta que gera um dano em virtude de culpa do agente, ocorre ato ilícito. Por se tratar de ilícito, o agente é civilmente responsável, devendo reparar o dano.

Uma novidade em relação ao artigo 159 do Código Civil de 1916 é que foi enfatizada a possibilidade de o dano ser exclusivamente moral para efeito de reparação. Havia uma corrente doutrinária que defendia ser o dano moral apenas indenizável se também houvesse dano patrimonial. Washington de Barros Monteiro (1996, v. 1, p. 282)5 e San Tiago Dantas (1982, v. II, p. 47

-48) defendiam essa posição. No entanto, mesmo antes da vinda do novo código, a jurisprudência já não exigia a ocorrência de dano patrimonial para se verificasse ato ilícito, mesmo porque a Constituição Federal vislumbra tal hipótese no inciso X do artigo 5º 6. Por isso, a

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o ordenamento jurídico brasileiro, apenas expressamente estendeu o que já era protegido constitucionalmente.

O principal elemento do ato ilícito do artigo 186 é a culpa. Não basta a verificação dos fatos para que ocorra responsabilização, é preciso que haja intenção ou negligência por parte do agente. É fundamental uma análise psicológica, interna. Por isso, a responsabilidade civil nos termos do artigo 927 combinado com o artigo 186 tem como pressuposto a culpa. Trata-se da regra geral de responsabilidade subjetiva, sem grandes modificações ao que se tinha no artigo 159 do Código Civil de 1916.

Se o artigo 927 combinado com o artigo 186 não trouxe grandes novidades ao ordenamento jurídico brasileiro, não se pode dizer o mesmo de sua combinação com o artigo 187, assim disposto: “Também comete

ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Todo direito subjetivo, embora conceda ao seu possuidor a possibilidade de fruí-lo, contém limites. O exercício de qualquer direito deve ocorrer dentro de tais limites, não pode excedê-los. Sempre que ultrapassados, dá-se abuso de direito. O artigo 187 estabelece norma genérica proibindo o exercício abusivo de direito, cujos limites são regidos por preceitos e valores genéricos, abstratos.

No código anterior, não havia artigo que expressamente tratasse do abuso de direito. Porém, a novidade trazida pelo artigo 187 não é propriamente a inclusão do exercício abusivo de direito como ato ilícito. Uma interpretação a contrario sensu do inciso I, artigo 1607. do Código Civil de 1916, incluía o instituto em

nosso ordenamento. O abuso de direito era ato ilícito, mas, por não ser uma modalidade específica de ato ilícito, se enquadrava no conceito clássico, em que a culpa é primordial. Por isso, o abuso de direito ocorria mediante conduta voluntária ou negligente que causasse dano. No Código Civil atual, o abuso de direito é modalidade autônoma de ato ilícito, possuindo regras próprias.

Para que ocorra ato ilícito nos termos do artigo 187, há dois requisitos.

1) É essencial que o agente possua um direito subjetivo.

2) O segundo requisito é que o exercício desse direito exceda manifestamente um dos quatro limites elencados. São eles: A) do fim econômico; B) social;

C) da boa-fé ou; D) dos bons costumes. Todos eles são conceitos legais indeterminados, expressões de conteúdo genérico cabendo ao juiz completar sua extensão e aplicá-los ao caso concreto.

Ao regulamentar o abuso de direito, o legislador não incluiu como requisito o dano e a culpa. Como se percebe, as condições para que se verifique ato ilícito são simples: basta que o exercício de direito reconhecido exceda seus limites. A ausência de dano e culpa rompe com a teoria clássica de ato ilícito.

Como já tratado, a responsabilidade tem como pressuposto o dano. Não se fala em responsabilidade civil sem lesão. No entanto, não há mais a necessidade de sua ocorrência para que haja ato ilícito, visto que o abuso de direito pode ser verificado independentemente de dano. Portanto, rompendo com a doutrina clássica, no direito brasileiro, nem todo ato ilícito é pertinente à responsabilidade civil. Seus conceitos não mais andam necessariamente juntos.

Ressalta-se que não há erro técnico do legislador, pois o próprio texto do artigo 927 exige que do ato ilícito ocorra dano para efeito de responsabilização. Se exige a ocorrência de dano em virtude de ato ilícito, é porque aceita que nem todo ato ilícito causa dano.

Assim, a ocorrência de dano no abuso de direito é indiferente para a verificação do ato ilícito, mas essencial para nascer responsabilidade civil.

Além do dano, não é necessário que se verifique culpa. Em nada importa a intenção do agente. O abuso de direito é verificado independentemente de dolo ou negligência do agente, a análise é objetiva. Toda conduta que ultrapassar os limites da boa-fé8, dos bons costumes,

da função econômica ou social do direito que o protege, configura ato ilícito. O fato de o ato ilícito ocorrer ou não por culpa é irrelevante.

Portanto, como o abuso de direito pode ocorrer independentemente de culpa, a responsabilidade por conseqüente dano é objetiva (NERY JÚNIOR, 2006, art. 186). Logo, a responsabilidade objetiva pode se dar em virtude de ato ilícito, diferentemente do que entendia a doutrina clássica e alguns autores que comentaram o novo código9.

Nesse ponto, não se menciona a teoria do risco. O fundamento da responsabilidade objetiva não se encontra expressamente na culpa, mas na reprovabilidade da conduta. A culpa está presumida nesta noção. Abusar de direito é conduta negligente por

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mas tão somente o fato de se ter excedido ou não. Concluindo, o caput do artigo 927 é referente tanto à responsabilidade subjetiva (186 CC) quanto à objetiva (art. 187 CC). Ambos decorrentes de ato ilícito danoso.

Já o seu parágrafo único é clara e exclusivamente referente à responsabilidade objetiva: “haverá obrigação

de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Pode-se verificar que a responsabilidade sem culpa foi tratada, no mesmo parágrafo, em duas frentes. Primeiramente, dá fundamento a todas as normas que prevêem a responsabilidade sem culpa. Não estabelece em quais situações nasce a responsabilidade, apenas dispõe que outras normas regulam a responsabilidade objetivamente. Esse amparo legal não é imprescindível ao nosso ordenamento que, há muito, possui normas casuísticas de responsabilidade objetiva independentemente de dispositivo semelhante.

Na segunda parte do parágrafo, foi regulada, de forma genérica, a responsabilidade objetiva em decorrência do risco.

A norma não é referente a um tipo de relação, como em virtude de contratos, profissão ou propriedade, nem limita a sua verificação a situações específicas, como no meio de trabalho ou no trânsito. Trata-se de norma abrangente, que incide sobre todos.

A atividade de risco traz responsabilidade ao agente se presentes dois requisitos, além do dano, evidentemente.

O primeiro requisito é a alta freqüência da atividade. O agente deve exercê-la com normalidade, freqüência, reiteradas vezes. Se o faz esporadicamente, não é responsável pelo risco, ainda que este seja alto. O legislador preferiu restringir a responsabilidade pelo risco àqueles que têm maiores condições de se preparar, precaver ou contratar seguros.

A atividade deve ser naturalmente de risco, isto é, o risco não pode ser considerado em circunstâncias específicas, especiais, anormais ou externas à atividade. Se o risco decorre de fato exterior à natureza da atividade, o dano não é passível de indenização por responsabilidade objetiva. Pela própria natureza da teoria do risco, a responsabilidade recai ao provocador do risco, mas se a atividade que realiza não contém risco

em si, ele não é propriamente o criador do risco, logo não deverá arcar com os danos. Uma simples ilustração está no comerciante que mantém seu comércio em frente a praça que tradicionalmente recebe manifestações políticas. Ainda que seja comum que ali ocorram manifestações violentas, sendo inegável o risco de danos aos clientes e aos seus carros em frente estacionados, não se pode considerar que o risco seja inerente à atividade de venda, logo, o comerciante não será responsável por dano nos termos do parágrafo único do artigo 927.

Assim, a atividade deve ser naturalmente de risco e o agente deve exercê-la com certa normalidade. Inegável é que ambos os termos são de conteúdo aberto, são conceitos legais indeterminados10. Logo, devem ser

interpretados em concreto pelo juiz. Verificados tais requisitos em uma atividade que gerou dano a terceiro, o agente é responsável.

Não há qualquer elenco ou delimitação de quais atividades são naturalmente de risco. Os tipos de atividades de risco são ilimitados, inclusive, qualquer atividade é passível dessa análise. Eis, então, novidade em nosso ordenamento: a responsabilidade objetiva é regulada de forma genérica tanto pela atividade de risco quanto pelo exercício abusivo de direito.

A atividade de risco é presumidamente lícita. Não se trata de atividade contrária à lei, antijurídica. A responsabilidade decorrente de risco nasce, normalmente, em função de exercício regular de direito, muitas vezes, adotados padrões de segurança mais rígidos e eficazes do que os exigidos por lei. Como já tratado, a responsabilidade objetiva não está fundamentada na busca do culpado, mas na reparação do dano baseado na eqüidade. O agente é responsável não por conduta reprovável, mas por ser de justiça que arque com o prejuízo em lugar da vítima.

É fato, porém, que, em certos casos, a atividade de risco pode ter gerado dano em decorrência de culpa, ato ilícito. Mas, se verificados os requisitos do parágrafo único, há a responsabilização do agente independentemente de prova de culpa, mesmo porque, não raramente, o elemento psicológico da culpa é de difícil prova, sendo o risco meio mais simples para se alcançar a reparação devida.

Artigo 934

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há a responsabilidade complexa. Ela se dá quando uma pessoa responde por fato de terceiro ou coisa. A responsabilidade por fato de terceiro é fruto de certa relação entre o agente do dano e o responsável, motivo por que a vítima pode cobrar diretamente deste.

O residente de prédio é responsável pelos danos causados por objetos lançados indevidamente (art. 937 CC), isto é, a vítima poderá cobrar a composição dos danos contra qualquer residente do prédio, independentemente de culpa. Pouco importa quem tenha lançado o objeto para efeito de responsabilidade frente à vítima.

Há, também, responsabilidade dos pais pelos danos causados pelos filhos menores; os tutores e curadores respondem pelos danos dos tutelados e curatelados; os empregadores, pelos danos dos empregados; os hospedeiros, pelos hóspedes ou internos (art. 932 CC). Em todos os casos, a responsabilidade é objetiva (art. 933 CC).

Diferentemente do código anterior em que prevalecia a noção de culpa presumida, a responsabilidade por ato de terceiro é, em regra, objetiva. A responsabilização se dá pela simples verificação dos elementos concretos. Ocorre que, muitas vezes, uma pessoa responde objetivamente por atos culposos de terceiro. Injusto seria se o culpado não arcasse, ao final, com o ônus. O artigo 934 prevê o ressarcimento daquele que foi responsável pelo dano causado por terceiro, abrindo a exceção se o culpado for descendente incapaz: “Aquele que ressarcir o dano

causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”.

Esse instituto permite que os valores basilares da responsabilidade objetiva e subjetiva estejam presentes em um mesmo fato.

Como já visto, a responsabilidade objetiva tem como valor primordial o restabelecimento do equilíbrio e pacificação social com base nos valores eqüidade e justiça. A composição do dano é fundamental para que se atinja tal objetivo, é a forma de reposicionar a vítima no mesmo estado em que se encontrava antes do dano. Como a composição do dano é prioridade, a responsabilidade recai até mesmo sobre terceiros que não agiram com culpa, mas, pelo fato de terem certo tipo de relação com o agente, devem suportar o ônus.

Já a teoria da responsabilidade subjetiva tem como

valor basilar a culpa. A prioridade é encontrar o culpado para responder, depois é que se discute a indenização.

Com o objetivo de facilitar a reparação do dano, evitando, se houver, a difícil prova de culpa, terceiro é responsabilizado. Porém, se houve culpa por parte de alguém, aquele que pagou a indenização pode se voltar contra o culpado. Ele se sub-roga no direito de encontrar o culpado. As dificuldades da prova de culpa saem das costas da vítima e passam ao que respondeu por terceiro. Assim, a busca pelo culpado não cessa, apenas muda o interessado, mantendo o interesse de que o infrator deve arcar com os danos.

Portanto, como se pode observar, nosso sistema simplifica os meios de a vítima obter sua reparação, mas não impede que a culpado seja responsabilizado.

Conclusão

O Código Civil de 2002 regulou a responsabilidade civil dentro das duas teorias. Disciplinou tanto nos termos da responsabilidade objetiva quanto subjetiva. É certo que no Código de 1916, ambas as teorias estavam presentes, porém as inovações do atual código trouxeram uma nova contextualização de responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico.

No código anterior, havia, apenas, uma regra geral de responsabilidade civil, baseada no conceito da culpa. Não havia qualquer regra geral que tratasse a responsabilidade objetivamente. No código atual, além da subjetiva, duas regras objetivas forma instituídas. Como analisado, as três normas gerais estão dispostas no artigo 927.

A primeira regra está regulada no caput, combinado com o artigo 186. Trata-se da responsabilidade subjetiva, em que o dano causado por uma conduta culposa gera ao agente dever de indenizar. A Segunda regra também se encontra no caput do artigo, porém, combinado com o artigo 187. Trata-se de responsabilidade objetiva, em que Trata-se analisa o dano causado por abuso no exercício de direito. Não se questiona a culpa.

A outra regra foi tratada no parágrafo único do artigo 927, em que aquele que exerce com normalidade atividade de risco responde pelos danos independentemente de culpa. É, novamente, regra geral de responsabilidade objetiva.

Diante dessas três regras gerais, pode-se perceber que tratam de hipóteses fáticas diferentes. No entanto,

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elas não se excluem totalmente. Em um mesmo fato pode incidir mais de uma das regras. Não raramente, um dano pode ter sido causado culposamente e por via de atividade de risco ou por abuso de direito. Da mesma forma, em uma atividade de risco pode ocorrer abuso de direito. A importância da presença de três regras em nosso sistema não se estriba, apenas, na ampliação das hipóteses fáticas de responsabilidade civil, mas na inserção e proteção de diferentes valores e interesses. É o reconhecimento de que a culpa é importante para se encontrar o responsável, mas de que, ao mesmo tempo, a vítima deve ser protegida para receber indenização.

Em nosso ordenamento, não é predominante a responsabilidade subjetiva, como ocorria no código anterior inspirado pela teoria clássica. Por outro lado, não podemos dizer que a responsabilidade objetiva é a grande regra, tendo deixado a subjetiva em segundo plano. Ainda que tenha ocorrido grande avanço e dado novos horizontes de responsabilização, a responsabilidade objetiva não abrange diversos tipos de danos reprováveis e de grande interesse social de reparação. A prova da culpa ainda se mostra meio eficiente em inúmeras situações. Na verdade, não se pode tratar qualquer das teorias como a grande regra. Em nosso ordenamento, a responsabilidade objetiva e a subjetiva convivem lado a lado, porque a “situação desejável é a do equilíbrio, onde impere a conciliação entre os direitos do homem e seus deveres para com os seus semelhantes” (DIAS, 1979, p. 78). As teorias não se substituem, mas se complementam. Garantem juntas valores como moral, eqüidade e justiça. Ambas são importantes e defendem interesses sociais, como procurar responsabilizar o culpado e, ao menos, garantir a composição do dano por aquele que mantenha alguma relação com o fato.

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Notas

1 O professor José Cretlla Júnior entende ser esse o

tratamento dado à responsabilidade civil por dano ambiental - Curso de Direito Administrativo, p. 106.

2 Sérgio Cavalieri Filho destaca: “Observa o insigne

Antônio Montenegro que a teoria da indenização de danos só começou a ter uma colocação em bases racionais quando os juristas constataram, após quase um século de estéreis discussões em torno da culpa, que o verdadeiro fundamento da responsabilidade civil devia-se buscar na quebra do equilíbrio econômico-jurídico provocada pelo dano (....) (Ressarcimento de Danos, 4ª ed. p. 11)”. Programa de responsabilidade civil. p. 48.

3 AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil.

Rio de Janeiro: Forense, 1944, vol. I, p. 72 - apud SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa, p. 102.

4 Destacamos a má redação do artigo 186 que permite

dupla significação para expressão “voluntária”, podendo ser entendida como “voluntariedade na conduta” ou como

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“dolo” (voluntariedade no resultado ilícito). O segundo significado é o mais correto por estar elencado ao lado de negligência e imprudência, visto que são modalidades de culpa em seu sentido amplo. Além disso, haveria uma dicotomia em considerar uma conduta culposa como ato ilícito e a dolosa não.

5 “Esse dano deve ser patrimonial; o dano moral, segundo

vimos, só é ressarcível, quando produza reflexos de ordem econômica” 1996, p. 282.

6 Constituição Federal, art. 5º, inciso X - “são invioláveis

a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

7 Código Civil de 1916 - art. 160. Não constituem atos

ilícitos: I. Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. - SANTOS, J. M. Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2ª ed., 1937, v. III, p. 338 - “a contrario sensu aceita o Código que é ilícito o ato praticado em exercício não regular de um direito. O abuso de direito, pois, é um ato ilícito, não podendo ser estudado senão como figurando dentro da teoria geral do ato ilícito”.

8 Não negamos que exceder a boa-fé possa ensejar a

noção de dolo (má-fé). No entanto, diante da moderna doutrina que vem analisando a boa-fé em sua modalidade objetiva (especialmente nas relações contratuais) e em sua combinação com a expressão “manifestamente” -destaca o aspecto externo da conduta -, entendemos ser objetiva a sua verificação com base em preceitos que regem a correta fruição do direito, não havendo a necessidade de prova de dolo. Para aprofundamento do assunto, remetemos o leitor para a obra de Karl Larenz, Base del negocio jurídico y cumplimentos de los contrato. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1956; e para a obra de Nelson Nery Júnior, Código Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. De qualquer forma, não descaracterizaria a forma objetiva de verificação de ato ilícito nos demais requisitos.

9 “na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o

dano é lícita”. Maria Helena Diniz. 2003, p. 53.

10 “Conceitos legais indeterminados são palavras ou

expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer subsunção do fato à norma, preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto. Preenchido o conceito legal indeterminado (unbestimmte Gesetzbegriffe), a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo ao juiz apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora.” Nelson Nery Júnior. p. 407.

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